quarta-feira, 31 de julho de 2013

Pensamentando


Sociedade Frívola
por Raíza Teles

Caminhamos, dia a dia, em um formigueiro alucinado e apático. Como seres anônimos, carregando uma sentença em cada olhar, distante e inacessível. Impelidos no nosso próprio impedimento de exteriorizar quem realmente somos. Presos e sufocados pela banalização de um padrão –via crúcis- robótico e indefinível.


Estamos resignados a um emaranhado de convicções furtivas a não essência, compactuados a exercer diversas funções de empregos que não usufruem propriamente do nosso eu interior. Somos contraídos a vincular-se à uma massa miscigenada e iludida pelo ganho rentável à uma ''vida melhor''. Colonizam-nos com o único objetivo de angariar adeptos ao meio a que tudo se move, ao modelo no qual todos procuram, unicamente e exclusivamente pelo dinheiro. Desiludimos da tão sonhada vocação, e procuramos por concursos e empregos que vão nos fazer ganhar mais. Não nos sentir propriamente realizados pelo que fazemos, e sim, sentir uma espécie de realização convencionada na qual a prática e o aprimoramento na profissão fará com que o cargo lhe proporcione retorno financeiro.



Lembro-me de uma frase de Picasso que me fez refletir há um tempo atrás: ''Cada criança nasce artista. O problema é como permanecer um artista quando crescer''. É claro que toda regra, tem sua exceção. E não tenciono generalizar que a profissão ideal seja voltada necessariamente para um lado artístico. A profissão ideal seria em âmbito de vocação, como em Admirável Mundo Novo, no qual Aldous Huxley conceitua uma convenção sistematizada oponível a que estamos cerceados. Como seria o mundo se todos pudessem ter a oportunidade de fazer o que realmente querem? Imagino que muitas crises existenciais seriam sanadas, e também a violência e o teor caótico da contemporaneidade teria uma diminuta substancialidade.


O problema é que estamos presos pelo meio, nos definimos de acordo com o que temos ao nosso alcance de sermos moldados. Se nascemos com um padrão elevado, podemos trabalhar em uma firma de família, se não temos renda, lojas e call centers são como espécies de foco para quem não tem outras escolhas. Somos abjetos, condicionáveis, moldáveis. A nossa realidade nos torna frutos do meio em que estamos inseridos, e apenas uma parcela dizimada e inconformada, vai para o caminho que o satisfaz no seu ínfimo.


Citarei novamente outro exemplo, Uma leitura existencialista do marxismo, segundo Jean-Paul Sartre, a essência do homem é não ter essência, a essência do homem é algo que ele próprio constrói, ou seja, a História. “A existência precede a essência”. Nenhum ser humano nasce pronto, mas o homem é, em sua essência, produto do meio em que vive, construído a partir de suas relações sociais. Produzimos o nosso próprio ambiente e esta produção da condição de existência é predeterminada. O homem pode fazer a sua História mas não pode fazer nas condições por ele escolhidas. Somos historicamente determinados pelas condições.



Soa também como uma visão naturalista, ao qual muitos visivelmente discordariam, pois há argumentos plausíveis de que podemos mudar a realidade quando vamos atrás de outros objetivos aos quais não se integram nas condições habituais. E não discordo, pois também acredito nisso. O que coloco em questão é o comodismo coletivo para que esse anseio seja, de fato, realizado. O dia em que nos propusermos a tirarmos a envergadura da pele de cordeiro, e nos libertamos da pretensa sistematização, podemos provar a capacidade de agir sem a viseira de um cabresto.


Seriamos menos burlados, menos projetados, e interromperíamos o trajeto de Sísifo (personagem da mitologia grega, condenado a repetir sempre a mesma tarefa de empurrar uma pedra até o topo da montanha). A grande maioria da população é fadada a essa repetição inacabável, ocorrendo assim, até o dia de seu leito de morte.


raizateles
Artigo da autoria de Raíza Teles.
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Saiba como fazer parte da obvious.

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