sexta-feira, 29 de abril de 2011

Cinema

O cinema brasileiro e sua fase menos competitiva
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Por Luiz Rosemberg Filho e Sindoval Aguiar, do Rio de Janeiro


Para prefeito carioca, o cinema 3D do Complexo do Alemão, do projeto “Praças do Conhecimento”, tem “cara de luxo” e nada de “programação cabeça”. Filme dos Estúdios Disney inaugurou a programação da sala que custou R$ 3 milhões.

Colagem de Luiz Rosemberg Filho
Para o grande jornalismo do Wikileaks e Julian Assange

De fato o mundo anda para frente marchando para trás. Fica absolutamente claro o baixo uso intimidatório do espetáculo no psiquismo do povo sempre desinformado. Comércio, bancos, religiões e meios de comunicação tomam todos os espaços vendendo segurança, alegria e a prostituição em 3D. A grosso modo, o que interessa na verdade é vigiar e punir. Mas já mostrando aos patetas da organização da Copa do Mundo e das Olimpíadas que não somos desprovidos da indivisibilidade de uma ordem plena e respeitada. Pretende-se vender ao mundo da fantasia nossa representação de Democracia com festas na favela e um cinema em 3D. E se nos permitem uma pergunta: Arte para que, né? Nesse sentido o enredo está completo.

Fazemo-nos a maior dor possível, ainda que vendendo conquista e felicidade. O enraizamento no horror faz parte do espetáculo bufão das nossas elites. Vejam uma pérola do nosso prefeito Eduardo Paes, referindo-se ao cinema 3D, que entrou em cartaz no Complexo do Alemão: “Será um cinema com cara de cinema de luxo, com 3D, cadeiras confortáveis. E nada só de programação ‘cabeça’”. Já disse tudo a uma população que vai ver Disney, “Tron”, “Avatar” e outras bostas colloridas de Hollywood. Mas é como a elite quer o povo: de braços abertos, ainda que desiludidos com essa herança maldita do nosso eterno fascismo-espetáculo.

O objetivo é intensificar ao máximo o conceito de alienação. Dar ao povo o que os dirigentes políticos e bonecos religiosos acham ser do povo: sucata, discursos vazios, violência, pornografia, restos, miséria, prostituição e bosta. Tudo codificado alucinogicamente no espetáculo empacotado que serve ao autoritarismo das imagens sem ideias. É o cinema cor-de-rosa de devoção ao ocupante. Fascistão, mas disfarçado de democrático e respeitoso. Mas é também o que as autoridades entendem como assimilação do real: um modelo de infinitos vazios. Vazios como alimento e formação.

Um tempo consumido pela ilusão: da TV ao cinema anti-cabeça da Globo. Com a alienação dominando o presente em substituição a uma verdadeira história das nossas muitas contradições. Mas... segundo o modelo dominante, consumir cocô dá mais barato. Corresponde em ponto e vírgula ao que nossas elites usam para desinformar e formar o espetáculo da insignificância em 3D. Aliança e solidariedade ao ocupante. Só uma elite muito porca é capaz de usar a degenerescência de dominação cultural, econômica e militar de Hollywood, num espaço tão abandonado e sofrido. Mas... vendeu-se, no dia de Natal último, a rapidez da ocupação como mais um espetáculo midiático, com a presença de autoridades e o povo aplaudindo a substituição da droga pelo cinema-espetáculo. Agora, mais uma perguntinha: Alguma diferença? Na verdade, não se quer mudar nada.

Acham que o povo artificializado pelo espetáculo do consumismo não precisa do saber. Convenientemente pobre e empobrecido, é levado à cegueira como refúgio. Fechado na sua alienação, contenta-se com o esporte, a religião e a prostituição chic na TV. Quem sabe um dia não acaba idiotizado como personagem da novelinha ou do cinemão? Na pobreza banalizada tudo é possível, nessa inversão de valores onde o correto é permanecer pobre fazendo da pobreza a egotrip do espertalhão que se vende como sensível na desmaterialização política do saber. Ênfase às imagens de fachada da felicidade sem potencialização alguma. Registra-se apenas a velha chanchada social brasileira encenando a vida depois da morte como solução mágica de uma permanência duvidosa.

Ora, não seria mais respeitoso para com o país e a comunidade inaugurar um cinema na favela com “Macunaíma”, “Azyllo Muito Louco”, “Tudo Bem”, “Estômago” ou qualquer outro bom filme brasileiro? O idiotismo do termo “filme cabeça” é digno tanto da commedia dell’arte como da nossa chanchada, mostrando bem o despreparo cultural instaurado no país desde a sua descoberta. O governador chorou lágrimas de crocodilo, o prefeito bostejou verbalmente insights preconceituosos, o povo aplaudiu e Hollywood faturou! O circo estava montado. Todos com óculos iguais se burrificando no festival de besteira que assola o país, onde o objetivo principal é o de identificar o povo com um cinema Coca-Cola. Se colar, colou. Caso contrário, é chumbo grosso ou cassetada e planeta. Não chamaram de merda o cinema de Glauber? Não foram lá no morro formalizar suas macacadas sem graça? Mas em 1963 o general Golbery já produzia filmes através do IPES, para levar às favelas, dizendo que nós estávamos ameaçados pelo “perigo vermelho”. Na verdade o passado e o presente lá foram para ocultar a miséria e a fome, artificializando o real e suas contradições. É a TV, mas é também a percepção possível das nossas elites.

