quinta-feira, 5 de maio de 2011

Guantánamo

Oito anos tentando o suicídio em Guantánamo


Walid Ibrahim Abu Hijazi, ex-prisioneiro de Guantánamo, está demorando para levar uma vida normal na Espanha, o que não é surpreendente em vista dos expedientes secretos do Departamento de Defesa dos EUA cedidos a "El País" pelo WikiLeaks.
A reportagem é de Mónica Ceberio Belaza, publicada pelo jornal El País e reproduzida pelo Portal Uol, 28-04-2011.
O palestino estava em uma lista de prisioneiros de "alto risco" devido a seu estado de saúde. Sofria de "transtorno limite da personalidade" e tinha ameaçado suicidar-se várias vezes, segundo uma ficha militar que acrescenta que Hijazi, com diversas internações hospitalares, precisava de "controle diário" na unidade de "saúde do comportamento" para evitar "futuros gestos suicidas". Apesar de seus evidentes problemas mentais, e de os EUA terem considerado que somente "talvez" fosse perigoso, passou oito anos encerrado na penitenciária. Entrou com 22 e recuperou a liberdade com 30.
Hijazi vive hoje em uma cidade do norte da Espanha, abrigado por uma ONG e sob supervisão do governo espanhol. Passou os primeiros meses morando em um hotel, mas foi transferido para o centro diante de sua impossibilidade de viver só. Chegou em péssimas condições, com um discurso às vezes incoerente. Assustava-se com qualquer coisa e tinha comportamentos que faziam as autoridades temerem que pudesse causar dano a si próprio. Enchia o quarto de água, não conseguia dormir e nunca fechava a janela de seu quarto. Este jornal falou com ele em abril de 2010, dois meses depois de sua chegada, mas ele quase não quis falar de sua experiência em Guantánamo. "Ainda é cedo", disse. "Essas coisas demoram, preciso de tempo."
Hoje ele está melhor, mas precisou de ajuda psicológica e apoio, assim como os demais prisioneiros do campo recebidos na Espanha. Não é fácil recuperar-se de Guantánamo. O documento secreto sobre Hijazi está datado de 24 de maio de 2007, quando o palestino já levava quase cinco anos preso. A recomendação que fazem os comandantes militares é que seja transferido para "fora do controle do Departamento de Defesa". Quer dizer, que seja libertado, mas fora das fronteiras dos EUA. Ainda demorou três anos para abandonar a base militar rumo à Espanha, depois que o presidente Barack Obama prometeu fechar o presídio e assinou acordos com vários países europeus para que o ajudassem acolhendo alguns presos.
O relatório não explica nada mais sobre seu estado de saúde, que só merece quatro linhas apesar de sua gravidade, nem explica as razões pelas quais não querem mais manter o palestino em Guantánamo. Limitam-se a contar sua história, um relato incompleto que não coincide com as acusações formuladas pelas comissões que revisavam a condição de "combatente inimigo" dos presos. Acusavam-no de ter admitido que apoiava Bin Laden e seus atos terroristas, algo que não aparece na ficha de uso interno.
Viagem a Meca
Hijazi deixou cedo a escola na Palestina para ajudar seu pai na carpintaria. Mais tarde tornou-se o garçom, mas só tinha trabalhos eventuais. Durante o verão de 2001, pouco antes dos atentados de 11 de Setembro, decidiu fazer sua primeira peregrinação a Meca. Tinha 21 anos. Foi quase sem dinheiro, com um grupo de cerca de 70 pessoas, e depois teve sérias dificuldades para voltar à Palestina. O prisioneiro disse a seus captores de Guantánamo que o clima político na Arábia Saudita contra os palestinos dificultou que recebessem a ajuda econômica de que precisavam para regressar, de forma que ficou três meses na cidade, em uma mesquita.
Um saudita que de vez em quando lhe levava dinheiro e comida lhe ofereceu para viajar ao Afeganistão para fazer a jihad. No início Hijazi respondeu que ele, como palestino, só lutaria contra Israel, mas acabou aceitando acompanhá-lo, se em troca lhe desse um pouco de dinheiro para voltar para casa. Queria se casar.
O homem lhe forneceu um passaporte saudita para que pudesse passar pelas fronteiras e o levou ao campo de treinamento de Al Faruq. Ali, segundo afirmam os comandos de Guantánamo, permaneceu duas semanas treinando com armas pequenas e foi embora um dia depois do 11 de Setembro. Escondeu-se em Jost, também no Afeganistão, onde recebeu o impacto de uma granada de mão mal utilizada por um mujahedin. Quando o levavam para um hospital em Peshawar, as autoridades paquistanesas o detiveram e entregaram aos americanos.
Essa é toda a informação de que dispõe, fora sua passagem por algumas casas de hospedagem para jihadistas nas quais pernoitou na viagem para o Afeganistão. Apesar do que consta na ficha, os tribunais que revisavam sua condição de combatente inimigo escreviam a cada ano que Hijazi tinha admitido "que apoia Osama bin Laden e outros que cometem atos terroristas" e que "apoia moderadamente as crenças e atos dos taleban". Ele negava nos processos ter dito algo semelhante, e hoje as fichas secretas do Departamento de Defesa corroboram sua versão. Não só isso, como consta exatamente o contrário: aparece afirmando que se lhe coubesse lutar em alguma guerra lutaria, mas que não se faria explodir só porque alguém como Bin Laden tivesse mandado.
Sua ficha, confusa, dedica mais espaço a suas supostas infrações (como ter comida dentro do campo ou ter atirado água em um guarda) do que a suas ameaças de suicídio, que provavelmente tiveram a ver com seu encerramento indefinido. Desde que está na Espanha parou de tentar tirar a própria vida.






(Inst. Humanitas Unisinos)

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