‘A ecologia é tão revolucionária quanto o Evangelho’
Um violoncelo pode ser visto num canto de seu escritório, cujas janelas abrem para os jardins de seu ministério. Nathalie Kosciusko-Morizet admite: não dispõe de muito tempo para tocá-lo. Nomeada ministra de Ecologia, Desenvolvimento Sustentável, Transportes e Habitação depois da reforma ministerial de novembro, ela é o número quatro do governo. Em junho passado, na Basílica de Santa Clotilde, em Paris, ela teve um encontro com Pierre d’Ornellas, arcebispo de Rennes, para falar sobre ecologia e espiritualidade. Para La Vie ela fala sobre as ligações entre esses dois conceitos.
A entrevista é de Olivia Elkaim e Olivier Nouaillas e está publicada na revista francesa La Vie, 03-03-2011. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Você é de cultura cristã e há bastante tempo se engajou na questão ambiental. Na sua opinião, o que liga a ecologia ao cristianismo?
A ecologia convida a se colocar questões, a introduzir uma dúvida em relação ao sistema de produção. Ela obriga a tomar uma distância em relação ao que se é e o que se faz. Se levarmos mais longe o questionamento ecológico, ela convida a se perguntar pelo sentido. Por exemplo: a medida do progresso. Esse termo é ambíguo. No nosso sistema, nós o associamos aos avanços científicos e tecnológicos. Nós medimos o progresso pelo crescimento do PIB. A maioria das associações ambientais contesta a avaliação do crescimento pelo PIB e propõe avaliações alternativas. Quando alguém quebra a perna, produz uma atividade e aumenta o PIB, mas não produz riqueza... Isso vai custar caro à Seguridade Social e, certamente, não produz felicidade. O crescimento no sentido do PIB não esgota a questão do progresso da sociedade. Devemos consumir mais ou menos? Devemos parar de nos colocar a questão em termos de consumo?
O cristianismo influencia a maneira de viver a ecologia?
Trata-se de tomar distância em relação às nossas escolhas, de não se limitar exclusivamente às oportunidades do momento. Esta atitude do espírito aproxima a ecologia e a espiritualidade. Em 2007, quando eu era secretária de Estado da Ecologia, organizei noites “off de Grenelle”, como os “off” de Avignon. Uma delas reuniu líderes religiosos que expuseram seu ponto de vista sobre a ecologia. Os níveis de sensibilização para a problemática ambiental eram diferenciados: o protestante, por exemplo, estava mobilizado há bem mais tempo. Mas eles estavam de acordo em dizer que cada religião propõe momentos de grande questionamento que correspondem a uma suspensão do consumo. A quaresma, o shabbat, o ramadã... Isso toma formas diferentes. Mas cada vez que uma religião quer aproximar o homem de Deus, ela o convoca para alguma moderação no seu consumo.
Em sua conversa com Pierre d’Ornellas, você disse que a tendência da Igreja católica para fazer da promoção do meio ambiente uma crítica do consumo é um pouco redutora...
Para mim, isso não esgota o assunto. As ligações entre ecologia e espiritualidade são múltiplas. No passado, houve um outro ponto de tangência entre os dois conceitos, menos presente no debate público nos tempos atuais: o êxtase diante da Criação. Há algumas décadas, espontaneamente, as pessoas teriam respondido isso.
O respeito pela terra não está inscrito nos Dez Mandamentos. O que isto lhe inspira?
É sempre redutor querer fazer do meio ambiente um assunto. Ele não tem vocação para ser fechado numa política e num lugar. Ele tem vocação para atravessar todas as políticas públicas. A ecologia é um motivo revolucionário nas sociedades, como, de certa maneira, a mensagem evangélica. É uma atitude de espírito que não se satisfaz com a maneira como estão as coisas e abre o homem a questionamentos.
Há uma passagem bíblica que recolhe o seu pensamento?
Em 2001, eu publiquei um texto sobre uma nova política ambiental em vista da preparação da campanha presidencial de Jacques Chirac. Tomei como epígrafe uma citação do Levítico. É Deus quem fala: “A terra não poderá ser vendida para sempre, porque a terra me pertence e vocês são para mim imigrantes e hóspedes”. Ele chama o homem a ocupar uma posição moderada em relação à Criação. Não é, portanto, uma posição conservadora. Convida a uma gestão de “bom pai de família”.
O cristianismo tem um impacto sobre as consciências. Que papel pode desempenhar para que os cidadãos mudem de comportamento?
Há 15 anos, os debates ideológicos invocavam o fato de que os protestantes estavam mais “ligados” à ecologia que os católicos. Os diferentes livros da Bíblia têm a mesma mensagem em matéria ambiental? Segundo as interpretações do Gênesis, há posturas diferentes: a preservação da Natureza ou sua exploração. Algumas leituras levam a uma visão prometeica – exploração, transformação da Natureza –, ao passo que outras induzem à preservação. A mensagem evangélica não é unívoca.
Portanto, você não espera nada da esfera cristã?
