segunda-feira, 25 de abril de 2011

Pájaros

Pássaros na boca





-- "Pájaros en la boca", de Samanta Schweblin --
por Marcelo Barbão
No país onde o maior escritor era contista, pode-se imaginar a pressão que é publicar este gênero. Sim, estamos falando de Borges, que se posicionou várias vezes contra escrever um romance. Adicione a isso o fato de ser mulher e ter menos de 30 anos (tinha na época do lançamento).
E, apesar de ter Borges como principal expoente – além de muitos outros como Cortázar, Bioy Casares, Silvina Ocampo e tantos outros – e não sofrer tanto preconceito como no Brasil, não pensem que a vida de contista por aqui na Argentina é muito mais fácil que aí (é um pouco, digamos). Afinal, ainda há muita gente que pensa que conto não vende.
Mas Samanta Schweblin conseguiu, com seus dois livros publicados e várias participações em coletâneas, dobrar um pouco as desconfianças e conquistar um lugar merecido entre os principais autores argentinos da atualidade. Também, seus dois livros ganharam importantes prêmios no mundo latino. O primeiro, El Núcleo del Disturbio, de 2001, ganhou o Prêmio do Fundo Nacional de Artes na Argentina, enquanto que o segundo, Pájaros en la Boca, o Prêmio Casa de las Américas, em 2008.
Nada mal, podemos dizer.

-- A autora --
Os 15 contos de Pájaros en la Boca vivem em um limbo entre o realismo e a fantasia, algo que acaba sendo mais comum do que parece na literatura atual, principalmente a mais instigante, na minha opinião.
Esse limbo é o sentido de deslocamento do real que acontece a partir de coisas inesperadas que acontecem com os personagens, não uma intervenção externa fantasiosa, como existe em relatos diretamente fantásticos.
No conto que dá título ao livro, por exemplo, Samanta conta a história de uma pré-adolescente que come pássaros. Isso mesmo, contado a partir da perspectiva do pai da menina, mostrando toda a angústia de ter uma filha que é totalmente normal, até demais, em outros aspectos, mas que se alimenta de pássaros vivos, além de inteiros – penas, bico e patas incluídas.
No último conto, “En La Estepa”, um casal se muda para o interior e espera encontrar algo, a princípio parece ser um filho ou um animal, na verdade nunca chegaremos a saber. O tempo passa e apesar de todas as tentativas, de todas as receitas locais, eles não encontram o “seu” o-que-estão-buscando. Quando conhecem um casal que vive próximo e que já tem “um”, se animam. Preparam-se para visitá-los, mas algo não sai bem, aquele “algo” que buscam talvez não seja bom.
Em “Conservas”, como se contasse uma história comum da relação entre uma mãe e um bebê que está por nascer, Samanta, na verdade, fala sobre como um casal decide adiar o nascimento de um filho através de certas técnicas de reversão. Como se não falar, não pensar, não se dirigir ao bebê o obrigasse a fazer o caminho inverso da concepção. Para mim, um dos contos mais interessantes de todo o livro, porque utiliza uma linguagem menos crua (ou cruel, se quisermos) que os outros.
É nesse caminho borrado, como quando acabamos de acordar e não sabemos exatamente se tudo foi um sonho ou uma lembrança, que trabalha Samanta. Menos fantasioso e mais relacionado a uma incapacidade de entender o que realmente está acontecendo.
Para quem quiser conhecer um pouco do trabalho de Samanta – a revista Arte e Letra de Curitiba publicou dois contos muito bem traduzidos por Mariana Sanchez.
::: Pájaros en la boca ::: Samanta Schweblin ::: Emecé, 2009, 184 páginas :::
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Jornalista e escritor, mantém o blog "Direto de Buenos Aires" para a editora Abril. Publicou mais recentemente o romance A mulher sem palavras.

Marcelo Barbão
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(Amálgama)

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