DE BAR EM BAR I: SPAZIO PIRANDELLO (COLUNA DO MOUZAR BENEDITO)
26/04/2011, 18:47
Filed under: Sem categoria
Rua Augusta (anos 1970) - Fonte: Blog Bandeira Quadriculada
Foi um bom bar de São Paulo, no final dos anos 1970 e início dos 80. Ficava na rua Augusta, onde hoje funciona o Piolim. Vivia lotado. Os donos eram da área de teatro, simpáticos, e atraíam não só a “classe teatral”, mas também todo um pessoal alternativo, inclusive (mas não só) uma grande clientela que hoje seria classificada como GLS — gays, lésbicas e simpatizantes.
Era uma época muito festiva, de fim de ditadura, com a volta de exilados, saída de presos políticos, fundação do PT… e muitos encontros eram marcados lá, quando o ex-exilado, ex-preso ou militante petista tinha um estilo meio alternativo. Os mais caretas a gente não levava lá.
Pessoas de certas tendências do PT e militantes do PC do B, por exemplo, mesmo sendo amigas, eu nunca levava ao Pirandello. O PC do B, maoísta, já não era mais da “linha chinesa”, como os leigos e a imprensa chamavam.
A imprensa de direita chamava a União Soviética de “perigo vermelho” e, quando acharam que ela não era mais uma ameaça, passou a falar do “perigo amarelo”, representado pela China comunista. E o PC do B, era o partido temido, por ser mais “radical”, adepto do maoísmo, e tido como o partido dos comunistas que continuavam comendo criancinhas (que ironia: os padres propagandeavam isso!). Os comunistas do Partidão (PCB), diziam, não eram mais tão comunistas assim, eram “moderados”.
Mas a China depois de Mao tinha desviado de rota, segundo o PC do B. Sua “meca”, então, era a Albânia, tendo como líder Enver Hoxha, radicalíssimo, que considerava cachorro um animal burguês e proibiu os albaneses de terem cães. Eu, que tinha morado no Rio de Janeiro, no bairro do Leme, e vivia pisando em caca desses bichos na calçada (os cariocas já tinham um apego exagerado aos cachorros, o que agora é ainda mais exagerado em São Paulo), achei divertido. Brincava com meus amigos do PC do B, dizendo que iria pra lá abrir um restaurante pra servir carne de cachorro, pois teriam que matar todos e seria uma contradição num país comunista jogar toda aquela carne fora.
Então, voltando ao Pirandello, um ponto de encontro de homossexuais, convivendo numa boa com heterossexuais da esquerda chamada festiva, não era propriamente um ambiente recomendável para esses companheiros de esquerda linha dura, embora alguns o frequentassem também.
Eu ia lá de vez em quando e uma vez a Célia, minha namorada, ficou até enciumada porque uma atriz famosa de novelas da TV ficou me paquerando. A tal atriz devia pensar que eu, barbudo e cabeludo, era algum famoso que por acaso ela não conhecia, talvez um exilado recém-chegado de volta ao país, porque quase metade de quem estava lá me cumprimentou quando entrei. Eram jornalistas que me conheciam por eu militar na imprensa alternativa, alguns atores e uns moradores do bairro de Pinheiros.
Outra vez que me diverti lá foi quando Mário Augusto Jakobskind, jornalista carioca dos bons, pediu pra eu organizar o lançamento de um livro dele aqui em São Paulo. Penseique o Pirandello poderia ser um bom lugar para o lançamento e fui falar com os donos. Deu certo e o lançamento foi muito bom. Mas o divertido a que me refiro foi no dia em que fui com a Célia marcar a data do lançamento. Na primeira mesa, ainda do lado de fora, no alpendre, havia um casal bem atípico daquele meio: um homem meio gordo, bigodudo, com bigode a la Stalin, aparentando cinquenta anos, tomando vodka, e uma mulher aparentando a mesma idade, vestida com simplicidade, mas elegante, tomando guaraná.
Cochichei com a Célia que aquele casal não devia saber onde estava. Mas na primeira sala do restaurante, mais dois casais iguais: o homem bigodudo tomando vodka, a mulher bem arrumada tomando guaraná. E na sala seguinte, mais vários casais iguais!
— Cacete! O que está acontecendo aqui? — perguntei pra Célia, que também estava admirada.
Perguntei a um dos donos o porquê daquela clientela tão diferente, naquele dia, e tudo ficou esclarecido:
— Hoje tem lançamento de um livro de um jornalista do PC do B, sobre a Albânia.
***
Mouzar Benedito, jornalista, nasceu em Nova Resende (MG) em 1946, o quinto entre dez filhos de um barbeiro. Trabalhou em vários jornais alternativos (Versus, Pasquim, Em Tempo, Movimento, Jornal dos Bairros – MG, Brasil Mulher). Estudou Geografia na USP e Jornalismo na Cásper Líbero, em São Paulo. É autor de muitos livros, dentre os quais, publicados pela Boitempo, Ousar Lutar (2000), em co-autoria com José Roberto Rezende, Pequena enciclopédia sanitária (1996) e Meneghetti – O gato dos telhados (2010, Coleção Pauliceia). Colabora com o Blog da Boitempo quinzenalmente, às terças-feiras.
(Blog do Boitempo)
Nenhum comentário:
Postar um comentário