quarta-feira, 31 de julho de 2013

Cuba

A situação da cultura diante dos protestos de rua
Publicado em 23/07/2013
Roberto SchwarzPor Roberto Schwarz.

Apresentação preparada para o primeiro encontro do Cultura Atravessa, dia 08 de julho de 2013.

Caros amigos, vou ser breve. É uma grande alegria estar aqui com vocês, tentando tomar pé numa situação que é nova. Até onde sei, há tempos que não aconteciam reuniões como esta, o que torna o prazer maior ainda. Há uma frase de Brecht, acho que no Galileu, que diz que a liberdade é como um cachorro: basta alguém dizer o nome dela, que ela vem logo pulando.

Como muitos aqui, não tenho opinião firmada sobre o rumo que as coisas vão tomar. Não sei se o transporte público, a educação e a saúde – para ficar nas calamidades mais citadas – vão melhorar, nem sei quem vai ser o beneficiário dos protestos. Será o PT, o PSDB, o PMDB, o PSB etc., ou um movimento novo, ou, ainda, um aventureiro? Muita coisa pode acontecer, inclusive nada, e neste sentido devemos estar preparados para resultados decepcionantes. Entretanto, seja como for, para nós artistas e intelectuais é fato que algo de importante ocorreu e que a nossa situação mudou. Essa em todo caso é a minha impressão, mas naturalmente posso estar enganado.

Foi tudo muito rápido. Em duas semanas o Brasil que diziam que havia dado certo, que derrubou a inflação, que incluiu os excluídos, que está acabando com a pobreza extrema, que é um exemplo internacional, foi substituído por outro país muito pior, em que o transporte popular, a educação e a saúde são um desastre, em que a classe política é uma vergonha, sem falar na corrupção. Qual das duas versões estará certa? É claro que todos estes defeitos já existiam antes, mas eles não pareciam o principal; e é claro que aqueles méritos do Brasil novo continuam a existir agora, mas parece que já não dão a tônica. A viravolta, que foi impressionante, com certeza teve um lado midiático, de propaganda eleitoral, visando 2014. Ainda assim, ela é histórica, e vai fazer diferença, particularmente no âmbito da cultura. O espírito crítico, que esteve fora de moda, para não dizer excluído da pauta, tem agora a oportunidade de renascer.

Salvo engano meu, o nosso espírito crítico foi posto para dormir há mais ou menos 20 anos, no começo da década de 90, quando o Brasil entrou para a era da globalização e tomou conhecimento da nova hegemonia do capital, muito mais completa do que tudo que se havia visto anteriormente. Não que durante esse período não houvesse artistas ou intelectuais inconformistas, tentando dar forma artística ou conceitual à sua insatisfação, à sua percepção de que as coisas não são o que parecem. Mas a crítica não encontrava ressonância e ficava parecendo como que ranhetice ou má-vontade isolada, pessoal, coisa de gerações antigas. Na época, explicando que não cabia chamar o seu governo de neo-liberal, Fernando Henrique Cardoso dizia que, ideologias à parte, ele simplesmente fazia o necessário para adaptar o Brasil à ordem da globalização, para a qual não havia alternativa. Em inglês, TINA, as iniciais de there is no alternative. O que se opusesse a isso seria “nhenhenhém” ou “fracassomania”, vocês se recordam dessas expressões dele, que buscavam ironizar os pontos de vista contrários. A bem da verdade, é preciso reconhecer aliás que essa ironia funcionava, pois diante do gigantismo da nova ordem mundial e das perspectivas que ela abria, a resistência crítica parecia mesmo um pouco anêmica, sem pé no curso real das coisas. E ainda a bem da verdade, é preciso reconhecer também que os governos Lula e Dilma, embora com mais acento social, não diferiam de Fernando Henrique neste ponto, na visão cor de rosa do capitalismo, que seria a grande solução, e não um tremendo problema por sua vez.

Enfim, para retomar tudo isso num plano mais genérico e menos pessoal, digamos que o Brasil passou 20 anos imerso no otimismo quanto à nova ordem capitalista, a qual de fato lhe permitiu avançar muito, ao mesmo tempo que criava problemas crescentes, aqui e mundo afora. A cegueira para estas contradições, alimentada pela ideologia marqueteira oficial, pesava como um tapa-olho sobre a inteligência do país, que perdeu contato com o avesso das coisas, sem o qual não existe vida do espírito. Pois bem, a energia dos protestos recentes, de cuja dimensão popular ainda sabemos pouco, suspendeu o véu e reequilibrou o jogo. Talvez ela devolva à nossa cultura o senso da realidade e o nervo crítico, sem falar no humor, que nos seus momentos altos esta sempre teve.

