segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Boldrin

Rolando Boldrin o Poeta Caipira
por Eli Boscatto


Pouco lembrado pela mídia, outro dia ele deu uma entrevista numa rádio que acabei perdendo, uma pena. Rolando Boldrin tornou-se um ícone da cultura nacional que muito provavelmente só será devidamente lembrado depois da sua morte. Uma personalidade que é a cara do sertão, da terra, do mato, um “caipira” com muito orgulho. Mas acima de tudo, ele nos transmite uma autenticidade de propósitos, uma paixão pelo que faz e acredita que fica difícil não admirá-lo num país tão carente de boas intenções; as verdadeiras claro.

Gosto de vários estilos musicais e alguns que confesso, não costumo ouvir com frequência mas tenho grande respeito, são as canções de raiz ou MPB regional . Aí estão incluídos, além de outros, Almir Sater, Renato Teixeira e, Rolando Boldrin. Ele representa o homem simples do campo, um pouco ingênuo, um tanto crente e talvez por causa disso, feliz e hospitaleiro.

Rolando Boldrin é cantor, ator, compositor e parece dotado daquela sabedoria das coisas da terra, é um poeta caipira, mas não é um personagem que venda qualquer produto nem é procurado pelos holofotes. Atualmente apresenta o programa Sr.Brasil na TV Cultura e toca um projeto cultural chamado “Vamos Tirar o Brasil da Gaveta!”. Como ator, no passado já participou de muitas novelas, peças e filmes.

“Eu amo os atores que sabem que a única recompensa que podem ter – não é o dinheiro, não são os aplausos – é a esperança de poder rir todos os risos e poder chorar todos os prantos” Plínio Marcos.

Boldrin nasceu na pequena cidade interiorana de São Joaquim da Barra no estado de São Paulo. Desde pequeno, aos sete anos, já tocava a viola e começou já uma empreitada musical junto com seu irmão aos 12 anos de idade, formando a dupla Boy e Formiga que era bem sucedida na rádio do município.

Devido a incentivos por parte de seu pai, Boldrin foi aos dezesseis anos para a capital São Paulo de carona em um caminhão. Lá, antes de finalmente emplacar na carreira de cantor, foi sapateiro, frentista, carregador, garçom e ajudante de farmacêutico. Aos 18 serviu o exército em Quitaúna e nos anos que seguiram dedicou-se à atividade musical.

Assim Boldrin debutou em 1960 como um participante do disco de sua futura esposa, que tornou-se sua produtora na época, Lurdinha Pereira. Lançou seu primeiro disco solo, pela Continental, O Cantadô, em 1974.



Hoje aqui, oiando pra vancê meu pai,
To me alembrando quanto tempo faz
Que pela primeira vez na vida eu chorei.
Não foi quando nasci pru que sei que vim
berrando...

E disso ninguém se alembra, não.
Foi quando um dia eu caí...levei um trupicão,
Eu era criança. Me esfolei, a perna me doeu,
Quis chorá, oiei pra vancê, que esperança.
Vancê não correu pra do chão me alevanta.

Só me oiô e me falô:
- Que isso, rapaz ? Alevanta já daí...
HOMI NÃO CHORA.

Aquilo que vancê falô naquela hora,
Calou bem fundo,
pru que vancê era o maió homi do mundo.
Não sabia menti nem pra mim nem pra
ninguém...
O tempo foi passando...cresci também...
Mas sempre me alembrando..

HOMI NÃO CHORA. Foi o que vancê falô.
O mundo foi me dando os solavanco,
Ia sentindo das pobreza os tranco...
Vendo as tristezas vorteá nossa famía,
E as vêiz as revorta que eu sentia era tanta
Que me vinha um nó cego na garganta,
Uma vontade de gritá... berrá, chorá... mas quá...
Tuas palavra, pai, não me saía dos ouvido...
HOMI NÃO CHORA.

Intão, mesmo sentido, eu tudo engolia
E segurava as lágrima que doía...
E elas não caía, nem com tamanho de
Quarqué uma dô...

Veio a guerra de 40... e eu tava lá... um homi feito,
Pronto pra defendê o Brasí.
Vancê e a mãe foram me acompanhá pra despedi.
A mãe, coitada, quando me abraçô, chorô de saluçá.
Mas, nóis dois, não.
Nóis só se oiêmo, se abracêmo e despedimo
Como dois Homi. Sem chorá nem um pingo.
Ah, me alembro bem... era um dia de domingo.
Também quem é que pode esquecê daquele tempo ingrato ?
Fui pra guerra, briguei, berrei feito um cachorro do mato,
A guerra é coisa que martrata...
Fiquei ferido... com sodade de vancês... escrevi carta.
Sonhei, quase me desesperei, mas chora, memo que era bão
Nunca chorei...
Pruque eu sempre me alembrava daquilo
que meu pai falô:
- HOMI NÃO CHORA.

Agora, vendo vancê aí... desse jeito... quieto...
sem fala,
Inté com a barbinha rala, pru que não teve tempo de fazê..
Todo mundo im vorta, oiando e chorando pru vancê...
Eu quero me alembrá... quero segurá... quero maginá
Que nóis dois sempre cumbinemo de HOMI NÃO CHORÁ... quero maginá que um dia vancê vorta pra nossa casa
Pobre... e nóis vai podê de novo se vê ansim, pra conversá.
Intão vem vindo um desespero, que vai tomando conta...
A dô de vê vancê ansim é tanta... é tanta, pai,
Que me vorta aquele nó cego na garganta e uma lágrima
Teimosa quase cai...
Óio de novo prôs seus cabelo branco... e arguém me diz
Agora pra oiá pela úrtima vez..que tá na hora de vancê
Embarcá.

Passo a minha mão na sua testa que já não tem mais pensamento... e a dô que tô sentindo aqui dentro,
Vai omentando...omentando, quase arrebentando
Os peito...e eu não vejo outro jeito senão me descurpá.
O sinhô pediu tanto pra móde eu não chorá... HOMI NÃO CHORA... o sinhô cansô de me falá...mas, pai,
Vendo o sinhô ansim indo simbora... me descurpe, mas,
Tenho que chorá.




eliboscatto
Artigo da autoria de Eli Boscatto.
Formada em Ciências Políticas e Sociais, curiosa, inquieta, adora se emocionar. Pretensa poeta..
Saiba como fazer parte da obvious.

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