Abortamento, um tema de dor
• Análise
É importante não se perder na discussão vazia de se ser contra ou a favor do aborto, como se fossemos contra ou a favor da vida
28/04/2011
Dora Martins
Pergunte-se a quem quiser, e qualquer um vai dizer ser contra o aborto. E, convenhamos, nenhuma mulher acha bom ou agradável submeter-se a um abortamento, ou abortar, sozinha, seu feto.
O aborto acontece, quase sempre, no escuro da alma, no medo, na insegurança, na tristeza. Não é algo desejado e por isso não é defendido por ninguém. O que se coloca em discussão, e se faz necessário, é olhar para a questão do abortamento tal como ele se põe - uma questão de saúde pública, de saúde e de vida da mulher.
Uma revista feminina, neste mês, entrevistou as nove ministras do governo Dilma. E a todas foi feita a pergunta: "a senhora é a favor da legalização do aborto?". Todas, de um jeito ou de outro, responderam que sim, que são a favor de a mulher ter o direito de abortar. Mas, perderam, quase todas, uma boa oportunidade de, naquele tipo de veículo de comunicação, voltado ao chamado "público feminino", apresentarem suas respostas de modo mais firme, contundente e esclarecedor. Especialmente por serem todas mulheres, a ocuparem um cargo expressivo no atual governo do estado brasileiro. Estado esse que ainda faz vistas grossas para um milhão de abortos feitos no país, anualmente.
Em alguns estados brasileiros, o aborto é a primeira causa de mortalidade materna. Abortos feitos aos milhares, todos os dias, na clandestinidade, sem qualquer cuidado, de modo precário e inseguro para a mulher. Milhares morrem; outras, se não morrem, suportam sequelas físicas e/ou psicológicas perenes. E, seguem todas, mortas ou vivas, com a pecha de criminosas. O que não se pode mais esconder embaixo do tapete é a discussão sobre a legalização do aborto, afastar dela a conduta criminosa. É por aí que se deve conduzir o debate e o foco da luta de todos, mulheres e homens.
Não se trata de querer adotar o aborto como meio de controle de natalidade, nem de tê-lo como algo desejável, indicado ou imposto à quem engravidou e não quer ou não pode ser mãe. Mas cabe reconhecer, sem hipocrisia, que tratar o aborto como crime, como figura criminal descrita no Código Penal, não é, e jamais foi meio de evitá-lo. A criminalização do aborto não o inibe, nem é forma adequada para proteger a vida do feto e tampouco da mulher. Todos somos a favor da vida, sem dúvida. Todos não desejamos o aborto. Mas, imprimir a quem o pratica o peso de um crime é querer fechar os olhos para a realidade e negar um gravíssimo problema de saúde que assola este país.
Mantendo o aborto como figura criminosa, sofre o Brasil um alto custo social, condenando milhares de mulheres à morte ou a suportar sérios comprometimentos à sua saúde. É preciso dar condições dignas de saúde à mulher que deseja e necessita abortar. É preciso educar homens e mulheres para uma vida sexual saudável e responsável. Afinal, o homem não engravida, não aborta, mas contribui com a geração de um filho. E, ao fazerem a lei, homens e mulheres, que nunca abortaram, devem ponderar essa circunstância antes de lançar um olhar condenador ou de censura à mulher que abortou ou quer fazê-lo. Ao contrário do que respondeu uma das ministras à pergunta da jornalista, o aborto não é apenas uma questão de "foro íntimo da mulher", senão um direito dela de decidir e ter acolhida sua opção pelo Estado, que lhe deve proporcionar os meios para exercer tal direito.
É importante não se perder na discussão vazia de se ser contra ou a favor do aborto, como se fossemos contra ou a favor da vida. Essa discussão foi usada de modo sórdido e perverso nas últimas eleições, mas em nada contribuiu para salvar vidas. Somos todos a favor da vida. Da vida do feto e da vida da mulher. Mas é preciso reconhecer que enquanto o aborto continuar a ser considerado crime, apenas se estará a enviar milhares de mulheres, quase sempre pobres, à morte. O sistema penal, o crime e sua pena, não são meios eficazes de evitar a prática do abortamento. Outros meios existem para isso. Legalizar o aborto não significa ser contra vida, ou impor às mulheres a prática do aborto. Tirar o aborto da clandestinidade, afastá-lo da figura de um crime, apenas fará que o tema se reduza ao que é: um problema grave de saúde pública. Nada mais. No mais, que o Estado, sem hipocrisia e sem se esquecer que é laico, adote políticas públicas que viabilizem o acesso da população aos meios contraceptivos, que preste educação e orientação sexual aos jovens. E que permita que a mulher que, sim, por questão de foro intimo, deseje abortar, seja acolhida, respeitada e humanamente assistida e tratada nesse momento que é de dor e jamais de prazer.
Dora Martins é Integrante da Associação Juízes para a Democracia.
