Trem Doido: O andarilho
Mouzar Benedito conta
“causos” de todo o Brasil
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Da Redação de ViaPolítica
Como todo bom mineiro, Mouzar mostra, em seu novo livro, que gosta mesmo é de trem, cachaça, piada e mulher.
Mouzar Benedito é o moderno andarilho, apaixonado por viagens, em especial de trem. A trabalho, turismo ou por simples bandalheira, ele tratou de conhecer o Brasil, os brasileiros e suas histórias. E conseguiu. Durante essas andanças, reuniu “causos”, crônicas, encontrou com pessoas de todos os tipos. Muitas dessas histórias já foram publicadas por ViaPolítica, na coluna Brasil Adentro, criada por ele. Em suas jornadas, o observador de saci Mouzar Benedito já foi confundido com extraterrestre, deu carão em governador, bebeu de graça até quase cair (é difícil derrubá-lo), pagou tragos para desconhecidos, andou com os loucos de Nova Resende, namorou demais, entrou em frias, enfim, tudo aquilo que forma a garapa que chamamos vida.
Em Trem Doido, Mouzar Benedito relembra sua infância mineira, entrega histórias do curso de Geografia da USP, narra seu encontro com a poetisa Cora Coralina e com pessoas que cruzaram com ele na pele de jornalista. São 125 rápidos “causos”, espalhados por 224 páginas, que contemplam aventuras vividas por Mouzar Benedito em todos os estados do país. Reunidos, formam um original e bem humorado mural da diversidade cultural brasileira, exposta na obra com a radicalidade dos que nunca deixaram de acreditar na revolução e na força transformadora de uma boa pinga mineira, cujos sinônimos, segundo ele, chegam a mil.
Selecionada pelo autor, aqui vai uma das histórias de Trem Doido
Uma professora muito tarada
O meu amigo Alípio tinha acabado de se separar da mulher e queria viajar, espairecer. Mas não queria ir sozinho. Eu havia quebrado a perna e estava de licença médica, andando de muletas. Fomos pra Minas Gerais. A primeira parada foi na cidade de Cabo Verde, num dia 7 de setembro. Bebemos bastante, comemos mortadela e fomos pra casa dos meus tios, Franquinho e Iolanda. A casa era térrea na frente, mas como ficava numa esquina com declive forte, o quarto em que fui dar uma cochilada ficava bem acima do nível da rua lateral. Mal deitei, veio uma baita vontade de vomitar. Pulei com uma perna só até a janela e mandei ver. Embaixo, passava o desfile de estudantes, em comemoração do aniversário da Independência. Foi gozado ver o pessoal marchando fazer uma curva pra desviar do meu vômito.
Mouzar Benedito
Pegamos o João Nicolau, meu primo, e fomos para Bom Jesus da Penha, onde tinha mais parentes. Depois de beber bastante, fomos a um baile. Eu de muletas. Uma moça também bebaça de tudo beijava todos os homens que entravam. O único a parar foi o Alípio, que continuou sendo beijado taradamente. Saiu com ela e foram de carro pra estrada. A moça era completamente tarada, lanhou as costas dele inteiras com as unhas e quebrou o banco da frente do carro.
No dia seguinte, lá pelas onze da manhã, fomos beber uma pinga. João Nicolau, Alípio, Jorge (um outro primo) e eu. Fiquei discutindo com o Alípio os sinônimos de cachaça, que são mais de mil. Insisti com ele que, além dos sinônimos já existentes, você podia inventar qualquer um na hora, em Minas, que o vendeiro entenderia. Pra provar, entramos no primeiro boteco e eu pedi:
— Põe quatro bostas aí pra gente...
O cara nem vacilou. Pôs quatro copos no balcão e tascou cachaça neles. O Alípio não se convenceu. Achou que bosta lá era sinônimo de cachaça. Combinamos que no boteco seguinte ele inventaria. Paramos numa venda e ele pediu:
— Dá quatro martelos aí pra gente — inventou na hora.
O vendeiro serviu quatro cachaças. Ele ficou admirado. Aí o homem parou com a garrafa na mão e perguntou:
— Não foi um de vocês que saiu com a professora ontem?
Professora. Pelo jeito era a mulher que beijava todo mundo. Sem graça, o Aírton respondeu:
— Fui eu.
O vendeiro olhou bem na cara dele e...
— Rá-rá-rá... — soltou a maior gargalhada. Era famosa a professora.
5/2/2011
Fonte: ViaPolítica/O autor
Trem Doido, de Mouzar Benedito
Ilustrações: Ohi
224 páginas
Preço: R$ 30,00
Editora Limiar
Lançamento: 8 de fevereiro de 2011
Restaurante Consulado Mineiro
Praça Benedito Calixto, 74, Pinheiros, São Paulo
A partir das 19h30min
O jornalista Mouzar Benedito nasceu em Nova Resende, Minas Gerais, em 1946, o quinto entre dez filhos de um barbeiro. Trabalhou em vários jornais alternativos (Versus, Pasquim, Em Tempo, Movimento, Jornal dos Bairros, em Minas, e Brasil Mulher). Estudou Geografia na USP e Jornalismo na Cásper Líbero, em São Paulo. É autor de O anuário do Saci (2009, Publisher Brasil), Ousar Lutar (2000, Boitempo), em co-autoria com José Roberto Rezende, e Pequena enciclopédia sanitária (1996, Boitempo). Recentemente, Mouzar Benedito lançou o livro Meneghetti, o gato dos telhados.
E-mail: mouzarbenedito@yahoo.com.br
Mais sobre Mouzar Benedito
A caricatura de Mouzar Benedito é de Carriero, em Humor da Terra
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