A beleza na face da morte – L’Inconnue de la Seine
em recortes por Lisa Zigue
A Beleza revela-se muitas vezes improvável e inquietante, no entanto a sua força é incontestavelmente a de um bálsamo para a alma, que se alimenta a impulsos de inspiração. Esta é uma história que contém tudo isso e mais.
Paris, final da década de 1880, o corpo de uma jovem é retirado das margens do rio Sena. Sem indícios de violência, chega-se à conclusão de que esta jovem de 16 anos teria cometido o suicídio. Apesar do trágico desfecho, a sua beleza perfeita e sorriso enigmático captaram a atenção de todos ao ponto de um legista de Paris encomendar a máscara mortuária do rosto, em gesso, a um artista de moldes.
Nesta altura era moda comprar, para ter em casa como enfeite, máscaras mortuárias de personalidades famosas. E assim ficou famosa também a denominada então, Desconhecida do Sena (L’Inconnue de la Seine).
A força da sua enigmática expressão imortalizou-se, tornando-se objecto de culto estético e mórbido num final de século, que fervilhava numa atmosfera de romantismo e sentimentos exacerbados. Vivia-se a Belle Époque, a era da beleza e da inovação na Europa. O rosto desta jovem tornou-se um ideal de beleza.
O sorriso muito poderia dizer sobre a sua vida e morte, bem como a sua postura perante o meio que a envolvia. A identidade e motivos que a levaram ao suicídio permaneceram mistério, mas o impacto que provocou foi profundo e duradouro.
Albert Camus (1913 – 1960) comparou o seu sorriso ao de Mona Lisa.
Rainer Maria Rilke (1875 – 1926) escreveu em Die Aufzeichnungen des Malte Laurids Brigge (Os cadernos de Malte Laurids Brigge) através do protagonista: “O moldador diante de cuja loja passo todos os dias pendurou duas máscaras na sua porta. O rosto da jovem afogada que havia sido moldado no necrotério, porque era belo, porque sorria, porque sorria de maneira tão dissimulada, como se soubesse.”
Gaston Bachelard (1884 – 1962) escreveu sobre ela no ensaio sobre água e sonhos.
Estes são apenas alguns exemplos. Vários foram os poetas, pintores, escritores e filósofos, que se apaixonaram por ela. Muitas são as histórias que giram em torno desta beleza curiosa.
Ironicamente, em 1958, um fabricante de brinquedos norueguês, Asmund Laerdal (1914 – 1985), pioneiro no ramo dos plásticos suaves no início dos anos 50 e obcecado em salvamentos e primeiros-socorros, devido à morte da sua filha de 2 anos por afogamento, decidiu fazer um boneco com a forma humana e tamanho real, para que os nadadores-salvadores e os socorristas pudessem praticar as técnicas de salvamento. A máscara mortuária da Desconhecida do Sena serviu-lhe de rosto, alterando apenas o sorriso para a necessária boca aberta. A este boneco foi dado o nome de Resusci Anne e o seu impacto na aprendizagem de primeiros-socorros foi extremamente importante e ainda hoje se estende.
Foram estimadas milhões de pessoas que tocaram os lábios da Desconhecida do Sena, numa tentativa esforçada e simbólica de a trazer à vida. Essa enigmática jovem, de vida roubada e sorriso inspirador. A sua beleza é mais profunda e marcante do que, talvez, palavras possam dizer; e muitas palavras foram ditas sobre ela.
A Desconhecida do Sena, “a face mais beijada de todos os tempos”.
lisazigue
Artigo da autoria de Lisa Zigue.
Das áreas de tradução, marketing e comunicação, é da opinião de que nem tudo está perdido. É necessário um olhar para lá da linha do horizonte e passar as mensagens certas..
Saiba como fazer parte da obvious.
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