Artigo originalmente publicado na Radioagência NP
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Comentários
Mentes abertas, Pessoas melhores
Paulo Queiroz - 2011-04-30 22:46
Finalmente uma visão limpa e sensata sobre aborto.
Obrigado por contribuir por um Brasil melhor com seu texto.
Vou divulgar pra quem puder!
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Excelente. Concordo na
Ricardo Oliveira - 2011-04-28 16:35
Excelente. Concordo na totalidade.
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aborto
carlos martinez - 2011-04-29 01:33
Sou estudante universitario primeiro semestre de ciencias em direito, a 15 dias fizemos este debate em sala de aula onde meu grupo foi a favor do aborto do feto anencefalo, umas das questões que tambem se faz muito importante para mulher ,sim estamos do lado da vida expressão usada pelo meu colega da sala de aula importante ressaltar isso para todos , a vida, a vida da mulher que esta correndo o risco, um risco que ela com certeza sendo a mãe não queria passar, abortar seu proprio filho, que muitas vezes se faz necessario, pela pobreza dificuldade e pelo os surtos depressão que poderia ser evitado se nos tivessemos um investimento em educação, cultura e na saude, se tivessemos realmente lideranças preocupado com a saude da mulher , com a pobreza, estive-se realmente vontade de resolver, mais não é isso que se ve. Mais sim concordo na oportunidade de nossas pseudas lideranças ter o espaço para comentar e defender sobre a mulher do aborto, assunto tão contudente que nos faz sempre refletir como seres humanos, mais contudo na epoca que vivemos e o respeito a mulher, ela sim tem que tomar esta decisão uma decisão muito dificil por se tratar de uma vida depedendo da situação, e não ser palco de politicos e se fazer a justiça, na qualidade de vida dar a liberdade da mulher escolher o que sera melhor e não de colocala como uma criminosa no clandestinagem, esta na hora da lei ser justa e eficaz na sua decisão..
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ABORTO
KARINA MARQUES - 2011-04-28 21:38
Olá, Dora.
Concordo com você, no que diz a respeito das mulheres que ocupam um lugar na política nacional e o fato de não se posionarem e ser mais claras referente ao assunto, uma vez que elas são "mulheres" sabem bem o que é ser mãe. Eu, Karina Marques, não faria jamais um aborto, e é uma escolha minha, inclusive recentemente fiquei grávida e nos exames constatou-se que minha filha Isabella, tinha Síndrome de Dandy Walker e que um dos suas causas era a hidrocefália, no caso dela era irreversível, nãoformou massa cefálica, sendo assim nenhuma possibilidade de uma cirurgia. Fui aconselhada a fazer o aborto pelo médico especialista, pois corria risco de vida e como no caso dela não haveria formas de reverter ou melhorar a saúde dela, era uma má formação, nada que eu fizesse mudaria. Mais mesmo assim, não o fiz. E graças a Deus, ela teve uma ótima gestação, nasceu aos seus 8 meses e meio, com 2,90kg (dois quilos e noventa), seus 42 centímetros e viveu 1:05h (uma hora e cinco minutos), no dia 25/11/2011. Este tempo que tive para que eu pudesse pegá-la, beijá-la e sentir seu cheirinho, foi o mais intenso e inestimavel. Conto isso porque tenho visto nos noticiários neste 5 meses decorrentes que há crianças sendo jogadas no Lixo, nos rios, na caçamba, o que me deixa muito triste, mas de fato é a realidade e por isso devemos fazer algo. Pois se deve levar em conta "n" fatores, não é tão simples e nem se resulta com o ato de fazer ou não, tem a saúde física, emocional e psicologica da mulher, que foi muito bem abordado em sua matéria.
Por isso sou a favor que este tema seja discutido mais amplamente em suas implicações, ao invés de se dizerem a favor ou contra, nós que ocupamos lugar na política não podemos e nem devemos ser imparcial, ainda se tratando de temas da nossa área (feminina) que conhecemos tão bem, pois a vivenciamos. Trabalho como Assessora Parlamentar, no Partido Verde e me coloco a disposição para divulgar este tema, debatermos e quem sabe transformar o olhar, a opinião e as Leis que englobam este assunto. Até mais!
PARABÉNS!
Deveríamos ter mais pessoas discutindo e agindo a favor do tema, pessoas com visões amplas e que de fato querem mudar esta realidade. Obrigada.
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A questão não é o Aborto
Kely Chagas de Araújo - 2011-05-01 19:52
Penso que decidir se pode ou não se fazer o aborto não vai resolver a questão, que é muito mais ampla do que isso e que o que deve ser discutido é que politicas publicas podem ser feitas para dar suporte as gestantes que, na maioria das vezes, resolvem abortar por condições financeiras precarias ou falta de preparo psicologico para lidar com a questão. O caminho que vejo é esse, não sei até onde o estado deve intervir na vida das pessoas, mas penso que essa parte de suporte nesses casos é papel dele, ai sim ele estaria zelando pela vida.
(Brasil de Fato)
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