sábado, 9 de abril de 2011

Marat/Sade

Marat/Sade
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Por Luiz Rosemberg Filho & Sindoval Aguiar, do Rio de Janeiro


Um filme precioso porque Sade está vivo em tudo, ontem como hoje, principalmente na política, onde nenhum louco entra para não atrapalhar os negócios.

Colagem de Luiz Rosemberg Filho
Como não há um mínimo de consciência de classe, todos são loucos! Ainda assim na loucura, todos se manifestam desorganizadamente. E quando foi diferente na história da civilização? Na Revolução Francesa caiu a aristocracia e subiu uma burguesia, como classe, ainda pior, mais voraz e destrutiva. Lênin, em 1917, fez uma revolução anti-capitalista, e que logo se burocratizou com o stalinismo. Digamos que para compreender o processo histórico das revoluções é necessário nos enxergarmos além das explicações comuns, sem apego ou ressentimentos por uma soma infindável de frustrações. Não é por acaso que as revoluções burguesas fazem sucesso. A festa sempre acaba sendo deles!

Ora, como diferenciar esse nosso tempo de pessoas e situações tão iguais e onde todos se parecem? Ontem e hoje fundamentou-se pesadamente não um entendimento profundo da política, e sim a futilidade cor-de-rosa imposta hoje pela TV, numa homogeneidade de fascismos colloridos. Mas... é onde se vai gozar. No prazer solitário de nossas muitas frustrações. E o que era para ser um futuro de realizações e conquistas, foi transformado num hospício de revolucionários sem revolução nenhuma. Nunca cinema e teatro estiveram tão próximos como integração e resultado, capaz de contextualizar um longo flashback vivo de um momento precioso da história: a Revolução Francesa e suas formalidades políticas entre a aristocracia decadente, o povo faminto sem saber algum, e a burguesia que viria explorar a todos com a sua fome de poder e dinheiro.

Marat/Sade é um grande filme de Peter Brooks, de 1966. Em tempo de cinema de vidas passadas e de Avatar, esse filme-manifesto sobre o gênio de Sade só poderia mesmo ter como cenário um hospício, o que se tornou a sociedade, levada pelos alienistas de plantão em todo o mundo em sua sanha planetária de um poder único. Um mundo em que o povo, além de bucha de canhão, aceita sua condição de alienação. Daí a negação de virtudes como as de Sade, que definiu que a repressão é a grande fonte de um processo de criação. Período bem definido pela Revolução Francesa e a sucessão napoleônica.

Como se vê, o mundo tem histórias, as que o cinema não quer contar, e que, sobre elas, a nossa juventude nem do galo cantando quer ouvir. Em épocas assim, Dostoievski sugere No Meu Subterrâneo: “Deem-lhe todas as satisfações econômicas de maneira que não faça mais nada senão dormir, devorar pastéis e esforçar-se por prolongar a história universal; cumulem-no de todos os bens da terra e mergulhem-no em felicidade até a raiz dos cabelos: à superfície de tal felicidade como à tona de água virão rebentar bolhas pequeninas”.

Um grande filme como o de Peter Brooks é como um bom livro que exige do realizador rigor e disciplina, além do necessário conhecimento e da habilidade no trato das palavras e das coisas, essa difícil linguagem que as imagens constroem, quando múltiplas e diferenciadas, cheias de mistérios e enigmas, mitos e modernidades. Esse caminhar de um cinema que se torna difícil em paisagens de céu, terra, mar, etc... Um cinema definido pelo mercado como produto reciclável, num falso balé de corpo e de olhar sem necessidades, falseados de emoções, desejos e, principalmente, o sentir, este que tudo toca.

Nosso tempo reflete esse nada mudar como, praticamente, está definido em todas as revoluções. Tanto movimento para nada, como em nossa política, onde o ser humano deixa de ser uma construção para se definir mais como uma entropia; tudo está nela, até o seu controle, a sua alienação, coisas que vão se tornando naturais em nossas organizações e que o final desse filme torna exemplar, definindo Sade, sua obra e o mundo fervilhante que viveu, produziu e soube enriquecer.

Mesmo na clausura, onde passou quase toda a sua vida, Sade deixou a sua marca e nos ajudou na percepção da marca de todos os tempos, em que nossas vidas deveriam ser enriquecidas pela relação mais regular entre mito e conhecimento, vão se perdendo pelo distanciamento deles. E pela ausência de um sentir histórico mais presente em nossa realidade, o que Sade não nos deixa escapar, até romanceando, como inclusão daquilo que, naturalmente, é sempre omitido na política, nos conluios mais íntimos como uma relação de poder. Todo poder é de mesma gênese, variando os maquiáveis.

Alguns idiotas poderão até dizer: - É teatro filmado! Melhor ainda, como a linguagem específica de uma época de imagens sem expressão, que não refletem as potências da vida, a riqueza de um universo como o de Sade. As alegrias, sonhos e loucuras de um espaço que ninguém pode conter, possibilidades de sentimentos e desvarios que nascem numa terra desconhecida e que invadem como violência, domínio, tortura e exclusão. O mundo individual e particular de cada um de nós. Se a arte não serve para nada, como as revoluções, serve pelo menos para isso, um exercício de desatinos em busca da liberdade, essa realidade tragada pela utopia. E que as revoluções desmoralizam...

Um filme precioso porque Sade está vivo em tudo, ontem como hoje, principalmente na política, onde nenhum louco entra para não atrapalhar os negócios. Enquanto aqui fora, os ensandecidos, se divertem com as imagens que geram para nós em espetáculos de circo acompanhado das migalhas que a filantropia eficiente sabe administrar como veneno lento, seguro e insubstituível. Como a força da linguagem desse filme de Brooks, onde o ludismo, mesmo entre os loucos, não pode ficar separado das tragédias. Estas que fingimos não viver mais e que Sade não nos deixa esquecer como história e, até, como invenções. Esta significação da própria vida a cada dia mais medíocre, sem as nossas intervenções. Na arte, no cinema e na política.




26/2/2010

Fonte: ViaPolítica/Os autores

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