Sim. Quanto à ideia de que não estamos aí para sermos levados pelos acontecimentos e fazer escolhas no dia a dia baseados em critérios individualistas e de curto-prazo, a mensagem evangélica e a ecologia se encontram.
Você tem dois filhos. O que mudou na sua relação com o meio ambiente?
Quando se tem um filho, a gente se pergunta pela saúde ambiental, pela alimentação, isso é muito comum e não sou uma exceção. Estamos prontos para aceitar coisas em relação a nós que não queremos tolerar para os outros: queremos que o ambiente imediato do bebê seja saudável, que não inicie sua vida com deficiências. Pensa-se mais também nas gerações futuras: o que lhes deixamos como herança? A maternidade é um momento em que se fica muito ansiosa, mas se tem acesso a pouquíssimas informações.
Você utiliza leite orgânico para os seus filhos?
Sim. Assim como muitas mamães, eu dou muita atenção aos materiais no quarto dos meus filhos. Eu tenho um interesse como mãe e como marido de Longjumeau. Eu introduzi 20% de produtos orgânicos nas cantinas. Quanto às creches da minha comunidade, elas propõem testes de fraldas de pano para os pais que o desejarem. A entrada do item “crianças” nas questões ambientais é legítima e eficaz.
Você disse que é preciso evitar uma visão de curto prazo. A exploração planejada do gás de xisto agita a comunidade dos ambientalistas. Para além das medidas políticas e técnicas, isso não mostra que a França, assim como outros países, tem dificuldades para entrar num caminho de sobriedade energética?
A exploração do gás de xisto levanta dois problemas: um, global, de luta contra a mudança climática. Se nós abrirmos uma nova era de energias fósseis, corremos o risco de nunca alcançar isso. O outro, que é uma preocupação com a poluição local, de ataque dos lençóis freáticos e dos recursos hídricos. Na França e na Europa, os nossos compromissos são muitos fortes em relação à nossa eficácia energética e à energia renovável na produção de eletricidade. A produção de gás de xisto poderia substituir as nossas importações de gás. Não estamos numa corrida desenfreada. Hoje, não estou certa de que seja desejável se lançar na exploração do gás de xisto. Nós estamos estudando as condições técnicas. Estou muito reticente em relação a isso.
Em 2007, você estava no entusiasmo da elaboração da Grenelle do meio ambiente. Depois, você deixou este ministério. Há aquela frase de Nicolas Sarkozy dita no Salão da Agricultura, no ano passado, “O meio ambiente começa a fazer bem”. O dinamismo parece ter diminuído. Como você pretende retomar o fôlego para a mutação ecológica?
Eu utilizo muitas vezes a palavra “metamorfose”, seguindo o livro de Edgar Morin, Minha Esquerda. Ali ele explica que após ter sido durante muito tempo revolucionário, ele acredita agora na “metamorfose”, transformação tão radical quanto a revolução, mas que leva em conta a existência das tradições, das raízes. Em 2007, estávamos em plena Grenelle. Dois anos de debates parlamentares, com 200 decretos de aplicação para saírem em 2011, um grande financiamento de 6 bilhões de euros, proporcionados por grandes empréstimos... Tudo isso leva tempo. O essencial das medidas será colocado em prática em 2011, ano da maturidade da Grenelle e do compromisso da metamorfose. Ao mesmo tempo, e paradoxalmente, a exposição na mídia é menor que em 2007. A crise econômica passou por ali, com o retorno dos céticos do clima, dos céticos de Grenelle. Todos aqueles que pensam que o ambiente é um luxo que não se pode pagar, fazem ouvir sua voz. Infelizmente, não é muito original. Mas eu acredito que seja a espuma das coisas.
Para você, então, “O meio ambiente começa a fazer bem”?
É o grande desafio do século XXI. Sempre houve efeitos de ciclo sobre a midiatização da questão ambiental. Mas o desafio de fundo está presente. O Grenelle não é o fim da história, mas o começo de uma profunda transformação, a ser perseguida.
O que você pensa da palavra “sobriedade”, na confluência de dois conceitos, ecologia e espiritualidade?
Eu desenvolvi isso por ocasião do Grenelle, especialmente no debate sobre o crescimento e o decrescimento, que, para mim, continua sendo um impasse ideológico. A palavra “crescimento” é ambígua. Uma criança cresce em tamanho, em saber, em maturidade... O ser humano é multidimensional. O crescimento e o decrescimento não são, portanto, um fim em si mesmo. O termo “sobriedade” é mais interessante. Guardamos objetivos do desenvolvimento humano, de sociedade, mas não sucumbimos na desmedida. Não colocamos em perigo o futuro. Nas teorias em torno dos retiros nos monastérios, há o seguinte: nos retiramos do mundo para nos encontrarmos conosco mesmos e refletir sobre outras coisas, deixar se satisfazer por outras questões.
É aí que você aloja a sua relação com Deus?
Eu não quero falar da minha relação com Deus. Eu estou lá para colocar em prática uma política ambiental. O resto é da ordem da intimidade e eu não tenho vontade de falar sobre isso.
(Inst. Humanitas Unisinos)
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