sexta-feira, 19 de julho de 2013

Snowden

O passaporte de Edward Snowden



Berna (Suiça) - Enfim, Edward Snowden, o revelador do Big Brother americano, ganhou um passaporte e poderá viajar para a Venezuela, um dos três países latinoamericanos que lhe oferecem asilo político e humanitário.

O passaporte concedido pelo World Service Authority me fez lembrar dos meus encontros com o visionário militante mundial, Garry Davis (foto), que entrevistei em 1972, em Paris, num frila para a revista Manchete, e que reencontrei dez anos depois, ao visitar a ONU em Nova Iorque.

Na porta, distribuindo folhetos, não me lembro qual era o protesto, estava Garry, que demorei a reconhecer por estar sem barba. Hoje, o militante Garry Davis tem 91 anos e prova ser a militância e luta por um ideal superior a qualquer vitamina E ou antioxidante contra o envelhecimento.

Naquela época, barbudo, Garry Davis corria o risco de prisão na França por divulgar e considerar como documento válido, um passaporte azul, pretensamente concedido por uma autoridade mundial, na verdade o movimento por ele criado.

Garry Davis era também considerado inimigo dos EUA e sujeito a processo e prisão perpétua caso entrasse no território americano, por ter ajudado desertores americanos da Guerra do Vietnam a fugirem e viajarem para outros países asiáticos e mesmo chegarem à Europa, utilizando o passaporte mundial por ele criado.

Guardadas as proporções, Garry Davis era considerado traidor como hoje é Edward Snowden (estávamos na época da Guerra Fria e os EUA não conseguiam derrotar os viets) por ter, numa manifestação anti-guerra do Vietnam e anti-EUA, queimado passaportes americanos de desertores, em plena praça Trocadero, em Paris.

Por ter tentado entrar três vezes na cidade suíça de Basiléia com o passaporte azul da World Authority, considerado falso e sem qualquer valor, ficou preso algumas horas e correu o risco de processo. Acabou sendo libertado, pois seu nome começava a ser conhecido. A própria esposa de Roosevelt tinha citado Garry Davis num de seus discursos, como o visionário militante de um mundo único sem fronteiras e sem países.

Sua rejeição pela guerra lhe veio por ter sido piloto de bombardeio na Segunda-Guerra Mundial. Seus primeiros atos como militante foram, em 1948, em favor da criação de um governo mundial capaz de impedir novas guerras. A idéia do passaporte mundial (na época havia muitos apátridas ou sem documentos, em consequência da Guerra) foi posta em prática alguns anos depois.

Em pouco tempo vendeu 700 mil passaportes e começaram, em diversos países, os processos por falsificação de documentos.  Não chegava a ser condenado, pois seu passaporte não era e nem pretendia ser um passporte de algum país. Não podia ser considerado uma falsificação porque deixava bem evidente ser um documento de viagem fornecido por uma Autoridade Mundial, não por um país existente, e vinha assinado por Garry Davis, representante dessa Autoridade.

As pessoas compravam não para viajar mas para apoiar o movimento utópico de Garry Davis. E, mesmo assim, uma centena de países declarou aceitar o documento como uma variante do passaporte amarelo de apátrida concedido pela ONU. Isso não evitava seu detentor de ser barrado ao passar pela alfândega.
No passado, esse passaporte era todo de papel com uma parte plastificada, como o antigo passaporte brasileiro, porém atualmente, tem aparência de um documento de identidade eletrônico.

É um passaporte como esse,  o recebido em Moscou pelo ex-agente e agora inimigo número um dos EUA, Edward Snowden. Resta saber se a polícia de fronteiras russa aceitará o passaporte da World Authority, no momento em que Snowden sair da área de trânsito para tomar seu avião para Caracas.

E esperar que o voo de Snowden não seja interceptado por caças americanos para forçá-lo a descer nos EUA. Para evitar isso, Snowden terá provavelmente de se servir de outros passaportes de Garry Davis e utilizar uma rota desconhecida.

Antes de concluir uma rápida observação.  Por que têm de ser a Venezuela, a Bolívia e a Nicarágua os países de refúgio para Snowden e não o Brasil ?  Como se já não bastasse minha decepção com o presidente francês, o socialista François Hollande, participando de um vergonhoso ato de sujeição aos Estados Unidos, ao impedir o voo do avião presidencial de Evo Morales sobre seu território, tenho de acumular outra decepção, desta vez com nossa presidente Dilma Rousseff.

Em lugar de protestar contra os EUA por ter montado, em Brasília, desde a época de FHC, um sofisticado sistema de grampos de telefones e de informações do nosso governo e das embaixadas estrangeiras ali existentes, o governo brasileiro poderia ter dado uma importante mensagem de independência para o mundo. Consistiria em conceder asilo político e humanitário a Snowden. Seria, porém, pedir muito a um governo que em matéria de política de comunicações tem se mostrado nulo. 
Rui Martins
(Direto da Redação)

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