Londrices
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Eu tinha eu
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Por Rogério Nitschke, de Londres
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Pra quem se tornou analfabeto, depois de apenas 20 horas de viagem, até que me saí bem. Caminhava muito, olhava tudo com muita vontade de saber o que era, e não sabia como, pra quem perguntar, ou onde seria a biblioteca brasileira mais próxima. Num daqueles primeiros dias, passei por uma banca de frutas, vi ameixas vermelhas, que eu adoro, e comprei umas. Sentei num dos bancos que pareciam com os dos "bondes da Carris", da velha Porto Alegre, e comecei a apreciar meu lanche. Olhava pra água marrom do Tâmisa querendo enxergar o "verde límpido" das águas do rio, lagoa, estuário, lago Guaíba, via quase nada de semelhante. Eram meus olhos cheios de saudades, e minha vidinha que estava pra recomeçar. Cheguei até a procurar alguns "pires voadores no céu", mas tinha nada com o exílio político do autor da frase pirada. Eu mesmo tinha decidido vir, teria que descascar o abacaxi, e sozinho.
Boteco antigo
Entrar num pub (bar) inaugurado em 1585, que sempre funcionou no mesmo lugar, mesmas paredes, mesmas algumas coisas, deu um nó na minha cabeça. O segundo piso, como dizem, ainda está intocado. Me senti dentro de um filme medieval, o ambiente era, mas as pessoas que estavam inocentemente almoçando destoaram da minha viajada no tempo. Histórias existem várias, umas difíceis de serem levadas a sério: vários enforcamentos nas árvores dos jardins, Byron escrevia as coisas dele, tomando umas cervejas numa das mesas, e Abraham Stoker teria visto alguns fantasmas, dos enforcados, que o inspirariam na construção da personalidade do Drácula. Vi nada disso, apenas um casarão bem velhinho, muito interessante, e que eu gostaria de ter conhecido quando cheguei a Londres, já faz muito tempo.
Culturas
Quando tento dizer em inglês: generalizar, generalizado ou generalização ainda fico com alguma vergonha, minha língua normalmente me trai, tranca. A língua mãe, o português, me puxa para os significados das palavras como eles estão nos dicionários que conheci, e então, depois da trancada, tenho uma leve tendência a generalizar sobre a linguagem e o povo inglês. Já pedi e já ouvi pedidos de desculpas em português. Já disse com licença e já ouvi com licença. Já pedi perdão e já me pediram perdão. "I'm sorry", que é usado como uma das palavras para os pedidos de desculpas, licenças ou apologias em inglês, também pode significar: sai da frente, cala a boca, é meu, não entendi, não me enche o saco, eu vi primeiro, vai à merda, este lugar é meu, fala mais alto, tu és burro? deixa de ser grosseiro e etc... O que realmente eu gostaria de ouvir, em vez de um refrigerado I'm sorry, seria alguém desse povo poder olhar no olho de outra pessoa e dizer: Cara, eu tava errado, me desculpa? Nunca vi, e acho que nunca acontecerá. Se generalizei, I'm very sorry.
5/2/2011
Fonte: ViaPolítica/O autor
O publicitário Rogério Nitschke é colunista e correspondente de ViaPolítica em Londres.
E-mail: rogerioni@googlemail.com
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