O nosso cinema já teve fase mais competitiva e menos entreguista. Justamente quando nossa produção, distribuição e exibição eram mais independentes e autônomas. Tínhamos público e mercado independentes, da reserva que nos foi usurpada com a conivência e o silêncio de muitos! A fase hoje é definida claramente pelo monopólio. Uma transnacionalização, fingindo um avanço em nosso capitalismo selvagem muito próximo da barbárie. Mesmo com a presença, o assédio e uma burocracia que fingia uma ordem de defesa nacional. E os artifícios e artimanhas conhecidos desde a CAIC, o Geicine, o Concine, passando pelo INC e chegando à Embrafilme destruída como parte do processo que confirmamos hoje. A criticávamos para que melhorasse, e não para que acabasse. Pelos resíduos e os aspectos benéficos e positivos que deveriam e poderiam estar nos servindo sempre; o órgão estava pronto e equipado como uma necessidade do cinema e que, em virtude disso, não poderia sobreviver!

Com o advento da televisão e a modernidade do audiovisual, nosso cinema foi sendo sistematicamente invadido pelas facilidades que o inimigo interno favoreceu em inúmeras contrapartidas, claro, econômicas e de assentos nos postos de vigília e de compensações. Negando sempre atender à ideologia dos meios de produção, esse paradigma inviolável e intocável sob pena, em certos casos, de extermínio. Tornando-se um mundinho em que não se pode tocar! O mundo das diferenças não existe mais. Existe, sim, o mundo das fronteiras. Agrícolas, das metrópoles, sociais, econômicas e culturais; sem rupturas! E com a burguesia assumindo e nos impondo toda forma de ajustes a uma falsa concepção. A de que qualquer aceleração de desenvolvimento industrial e, no nosso caso cinematográfico, pode nos livrar da dependência e da submissão das companhias estrangeiras. A que está associada aos projetos e outras ações e intenções. No caso, a burguesia se arma, se serve e se instrumentaliza deste expediente como modo contínuo de sua dominação. Com forma, dinamismo e estrutura; todas pseudamente modernizantes. Como a do fim da Embrafilme.

Seria ficar livre de um espectro da ditadura? Ou apenas um trampolim para a Globo? Que, com sua super estrutura mais do que capitalizada, e com um público de adesão psicológica já adestrado, vai dominando os nossos recursos públicos como os incentivos, sob os inumeráveis artifícios, os espaços nas grandes telas, e servindo de cabeça-de-ponte ao domínio estrangeiro. Com a ótica sendo sempre a mesma: uma exigência econômica: a das grandes produções e as de ideia nenhuma! Fazendo do nosso cinema o processo de uma empresa única, particular e indevassável. Uma trincheira de concessões públicas dentro do país. Desprotegendo-nos do principal: de mercado e de ideias. E de sentimentos, os de uma sociedade ainda empírica e em formação. Daí a fundamental defesa do cinema, como sempre o fizemos: de banimento da burocracia e do domínio de uma classe, a burguesia colonial. Com o cinema se tornando uma sociedade de espetáculo, numa sociedade que a própria realidade não consegue definir porque, historicamente, é negadora de nosso próprio processo, esse que sempre nos negou.

No Brasil, em toda a sua história, podemos verificar e confirmar que nunca houve rupturas de valor. Se as crises se intensificam, os valores as acompanham e ganham com elas para que nada mude ou ameace. Situação em que cineastas chegam a aliar-se a projetos policiais e militares tornando os guetos sociais campos de provas e de experimentos econômicos para uma parceria que nunca descartaram. Fazendo do público o privado. Como os cinemas 3D em favelas para o inconsciente econômico, político e social se extasiar com Disney. Ame-o ou deixe-o, continua valendo a sentença desde a ditadura. E eles dizem que hoje não somente é assim, tem que ser assim, porque eles são os “meios e a mensagem”! A representação dos donos. Aqui e no mundo! Tornando numa reinversão aquilo que se pensava e se projetava há pouco mais de uma geração, no sentido da crença, da liberdade e da autonomia. Na economia, no cinema e na vida do país, onde se pudesse comer com autonomia social.

Queremos só mais uma lembrança, para os milhões que fomos esquecendo ao longo dos trancos e avanços desse capitalismo vitorioso em forma de limpa-trilhos humanos e de qualquer sentir e, com as traições internacionalizadas e mais transparentes, no espetáculo. Mas muito dura na limpeza dos trilhos de seus interesses e intenções. Onde a palavra tem sido pouca, para tão poucos ouvidos. Continuamos, porém, a crença do mito, de uma extensão cosmológica como a do cinema. Uma extensão das ideias e do humano.

5/2/2011

Fonte: ViaPolítica/Os autores

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