quinta-feira, 18 de julho de 2013

Escritos

Ler Primeiro:Entre Istana Maimoon e Mesjid Raya
Por
Redação


“O nasi goreng de Paul tinha pimenta em excesso… No meio do caminho havia um menino. Um menino”

Por André Kondo

A família do sultão de Deli ainda morava em uma ala do Palácio de Maimoon. O resto da imponente construção se tornou um decadente museu. Em frente, as palmeiras gigantes alardeavam uma suntuosidade botânica, em meio a um vasto jardim displicente. Do outro lado da linha férrea, podiam se avistar os domos negros de Mesjid Raya. E no meio, bem no meio desta linha de trem, podia se ver um menino sentado nos trilhos.

Entre a suntuosidade, ainda que decadente, de uma existência material representada pelo palácio de Maimoon e a frugalidade, ainda que suntuosa, de uma existência espiritual materializada pela mesquita de Raya, estava sentada a realidade de um menino perdido. Nenhum dos lados lhe pertencia, por isso, ele ficava no meio da linha, nem uma coisa nem outra, apenas o nada.

O cheiro de Nasi Goreng foi a única coisa que conseguiu chamar a sua atenção naquele instante. E foi este odor que o salvou. O menino estava ali, esperando pelo trem – sentado nos trilhos. Mas a vontade de comer foi mais forte do que a vontade de morrer.

O tempero de uma vida equilibrada sobre a linha do Equador era suarento e picante. Toda a culinária indonésia é apimentada, e por isso Paul, um jovem australiano, aprendeu a perguntar – “Itu pedas?” – antes de pedir o seu prato. Pergunta que logo se revelou inútil, pois a resposta era sempre afirmativa. Sim, estava apimentado e não havia nada que pudesse ser feito a respeito, pois, assim como a pobreza e a riqueza, tudo está misturado no mesmo caldeirão. Não se pode retirar a porção apimentada da vida. Alguns a suportam, outros não.

O jovem Paul havia visitado o Palácio de Maimoon, pediu um prato de nasi goreng embrulhado em uma folha de bananeira, para viagem, e estava se dirigindo para Mesjid Raya, não para orar, mas apenas para uma profana visita turística.

De onde veio o menino? Não importa, há tantos meninos que a origem ou o destino de apenas um não é importante. Mas o menino estava sozinho. Apenas um menino. Sozinho.

O jovem Paul o salvou. Agora, ele era responsável pela vida do garoto. Sem saber o que fazer, o menino seguiu o seu salvador, como se ele fosse o último fio que o prendia à vida. Um fio.

Como um cão que acompanha um desconhecido depois de ter sido alimentado, o pequeno seguiu Paul. Seguiu-o, totalmente cativado. Paul pediu para que o garoto não o seguisse, chegou a apertar o passo e até a correr, mas o menino o seguia, apaixonadamente, desesperadamente, como um cão que ama o seu dono. Um cão.

Ao chegar diante da mesquita, o menino foi impedido de entrar. O turista entrou sem pudor na mesquita, esperando sinceramente que o garoto não estivesse mais lá quando ele saísse do templo sagrado. Lembrando-se de que o Deus do Islã era o mesmo Deus de todas as igrejas cristãs, ele rezou para que Deus protegesse o menino. Sim, aquilo era responsabilidade divina, não humana. A vida de um menino desconhecido, de um pequeno mendigo era algo a ser tratado pela mão de Deus.

Ao sair da mesquita, o menino ainda estava lá. Assim como um dono que quer se livrar de seu cão, Paul o enxotou com raiva. O menino, assustado, correu para o outro lado da rua. De lá, continuou olhando para o seu dono, o responsável pela sua vida. Impassível, Paul tomou um becak, um velho táxi de três rodas, e partiu por Jalan Katamso. Quando olhou para trás, viu o menino voltando para a linha férrea.

Aliviado, Paul rezou mais uma vez, para que Deus cuidasse do menino. Logo em seguida, ouviu um apito de trem…


André Kondo é autor de Além do Horizonte e dos premiados: Amor sem Fronteiras, Contos do Sol Nascente, Cem pequenas poesias do dia-a-dia e Palavras de Areia. Pós-graduado pela University of Sydney, viajou por 60 países em busca de inspiração. Vencedor de dezenas de prêmios literários, continua viajando, pelo universo da literatura.



(Outras palavras)

Nenhum comentário:

Postar um comentário