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O segundo encontro do Cultura Atravessa está marcado para a próxima segunda-feira, 29 de julho, às 20h no Teatro Oficina (São Paulo). O evento contará com a participação de Maria Rita Kehl, dentre outros. Mais informações, clique aqui.

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Ainda este mês a Boitempo lança seu próximo livro de intervenção Cidades Rebeldes: Passe livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil, com textos de Slavoj Žižek, David Harvey, Mike Davis, Ermínia Maricato, Carlos Vainer, Ruy Braga, Paulo Arantes, Silvia Viana, Pedro Rocha de Oliveira, Felipe Brito, Lincoln Secco, João Alexandre Peschanski, Mauro Iasi, Raquel Rolnik, Leonardo Sakamoto, Jorge Luiz Souto Maior, entre outros.

Max Lesnik: um sobrevivente no exílio
Aos 83 anos, o jornalista cubano é um dissidente dos dissidentes. Como balseiro, chegou a Miami, onde ainda vive, em 1961. Mas retomou as relações com sua terra natal e até a amizade com Fidel Castro. Hoje, está engajado na militância pela defesa da normalização da relação entre Estados Unidos e Cuba.

Daniella Cambaúva



Miami – No dia 25 de janeiro de 1961, o jornalista cubano Max Lesnik, amigo pessoal de Fidel Castro, se tornou um dissidente. Com 30 anos à época, escondeu sua mulher e suas duas filhas na casa dos sogros e fugiu para Miami com um pequeno barco em uma viagem que duraria 19 horas. “Vim em um bote, viemos clandestinos em um grupo de pessoas. Não era fácil entrar. Eu sou um balseiro”, disse em entrevista à Carta Maior, frisando com exatidão aquela data. E a razão para se arriscar ao longo dos 360 quilômetros que separam os dois países era não concordar com os rumos do novo governo, instalado dois anos antes.

A fuga de Lesnik para o exílio foi uma surpresa. Havia conhecido Fidel quando os dois cursavam a faculdade de direito na Universidade de Havana e chegou a esconder o futuro presidente cubano em sua casa, no período em que este vivia na clandestinidade. Lesnik foi um dos líderes da Juventud Ortodoxa, partido de oposição ao regime de Fulgêncio Batista (1940-1944 e 1952-1959) ao qual pertencia desde os 13 anos. Em 1958, juntou-se à guerrilha como chefe de propaganda do movimento Segunda Frente de Escambray. Em janeiro do ano seguinte, quando os guerrilheiros de Serra Maestra conquistaram o poder e derrubaram Batista, ele deu total apoio ao regime. As divergências começaram com a aproximação dos cubanos da União Soviética.

Em plena Guerra Fria, o jornalista temeu que sua posição crítica não fosse tolerada e decidiu se exilar. “Não era fácil entrar nos Estados Unidos. Primeiro, por meus antecedentes anti-imperialistas, não me dariam um visto. Tanto que fiquei por seis meses em um campo de imigração no Texas”, contou.

Cinquenta e dois anos depois, Lesnik continua morando em Miami e faz parte da comunidade cubano-americana que se estabeleceu no sul da Flórida desde 59, composta em sua maior parte por opositores anti-castristas. Entre eles, Lesnik destoa: ao contrário do que geralmente se espera de um dissidente que arrisca a vida para morar no exílio, retomou as relações com Cuba. Em 1978, voltou a Havana pela primeira vez desde que deixara o país. Na ocasião, encontrou-se com Fidel e retomou a amizade. “De repente abro uma porta do Palácio e ali estava. Eu lhe pergunto como devia lhe tratar, e ele me responde: 'Para você, será sempre Fidel', e me pergunta: 'Por que você foi embora?”.

Naquele momento, deixava para trás sua condição de exilado e se engajava na militância pela defesa da normalização da relação entre Estados Unidos e Cuba. “Sou cubano, meu país é Cuba. Vim como exilado, mas não estou exilado”, afirma. O jornalista se tornou uma via diplomática e chegou a mediar o diálogo entre governo cubano e norte-americano sob a gestão de Jimmy Carter (1977-1981). Foi ainda o único cubano residente nos EUA convidado pelo Papa João Paulo II, em 1998, para uma recepção na sede diplomática do Vaticano na Havana.

É justamente por essa ligação entre os dois países que, para alguns cubanos, Lesnik foi recrutado pela CIA. Já na opinião de muitos cubano-americanos da Flórida, ele não passa de um agente cubano infiltrado no exílio. O jornalista encara com humor as duas teorias e acha que lhe cabe melhor o título de “Homem das duas Havanas” – definição que inspirou o documentário biográfico feito por uma de suas filhas, a também jornalista Vivian Lesnik Weisman. Para assistir ao trailer, clique aqui.

A 'Pequena Havana'
É no coração do exílio que ele recebe a reportagem da Carta Maior. Com cabelos ralos, voz rouca e não mais de 1,65 m de altura, Lesnik tem hoje com 83 anos, ao contrário do que sugerem seus gestos rápidos e sua disposição. Bem humorado, abre as portas de um pequeno imóvel localizado em uma das principais avenidas de Litlle Havana (Pequena Havana), bairro que concentra a comunidade cubana residente em Miami.

Logo se veem, apregoadas nas paredes, as principais questões com as quais se envolve: o fim do embargo norte-americano a Cuba e a libertação dos cinco agentes cubanos condenados nos Estados Unidos sob a acusação de espionagem – temas que não passam despercebidos para os governos dos dois países nem para os dissidentes que vivem na Flórida.

Ali estão concentrados seus dois trabalhos: na parte da frente da casa, funciona a Aliança Martiana, instituição que agrega quatro grupos defensores do diálogo entre EUA e Cuba, enquanto nos fundos, em uma sala de dez metros quadrados, funciona a emissora Rádio Miami.

Ao chegar ao exílio, Lesnik continuou trabalhando como jornalista: “Eu, como toda pessoa que quer expressar sua opinião, procurei o que fazer. Foi quando tive a ideia de montar um programinha de rádio. Montei um jornal, depois uma revista”.

O programa de rádio está no ar até hoje, e um dos quadros mais expressivos da emissora é o de Lesnik, que interpreta 'El duende', uma coluna radiofônica através da qual faz, com humor, análises políticas: “Del más alla con noticias de mas acá, un fantasma con humor: el duente” , anuncia a locutora da Rádio Miami. Entra a voz de Lesnik: “Aqui está o duende, o que tudo vê, o que vigia e não dorme. No ar: o duende”. Para ouvir, clique aqui.

Se El Duente conseguiu sobreviver até hoje, a revista Réplica, criada nos anos 1960 por Lesnik, não teve a mesma sorte. A ideia era fazer um contraponto à Pátria, publicação anticastrista e financiada por Batista. Em pouco tempo, a Réplica, de distribuição gratuita, cresceu, dando origem a uma editora, com outras publicações. Por duas décadas, ele conseguiu publicá-la, mas o êxito foi suficiente para irritar os anticastristas que, desde então, não pararam de lançar ameaças de morte contra Lesnik, seus anunciantes e também distribuidores da revista. Com isso, um ano e meio depois da primeira ameaça, seguida por 11 atentados a bomba, o jornalista se viu obrigado a fechar a editora.

“A revista Réplica foi liquidada a tiros e bombas”, lamenta.

Lesnik conta que, junto da rádio, muitos latino-americanos que vão à Aliança Martiniana são “o que permite manter informados os cubanos que vivem aqui”. Na sede, há uma televisão por meio da qual se transmitem programas de emissoras de Cuba e também a multi-estatal sul-americana Telesur.

Ali chegam a se reunir entre cem e duzentas pessoas. Uma vez por mês, eles também se reúnem no salão alugado de um hotel para fazer um ato a favor dos Cinco.

No exílio, sua posição de dissidente em meio à dissidência lhe custou caro. Lesnik já não consegue contar quantas ameaças de morte recebeu. “O telefone até hoje ainda toca: 'Vamos te matar!'. O que eu vou fazer? O dever está acima do medo. Não quer dizer que não tenha medo. Esta é a frase crucial: o dever está acima do medo”, diz.

“Sobrevivi de alguma maneira. Em parte, pela boa sorte na vida, porque as tentativas de assassinato nem sempre têm êxito. Na maioria das vezes, sim, têm êxito, mas outras vezes, não. Tenho sido sobrevivente. Mas Fidel Castro ganha de mim. Ele foi vítima de incontáveis tentativas”.

Mesmo morando em Miami, Lesnik vai a Cuba com frequência. Questionado sobre a possibilidade de voltar a viver na ilha, ele responde: “Meus laços de família estão aqui. E não sei se meu regresso permanente não seria visto como uma fuga, um escape. Quero exercer meu direito de viver nesta cidade. Não quero que pareça que estou fugindo da fera. A fera está morrendo, mas é perigosa”, diz.
(Boitempo)


(Carta Maior)

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