Deus joga em que time?
.
Por Marino Boeira, de Porto Alegre
.
Anteriores
Os narradores de futebol, no rádio e na televisão, cansaram de dizer que Deus era brasileiro. Na última Copa América, com o fiasco multiplicado por quatro na hora de bater os pênaltis contra o Paraguai, ficou uma dúvida. Deus não teria se bandeado para os lados dos guaranis? Afinal, o país foi uma criação dos jesuítas que sempre tiveram muito prestígio com o Grande Chefe. E no Campeonato Brasileiro será que Ele já escolheu suas cores favoritas?
Quem acompanha os jogos pela televisão já viu centenas de vezes jogadores e até juízes fazendo o clássico sinal da cruz, quando começa o jogo, quando os atacantes fazem gols ou quando o goleiro defende um pênalti. É um aviso para o público e os telespectadores: “Olha aí, o Homem está comigo”. No final dos jogos, os jogadores – os vencedores , claro – são mais explícitos: “Deus me iluminou e saímos vencedores”.
Os perdedores não cobram nada, tipo “que sacanagem, a gente contava Contigo, fez promessa e tal, e nada deu certo”. Certamente não querem incomodar o Homem e perder totalmente a confiança Dele. Afinal o campeonato é longo. Na semana passada, quem assistiu Grêmio e América de Minas, viu em detalhe o velho técnico Antônio Lopes fazer um ritual completo depois que seu time – um dos últimos na tabela – marcar um gol, incluindo além do sinal da cruz, vários beijos numa medalhinha. O narrador não informou qual era o santo do Antônio Lopes, mas não era tão forte assim porque depois o Grêmio empatou.
Alguns jogadores dizem que suas orações antes do jogo não são para obter a vitória, mas para sair ilesos no final da partida. No caso do treinador do América, ficou evidente que ele estava agradecendo pelo gol. Deve ser complicado para Deus escolher o lado vencedor, tantos são os pedidos dos concorrentes. É como nas guerras antigas, onde cada lado levava seus estandartes e seus capelães e dizia defender a causa divina. Quando, por exemplo, era uma guerra entre cristãos – tipo Alemanha contra França – devia ser muito difícil para Deus se posicionar. A menos, que ele fizesse opção pela maioria católica (França) contra maioria protestante (Alemanha). Nas cruzadas, era mais fácil. Jeová versus Alá.
Mas, voltando ao futebol: na mesma noite a televisão mostrou Flamengo e Santos, com dois dos maiores jogadores de futebol do mundo se enfrentando: Neymar e Ronaldinho. No início, pareceu claro qual o lado que tinha mais prestígio junto ao Padre Eterno. O Santos ganhava por 3 x 0 e Neymar estava infernal (com o perdão da palavra). Talvez por isso mesmo, Deus achou que assim já era desrespeito. Apesar de se chamar Santos, o time paulista certamente não é unanimidade nas hostes celestiais. Dizem que Santo Antônio é flamenguista doente e com muito prestígio na hora de gerar milagres. O Ronaldinho empatou em 3 x 3, Neymar desempatou e aí, Deus se decidiu: Ronaldinho era o escolhido: 5 a 4 para Flamengo.
Como ficamos então? É só futebol, onde ganha o melhor ou que pelo menos tenha um centro-avante como o Leandro Damião, ou tem a ver com milagres e demonstrações explícitas da vontade divina? Talvez a melhor resposta seja a de um antigo narrador de futebol no Rio Grande do Sul, que depois virou até deputado federal. Dizia o Mendes Ribeiro: “Deus não joga, mas fiscaliza”. No caso do jogo entre Santos e Flamengo, ele puniu a soberba inicial dos santistas e premiou a humildade dos flamenguistas. Afinal, está até na Bíblia que os humildes e pobres de espírito ganharão reino dos céus.
Torturador impune
O coronel Brilhante Ustra, ex-comandante do DOI-CODI no período mais negro da ditadura militar, enfrenta um novo julgamento, acusado de ter torturado até a morte o jornalista da Folha de S. Paulo Luiz Eduardo Merlino, em 1971. Esta semana, foram ouvidas as testemunhas de acusação, entre elas o ex-ministro Paulo de Tarso Vanucchi, que esteve preso junto com Merlino no centro de torturas da Rua Tutóia, em São Paulo.
Esta é a segunda vez que a família de Merlino tenta obter na justiça a condenação do coronel Ustra. Em 2008, os advogados do militar usaram um artifício jurídico para conseguir o arquivamento da ação, alegando que uma das várias pessoas que acusavam Ustra não comprovara sua legitimidade como parte do processo, porque dizia ter sido companheira de Merlino, mas não anexara documentos que comprovassem a alegação.
Em defesa de Ustra deverão depor, entre outros, o ex-presidente José Sarney, que na época presidia a Arena, partido que dava sustentação política à ditadura, o coronel Jarbas Passarinho, que passou por vários ministérios durante o regime militar e mais três generais da reserva.
Ustra é ó único oficial do exército brasileiro oficialmente declarado torturador. Isso foi feito em 2008 pelo juiz Gustavo Santini Teodoro, de uma vara cível de São Paulo, em processo movido pela família Teles contra ele. Apesar de todo esse passado tenebroso, Ustra tem espaço como colunista do jornal Folha de S. Paulo para promover seu livro A Verdade Sufocada. É o mesmo jornal que classificou em editorial o período de governo do general Médici, quando as torturas chegaram ao auge, como uma “ditadura branda”. Durante essa fase, mais de duas mil pessoas foram presas por suspeitas de subversão e terrorismo no DOI-CODI, das quais 502 denunciaram terem sido torturadas e 47, comprovadamente, foram mortas na prisão. Imagina-se o que teria sido uma ditadura não branda.
30/7/2011
Fonte: ViaPolítica/O autor
Marino Boeira é graduado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É jornalista e publicitário em Porto Alegre, e professor universitário na área de Comunicação Social. Publicou De Quatro (crônicas com outros três autores); Raul: Crime na Madrugada (novela); Tudo que você não deve fazer para ganhar dinheiro na propaganda (novela). Participações em obras coletivas: Nós e a Legalidade; Porto Alegre é assim, Salimen, uma história escrita em cores, e Publicidade e Propaganda - 200 anos de história no Brasil.
E-mail: marinobo@uol.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário