quarta-feira, 31 de julho de 2013
Pensamentando
Sociedade Frívola
por Raíza Teles
Caminhamos, dia a dia, em um formigueiro alucinado e apático. Como seres anônimos, carregando uma sentença em cada olhar, distante e inacessível. Impelidos no nosso próprio impedimento de exteriorizar quem realmente somos. Presos e sufocados pela banalização de um padrão –via crúcis- robótico e indefinível.
Estamos resignados a um emaranhado de convicções furtivas a não essência, compactuados a exercer diversas funções de empregos que não usufruem propriamente do nosso eu interior. Somos contraídos a vincular-se à uma massa miscigenada e iludida pelo ganho rentável à uma ''vida melhor''. Colonizam-nos com o único objetivo de angariar adeptos ao meio a que tudo se move, ao modelo no qual todos procuram, unicamente e exclusivamente pelo dinheiro. Desiludimos da tão sonhada vocação, e procuramos por concursos e empregos que vão nos fazer ganhar mais. Não nos sentir propriamente realizados pelo que fazemos, e sim, sentir uma espécie de realização convencionada na qual a prática e o aprimoramento na profissão fará com que o cargo lhe proporcione retorno financeiro.
Lembro-me de uma frase de Picasso que me fez refletir há um tempo atrás: ''Cada criança nasce artista. O problema é como permanecer um artista quando crescer''. É claro que toda regra, tem sua exceção. E não tenciono generalizar que a profissão ideal seja voltada necessariamente para um lado artístico. A profissão ideal seria em âmbito de vocação, como em Admirável Mundo Novo, no qual Aldous Huxley conceitua uma convenção sistematizada oponível a que estamos cerceados. Como seria o mundo se todos pudessem ter a oportunidade de fazer o que realmente querem? Imagino que muitas crises existenciais seriam sanadas, e também a violência e o teor caótico da contemporaneidade teria uma diminuta substancialidade.
O problema é que estamos presos pelo meio, nos definimos de acordo com o que temos ao nosso alcance de sermos moldados. Se nascemos com um padrão elevado, podemos trabalhar em uma firma de família, se não temos renda, lojas e call centers são como espécies de foco para quem não tem outras escolhas. Somos abjetos, condicionáveis, moldáveis. A nossa realidade nos torna frutos do meio em que estamos inseridos, e apenas uma parcela dizimada e inconformada, vai para o caminho que o satisfaz no seu ínfimo.
Citarei novamente outro exemplo, Uma leitura existencialista do marxismo, segundo Jean-Paul Sartre, a essência do homem é não ter essência, a essência do homem é algo que ele próprio constrói, ou seja, a História. “A existência precede a essência”. Nenhum ser humano nasce pronto, mas o homem é, em sua essência, produto do meio em que vive, construído a partir de suas relações sociais. Produzimos o nosso próprio ambiente e esta produção da condição de existência é predeterminada. O homem pode fazer a sua História mas não pode fazer nas condições por ele escolhidas. Somos historicamente determinados pelas condições.
Soa também como uma visão naturalista, ao qual muitos visivelmente discordariam, pois há argumentos plausíveis de que podemos mudar a realidade quando vamos atrás de outros objetivos aos quais não se integram nas condições habituais. E não discordo, pois também acredito nisso. O que coloco em questão é o comodismo coletivo para que esse anseio seja, de fato, realizado. O dia em que nos propusermos a tirarmos a envergadura da pele de cordeiro, e nos libertamos da pretensa sistematização, podemos provar a capacidade de agir sem a viseira de um cabresto.
Seriamos menos burlados, menos projetados, e interromperíamos o trajeto de Sísifo (personagem da mitologia grega, condenado a repetir sempre a mesma tarefa de empurrar uma pedra até o topo da montanha). A grande maioria da população é fadada a essa repetição inacabável, ocorrendo assim, até o dia de seu leito de morte.
raizateles
Artigo da autoria de Raíza Teles.
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Saiba como fazer parte da obvious.
Sexo
A fenomenologia do sexo
por Caio Carvalho
Claro que transar é bom, mas teorizar sobre sexo pode ser interessante também. Na aparentemente infinita era das imagens, o sexo foi e ainda é explorado exaustivamente. Propaganda, internet, revistas, videoclipes... Ele está em todo canto. Banalizou-se. E isso não é novidade. O que é uma pena, pois a essência dessa prática é bonita demais para se perder assim vulgarmente.
Essa.Só posso ser muito tarado mesmo. Estudando os pressupostos básicos do método fenomenológico (que consiste num meio de apreensão dos fenômenos e objetos por meio da intuição de suas essências) no meu quarto, me pego logo tão naturalmente imaginando qual seria a essência do ato sexual. Vale aqui, portanto, uma síntese deste método para um maior aprofundamento de minhas reflexões: o projeto de Edmund Husserl (1859 – 1938), seu elaborador, consiste, como eu já havia dito, na percepção eidética (relativo à essência) das coisas; àquilo que é imprescindível para a existência de qualquer objeto ou fenômeno. Segundo Husserl, para se chegar a esta essência, o único caminho era a redução, a purificação, por meio de um exercício mental, das coisas de tudo considerado desnecessário, inessêncial a elas, para fazer surgir aquilo de essencial. Em suma: se a partir daqui isto ou aquilo não é mais isto ou aquilo coisa, beleza! Apresento-lhes sua essência.
Mas não devia ser qualquer exercício mental, se não esculhambava tudo! Há uma técnica que dá garantia à consciência de que se está filtrado só o essencial (calma, já vou chegar ao sexo). A procedência imaginativa deve funcionar se pautando na realidade: “o que não é separável realmente [...] para a percepção, não pode tampouco sê-lo para o pensamento puro” (DARTIGUES). Usando os exemplos de Berkeley: já viste uma cor sem extensão ou um movimento sem um corpo que se movimente? Pois é, este é o espírito da coisa (sem trocadilhos, por favor!). Imaginando todas as variações que algo pode sofrer sem que haja uma destruição deste algo, finalmente, indago a vocês: qual a essência do sexo? O que eu tiro do sexo que faz com o sexo não seja mais sexo? Bem, creio que esta resposta parece fácil e óbvia, mas o caminho que usei para chegar até lá achei interessante, e quero compartilhar com vocês, leitores.
Logo de cara me vêem à mente quatro coisas: O coito, o desejo, o toque, o orgasmo. Irei por eliminação. Há sexo sem desejo. E como! Casais e mais casais fazem terapia reclamando disto em si e em seus parceiros! Não, definitivamente o desejo não é a essência do sexo. É o motivo (e dos bons) para se ter uma ótima relação sexual, mas não é sua essência. O orgasmo, portanto? Creio que também não. Caímos novamente neste mesmo problema: há pessoas (principalmente mulheres) que não conseguem atingir o tão esperado orgasmo no sexo. Digo mulheres porque “o prazer feminino é talvez mais contextual, implica uma série de premissas, ao nível da relação com o corpo, questões da vida, da casa, dos afetos; o que não significa que as mulheres só funcionem sexualmente quando estão muito apaixonadas, mas têm de se sentir bem na situação, são menos imediatas”, citando a sexóloga portuguesa Marta Crawford. Além do que, segundo Crawford, o orgasmo vaginal é um mito. Está certo que existem mulheres que sentem intenso prazer com a penetração, mas estas são a incrível minoria: grande parte não atinge o orgasmo só com o coito. “O sexo não é só uma relação pénis/vagina”, diz a sexóloga. Beijos, abraço, estimulação clitoridiana, carinho, também contam para proporcionar prazer à mulher. A própria definição da OMS para o sexo nem sequer se refere a uma relação coital. E é neste ponto que eu queria chegar. Diante de tudo isso, diante de estabelecermos as mais possíveis variações à existência do sexo, tirando o orgasmo, o desejo e o coito, vimos que há um elemento por trás de tudo e que, sem ele, não há o prazer. Simplesmente o toque, a sensação de contato com o outro. Percebam que ele antecede a tudo. Conseguem conceber sexo sem isto? Eu não. Mas um caso interessante, ao me lembrar dele, quase quebra esta minha argumentação. Quase. Explico: um dia (isso faz tempo) li numa revista que tinham bolado um “coito virtual”. De um lado, o homem, com uma CPU com um buraco simulando a entrada do canal vaginal. Do outro, a mulher, com outro CPU que possuía um vibrador acoplado. Já deu para entender a invenção: CPU’s genitais! Todos os movimentos que o cara faz repercutem numa vibração no aparelho da mulher. Não há toque e creio que você pode ver o outro pela webcam. Este aparelho foi só uma idealização, mas fico analisando se um dia essa moda pega. Pergunto-me: isto é sexo? Bem, talvez isto esteja em um nível maior que o da masturbação (afinal, você pode ver a pessoa pelo monitor e um pode ver o orgasmo – se houver – um do outro). Não seria, portanto, mais o “gozo do idiota”, definição de Lacan à solitária masturbação. Mas creio que faltaria muito para ser sexo entre duas pessoas. No máximo, você estaria fazendo sexo com o seu computador. O contato físico, o toque com o outro, o entrelaçamento de pessoas, sexualmente falando, é essencial para se ter, de fato, o sexo.
Fontes:
DARTIGUES, André. “O que é fenomenologia?” São Paulo, SP, Centauro editora.8º edição. 2003.
Entrevista completa com Marta Crawford (vale conferir):
http://www.angolaxyami.com/Sexualidade/O-sexo-nao-e-so-uma-relacao-entre-o-penis-e-a-vagina-Marta-Crawford.html
Foto: Caio Carvalho (todos os direitos reservados)
caiocarvalho
Artigo da autoria de Caio Carvalho.
Neuroses, humor tosco, arte e fascinação pela filosofia de vida dos filmes do Rocky Balboa. Entusiasta da bateria, do sax, da fotografia, da literatura e da sexologia. Sonha em poder, um dia, fazer uma jam session com o baixista Flea,o guitarrista Kevon Smith, o vocalista Eddie Vedder e o saxofonista Dana Colley. .
Saiba como fazer parte da obvious.
por Caio Carvalho
Claro que transar é bom, mas teorizar sobre sexo pode ser interessante também. Na aparentemente infinita era das imagens, o sexo foi e ainda é explorado exaustivamente. Propaganda, internet, revistas, videoclipes... Ele está em todo canto. Banalizou-se. E isso não é novidade. O que é uma pena, pois a essência dessa prática é bonita demais para se perder assim vulgarmente.
Essa.Só posso ser muito tarado mesmo. Estudando os pressupostos básicos do método fenomenológico (que consiste num meio de apreensão dos fenômenos e objetos por meio da intuição de suas essências) no meu quarto, me pego logo tão naturalmente imaginando qual seria a essência do ato sexual. Vale aqui, portanto, uma síntese deste método para um maior aprofundamento de minhas reflexões: o projeto de Edmund Husserl (1859 – 1938), seu elaborador, consiste, como eu já havia dito, na percepção eidética (relativo à essência) das coisas; àquilo que é imprescindível para a existência de qualquer objeto ou fenômeno. Segundo Husserl, para se chegar a esta essência, o único caminho era a redução, a purificação, por meio de um exercício mental, das coisas de tudo considerado desnecessário, inessêncial a elas, para fazer surgir aquilo de essencial. Em suma: se a partir daqui isto ou aquilo não é mais isto ou aquilo coisa, beleza! Apresento-lhes sua essência.
Mas não devia ser qualquer exercício mental, se não esculhambava tudo! Há uma técnica que dá garantia à consciência de que se está filtrado só o essencial (calma, já vou chegar ao sexo). A procedência imaginativa deve funcionar se pautando na realidade: “o que não é separável realmente [...] para a percepção, não pode tampouco sê-lo para o pensamento puro” (DARTIGUES). Usando os exemplos de Berkeley: já viste uma cor sem extensão ou um movimento sem um corpo que se movimente? Pois é, este é o espírito da coisa (sem trocadilhos, por favor!). Imaginando todas as variações que algo pode sofrer sem que haja uma destruição deste algo, finalmente, indago a vocês: qual a essência do sexo? O que eu tiro do sexo que faz com o sexo não seja mais sexo? Bem, creio que esta resposta parece fácil e óbvia, mas o caminho que usei para chegar até lá achei interessante, e quero compartilhar com vocês, leitores.
Logo de cara me vêem à mente quatro coisas: O coito, o desejo, o toque, o orgasmo. Irei por eliminação. Há sexo sem desejo. E como! Casais e mais casais fazem terapia reclamando disto em si e em seus parceiros! Não, definitivamente o desejo não é a essência do sexo. É o motivo (e dos bons) para se ter uma ótima relação sexual, mas não é sua essência. O orgasmo, portanto? Creio que também não. Caímos novamente neste mesmo problema: há pessoas (principalmente mulheres) que não conseguem atingir o tão esperado orgasmo no sexo. Digo mulheres porque “o prazer feminino é talvez mais contextual, implica uma série de premissas, ao nível da relação com o corpo, questões da vida, da casa, dos afetos; o que não significa que as mulheres só funcionem sexualmente quando estão muito apaixonadas, mas têm de se sentir bem na situação, são menos imediatas”, citando a sexóloga portuguesa Marta Crawford. Além do que, segundo Crawford, o orgasmo vaginal é um mito. Está certo que existem mulheres que sentem intenso prazer com a penetração, mas estas são a incrível minoria: grande parte não atinge o orgasmo só com o coito. “O sexo não é só uma relação pénis/vagina”, diz a sexóloga. Beijos, abraço, estimulação clitoridiana, carinho, também contam para proporcionar prazer à mulher. A própria definição da OMS para o sexo nem sequer se refere a uma relação coital. E é neste ponto que eu queria chegar. Diante de tudo isso, diante de estabelecermos as mais possíveis variações à existência do sexo, tirando o orgasmo, o desejo e o coito, vimos que há um elemento por trás de tudo e que, sem ele, não há o prazer. Simplesmente o toque, a sensação de contato com o outro. Percebam que ele antecede a tudo. Conseguem conceber sexo sem isto? Eu não. Mas um caso interessante, ao me lembrar dele, quase quebra esta minha argumentação. Quase. Explico: um dia (isso faz tempo) li numa revista que tinham bolado um “coito virtual”. De um lado, o homem, com uma CPU com um buraco simulando a entrada do canal vaginal. Do outro, a mulher, com outro CPU que possuía um vibrador acoplado. Já deu para entender a invenção: CPU’s genitais! Todos os movimentos que o cara faz repercutem numa vibração no aparelho da mulher. Não há toque e creio que você pode ver o outro pela webcam. Este aparelho foi só uma idealização, mas fico analisando se um dia essa moda pega. Pergunto-me: isto é sexo? Bem, talvez isto esteja em um nível maior que o da masturbação (afinal, você pode ver a pessoa pelo monitor e um pode ver o orgasmo – se houver – um do outro). Não seria, portanto, mais o “gozo do idiota”, definição de Lacan à solitária masturbação. Mas creio que faltaria muito para ser sexo entre duas pessoas. No máximo, você estaria fazendo sexo com o seu computador. O contato físico, o toque com o outro, o entrelaçamento de pessoas, sexualmente falando, é essencial para se ter, de fato, o sexo.
Fontes:
DARTIGUES, André. “O que é fenomenologia?” São Paulo, SP, Centauro editora.8º edição. 2003.
Entrevista completa com Marta Crawford (vale conferir):
http://www.angolaxyami.com/Sexualidade/O-sexo-nao-e-so-uma-relacao-entre-o-penis-e-a-vagina-Marta-Crawford.html
Foto: Caio Carvalho (todos os direitos reservados)
caiocarvalho
Artigo da autoria de Caio Carvalho.
Neuroses, humor tosco, arte e fascinação pela filosofia de vida dos filmes do Rocky Balboa. Entusiasta da bateria, do sax, da fotografia, da literatura e da sexologia. Sonha em poder, um dia, fazer uma jam session com o baixista Flea,o guitarrista Kevon Smith, o vocalista Eddie Vedder e o saxofonista Dana Colley. .
Saiba como fazer parte da obvious.
Cuba
A situação da cultura diante dos protestos de rua
Publicado em 23/07/2013
Roberto SchwarzPor Roberto Schwarz.
Apresentação preparada para o primeiro encontro do Cultura Atravessa, dia 08 de julho de 2013.
Caros amigos, vou ser breve. É uma grande alegria estar aqui com vocês, tentando tomar pé numa situação que é nova. Até onde sei, há tempos que não aconteciam reuniões como esta, o que torna o prazer maior ainda. Há uma frase de Brecht, acho que no Galileu, que diz que a liberdade é como um cachorro: basta alguém dizer o nome dela, que ela vem logo pulando.
Como muitos aqui, não tenho opinião firmada sobre o rumo que as coisas vão tomar. Não sei se o transporte público, a educação e a saúde – para ficar nas calamidades mais citadas – vão melhorar, nem sei quem vai ser o beneficiário dos protestos. Será o PT, o PSDB, o PMDB, o PSB etc., ou um movimento novo, ou, ainda, um aventureiro? Muita coisa pode acontecer, inclusive nada, e neste sentido devemos estar preparados para resultados decepcionantes. Entretanto, seja como for, para nós artistas e intelectuais é fato que algo de importante ocorreu e que a nossa situação mudou. Essa em todo caso é a minha impressão, mas naturalmente posso estar enganado.
Foi tudo muito rápido. Em duas semanas o Brasil que diziam que havia dado certo, que derrubou a inflação, que incluiu os excluídos, que está acabando com a pobreza extrema, que é um exemplo internacional, foi substituído por outro país muito pior, em que o transporte popular, a educação e a saúde são um desastre, em que a classe política é uma vergonha, sem falar na corrupção. Qual das duas versões estará certa? É claro que todos estes defeitos já existiam antes, mas eles não pareciam o principal; e é claro que aqueles méritos do Brasil novo continuam a existir agora, mas parece que já não dão a tônica. A viravolta, que foi impressionante, com certeza teve um lado midiático, de propaganda eleitoral, visando 2014. Ainda assim, ela é histórica, e vai fazer diferença, particularmente no âmbito da cultura. O espírito crítico, que esteve fora de moda, para não dizer excluído da pauta, tem agora a oportunidade de renascer.
Salvo engano meu, o nosso espírito crítico foi posto para dormir há mais ou menos 20 anos, no começo da década de 90, quando o Brasil entrou para a era da globalização e tomou conhecimento da nova hegemonia do capital, muito mais completa do que tudo que se havia visto anteriormente. Não que durante esse período não houvesse artistas ou intelectuais inconformistas, tentando dar forma artística ou conceitual à sua insatisfação, à sua percepção de que as coisas não são o que parecem. Mas a crítica não encontrava ressonância e ficava parecendo como que ranhetice ou má-vontade isolada, pessoal, coisa de gerações antigas. Na época, explicando que não cabia chamar o seu governo de neo-liberal, Fernando Henrique Cardoso dizia que, ideologias à parte, ele simplesmente fazia o necessário para adaptar o Brasil à ordem da globalização, para a qual não havia alternativa. Em inglês, TINA, as iniciais de there is no alternative. O que se opusesse a isso seria “nhenhenhém” ou “fracassomania”, vocês se recordam dessas expressões dele, que buscavam ironizar os pontos de vista contrários. A bem da verdade, é preciso reconhecer aliás que essa ironia funcionava, pois diante do gigantismo da nova ordem mundial e das perspectivas que ela abria, a resistência crítica parecia mesmo um pouco anêmica, sem pé no curso real das coisas. E ainda a bem da verdade, é preciso reconhecer também que os governos Lula e Dilma, embora com mais acento social, não diferiam de Fernando Henrique neste ponto, na visão cor de rosa do capitalismo, que seria a grande solução, e não um tremendo problema por sua vez.
Enfim, para retomar tudo isso num plano mais genérico e menos pessoal, digamos que o Brasil passou 20 anos imerso no otimismo quanto à nova ordem capitalista, a qual de fato lhe permitiu avançar muito, ao mesmo tempo que criava problemas crescentes, aqui e mundo afora. A cegueira para estas contradições, alimentada pela ideologia marqueteira oficial, pesava como um tapa-olho sobre a inteligência do país, que perdeu contato com o avesso das coisas, sem o qual não existe vida do espírito. Pois bem, a energia dos protestos recentes, de cuja dimensão popular ainda sabemos pouco, suspendeu o véu e reequilibrou o jogo. Talvez ela devolva à nossa cultura o senso da realidade e o nervo crítico, sem falar no humor, que nos seus momentos altos esta sempre teve.
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O segundo encontro do Cultura Atravessa está marcado para a próxima segunda-feira, 29 de julho, às 20h no Teatro Oficina (São Paulo). O evento contará com a participação de Maria Rita Kehl, dentre outros. Mais informações, clique aqui.
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Ainda este mês a Boitempo lança seu próximo livro de intervenção Cidades Rebeldes: Passe livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil, com textos de Slavoj Žižek, David Harvey, Mike Davis, Ermínia Maricato, Carlos Vainer, Ruy Braga, Paulo Arantes, Silvia Viana, Pedro Rocha de Oliveira, Felipe Brito, Lincoln Secco, João Alexandre Peschanski, Mauro Iasi, Raquel Rolnik, Leonardo Sakamoto, Jorge Luiz Souto Maior, entre outros.
Max Lesnik: um sobrevivente no exílio
Aos 83 anos, o jornalista cubano é um dissidente dos dissidentes. Como balseiro, chegou a Miami, onde ainda vive, em 1961. Mas retomou as relações com sua terra natal e até a amizade com Fidel Castro. Hoje, está engajado na militância pela defesa da normalização da relação entre Estados Unidos e Cuba.
Daniella Cambaúva
Miami – No dia 25 de janeiro de 1961, o jornalista cubano Max Lesnik, amigo pessoal de Fidel Castro, se tornou um dissidente. Com 30 anos à época, escondeu sua mulher e suas duas filhas na casa dos sogros e fugiu para Miami com um pequeno barco em uma viagem que duraria 19 horas. “Vim em um bote, viemos clandestinos em um grupo de pessoas. Não era fácil entrar. Eu sou um balseiro”, disse em entrevista à Carta Maior, frisando com exatidão aquela data. E a razão para se arriscar ao longo dos 360 quilômetros que separam os dois países era não concordar com os rumos do novo governo, instalado dois anos antes.
A fuga de Lesnik para o exílio foi uma surpresa. Havia conhecido Fidel quando os dois cursavam a faculdade de direito na Universidade de Havana e chegou a esconder o futuro presidente cubano em sua casa, no período em que este vivia na clandestinidade. Lesnik foi um dos líderes da Juventud Ortodoxa, partido de oposição ao regime de Fulgêncio Batista (1940-1944 e 1952-1959) ao qual pertencia desde os 13 anos. Em 1958, juntou-se à guerrilha como chefe de propaganda do movimento Segunda Frente de Escambray. Em janeiro do ano seguinte, quando os guerrilheiros de Serra Maestra conquistaram o poder e derrubaram Batista, ele deu total apoio ao regime. As divergências começaram com a aproximação dos cubanos da União Soviética.
Em plena Guerra Fria, o jornalista temeu que sua posição crítica não fosse tolerada e decidiu se exilar. “Não era fácil entrar nos Estados Unidos. Primeiro, por meus antecedentes anti-imperialistas, não me dariam um visto. Tanto que fiquei por seis meses em um campo de imigração no Texas”, contou.
Cinquenta e dois anos depois, Lesnik continua morando em Miami e faz parte da comunidade cubano-americana que se estabeleceu no sul da Flórida desde 59, composta em sua maior parte por opositores anti-castristas. Entre eles, Lesnik destoa: ao contrário do que geralmente se espera de um dissidente que arrisca a vida para morar no exílio, retomou as relações com Cuba. Em 1978, voltou a Havana pela primeira vez desde que deixara o país. Na ocasião, encontrou-se com Fidel e retomou a amizade. “De repente abro uma porta do Palácio e ali estava. Eu lhe pergunto como devia lhe tratar, e ele me responde: 'Para você, será sempre Fidel', e me pergunta: 'Por que você foi embora?”.
Naquele momento, deixava para trás sua condição de exilado e se engajava na militância pela defesa da normalização da relação entre Estados Unidos e Cuba. “Sou cubano, meu país é Cuba. Vim como exilado, mas não estou exilado”, afirma. O jornalista se tornou uma via diplomática e chegou a mediar o diálogo entre governo cubano e norte-americano sob a gestão de Jimmy Carter (1977-1981). Foi ainda o único cubano residente nos EUA convidado pelo Papa João Paulo II, em 1998, para uma recepção na sede diplomática do Vaticano na Havana.
É justamente por essa ligação entre os dois países que, para alguns cubanos, Lesnik foi recrutado pela CIA. Já na opinião de muitos cubano-americanos da Flórida, ele não passa de um agente cubano infiltrado no exílio. O jornalista encara com humor as duas teorias e acha que lhe cabe melhor o título de “Homem das duas Havanas” – definição que inspirou o documentário biográfico feito por uma de suas filhas, a também jornalista Vivian Lesnik Weisman. Para assistir ao trailer, clique aqui.
A 'Pequena Havana'
É no coração do exílio que ele recebe a reportagem da Carta Maior. Com cabelos ralos, voz rouca e não mais de 1,65 m de altura, Lesnik tem hoje com 83 anos, ao contrário do que sugerem seus gestos rápidos e sua disposição. Bem humorado, abre as portas de um pequeno imóvel localizado em uma das principais avenidas de Litlle Havana (Pequena Havana), bairro que concentra a comunidade cubana residente em Miami.
Logo se veem, apregoadas nas paredes, as principais questões com as quais se envolve: o fim do embargo norte-americano a Cuba e a libertação dos cinco agentes cubanos condenados nos Estados Unidos sob a acusação de espionagem – temas que não passam despercebidos para os governos dos dois países nem para os dissidentes que vivem na Flórida.
Ali estão concentrados seus dois trabalhos: na parte da frente da casa, funciona a Aliança Martiana, instituição que agrega quatro grupos defensores do diálogo entre EUA e Cuba, enquanto nos fundos, em uma sala de dez metros quadrados, funciona a emissora Rádio Miami.
Ao chegar ao exílio, Lesnik continuou trabalhando como jornalista: “Eu, como toda pessoa que quer expressar sua opinião, procurei o que fazer. Foi quando tive a ideia de montar um programinha de rádio. Montei um jornal, depois uma revista”.
O programa de rádio está no ar até hoje, e um dos quadros mais expressivos da emissora é o de Lesnik, que interpreta 'El duende', uma coluna radiofônica através da qual faz, com humor, análises políticas: “Del más alla con noticias de mas acá, un fantasma con humor: el duente” , anuncia a locutora da Rádio Miami. Entra a voz de Lesnik: “Aqui está o duende, o que tudo vê, o que vigia e não dorme. No ar: o duende”. Para ouvir, clique aqui.
Se El Duente conseguiu sobreviver até hoje, a revista Réplica, criada nos anos 1960 por Lesnik, não teve a mesma sorte. A ideia era fazer um contraponto à Pátria, publicação anticastrista e financiada por Batista. Em pouco tempo, a Réplica, de distribuição gratuita, cresceu, dando origem a uma editora, com outras publicações. Por duas décadas, ele conseguiu publicá-la, mas o êxito foi suficiente para irritar os anticastristas que, desde então, não pararam de lançar ameaças de morte contra Lesnik, seus anunciantes e também distribuidores da revista. Com isso, um ano e meio depois da primeira ameaça, seguida por 11 atentados a bomba, o jornalista se viu obrigado a fechar a editora.
“A revista Réplica foi liquidada a tiros e bombas”, lamenta.
Lesnik conta que, junto da rádio, muitos latino-americanos que vão à Aliança Martiniana são “o que permite manter informados os cubanos que vivem aqui”. Na sede, há uma televisão por meio da qual se transmitem programas de emissoras de Cuba e também a multi-estatal sul-americana Telesur.
Ali chegam a se reunir entre cem e duzentas pessoas. Uma vez por mês, eles também se reúnem no salão alugado de um hotel para fazer um ato a favor dos Cinco.
No exílio, sua posição de dissidente em meio à dissidência lhe custou caro. Lesnik já não consegue contar quantas ameaças de morte recebeu. “O telefone até hoje ainda toca: 'Vamos te matar!'. O que eu vou fazer? O dever está acima do medo. Não quer dizer que não tenha medo. Esta é a frase crucial: o dever está acima do medo”, diz.
“Sobrevivi de alguma maneira. Em parte, pela boa sorte na vida, porque as tentativas de assassinato nem sempre têm êxito. Na maioria das vezes, sim, têm êxito, mas outras vezes, não. Tenho sido sobrevivente. Mas Fidel Castro ganha de mim. Ele foi vítima de incontáveis tentativas”.
Mesmo morando em Miami, Lesnik vai a Cuba com frequência. Questionado sobre a possibilidade de voltar a viver na ilha, ele responde: “Meus laços de família estão aqui. E não sei se meu regresso permanente não seria visto como uma fuga, um escape. Quero exercer meu direito de viver nesta cidade. Não quero que pareça que estou fugindo da fera. A fera está morrendo, mas é perigosa”, diz.
(Boitempo)
(Carta Maior)
Publicado em 23/07/2013
Roberto SchwarzPor Roberto Schwarz.
Apresentação preparada para o primeiro encontro do Cultura Atravessa, dia 08 de julho de 2013.
Caros amigos, vou ser breve. É uma grande alegria estar aqui com vocês, tentando tomar pé numa situação que é nova. Até onde sei, há tempos que não aconteciam reuniões como esta, o que torna o prazer maior ainda. Há uma frase de Brecht, acho que no Galileu, que diz que a liberdade é como um cachorro: basta alguém dizer o nome dela, que ela vem logo pulando.
Como muitos aqui, não tenho opinião firmada sobre o rumo que as coisas vão tomar. Não sei se o transporte público, a educação e a saúde – para ficar nas calamidades mais citadas – vão melhorar, nem sei quem vai ser o beneficiário dos protestos. Será o PT, o PSDB, o PMDB, o PSB etc., ou um movimento novo, ou, ainda, um aventureiro? Muita coisa pode acontecer, inclusive nada, e neste sentido devemos estar preparados para resultados decepcionantes. Entretanto, seja como for, para nós artistas e intelectuais é fato que algo de importante ocorreu e que a nossa situação mudou. Essa em todo caso é a minha impressão, mas naturalmente posso estar enganado.
Foi tudo muito rápido. Em duas semanas o Brasil que diziam que havia dado certo, que derrubou a inflação, que incluiu os excluídos, que está acabando com a pobreza extrema, que é um exemplo internacional, foi substituído por outro país muito pior, em que o transporte popular, a educação e a saúde são um desastre, em que a classe política é uma vergonha, sem falar na corrupção. Qual das duas versões estará certa? É claro que todos estes defeitos já existiam antes, mas eles não pareciam o principal; e é claro que aqueles méritos do Brasil novo continuam a existir agora, mas parece que já não dão a tônica. A viravolta, que foi impressionante, com certeza teve um lado midiático, de propaganda eleitoral, visando 2014. Ainda assim, ela é histórica, e vai fazer diferença, particularmente no âmbito da cultura. O espírito crítico, que esteve fora de moda, para não dizer excluído da pauta, tem agora a oportunidade de renascer.
Salvo engano meu, o nosso espírito crítico foi posto para dormir há mais ou menos 20 anos, no começo da década de 90, quando o Brasil entrou para a era da globalização e tomou conhecimento da nova hegemonia do capital, muito mais completa do que tudo que se havia visto anteriormente. Não que durante esse período não houvesse artistas ou intelectuais inconformistas, tentando dar forma artística ou conceitual à sua insatisfação, à sua percepção de que as coisas não são o que parecem. Mas a crítica não encontrava ressonância e ficava parecendo como que ranhetice ou má-vontade isolada, pessoal, coisa de gerações antigas. Na época, explicando que não cabia chamar o seu governo de neo-liberal, Fernando Henrique Cardoso dizia que, ideologias à parte, ele simplesmente fazia o necessário para adaptar o Brasil à ordem da globalização, para a qual não havia alternativa. Em inglês, TINA, as iniciais de there is no alternative. O que se opusesse a isso seria “nhenhenhém” ou “fracassomania”, vocês se recordam dessas expressões dele, que buscavam ironizar os pontos de vista contrários. A bem da verdade, é preciso reconhecer aliás que essa ironia funcionava, pois diante do gigantismo da nova ordem mundial e das perspectivas que ela abria, a resistência crítica parecia mesmo um pouco anêmica, sem pé no curso real das coisas. E ainda a bem da verdade, é preciso reconhecer também que os governos Lula e Dilma, embora com mais acento social, não diferiam de Fernando Henrique neste ponto, na visão cor de rosa do capitalismo, que seria a grande solução, e não um tremendo problema por sua vez.
Enfim, para retomar tudo isso num plano mais genérico e menos pessoal, digamos que o Brasil passou 20 anos imerso no otimismo quanto à nova ordem capitalista, a qual de fato lhe permitiu avançar muito, ao mesmo tempo que criava problemas crescentes, aqui e mundo afora. A cegueira para estas contradições, alimentada pela ideologia marqueteira oficial, pesava como um tapa-olho sobre a inteligência do país, que perdeu contato com o avesso das coisas, sem o qual não existe vida do espírito. Pois bem, a energia dos protestos recentes, de cuja dimensão popular ainda sabemos pouco, suspendeu o véu e reequilibrou o jogo. Talvez ela devolva à nossa cultura o senso da realidade e o nervo crítico, sem falar no humor, que nos seus momentos altos esta sempre teve.
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O segundo encontro do Cultura Atravessa está marcado para a próxima segunda-feira, 29 de julho, às 20h no Teatro Oficina (São Paulo). O evento contará com a participação de Maria Rita Kehl, dentre outros. Mais informações, clique aqui.
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Ainda este mês a Boitempo lança seu próximo livro de intervenção Cidades Rebeldes: Passe livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil, com textos de Slavoj Žižek, David Harvey, Mike Davis, Ermínia Maricato, Carlos Vainer, Ruy Braga, Paulo Arantes, Silvia Viana, Pedro Rocha de Oliveira, Felipe Brito, Lincoln Secco, João Alexandre Peschanski, Mauro Iasi, Raquel Rolnik, Leonardo Sakamoto, Jorge Luiz Souto Maior, entre outros.
Max Lesnik: um sobrevivente no exílio
Aos 83 anos, o jornalista cubano é um dissidente dos dissidentes. Como balseiro, chegou a Miami, onde ainda vive, em 1961. Mas retomou as relações com sua terra natal e até a amizade com Fidel Castro. Hoje, está engajado na militância pela defesa da normalização da relação entre Estados Unidos e Cuba.
Daniella Cambaúva
Miami – No dia 25 de janeiro de 1961, o jornalista cubano Max Lesnik, amigo pessoal de Fidel Castro, se tornou um dissidente. Com 30 anos à época, escondeu sua mulher e suas duas filhas na casa dos sogros e fugiu para Miami com um pequeno barco em uma viagem que duraria 19 horas. “Vim em um bote, viemos clandestinos em um grupo de pessoas. Não era fácil entrar. Eu sou um balseiro”, disse em entrevista à Carta Maior, frisando com exatidão aquela data. E a razão para se arriscar ao longo dos 360 quilômetros que separam os dois países era não concordar com os rumos do novo governo, instalado dois anos antes.
A fuga de Lesnik para o exílio foi uma surpresa. Havia conhecido Fidel quando os dois cursavam a faculdade de direito na Universidade de Havana e chegou a esconder o futuro presidente cubano em sua casa, no período em que este vivia na clandestinidade. Lesnik foi um dos líderes da Juventud Ortodoxa, partido de oposição ao regime de Fulgêncio Batista (1940-1944 e 1952-1959) ao qual pertencia desde os 13 anos. Em 1958, juntou-se à guerrilha como chefe de propaganda do movimento Segunda Frente de Escambray. Em janeiro do ano seguinte, quando os guerrilheiros de Serra Maestra conquistaram o poder e derrubaram Batista, ele deu total apoio ao regime. As divergências começaram com a aproximação dos cubanos da União Soviética.
Em plena Guerra Fria, o jornalista temeu que sua posição crítica não fosse tolerada e decidiu se exilar. “Não era fácil entrar nos Estados Unidos. Primeiro, por meus antecedentes anti-imperialistas, não me dariam um visto. Tanto que fiquei por seis meses em um campo de imigração no Texas”, contou.
Cinquenta e dois anos depois, Lesnik continua morando em Miami e faz parte da comunidade cubano-americana que se estabeleceu no sul da Flórida desde 59, composta em sua maior parte por opositores anti-castristas. Entre eles, Lesnik destoa: ao contrário do que geralmente se espera de um dissidente que arrisca a vida para morar no exílio, retomou as relações com Cuba. Em 1978, voltou a Havana pela primeira vez desde que deixara o país. Na ocasião, encontrou-se com Fidel e retomou a amizade. “De repente abro uma porta do Palácio e ali estava. Eu lhe pergunto como devia lhe tratar, e ele me responde: 'Para você, será sempre Fidel', e me pergunta: 'Por que você foi embora?”.
Naquele momento, deixava para trás sua condição de exilado e se engajava na militância pela defesa da normalização da relação entre Estados Unidos e Cuba. “Sou cubano, meu país é Cuba. Vim como exilado, mas não estou exilado”, afirma. O jornalista se tornou uma via diplomática e chegou a mediar o diálogo entre governo cubano e norte-americano sob a gestão de Jimmy Carter (1977-1981). Foi ainda o único cubano residente nos EUA convidado pelo Papa João Paulo II, em 1998, para uma recepção na sede diplomática do Vaticano na Havana.
É justamente por essa ligação entre os dois países que, para alguns cubanos, Lesnik foi recrutado pela CIA. Já na opinião de muitos cubano-americanos da Flórida, ele não passa de um agente cubano infiltrado no exílio. O jornalista encara com humor as duas teorias e acha que lhe cabe melhor o título de “Homem das duas Havanas” – definição que inspirou o documentário biográfico feito por uma de suas filhas, a também jornalista Vivian Lesnik Weisman. Para assistir ao trailer, clique aqui.
A 'Pequena Havana'
É no coração do exílio que ele recebe a reportagem da Carta Maior. Com cabelos ralos, voz rouca e não mais de 1,65 m de altura, Lesnik tem hoje com 83 anos, ao contrário do que sugerem seus gestos rápidos e sua disposição. Bem humorado, abre as portas de um pequeno imóvel localizado em uma das principais avenidas de Litlle Havana (Pequena Havana), bairro que concentra a comunidade cubana residente em Miami.
Logo se veem, apregoadas nas paredes, as principais questões com as quais se envolve: o fim do embargo norte-americano a Cuba e a libertação dos cinco agentes cubanos condenados nos Estados Unidos sob a acusação de espionagem – temas que não passam despercebidos para os governos dos dois países nem para os dissidentes que vivem na Flórida.
Ali estão concentrados seus dois trabalhos: na parte da frente da casa, funciona a Aliança Martiana, instituição que agrega quatro grupos defensores do diálogo entre EUA e Cuba, enquanto nos fundos, em uma sala de dez metros quadrados, funciona a emissora Rádio Miami.
Ao chegar ao exílio, Lesnik continuou trabalhando como jornalista: “Eu, como toda pessoa que quer expressar sua opinião, procurei o que fazer. Foi quando tive a ideia de montar um programinha de rádio. Montei um jornal, depois uma revista”.
O programa de rádio está no ar até hoje, e um dos quadros mais expressivos da emissora é o de Lesnik, que interpreta 'El duende', uma coluna radiofônica através da qual faz, com humor, análises políticas: “Del más alla con noticias de mas acá, un fantasma con humor: el duente” , anuncia a locutora da Rádio Miami. Entra a voz de Lesnik: “Aqui está o duende, o que tudo vê, o que vigia e não dorme. No ar: o duende”. Para ouvir, clique aqui.
Se El Duente conseguiu sobreviver até hoje, a revista Réplica, criada nos anos 1960 por Lesnik, não teve a mesma sorte. A ideia era fazer um contraponto à Pátria, publicação anticastrista e financiada por Batista. Em pouco tempo, a Réplica, de distribuição gratuita, cresceu, dando origem a uma editora, com outras publicações. Por duas décadas, ele conseguiu publicá-la, mas o êxito foi suficiente para irritar os anticastristas que, desde então, não pararam de lançar ameaças de morte contra Lesnik, seus anunciantes e também distribuidores da revista. Com isso, um ano e meio depois da primeira ameaça, seguida por 11 atentados a bomba, o jornalista se viu obrigado a fechar a editora.
“A revista Réplica foi liquidada a tiros e bombas”, lamenta.
Lesnik conta que, junto da rádio, muitos latino-americanos que vão à Aliança Martiniana são “o que permite manter informados os cubanos que vivem aqui”. Na sede, há uma televisão por meio da qual se transmitem programas de emissoras de Cuba e também a multi-estatal sul-americana Telesur.
Ali chegam a se reunir entre cem e duzentas pessoas. Uma vez por mês, eles também se reúnem no salão alugado de um hotel para fazer um ato a favor dos Cinco.
No exílio, sua posição de dissidente em meio à dissidência lhe custou caro. Lesnik já não consegue contar quantas ameaças de morte recebeu. “O telefone até hoje ainda toca: 'Vamos te matar!'. O que eu vou fazer? O dever está acima do medo. Não quer dizer que não tenha medo. Esta é a frase crucial: o dever está acima do medo”, diz.
“Sobrevivi de alguma maneira. Em parte, pela boa sorte na vida, porque as tentativas de assassinato nem sempre têm êxito. Na maioria das vezes, sim, têm êxito, mas outras vezes, não. Tenho sido sobrevivente. Mas Fidel Castro ganha de mim. Ele foi vítima de incontáveis tentativas”.
Mesmo morando em Miami, Lesnik vai a Cuba com frequência. Questionado sobre a possibilidade de voltar a viver na ilha, ele responde: “Meus laços de família estão aqui. E não sei se meu regresso permanente não seria visto como uma fuga, um escape. Quero exercer meu direito de viver nesta cidade. Não quero que pareça que estou fugindo da fera. A fera está morrendo, mas é perigosa”, diz.
(Boitempo)
(Carta Maior)
segunda-feira, 29 de julho de 2013
Monsanto
Monsanto compra Blackwater, el mayor ejército mercenario del mundo
Via Rebelion
BWN Argentina
Si algo le faltaba a la nefasta corporación Monsanto era un ejercito oficial de asesinos a sueldo. Monsanto YA ES la corporación “Umbrella” de Resident Evil, pero en el mundo real. Controla el suministro de alimentos, comparte financistas con la industria farmacéutica y fabrica armas nucleares y biológicas.
Así lo revela un reporte de Jeremy Scahill para The Nation donde expone que el ejército mercenario más grande del planeta, (conocido antes como Xe Services y, más recientemente, “Academi”) el “servicio” criminal de inteligencia Blackwater fue vendido a la corporación transnacional Monsanto.
Tras incontables denuncias internacionales por violaciones a la Ley, y habiendo adquirido fama por sus masacres de civiles en Irak y otros países, Blackwater cambió su nombre en el año 2009. No obstante, continua siendo el mayor contratista privado del Departamento de Estado de Norteamérica, como una agencia secreta de “servicios de seguridad” que practica terrorismo de Estado dándole al gobierno la posibilidad de negarlo.
¿Por qué las cacerolas no sirven?
Political Blind Spot denunció que: “Muchos agentes de la CIA y ex militares trabajan para Blackwater o compañías relacionadas, las cuales buscan desviar la atención de su mala reputación y obtener cuantiosos beneficios comerciales. Estos mercenarios venden sus servicios que van desde información ilegal hasta inteligencia de infiltración, lobbismo político y entrenamiento paramilitar – para gobiernos, bancos y corporaciones multinacionales. Acorde a Scahill, los negocios con Monsanto, Chevron, y gigantes financieros como el Barclays o el Deutsche Bank, se canalizan a través de dos empresas cuyo propietario es Erik Prince, dueño de Blackwater: Total Intelligence Solutions y Terrorism Research Center. Estos organismos comparten funcionarios y directores con Blackwater.
Uno de los directores llamado Cofer Black, quien se hizo famoso por su brutalidad como dirigente de la CIA, fue quien hizo contacto con Monsanto en el año 2008 siendo cabeza de Total Intelligence. Monsanto contrató sus servicios para espiar e infiltrar organizaciones de derechos humanos, de animales, y actividades anti-transgénicas (además de ejercer control sobre otras corporaciones biotecnológicas y farmacéuticas).
La corporación Monsanto no sólo asesina personas con sus productos químicos, sino también a balazos y mediante “accidentes”. Sus victimas son periodistas, activistas, políticos y cualquiera que suponga un obstáculo para sus planes de expansión. Al ser contactado por Scahill, el ejecutivo Kevin Wilson de Monsanto rehusó hacer comentarios, pero más tarde se confirmó a The Nation que Monsanto contrató a Total Intelligence durante 2008 y 2009, según la corporación “sólo para efectuar un seguimiento de información pública, de sus opositores”. El ejecutivo de Monsanto también proclamó que Total Intelligence era una “entidad totalmente separada de Blackwater”.
Pero Scahill tiene copias de correos electrónicos de Cofer Black, emitidos luego de la reunión con Wilson de Monsanto, donde se explica a otros ex agentes de la CIA, utilizando casillas de Blackwater, que la discusión con Wilson decantó en la suposición de que Total Intelligence se convirtió en “el brazo de inteligencia de Monsanto”, “para espiar activistas y otras acciones, como integrar legalmente a estos grupos”. Monsanto pagó a Blackwater 127.000 dólares en 2008 y $ 105.000 en 2009.
No resulta sorprendente que una corporación extensamente dedicada a la ciencia de la muerte como Monsanto, que se dedicó desde sus inicios a producir venenos tóxicos como el Agente Naranja, los PCB (bifenilos policlorados), pesticidas, hormonas, semillas modificadas genéticamente, e incluso la bomba atómica, se asocie con otra empresa de asesinos y mercenarios.
Los inicios de la relación Bill Gates y Monsanto
Casi simultáneamente con la publicación de este artículo en The Nation, la organización de agricultores orgánicos Vía Campesina reportó que la Fundación Bill y Melinda Gates compró 500.000 acciones de Monsanto, pagando más de $ 23 millones de dólares, lo cual es una acción que destruye la mascara de “filantropía” . Otra asociación entre criminales que no fue inesperada.
Bill Gates controla más de 90 por ciento del mercado de patentes en el mundo de la computación, además de promocionar y financiar campañas de vacunación para laboratorios genocidas, y siendo responsable de experimentación ilegal con fármacos en países subdesarrollados, mientras Monsanto controla el 90 por ciento del mercado mundial de semillas transgénicas y semillas comerciales a nivel global, habiendo fundado Pharmacia, hoy de Pfizer.
En otras palabras no existen peores monopolios en el sector industrial, ni tampoco tan vastos. La propia existencia de estas entidades implica que la Tierra es subyugada por un régimen financiero totalitario el cual es en si mismo niega el principio de “competencia de libre mercado”. Tanto Gates como Monsanto son extremadamente agresivos defendiendo sus monopolios mal habidos.
Siguiendo ordenes de la familia Rothschild, tanto Gates como Monsanto se dedican a destruir la agricultura orgánica en todo el mundo, lo cual tuvo inicio, principalmente, mediante la “Alianza para una Revolución Verde en África” (AGRA), que operó como un caballo de Troya para privar a los campesinos africanos pobres de sus semillas tradicionales sustituyéndolas por semillas transgénicas. Para ello, la Fundación contrató a Robert Horsch en 2006, quien fuera director de Monsanto. Ahora Gates obtiene grandes ganancias obedeciendo las políticas de despoblación impulsadas por la banca sionista global.
Fuente: http://matrizur.org/index.php?option=com_content&view=article&id=27500:monsanto-compra-blackwater-el-mayor-ejercito-mercenario-del-mundo&catid=52:contra-las-transnacionales-por-la-soberania-&Itemid=73
Postado por GilsonSampaio às sexta-feira, julho 26, 2013
(Fonte?)
Via Rebelion
BWN Argentina
Si algo le faltaba a la nefasta corporación Monsanto era un ejercito oficial de asesinos a sueldo. Monsanto YA ES la corporación “Umbrella” de Resident Evil, pero en el mundo real. Controla el suministro de alimentos, comparte financistas con la industria farmacéutica y fabrica armas nucleares y biológicas.
Así lo revela un reporte de Jeremy Scahill para The Nation donde expone que el ejército mercenario más grande del planeta, (conocido antes como Xe Services y, más recientemente, “Academi”) el “servicio” criminal de inteligencia Blackwater fue vendido a la corporación transnacional Monsanto.
Tras incontables denuncias internacionales por violaciones a la Ley, y habiendo adquirido fama por sus masacres de civiles en Irak y otros países, Blackwater cambió su nombre en el año 2009. No obstante, continua siendo el mayor contratista privado del Departamento de Estado de Norteamérica, como una agencia secreta de “servicios de seguridad” que practica terrorismo de Estado dándole al gobierno la posibilidad de negarlo.
¿Por qué las cacerolas no sirven?
Political Blind Spot denunció que: “Muchos agentes de la CIA y ex militares trabajan para Blackwater o compañías relacionadas, las cuales buscan desviar la atención de su mala reputación y obtener cuantiosos beneficios comerciales. Estos mercenarios venden sus servicios que van desde información ilegal hasta inteligencia de infiltración, lobbismo político y entrenamiento paramilitar – para gobiernos, bancos y corporaciones multinacionales. Acorde a Scahill, los negocios con Monsanto, Chevron, y gigantes financieros como el Barclays o el Deutsche Bank, se canalizan a través de dos empresas cuyo propietario es Erik Prince, dueño de Blackwater: Total Intelligence Solutions y Terrorism Research Center. Estos organismos comparten funcionarios y directores con Blackwater.
Uno de los directores llamado Cofer Black, quien se hizo famoso por su brutalidad como dirigente de la CIA, fue quien hizo contacto con Monsanto en el año 2008 siendo cabeza de Total Intelligence. Monsanto contrató sus servicios para espiar e infiltrar organizaciones de derechos humanos, de animales, y actividades anti-transgénicas (además de ejercer control sobre otras corporaciones biotecnológicas y farmacéuticas).
La corporación Monsanto no sólo asesina personas con sus productos químicos, sino también a balazos y mediante “accidentes”. Sus victimas son periodistas, activistas, políticos y cualquiera que suponga un obstáculo para sus planes de expansión. Al ser contactado por Scahill, el ejecutivo Kevin Wilson de Monsanto rehusó hacer comentarios, pero más tarde se confirmó a The Nation que Monsanto contrató a Total Intelligence durante 2008 y 2009, según la corporación “sólo para efectuar un seguimiento de información pública, de sus opositores”. El ejecutivo de Monsanto también proclamó que Total Intelligence era una “entidad totalmente separada de Blackwater”.
Pero Scahill tiene copias de correos electrónicos de Cofer Black, emitidos luego de la reunión con Wilson de Monsanto, donde se explica a otros ex agentes de la CIA, utilizando casillas de Blackwater, que la discusión con Wilson decantó en la suposición de que Total Intelligence se convirtió en “el brazo de inteligencia de Monsanto”, “para espiar activistas y otras acciones, como integrar legalmente a estos grupos”. Monsanto pagó a Blackwater 127.000 dólares en 2008 y $ 105.000 en 2009.
No resulta sorprendente que una corporación extensamente dedicada a la ciencia de la muerte como Monsanto, que se dedicó desde sus inicios a producir venenos tóxicos como el Agente Naranja, los PCB (bifenilos policlorados), pesticidas, hormonas, semillas modificadas genéticamente, e incluso la bomba atómica, se asocie con otra empresa de asesinos y mercenarios.
Los inicios de la relación Bill Gates y Monsanto
Casi simultáneamente con la publicación de este artículo en The Nation, la organización de agricultores orgánicos Vía Campesina reportó que la Fundación Bill y Melinda Gates compró 500.000 acciones de Monsanto, pagando más de $ 23 millones de dólares, lo cual es una acción que destruye la mascara de “filantropía” . Otra asociación entre criminales que no fue inesperada.
Bill Gates controla más de 90 por ciento del mercado de patentes en el mundo de la computación, además de promocionar y financiar campañas de vacunación para laboratorios genocidas, y siendo responsable de experimentación ilegal con fármacos en países subdesarrollados, mientras Monsanto controla el 90 por ciento del mercado mundial de semillas transgénicas y semillas comerciales a nivel global, habiendo fundado Pharmacia, hoy de Pfizer.
En otras palabras no existen peores monopolios en el sector industrial, ni tampoco tan vastos. La propia existencia de estas entidades implica que la Tierra es subyugada por un régimen financiero totalitario el cual es en si mismo niega el principio de “competencia de libre mercado”. Tanto Gates como Monsanto son extremadamente agresivos defendiendo sus monopolios mal habidos.
Siguiendo ordenes de la familia Rothschild, tanto Gates como Monsanto se dedican a destruir la agricultura orgánica en todo el mundo, lo cual tuvo inicio, principalmente, mediante la “Alianza para una Revolución Verde en África” (AGRA), que operó como un caballo de Troya para privar a los campesinos africanos pobres de sus semillas tradicionales sustituyéndolas por semillas transgénicas. Para ello, la Fundación contrató a Robert Horsch en 2006, quien fuera director de Monsanto. Ahora Gates obtiene grandes ganancias obedeciendo las políticas de despoblación impulsadas por la banca sionista global.
Fuente: http://matrizur.org/index.php?option=com_content&view=article&id=27500:monsanto-compra-blackwater-el-mayor-ejercito-mercenario-del-mundo&catid=52:contra-las-transnacionales-por-la-soberania-&Itemid=73
Postado por GilsonSampaio às sexta-feira, julho 26, 2013
(Fonte?)
John & Yoko
John Lennon & Yoko Ono: somos só um
publicado em musica por diana ribeiro
Conheceram-se em Londres nos anos 60, onde se apaixonaram. John divorciou-se da primeira mulher por causa de Yoko. John enfrentou os restantes membros da banda por causa de Yoko .Uniram-se na música, na arte, na política e nas lutas socioculturais. Deram a cara e a voz por causas humanitárias. Pousaram nús. Juntos, unidos num só até que uma bala os separou.
Este é o segundo de quatro artigos que publicamos hoje para assinalar os 30 anos da morte de John Lennon. Não perca os restantes: John Lennon: Não posso ser o que eu não sou, O dia do assassinato de John Lennon e o tributo A morte de John Lennon: 30 anos e uma música.
"Yes". Foi com esta palavra que John Lennon, membro da intemporal banda "The Beatles", se encantou não só pelo trabalho como pela própria Yoko Ono. Decorria o ano de 1966 quando a galeria Indica em Londres apresentava uma exposição da artista plástica japonesa.
Numa das obras, ao subir as escadas, encontrava-se uma lupa por cima da palavra. Quanto mais se avançava mais nítida ela ficava. Aquilo era tudo de que John precisava naquele momento, segundo palavras suas. "Ela podia ter escrito qualquer coisa; guerra, sexo, morte. Mas ela escreveu sim."
Em 1968, produziram o primeiro trabalho em conjunto. Um álbum experimental que marca também a primeira polémica do futuro casal. "Unfinished Music No.1: Two Virgins", apresentava John e Yoko nus na capa e na contracapa.
John Lennon Yoko Ono
A relação amorosa entre ambos inicia-se pouco tempo depois, fazendo com que
Cynthia Powell, mulher de John na altura, pedisse o divórcio. Com a separação, Yoko e Lennon casam, um ano depois, numa cerimónia privada no estreito de Gibraltar. A lua-de-mel, passada em Amesterdão, serve de pretexto para várias fotografias. "Ben in" ou "John e Yoko na cama pela paz", pretendiam divulgar um dos eventos pelos quais deram a cara.
A banda, que já passava por alguns momentos de desentendimento, não viu com bons olhos esta aliança. Os restantes elementos não gostavam de Yoko nem da sua presença nos ensaios e nas gravações. A imprensa e as fãs acusavam-na de querer destruir os Beatles, para além de criticarem John por ter escolhido uma mulher tão feia e antipática. "Nós somos uma pessoa só" foi a declaração que John fez, reafirmando o amor entre ambos.
Em 1970, Lennon abandona o grupo e este termina definitivamente.
Com a mudança para Nova Iorque, o casal envolve-se em vários eventos políticos: lutam pela paz, pelos direitos das mulheres e protestam contra a Grã-Bretanha exigindo o fim da guerra no Vietname. Unem-se e apoiam alguns líderes e partidos de extrema-esquerda. Estas acções desencadearam novas polémicas e perseguições. O governo de Richard Nixon mostra a sua insatisfação ao casal: a imigração decide extraditar John dos Estados Unidos por três anos.
Durante vários meses ficam afastados, tendo inclusive terminado o seu casamento.
Mas John quer voltar à América. Inicia então um processo legal de imigração, que acaba por vencer. Volta e ambos se reconciliam. Em 1975, nasce Sean Taro Ono Lennon, o único filho do casal. É por ele que John toma a decisão de deixar a música para segundo plano. Só já perto da sua morte é que volta a cantar. Em 1980, grava "Double Fantasy" ao lado da mulher. Apenas um mês depois do seu lançamento, é assassinado por Mark David Chapman, à saída do estúdio.
Yoko ainda hoje diz que tenta diariamente superar a perda de John. E ainda hoje é apontada por inúmeros fãs como a grande responsável pela separação dos Beatles. Os seus defensores acusam as críticas de censurá-la apenas por ser oriental. Por não ter um padrão de beleza que se equiparasse à posição de ícone de John. Por ter feito com que este se distanciasse do sucesso, da fama e do glamour, para se dedicar a causas humanitárias e à vida familiar.
dianaribeiro
diana ribeiro Diana Ribeiro gosta de cores, comer algodão doce, ouvir as ondas do mar e cheirar livros novos. Não dispensa o uso de nenhum dos sentidos. Saiba como fazer parte da obvious.
Leia mais: http://obviousmag.org/archives/2010/12/john_lennon_yoko_ono_somos_so_um.html?utm_source=feedburner&utm_medium=email&utm_campaign=Feed%3A+OBVIOUS+%28obvious+magazine%29#ixzz2aBm5csbf
publicado em musica por diana ribeiro
Conheceram-se em Londres nos anos 60, onde se apaixonaram. John divorciou-se da primeira mulher por causa de Yoko. John enfrentou os restantes membros da banda por causa de Yoko .Uniram-se na música, na arte, na política e nas lutas socioculturais. Deram a cara e a voz por causas humanitárias. Pousaram nús. Juntos, unidos num só até que uma bala os separou.
Este é o segundo de quatro artigos que publicamos hoje para assinalar os 30 anos da morte de John Lennon. Não perca os restantes: John Lennon: Não posso ser o que eu não sou, O dia do assassinato de John Lennon e o tributo A morte de John Lennon: 30 anos e uma música.
"Yes". Foi com esta palavra que John Lennon, membro da intemporal banda "The Beatles", se encantou não só pelo trabalho como pela própria Yoko Ono. Decorria o ano de 1966 quando a galeria Indica em Londres apresentava uma exposição da artista plástica japonesa.
Numa das obras, ao subir as escadas, encontrava-se uma lupa por cima da palavra. Quanto mais se avançava mais nítida ela ficava. Aquilo era tudo de que John precisava naquele momento, segundo palavras suas. "Ela podia ter escrito qualquer coisa; guerra, sexo, morte. Mas ela escreveu sim."
Em 1968, produziram o primeiro trabalho em conjunto. Um álbum experimental que marca também a primeira polémica do futuro casal. "Unfinished Music No.1: Two Virgins", apresentava John e Yoko nus na capa e na contracapa.
John Lennon Yoko Ono
A relação amorosa entre ambos inicia-se pouco tempo depois, fazendo com que
Cynthia Powell, mulher de John na altura, pedisse o divórcio. Com a separação, Yoko e Lennon casam, um ano depois, numa cerimónia privada no estreito de Gibraltar. A lua-de-mel, passada em Amesterdão, serve de pretexto para várias fotografias. "Ben in" ou "John e Yoko na cama pela paz", pretendiam divulgar um dos eventos pelos quais deram a cara.
A banda, que já passava por alguns momentos de desentendimento, não viu com bons olhos esta aliança. Os restantes elementos não gostavam de Yoko nem da sua presença nos ensaios e nas gravações. A imprensa e as fãs acusavam-na de querer destruir os Beatles, para além de criticarem John por ter escolhido uma mulher tão feia e antipática. "Nós somos uma pessoa só" foi a declaração que John fez, reafirmando o amor entre ambos.
Em 1970, Lennon abandona o grupo e este termina definitivamente.
Com a mudança para Nova Iorque, o casal envolve-se em vários eventos políticos: lutam pela paz, pelos direitos das mulheres e protestam contra a Grã-Bretanha exigindo o fim da guerra no Vietname. Unem-se e apoiam alguns líderes e partidos de extrema-esquerda. Estas acções desencadearam novas polémicas e perseguições. O governo de Richard Nixon mostra a sua insatisfação ao casal: a imigração decide extraditar John dos Estados Unidos por três anos.
Durante vários meses ficam afastados, tendo inclusive terminado o seu casamento.
Mas John quer voltar à América. Inicia então um processo legal de imigração, que acaba por vencer. Volta e ambos se reconciliam. Em 1975, nasce Sean Taro Ono Lennon, o único filho do casal. É por ele que John toma a decisão de deixar a música para segundo plano. Só já perto da sua morte é que volta a cantar. Em 1980, grava "Double Fantasy" ao lado da mulher. Apenas um mês depois do seu lançamento, é assassinado por Mark David Chapman, à saída do estúdio.
Yoko ainda hoje diz que tenta diariamente superar a perda de John. E ainda hoje é apontada por inúmeros fãs como a grande responsável pela separação dos Beatles. Os seus defensores acusam as críticas de censurá-la apenas por ser oriental. Por não ter um padrão de beleza que se equiparasse à posição de ícone de John. Por ter feito com que este se distanciasse do sucesso, da fama e do glamour, para se dedicar a causas humanitárias e à vida familiar.
dianaribeiro
diana ribeiro Diana Ribeiro gosta de cores, comer algodão doce, ouvir as ondas do mar e cheirar livros novos. Não dispensa o uso de nenhum dos sentidos. Saiba como fazer parte da obvious.
Leia mais: http://obviousmag.org/archives/2010/12/john_lennon_yoko_ono_somos_so_um.html?utm_source=feedburner&utm_medium=email&utm_campaign=Feed%3A+OBVIOUS+%28obvious+magazine%29#ixzz2aBm5csbf
Carroll e Alice
Lewis Carroll e Alice: a pedofilia por trás da obra
em Literatura por Márwio Câmara
A íntima relação entre Lewis Carroll com a menina que o inspirou nos livros Alice no país das maravilhas e Alice através do espelho, e o seu fascínio em fotografar menininhas nuas, despertam discussões e mistério sobre a vida do escritor inglês
Alice no país das maravilhas é um dos livros mais conhecidos do escritor inglês Lewis Carroll, pseudônimo, na verdade, de Charles Ludwidge Dodgson. Porém, muitos não sabem que Alice, de fato, existiu e a relação entre a menina que inspirou a personagem mais popular da Literatura Infanto-juvenil e o seu respectivo autor é um dos pontos mais instigantes e controversos da biografia deste que também fora poeta e matemático e um apaixonado por fotografia.
Carroll tinha um fascínio, um tanto quanto, curioso em fotografar menininhas com poucos trajes e, por vezes, sem roupa alguma. E o escritor deixava claro que gostava de fotografar crianças, exceto meninos. Porém, todas as fotografias eram feitas com o consentimento dos pais, o que deixa menos maleável sua conduta, que embora, paradoxalmente, na pós-modernidade possa exercer estranheza, no seu antigo século XIX era visto com naturalidade.
Uma das modelos de Carroll fora exatamente quem o inspirou nos dois livros que o popularizou no mundo inteiro: Alice no país das maravilhas (1865) e Alice através do espelho (1873). A menina chamava-se Alice Liddell, e era filha de Henry George Lindell, deão da Christ Church College (futura Universidade de Oxford), onde, na época, Lewis Carroll, ainda apenas Charles Dodgson, era bibliotecário. Ela tinha apenas três anos quando ele a conheceu durante uma sessão fotográfica com o amigo Reginals Southey.
Ao longo da infância e juventude de Alice, ambos, ela e Carroll, mantiveram um relacionamento muito próximo, o que faz com que muito seja especulado que o autor tenha tido uma paixão platônica pela menina. Quanto as fotografias, poucas delas sobreviveram, ao todo apenas cinco, já que o próprio pedira que após sua morte fossem destruídas ou devolvidas as crianças e aos seus pais.
A menina ALice Liddell interpretando uma mendiga sensualizada em fotografia, tirada por Lewis Carroll.
Dúvidas e polêmica à parte, o fato é que as cartas de Lewis Carroll às meninas com quem ele fotografou revelam uma intimidade fora do comum. Em umas destas cartas, queimadas pela mãe de Alice Liddell, Carrol se despedia dela com dez milhões de beijos, além de costumar pedir de presente cachos de cabelos para beijar. Há quem diga que o édipo do autor fosse mal resolvido, como explica a psicanalista Phyllis Greenacre, de que este poderia projetar nas meninas a imagem da mãe, uma vez que a diferença de idade entre Carrol e sua modelo era quase similar.
Em matéria do Jornal do Brasil, publicada em 24 de novembro de 2001, foi abordada também a polêmica que envolve o escritor e a menina Alice Liddell, especulando a natureza dessa relação e o seu fascínio em fotografar menininhas em poucos trajes, sob o ponto de vista de autores que estudaram sobre o tema:
Nenhuma especulação, no entanto, desperta tanta curiosidade quanto as que se referem à vida do autor e à sua relação com a ninfeta Alice. Na leitura que faz da questão, Gardner esquiva-se de apostar na tese de pedofilia, deixando a questão em aberto. ”Estava Carroll apaixonado pela Alice real? Sabemos que a sra. Liddell percebeu algo de insólito nas atitudes dele em relação à filha, tomou medidas para desencorajar-lhe as atenções e finalmente queimou todas as primeiras cartas para Alice”. Mais à frente, ele completa: ”As menininhas de Lewis Carroll talvez o atraíssem precisamente porque com elas se sentia sexualmente seguro. Havia na Inglaterra vitoriana uma tendência, que se reflete em grande parte na literatura e na arte, a idealizar a beleza e a pureza virginal das meninas. Isso sem dúvida tornou mais fácil para Carroll dar por certo que seu gosto por elas se situava num elevado plano espiritual.”
Uma das melhores páginas sobre esse conflito não está, no entanto, nesta edição comentada, mas sim na interpretação de Katie Roiphe, autora de Still she haunts me (Ela ainda me assombra), livro que romaceia a relação entre Carroll e Alice. Para Roiphe, ensaísta renomada que deu com essa história seu primeiro passo na ficção, há uma certa nobreza no autocontrole de um homem que lutou a mais árdua de todas as batalhas do mundo: seu próprio desejo. Ela diz: “É impossível para nós contemplar um homem que se apaixonado por garotinhas sem querer colocá-lo na prisão. As sutilezas, para quem vive as paranóias do século 20, são difíceis de serem compreendidas. O amor de Carroll não era nabokoviano; era delicado, torturado e esquivo. Era uma paixão muito estranha e complicada para ser definida em uma única palavra”, escreve. Ao fim de um artigo escrito recentemente para o jornal The Guardian a respeito de Carroll, ela conclui: ”Ele tinha pensamentos, impuros, sim. O que importa, no fim, é o que ele fez deles.”
Outra leitura que vai de encontro a vida do autor, num ângulo artisticamente fotográfico, evidenciando seu fascínio por crianças do sexo feminino, pode ser encontrado na página do amigo Julio Ribeiro, no link abaixo:
Se havia uma natureza instintivamente sexual no autor em sua relação com Alice Liddell e as meninas que ele fotografava, talvez nunca saibamos. O fato é que Alice no país das maravilhas é um dos maiores clássicos da Literatura Infanto-juvenil, dotado de riqueza linguística (e, ora, diga-se, de entrelinhas), que faz de Lewis Carroll um dos mais importantes nomes da Literatura mundial, referência para muitos escritores e apreciado por leitores do mundo todo.
escrevo logo existo
Artigo da autoria de Márwio Câmara.
Escritor, jornalista e um apaixonado pelas artes. Escreve porque sua voz está na escrita..
Saiba como fazer parte da obvious.
em Literatura por Márwio Câmara
A íntima relação entre Lewis Carroll com a menina que o inspirou nos livros Alice no país das maravilhas e Alice através do espelho, e o seu fascínio em fotografar menininhas nuas, despertam discussões e mistério sobre a vida do escritor inglês
Alice no país das maravilhas é um dos livros mais conhecidos do escritor inglês Lewis Carroll, pseudônimo, na verdade, de Charles Ludwidge Dodgson. Porém, muitos não sabem que Alice, de fato, existiu e a relação entre a menina que inspirou a personagem mais popular da Literatura Infanto-juvenil e o seu respectivo autor é um dos pontos mais instigantes e controversos da biografia deste que também fora poeta e matemático e um apaixonado por fotografia.
Carroll tinha um fascínio, um tanto quanto, curioso em fotografar menininhas com poucos trajes e, por vezes, sem roupa alguma. E o escritor deixava claro que gostava de fotografar crianças, exceto meninos. Porém, todas as fotografias eram feitas com o consentimento dos pais, o que deixa menos maleável sua conduta, que embora, paradoxalmente, na pós-modernidade possa exercer estranheza, no seu antigo século XIX era visto com naturalidade.
Uma das modelos de Carroll fora exatamente quem o inspirou nos dois livros que o popularizou no mundo inteiro: Alice no país das maravilhas (1865) e Alice através do espelho (1873). A menina chamava-se Alice Liddell, e era filha de Henry George Lindell, deão da Christ Church College (futura Universidade de Oxford), onde, na época, Lewis Carroll, ainda apenas Charles Dodgson, era bibliotecário. Ela tinha apenas três anos quando ele a conheceu durante uma sessão fotográfica com o amigo Reginals Southey.
Ao longo da infância e juventude de Alice, ambos, ela e Carroll, mantiveram um relacionamento muito próximo, o que faz com que muito seja especulado que o autor tenha tido uma paixão platônica pela menina. Quanto as fotografias, poucas delas sobreviveram, ao todo apenas cinco, já que o próprio pedira que após sua morte fossem destruídas ou devolvidas as crianças e aos seus pais.
A menina ALice Liddell interpretando uma mendiga sensualizada em fotografia, tirada por Lewis Carroll.
Dúvidas e polêmica à parte, o fato é que as cartas de Lewis Carroll às meninas com quem ele fotografou revelam uma intimidade fora do comum. Em umas destas cartas, queimadas pela mãe de Alice Liddell, Carrol se despedia dela com dez milhões de beijos, além de costumar pedir de presente cachos de cabelos para beijar. Há quem diga que o édipo do autor fosse mal resolvido, como explica a psicanalista Phyllis Greenacre, de que este poderia projetar nas meninas a imagem da mãe, uma vez que a diferença de idade entre Carrol e sua modelo era quase similar.
Em matéria do Jornal do Brasil, publicada em 24 de novembro de 2001, foi abordada também a polêmica que envolve o escritor e a menina Alice Liddell, especulando a natureza dessa relação e o seu fascínio em fotografar menininhas em poucos trajes, sob o ponto de vista de autores que estudaram sobre o tema:
Nenhuma especulação, no entanto, desperta tanta curiosidade quanto as que se referem à vida do autor e à sua relação com a ninfeta Alice. Na leitura que faz da questão, Gardner esquiva-se de apostar na tese de pedofilia, deixando a questão em aberto. ”Estava Carroll apaixonado pela Alice real? Sabemos que a sra. Liddell percebeu algo de insólito nas atitudes dele em relação à filha, tomou medidas para desencorajar-lhe as atenções e finalmente queimou todas as primeiras cartas para Alice”. Mais à frente, ele completa: ”As menininhas de Lewis Carroll talvez o atraíssem precisamente porque com elas se sentia sexualmente seguro. Havia na Inglaterra vitoriana uma tendência, que se reflete em grande parte na literatura e na arte, a idealizar a beleza e a pureza virginal das meninas. Isso sem dúvida tornou mais fácil para Carroll dar por certo que seu gosto por elas se situava num elevado plano espiritual.”
Uma das melhores páginas sobre esse conflito não está, no entanto, nesta edição comentada, mas sim na interpretação de Katie Roiphe, autora de Still she haunts me (Ela ainda me assombra), livro que romaceia a relação entre Carroll e Alice. Para Roiphe, ensaísta renomada que deu com essa história seu primeiro passo na ficção, há uma certa nobreza no autocontrole de um homem que lutou a mais árdua de todas as batalhas do mundo: seu próprio desejo. Ela diz: “É impossível para nós contemplar um homem que se apaixonado por garotinhas sem querer colocá-lo na prisão. As sutilezas, para quem vive as paranóias do século 20, são difíceis de serem compreendidas. O amor de Carroll não era nabokoviano; era delicado, torturado e esquivo. Era uma paixão muito estranha e complicada para ser definida em uma única palavra”, escreve. Ao fim de um artigo escrito recentemente para o jornal The Guardian a respeito de Carroll, ela conclui: ”Ele tinha pensamentos, impuros, sim. O que importa, no fim, é o que ele fez deles.”
Outra leitura que vai de encontro a vida do autor, num ângulo artisticamente fotográfico, evidenciando seu fascínio por crianças do sexo feminino, pode ser encontrado na página do amigo Julio Ribeiro, no link abaixo:
Se havia uma natureza instintivamente sexual no autor em sua relação com Alice Liddell e as meninas que ele fotografava, talvez nunca saibamos. O fato é que Alice no país das maravilhas é um dos maiores clássicos da Literatura Infanto-juvenil, dotado de riqueza linguística (e, ora, diga-se, de entrelinhas), que faz de Lewis Carroll um dos mais importantes nomes da Literatura mundial, referência para muitos escritores e apreciado por leitores do mundo todo.
escrevo logo existo
Artigo da autoria de Márwio Câmara.
Escritor, jornalista e um apaixonado pelas artes. Escreve porque sua voz está na escrita..
Saiba como fazer parte da obvious.
sábado, 27 de julho de 2013
Educação - Argentina
Argentina, Universidade para todos
Novas instituições asseguram expansão inédita de vagas, em país onde não há vestibular. Dos estudantes, 80% estão em escolas públicas
Por Marcela Valente, na Agência IPS | Tradução: Antonio Martins
Das 47 universidades públicas e gratuitas existentes na Argentina, nove foram criadas na última década, para melhorar a oferta de vagas em zonas populosas e economicamente débeis. Além desta expansão, surgiram estratégias de apoio aos alunos, embora a evasão ainda persista.
Um dos resultados da política de inclusão de amplos setores sociais é que “80% dos novos estudantes são a primeira geração de universitários em sua família”, afirma o secretário de Políticas Universitárias do ministério da Educação, Martin Gill. É uma referência às novas universidades localizadas em Avallaneda, José Paz, Merlo, Moreno e Florencio Varela, alguns dos distritos mais povoados e com maior quantidade de famílias operárias e pobres, na periferia contígua a Buenos Aires.
Além destas, as outras quatro instituições fundadas nos últimos dez anos (período dos presidentes Nestor Kirchner e Cristina Fernandez) estão localizadas nas províncias do Chaco (nordeste), Rio Negro (sul), San Luís (oeste) e Terra do Fogo (extremo sul), onde ainda não havia universidade pública alguma. “A educação superior é um direito, e o Estado precisa garanti-lo”, frisa Gill.
Ele acrescenta: a política de expansão é complementada com maior oferta de bolsas de estudo. “Embora nossas universidades públicas sejam gratuitas, durante muito tempo apenas chegavam a elas os que viviam mais perto de seus campus e tinham melhores condições sócio-econômicas”. O número de bolsas de apoio financeiro que o Estado estende para a estudantes com poucos recursos financeiros aumentou de 2 mil para 47 mil, entre 2003 e 2013. Atualmente, a metade beneficia quem escolher uma das duzentas carreiras científicas ou tecnológicas, prioritárias para o programa de desenvolvimento do país.
Gill explica que as novas universidades da periferia da região metropolitana de Buenos Aires “são unidades pequenas e flexíveis”, com forte inserção territorial, mas mantêm alto nível de qualidade de ensino. Aponta como exemplos o Centro de Biotecnologia da Universidade Nacional de San Martin, “o maior da América Latina”; a carreira de Engenharia do Petróleo da novíssima Universidade Nacional Arturo Jauretch, em Florencio Varela; ou a unidade de Estudos Econômicos que surgiu na Universidade Naiconal de Moreno.
Também destaca o trabalho de pesquisa da Universidade Nacional de Quilmes, criada há mais tempo mas também incluída no plano de expensão universitária. Em conjunto com outros centros de investigação argentinos e cubanos, ela desenvolve uma vacina terapêutica contra o câncer de pulmão, que estará disponível a partir deste mês para uso em tratamentos, somando-se à radioterapia e à quimioterapia.
Gill lembra que, quando a política de abertura de novas universidades públicas foi lançada, na periferia da capital, a ideia era desconcentrar a Universidade de Buenos Aires (UBA), tradicional e gigante, fundada em 1821. Embora a UBA tenha mantido seu contingente de alunos, graças ao prestígio nacional e internacional que alcançou, nas universidades da região metropolitana inscreveram-se, este ano, 67 mil alunos. “É uma política que gera mobilidade social clara e ascendente”, ele frisa.
O ministério da Educação calcula que o número de argentinos que chegaram à universidade aumentou em 28%, nos últimos dez anos; e o índice dos que concluem seus cursos cresceu 68%. Os investimentos públicos no ensino superior saltaram de 0,5% para 1,02% do PIB, no mesmo período. Entre 2001 e 2010, a população cresceu 10%; mas o percentual dos que têm ensino superior avançou 54%.
O país, hoje com mais de 40 milhões de habitantes, destina 6,5% do PIB à Educação como um todo. O índice está próximo do brasileiro e é um dos mais altos da América Latina – com a exceção de Cuba, onde chega a 12%, segundo dados da Unesco.
O engenheiro Jorge Calzoni, reitor da Universidade Nacional de Avellaneda, relata que desde que criada a instituição, em 2009, mais de 6 mil alunos inscreveram-se. Destes, cerca de 300 são estrangeiros. A universidade oferece 25 carreiras, entre as de pré-graduação (que dura dois anos), graduação e pós-graduação. “Não nascemos para competir com as grandes universidades, mas para complementá-las”, pensa ele.
Por isso, ao invés de incluir o curso de Medicina, já oferecido em universidades próximas, propõe o de Enfermaria, por exemplo. Também tem cursos de Turismo, Engenharia Informática e Design, entre outros.
Calzoni reconhece que persistem índices importantes de evasão escolar, apesar da criação de três “seminários de ingresso”, criados “para estabelecer um patamar mínimo, que evite o fracasso no primeiro ano” [na Argentina não é preciso passar pelo vestibular, para o ingresso no ensino superior]. Os alunos contam, além disso, com duplas de tutores e professores auxiliares de apoio.
“Ainda assim 47% desistem”, admite: “do total de inscritos, a metade não se matricula no segundo semestre”. É preciso, no entanto, relativizar este dado. O reitor estima que parte são jovens que mudam de carreira ou de universidade, e em seguida recomeçam os estudos. As estatísticas da Universidade de Avellaneda revelam que 84% dos matriculados provêm de famílias onde os pais não eram universitários. Ou seja, são a primeira geração que chega ao ensino superior.
Calzoni lembra que a instituição localiza-em em área geográfica em que havia reivindicação não-atendida de cursos superiores. Isso fica claro na idade dos matriculados. No ano de abertura, a média de idade foi de 34 anos. “Eram pessoas que antes não chegavam à universidade – talvez pelo problema da distância – e agora podem fazê-lo. Esta média foi baixando, primeiro a 28 e agora a 24 anos.
Já o secretário Martín Gill destaca que a política de inclusão permite a incorporação de alunos surdos ou com outras formas de incapacidade, além de um grande quantidade de jovens procedentes de outros países da América do Sul. “Vêm da Bolívia, Colômbia, Chile, Equador, México e Peru. A Argentina tem um modelo de ensino superior único, no que diz respeito ao acesso”.
Entre os dados gerais mais relevantes está o fato de “80% da matrícula universitária dar-se em instituições públicas”, embora a oferta privada seja importante, com 49 instituições no país.
(Outras Palavras)
Novas instituições asseguram expansão inédita de vagas, em país onde não há vestibular. Dos estudantes, 80% estão em escolas públicas
Por Marcela Valente, na Agência IPS | Tradução: Antonio Martins
Das 47 universidades públicas e gratuitas existentes na Argentina, nove foram criadas na última década, para melhorar a oferta de vagas em zonas populosas e economicamente débeis. Além desta expansão, surgiram estratégias de apoio aos alunos, embora a evasão ainda persista.
Um dos resultados da política de inclusão de amplos setores sociais é que “80% dos novos estudantes são a primeira geração de universitários em sua família”, afirma o secretário de Políticas Universitárias do ministério da Educação, Martin Gill. É uma referência às novas universidades localizadas em Avallaneda, José Paz, Merlo, Moreno e Florencio Varela, alguns dos distritos mais povoados e com maior quantidade de famílias operárias e pobres, na periferia contígua a Buenos Aires.
Além destas, as outras quatro instituições fundadas nos últimos dez anos (período dos presidentes Nestor Kirchner e Cristina Fernandez) estão localizadas nas províncias do Chaco (nordeste), Rio Negro (sul), San Luís (oeste) e Terra do Fogo (extremo sul), onde ainda não havia universidade pública alguma. “A educação superior é um direito, e o Estado precisa garanti-lo”, frisa Gill.
Ele acrescenta: a política de expansão é complementada com maior oferta de bolsas de estudo. “Embora nossas universidades públicas sejam gratuitas, durante muito tempo apenas chegavam a elas os que viviam mais perto de seus campus e tinham melhores condições sócio-econômicas”. O número de bolsas de apoio financeiro que o Estado estende para a estudantes com poucos recursos financeiros aumentou de 2 mil para 47 mil, entre 2003 e 2013. Atualmente, a metade beneficia quem escolher uma das duzentas carreiras científicas ou tecnológicas, prioritárias para o programa de desenvolvimento do país.
Gill explica que as novas universidades da periferia da região metropolitana de Buenos Aires “são unidades pequenas e flexíveis”, com forte inserção territorial, mas mantêm alto nível de qualidade de ensino. Aponta como exemplos o Centro de Biotecnologia da Universidade Nacional de San Martin, “o maior da América Latina”; a carreira de Engenharia do Petróleo da novíssima Universidade Nacional Arturo Jauretch, em Florencio Varela; ou a unidade de Estudos Econômicos que surgiu na Universidade Naiconal de Moreno.
Também destaca o trabalho de pesquisa da Universidade Nacional de Quilmes, criada há mais tempo mas também incluída no plano de expensão universitária. Em conjunto com outros centros de investigação argentinos e cubanos, ela desenvolve uma vacina terapêutica contra o câncer de pulmão, que estará disponível a partir deste mês para uso em tratamentos, somando-se à radioterapia e à quimioterapia.
Gill lembra que, quando a política de abertura de novas universidades públicas foi lançada, na periferia da capital, a ideia era desconcentrar a Universidade de Buenos Aires (UBA), tradicional e gigante, fundada em 1821. Embora a UBA tenha mantido seu contingente de alunos, graças ao prestígio nacional e internacional que alcançou, nas universidades da região metropolitana inscreveram-se, este ano, 67 mil alunos. “É uma política que gera mobilidade social clara e ascendente”, ele frisa.
O ministério da Educação calcula que o número de argentinos que chegaram à universidade aumentou em 28%, nos últimos dez anos; e o índice dos que concluem seus cursos cresceu 68%. Os investimentos públicos no ensino superior saltaram de 0,5% para 1,02% do PIB, no mesmo período. Entre 2001 e 2010, a população cresceu 10%; mas o percentual dos que têm ensino superior avançou 54%.
O país, hoje com mais de 40 milhões de habitantes, destina 6,5% do PIB à Educação como um todo. O índice está próximo do brasileiro e é um dos mais altos da América Latina – com a exceção de Cuba, onde chega a 12%, segundo dados da Unesco.
O engenheiro Jorge Calzoni, reitor da Universidade Nacional de Avellaneda, relata que desde que criada a instituição, em 2009, mais de 6 mil alunos inscreveram-se. Destes, cerca de 300 são estrangeiros. A universidade oferece 25 carreiras, entre as de pré-graduação (que dura dois anos), graduação e pós-graduação. “Não nascemos para competir com as grandes universidades, mas para complementá-las”, pensa ele.
Por isso, ao invés de incluir o curso de Medicina, já oferecido em universidades próximas, propõe o de Enfermaria, por exemplo. Também tem cursos de Turismo, Engenharia Informática e Design, entre outros.
Calzoni reconhece que persistem índices importantes de evasão escolar, apesar da criação de três “seminários de ingresso”, criados “para estabelecer um patamar mínimo, que evite o fracasso no primeiro ano” [na Argentina não é preciso passar pelo vestibular, para o ingresso no ensino superior]. Os alunos contam, além disso, com duplas de tutores e professores auxiliares de apoio.
“Ainda assim 47% desistem”, admite: “do total de inscritos, a metade não se matricula no segundo semestre”. É preciso, no entanto, relativizar este dado. O reitor estima que parte são jovens que mudam de carreira ou de universidade, e em seguida recomeçam os estudos. As estatísticas da Universidade de Avellaneda revelam que 84% dos matriculados provêm de famílias onde os pais não eram universitários. Ou seja, são a primeira geração que chega ao ensino superior.
Calzoni lembra que a instituição localiza-em em área geográfica em que havia reivindicação não-atendida de cursos superiores. Isso fica claro na idade dos matriculados. No ano de abertura, a média de idade foi de 34 anos. “Eram pessoas que antes não chegavam à universidade – talvez pelo problema da distância – e agora podem fazê-lo. Esta média foi baixando, primeiro a 28 e agora a 24 anos.
Já o secretário Martín Gill destaca que a política de inclusão permite a incorporação de alunos surdos ou com outras formas de incapacidade, além de um grande quantidade de jovens procedentes de outros países da América do Sul. “Vêm da Bolívia, Colômbia, Chile, Equador, México e Peru. A Argentina tem um modelo de ensino superior único, no que diz respeito ao acesso”.
Entre os dados gerais mais relevantes está o fato de “80% da matrícula universitária dar-se em instituições públicas”, embora a oferta privada seja importante, com 49 instituições no país.
(Outras Palavras)
Drogas
Drogas, equívocos e soluções
Escrito por Frei Betto
O fenômeno das drogas atinge todos nós. Não há exceção. Ainda que você não tenha um dependente químico na família, o perigo reside no assalto. Nada pior do que ser assaltado por uma pessoa drogada. Qualquer gesto, por mais inocente, pode representar na cabeça dele uma reação que merece a morte.
Não é apenas nas ruas que a existência de grande número de viciados preocupa. Em todas as classes sociais há quem seja dependente de drogas. Não somente das proibidas, como cocaína e ópio, mas também das que se podem adquirir em farmácias (com receitas falsas) ou em hospitais (por desvio). Nos dois casos, uma grana extra faz do funcionário um corrupto e a droga de tarja preta chega fácil às mãos do usuário.
Famílias de classes média e alta conhecem a tortura do que significa ter um parente dependente químico. Por sua vez, o poder público, incomodado com a paisagem urbana das cracolândias, advoga a internação compulsória. Medida, aliás, adotada por certas famílias com recursos para pagar internação em clínicas de (suposta) recuperação.
Restam as perguntas que não querem calar, mas que famílias e poder público insistem em abafar: o que induz uma pessoa a consumir drogas? Qual a solução para o problema?
Se amanhã hóstia de igreja, que é oferecida gratuitamente, virar grife, terá preço de mercado, como jeans esfarrapados vendidos hoje em lojas sofisticadas. Ocorre que só quem comunga por razões religiosas consome hóstias. Do mesmo modo, o narcotráfico – que deve ser combatido com todo rigor – só existe porque há um amplo e voraz mercado de consumo.
O que leva uma pessoa a consumir drogas é a carência de autoestima. Sentindo-se inferior, desalmada, pressionada pelo estresse competitivo, ela encontra nas drogas o recurso para alterar seu estado de consciência. Assim, se sente bem melhor do que ao enfrentar, de cuca limpa, a realidade. Sobretudo com certas drogas, como a cocaína, que imprimem sensação de onipotência.
Todo drogado é um místico em potencial. Sabe que a felicidade é uma experiência da subjetividade. Nada fora do ser humano é capaz de trazer felicidade. Dê a um dependente químico barras de ouro para que abandone a droga e inicie vida nova. Ele logo tratará de vendê-las para comprar drogas.
A droga decorre de nossa escala de valores. Há nisso forte componente educativo. Se um jovem é educado priorizando como valores riqueza, sucesso, poder e beleza, tende a se tornar vulnerável às drogas. Elas funcionarão, periódica e provisoriamente, como cobertor ao frio de suas ambições frustradas.
Alerto meus amigos que têm filhos pequenos: deem a eles muita atenção e carinho, especialmente até que completem 12 anos. Internações podem ser úteis em situações de crise ou surto. Nunca como solução. Todo drogado grita em outra linguagem: “Eu quero ser amado!”
E o poder público, o que fazer diante desta epidemia química? Internação compulsória? Funciona provisoriamente como limpeza da paisagem urbana. Em um país como o nosso, em que o sistema de saúde é tão precário, difícil acreditar que existam clínicas de internação em número suficiente para atender todos os dependentes e que tenham suficiente pedagogia de recuperação.
A solução talvez não seja fácil para aqueles que já romperam vínculos familiares. Contudo, há, sim, solução preventiva se o poder público cumprir seu dever de assegurar a todas as crianças e jovens educação de qualidade. Um jovem que sonha ser um profissional competente jamais entrará nas drogas se tiver educação garantida, sobretudo centrada em valores altruístas, solidários, espirituais.
Morei cinco anos em favela. Aprendi que nenhum traficante deseja que seu filho siga os seus passos. O sonho é que o filho seja doutor. Portanto, no dia em que o poder público levar aos ninhos do tráfico mais escolas, música, teatro, academias de ginástica, bibliotecas, e menos batidas policiais e balas “perdidas”, teremos menos viciados e traficantes.
Portugal ensinou muito ao Brasil: o idioma, o prazer do queijo, a religiosidade cristã, a arte sacra, o gosto pela literatura etc. É hora de aprendermos também com Portugal como lidar com as drogas. Lisboa é a capital europeia com menor índice de homicídios.
Frei Betto é escritor, autor do romance sobre drogas “O Vencedor” (Ática), entre outros livros.
Website: http://www.freibetto.org/
Twitter:@freibetto.
Copyright 2013 – FREI BETTO – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor. Se desejar, faça uma assinatura de todos os artigos do escritor. Contato – MHPAL – Agência Literária (mhpal(0)terra.com.br)
Para ajudar o Correio da Cidadania e a construção da mídia independente
Escrito por Frei Betto
O fenômeno das drogas atinge todos nós. Não há exceção. Ainda que você não tenha um dependente químico na família, o perigo reside no assalto. Nada pior do que ser assaltado por uma pessoa drogada. Qualquer gesto, por mais inocente, pode representar na cabeça dele uma reação que merece a morte.
Não é apenas nas ruas que a existência de grande número de viciados preocupa. Em todas as classes sociais há quem seja dependente de drogas. Não somente das proibidas, como cocaína e ópio, mas também das que se podem adquirir em farmácias (com receitas falsas) ou em hospitais (por desvio). Nos dois casos, uma grana extra faz do funcionário um corrupto e a droga de tarja preta chega fácil às mãos do usuário.
Famílias de classes média e alta conhecem a tortura do que significa ter um parente dependente químico. Por sua vez, o poder público, incomodado com a paisagem urbana das cracolândias, advoga a internação compulsória. Medida, aliás, adotada por certas famílias com recursos para pagar internação em clínicas de (suposta) recuperação.
Restam as perguntas que não querem calar, mas que famílias e poder público insistem em abafar: o que induz uma pessoa a consumir drogas? Qual a solução para o problema?
Se amanhã hóstia de igreja, que é oferecida gratuitamente, virar grife, terá preço de mercado, como jeans esfarrapados vendidos hoje em lojas sofisticadas. Ocorre que só quem comunga por razões religiosas consome hóstias. Do mesmo modo, o narcotráfico – que deve ser combatido com todo rigor – só existe porque há um amplo e voraz mercado de consumo.
O que leva uma pessoa a consumir drogas é a carência de autoestima. Sentindo-se inferior, desalmada, pressionada pelo estresse competitivo, ela encontra nas drogas o recurso para alterar seu estado de consciência. Assim, se sente bem melhor do que ao enfrentar, de cuca limpa, a realidade. Sobretudo com certas drogas, como a cocaína, que imprimem sensação de onipotência.
Todo drogado é um místico em potencial. Sabe que a felicidade é uma experiência da subjetividade. Nada fora do ser humano é capaz de trazer felicidade. Dê a um dependente químico barras de ouro para que abandone a droga e inicie vida nova. Ele logo tratará de vendê-las para comprar drogas.
A droga decorre de nossa escala de valores. Há nisso forte componente educativo. Se um jovem é educado priorizando como valores riqueza, sucesso, poder e beleza, tende a se tornar vulnerável às drogas. Elas funcionarão, periódica e provisoriamente, como cobertor ao frio de suas ambições frustradas.
Alerto meus amigos que têm filhos pequenos: deem a eles muita atenção e carinho, especialmente até que completem 12 anos. Internações podem ser úteis em situações de crise ou surto. Nunca como solução. Todo drogado grita em outra linguagem: “Eu quero ser amado!”
E o poder público, o que fazer diante desta epidemia química? Internação compulsória? Funciona provisoriamente como limpeza da paisagem urbana. Em um país como o nosso, em que o sistema de saúde é tão precário, difícil acreditar que existam clínicas de internação em número suficiente para atender todos os dependentes e que tenham suficiente pedagogia de recuperação.
A solução talvez não seja fácil para aqueles que já romperam vínculos familiares. Contudo, há, sim, solução preventiva se o poder público cumprir seu dever de assegurar a todas as crianças e jovens educação de qualidade. Um jovem que sonha ser um profissional competente jamais entrará nas drogas se tiver educação garantida, sobretudo centrada em valores altruístas, solidários, espirituais.
Morei cinco anos em favela. Aprendi que nenhum traficante deseja que seu filho siga os seus passos. O sonho é que o filho seja doutor. Portanto, no dia em que o poder público levar aos ninhos do tráfico mais escolas, música, teatro, academias de ginástica, bibliotecas, e menos batidas policiais e balas “perdidas”, teremos menos viciados e traficantes.
Portugal ensinou muito ao Brasil: o idioma, o prazer do queijo, a religiosidade cristã, a arte sacra, o gosto pela literatura etc. É hora de aprendermos também com Portugal como lidar com as drogas. Lisboa é a capital europeia com menor índice de homicídios.
Frei Betto é escritor, autor do romance sobre drogas “O Vencedor” (Ática), entre outros livros.
Website: http://www.freibetto.org/
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Escritores
A guerra sem explosões da literatura
Recife (PE) - Esta semana, tive a honra de participar do Festival de Inverno de Ouro Preto e Mariana. Ali, na mesa onde se encontravam o escritor João Silvério Trevisan e a ilustre mediadora Guiomar de Grammont, o tema da nossa conversa foi Escritor em ação: viver e escrever. Divulgo a seguir a fala que improvisei por escrito para esse encontro.
Entendo “Viver e escrever” como a vida que se reflete na literatura. Ou de modo mais preciso: como a minha própria vida se reflete no que escrevo.
Antes, um esclarecimento, que devo fazer misturado a um pedido de desculpa. Quando digo “falar da vida que se reflete no que escrevo”, isso não é um atestado de narciso, de vaidade ridícula, de supor a minha vida digna da literatura. Não, o meu cotidiano é banal, assim como a banalidade imensa que cerca todas as nossas vidas. Eu nunca fui à lua, não conheço Estocolmo, não sou filho de generais, de traficantes, nem descendo de ladrões riquíssimos ou de famílias
quatrocentonas, nessa ordem. Aliás, na minha família a genealogia se perde, na medida em que não identifico sequer os meus avós. Por esse caminho de biografia magnífica, a minha vida não daria um romance, naquele sentido que o povo muitas vezes fala, “a minha vida daria uma novela”.
Como poderia falar de uma vida que não tem ação de rilhar os dentes, nem acontecimentos extraordinários nem amores glamorosos? A minha vida não daria um best-seller. Por isso, corrijo: best-seller, não, mas a minha vida, assim como a de toda gente, é digna da literatura. Dependendo do que se fizer do banal, da limonada dos limões recebidos, a vida de qualquer pessoa é digna da literatura. Ou melhor dizendo, a boa literatura é que é digna da vida de toda a gente.
De passagem, esclareço o método particular de quem escreve literatura. O escritor de ficção, em vez de narrar ideias gerais, narra pessoas, personagens particulares. É da natureza do nosso gênero, é a nossa forma de trabalhar. Ainda que estejamos escrevendo sobre as coisas mais abstratas, algo como a Constituição Federal atualizada, ainda assim o escritor, o que tem gênese e característica da literatura, falará da Constituição Federal conforme a biografia sentida da própria vida. É como um louco ou doente sem remédio. Em muitos significados, ele é um funcionário permanente. O escritor me lembra um bancário que não conseguia sair do banco. Ia pra casa, o banco o acompanhava. Ia dormir, lá estava o banco. Ia pro bar, e quando no calor da cerveja se discutia sobre a estratégia da França com a Linha Maginot depois da 1ª. Guerra Mundial, o bancário concluía: “Entendo, eu também faço isso. Eu pego os livros de relatórios e empilho na minha frente, pra ninguém me perturbar. Essa Maginot é como lá no banco”.
Não é que o escritor seja um monstro biográfico, que possua um misterioso talento onde não cresçam e frutifiquem ideias. Pelo contrário, não se conhece um só bom autor que não possua uma concepção do mundo e dos seus desconcertos. Mas é que nele, no escritor, as ideias sofrem uma interpretação particular, que se mostram no que ele escreve. Nele não há lugar para a sobrevivência da tese, que é do ofício de todo ensaio científico ou acadêmico. Na literatura, os personagens não são bonecos de ideias gerais. São gente, de cara e dente, onde as ideias se batem, se violentam e mantêm o conflito. Como na vida fora da escrita.
Nos livros, falo do que vi em minha juventude, tão perto de mim, como eu gostaria de crer. Neles falo da repressão da ditadura, de pessoas heroicas, covardes e loucas, ou em profundo desespero, que eu vi. Falo da minha infância em um subúrbio periférico do Recife, que tem o nome de Água Fria, que não se pronuncia em boa conversa, porque seria o mesmo que falar um palavrão. O melhor de mim está quando volto os olhos para esse mundo sem nome, de pessoas que desaparecem sem nome, cujo sepultamento é apenas um alternativa precária da carniça para os abutres. É para esse imortal escárnio que me volto. Essa gente, gentinha gentalha da minha genética é que me sustenta. Antes, durante suas vidas e depois.
A literatura é a terra da democracia. Ela permite a um filho do povo escrever e por isso ser recebido com tapete vermelho em qualquer palácio. E a honra será dos palácios. Essa democracia da literatura, esta literatura que me permitiu ser menos insignificante, é a minha terra e o meu destino. Eu não sei atirar, esmurrar, e assim não posso combater e matar a injustiça com as mãos cheias de bombas, balas e mísseis. Como não posso, escrevo.
Urariano Mota
(Direto da Redação)
Eichmann
'Hannah Arendt', o filme de Von Trotta
"A dificuldade de condensar num filme uma vida na qual o desenrolar do pensamento tem importância constitutiva que levou Von Trotta a mudar o plano original. Optou por fazer um recorte e escolheu um período da vida de Arendt caracterizado pelas confrontações suscitadas por seu livro Eichmann em Jerusalém - um relato sobre a banalidade do mal (1963-1965). No seu entender, a confrontação prestava-se a dar foco, permitindo traduzir em linguagem cinematográfica quem foi Arendt", escreve Celso Lafer, professor emérito do Instituto de Relações Internacionais da USP, em artigo publicado no jornal O Estado de S.Paulo, 21-07-2013.
Eis o artigo.
Fui assistir ao filme sobre Hannah Arendt, da diretora Margarethe von Trotta, com a sempre presente dedicação de estudioso da obra da grande pensadora e com a curiosidade de ver, como antigo aluno, como ela foi, ao mesmo tempo, representada e apresentada.
A atriz Barbara Sukova, que faz o papel principal, estudou gestos e posturas de Arendt para vivê-la, embora não se pareça fisicamente com ela. Para quem foi aluno de Arendt e a conheceu em 1965, na Universidade Cornell, ninguém é capaz de encarná-la na plenitude da sua iluminadora presença. Feita essa ressalva, avalio que Sukova construiu, com propriedade, uma figura verossímil.
O roteiro do filme é de Von Trotta e de Pam Katz. A ideia inicial era fazer um filme sobre todo o percurso da vida de Arendt (1906-1975), que, como a de tantos da sua geração nascidos na Europa, teve de lidar com as vicissitudes existenciais de uma era de extremos e com o desenraizamento desencadeado pela ilimitada prepotência dos regimes totalitários - no seu caso, o do nazismo antissemita, que a expeliu de seu mundo de juventude e de formação universitária na Alemanha, onde foi aluna de Heidegger e Jaspers.
Essa experiência a instigou a elaborar densa obra, reconhecida como de inequívoca relevância para o entendimento das múltiplas facetas da modernidade. Desde o livro inaugural de 1951, As Origens do Totalitarismo, até os póstumos, como A Vida do Espírito (1977-1978), tem a característica de obra clássica que, pela qualidade e originalidade da reflexão, nunca termina de dizer aquilo que tem para dizer, para evocar uma das definições de Italo Calvino sobre o que é um clássico.
Foi justamente a dificuldade de condensar num filme uma vida na qual o desenrolar do pensamento tem importância constitutiva que levou Von Trotta a mudar o plano original. Optou por fazer um recorte e escolheu um período da vida de Arendt caracterizado pelas confrontações suscitadas por seu livro Eichmann em Jerusalém - um relato sobre a banalidade do mal (1963-1965). No seu entender, a confrontação prestava-se a dar foco, permitindo traduzir em linguagem cinematográfica quem foi Arendt.
O polêmico livro tem sua origem nos artigos para a revista The New Yorker, para a qual, por sua iniciativa, Arendt cobriu o processo de Adolf Eichmann. A sua motivação foi ver e avaliar, em carne e osso, um executor do Holocausto, pois não tivera a oportunidade de assistir aos julgamentos do Tribunal de Nüremberg.
Eichmann foi um dos mais notórios responsáveis pela gestão da "solução final", voltada para o extermínio dos judeus. Após a 2.ª Guerra Mundial, tinha se escondido na Argentina, onde foi capturado por agentes israelenses e levado para Israel, para ser julgado. O filme, com muita pertinência para o entendimento da questão e da análise de Arendt, insere várias cenas do julgamento.
Na construção do enredo, Von Trotta põe em cena, entre outros, o marido de Hannah Arendt, Heinrich Blücher; o seu amigo, em Israel, o esclarecido sionista Kurt Blumenfeld; e seu colega e amigo dos bancos universitários na Alemanha, o pensador Hans Jonas. Heidegger, em flashback, aparece apropriadamente em surdina. Todos são verossímeis à luz da correspondência publicada de Arendt. A escritora Mary McCarthy, sua fiel amiga, que ficou pública e destemidamente ao seu lado nos difíceis embates do período, não é, no meu entender, tratada com o peso que merece. Senti falta da presença de Jaspers, o mestre querido de Arendt, um dos seus mais importantes interlocutores sobre o caso Eichmann, como mostra a publicada correspondência que trocaram.
O filme compreende, é simpático e de algum modo endossa as posições de Arendt na polêmica sobre os três grandes itens que o seu livro suscitou e o filme reaviva. Em síntese:
1) o tom com que discutiu o papel de alguns conselhos da comunidade judaica na Europa que, na situação-limite de uma dominação totalitária, facilitaram a entrega de judeus a nazistas, preservando uns e condenando outros;
2) a enormidade do crime do Holocausto, que tornou supérfluos e descartáveis milhões de seres humanos, e a mediocridade do personagem incumbido da gestão da execução (daí, por conta da sua avaliação da pessoa de Eichmann, a expressão por ela cunhada de "banalidade do mal"; com isso quer dizer que o mal não foi profundo, mas extremo, porém tem um potencial de se espraiar pelo mundo como um fungo, destruindo-o, em decorrência da "normalidade burocrática" de gente como Eichmann, incapaz de pensar o mal da enormidade dos horrores que perpetra);
3) o ineditismo do crime de genocídio, que não foi um pogrom em larga escala e, como tal, uma continuação da imemorial perseguição aos judeus no correr da História, na visão do promotor. O genocídio foi perpetrado no corpo do povo judeu e o antissemitismo explica a escolha das vítimas, mas não a natureza do crime, que representou uma contestação à diversidade e à pluralidade da condição humana. Daí a fundamentação ontológica do alcance universal que elaborou para o jus cogens da razão de punir o crime de genocídio como um agravado crime contra a humanidade, tipificado na Convenção Internacional de 1948.
A compreensão pela posição de Arendt revela-se na cena em que explica a seus estudantes o porquê das suas razões. Sua fala no filme mostra o domínio que tem Von Trotta do seu pensamento. Mostra, também, como era bom e respeitoso o seu relacionamento com os alunos, que nada tinha que ver com a arrogância intelectual e a falta de tato de que foi acusada por seus detratores. Da qualidade pessoal desse relacionamento dou testemunho de quem teve o privilégio de ouvir de viva voz os seus socráticos ensinamentos.
(I.H.U.)
quinta-feira, 25 de julho de 2013
Café
Photofagia: Sin café no hay mañana
Por
Leticia Freire
Honduras_Leticia Freire (4)
Cotidiano e trabalho dos pequenos produtores do grão, em Honduras. Cooperativismo é alternativa crescente, diante da manipulação de preços praticada por multinacionais
Fotos e texto: Letícia Freire
O café cresce em mais de 50 países na linha do Equador e oferece um meio de subsistência para mais de 20 milhões de pequenos produtores ao redor do mundo. Carro-chefe das exportações em doze países, ele é o sétimo produto agrícola mais comercializado do mundo.
Quando o preço do grão cai nas operações financeiras, produtores sofrem uma redução imediata de renda, mesmo que tal reflexo não seja sentido pelos consumidores no preço final da cadeia. Em uma das pontas, os grandes exportadores do mercado aumentam suas margens de lucro graças ao preço baixo do produto. Na outra, pequenos produtores sentem na pele essa oscilação. Em segundos, milhares de pessoas podem não ter como custear a própria subsistência, levando famílias a abandonarem suas origens e costumes.
Honduras, um entre os diversos países da América Latina que enfrenta os desafios de uma nação em desenvolvimento, é extremamente dependente da economia do café. A subsistência de aproximadamente 25% da população está de alguma forma ligada à venda ou comercialização do produto.
De acordo com as Nações Unidas, em março de 2002 os efeitos da redução do preço do café, combinados com uma forte seca, deixou mais de 30 mil hondurenhos a mercê da sorte.
Honduras é apenas um exemplo que traduziu a agonia de pequenos produtores agrícolas frente aos grandes players do cenário alimentício atual.
Em países que enfrentam significativos desafios no sentido de minimizar o quadro das desigualdades sociais, o cooperativismo pode ser alternativa. Estratégia mundial para a diminuição da pobreza e para o fortalecimento do desenvolvimento sustentável, o comércio justo também oferece oportunidades para produtores que não desejam sujeitar-se às manipulações das multinacionais.
Diferente de assistencialismo, o cooperativismo gera renda, emprego e fonte de investimento para os envolvidos no processo, e pode ter importância vital dentro da construção de uma sociedade com bases econômicas menos injustas.
Em Honduras, por exemplo, pequenos produtores de café estão se organizando para vender seu produto a nichos alternativos (e conscientes) de mercado. Atualmente, as cooperativas já ocupam 4% dos resultados operacionais no país.
Entendendo a importância do café no sistema de cooperativas em Honduras, esse ensaio convida a conhecer a vida cotidiana de pequenos produtores hondurenhos. Graças a esforços múltiplos e incansáveis, esses personagens colhem os frutos do trabalho em busca de um tempo melhor em sua turbulenta história.
Sejam bem vindos aos campos hondurenhos. Aqui, sin café no hay mañana.
(Outras palavras)
Por
Leticia Freire
Honduras_Leticia Freire (4)
Cotidiano e trabalho dos pequenos produtores do grão, em Honduras. Cooperativismo é alternativa crescente, diante da manipulação de preços praticada por multinacionais
Fotos e texto: Letícia Freire
O café cresce em mais de 50 países na linha do Equador e oferece um meio de subsistência para mais de 20 milhões de pequenos produtores ao redor do mundo. Carro-chefe das exportações em doze países, ele é o sétimo produto agrícola mais comercializado do mundo.
Quando o preço do grão cai nas operações financeiras, produtores sofrem uma redução imediata de renda, mesmo que tal reflexo não seja sentido pelos consumidores no preço final da cadeia. Em uma das pontas, os grandes exportadores do mercado aumentam suas margens de lucro graças ao preço baixo do produto. Na outra, pequenos produtores sentem na pele essa oscilação. Em segundos, milhares de pessoas podem não ter como custear a própria subsistência, levando famílias a abandonarem suas origens e costumes.
Honduras, um entre os diversos países da América Latina que enfrenta os desafios de uma nação em desenvolvimento, é extremamente dependente da economia do café. A subsistência de aproximadamente 25% da população está de alguma forma ligada à venda ou comercialização do produto.
De acordo com as Nações Unidas, em março de 2002 os efeitos da redução do preço do café, combinados com uma forte seca, deixou mais de 30 mil hondurenhos a mercê da sorte.
Honduras é apenas um exemplo que traduziu a agonia de pequenos produtores agrícolas frente aos grandes players do cenário alimentício atual.
Em países que enfrentam significativos desafios no sentido de minimizar o quadro das desigualdades sociais, o cooperativismo pode ser alternativa. Estratégia mundial para a diminuição da pobreza e para o fortalecimento do desenvolvimento sustentável, o comércio justo também oferece oportunidades para produtores que não desejam sujeitar-se às manipulações das multinacionais.
Diferente de assistencialismo, o cooperativismo gera renda, emprego e fonte de investimento para os envolvidos no processo, e pode ter importância vital dentro da construção de uma sociedade com bases econômicas menos injustas.
Em Honduras, por exemplo, pequenos produtores de café estão se organizando para vender seu produto a nichos alternativos (e conscientes) de mercado. Atualmente, as cooperativas já ocupam 4% dos resultados operacionais no país.
Entendendo a importância do café no sistema de cooperativas em Honduras, esse ensaio convida a conhecer a vida cotidiana de pequenos produtores hondurenhos. Graças a esforços múltiplos e incansáveis, esses personagens colhem os frutos do trabalho em busca de um tempo melhor em sua turbulenta história.
Sejam bem vindos aos campos hondurenhos. Aqui, sin café no hay mañana.
(Outras palavras)
Manoel de Barros
A irracionalidade poética de Manoel de barros
em Literatura por Victor Silveira
Sua obra artística é um bálsamo, e adoça a existência, sua poesia, como diz o próprio poeta: “... é voar fora da asa”
O título pode soar provocativo, todavia, provocação é um dos efeitos que acomete a poesia desse de nosso poeta brasileiro e Matogrossense: Manoel Wenceslau Leite de Barros nasceu em 19/12/1916 em Cuibá e viveu grande parte de sua infância em Corumba, em uma propriedade rural. O poeta desenvolveu um discurso literário que não se mantém na superfície das palavras conscientes-racionais. Ele mergulha nas mais fundas águas da irrealidade das fantasias humanas, e (re)cria seu ato criativo através de uma escrita de exploração.
Trazendo consigo suas valiosas vivências de infantis de menino, experimentada na singela vida rural pantaneira, o poeta fez emergir dessa suposta determinação uma narração onde as razões assumem a forma de avesso e ganham asas nas vias da invenção.
" Tudo que não invento é falso”
Em sua escrita as árvores nascem, os lagartos e formigas ganham sentimentos humanos, e os pássaros voz.
“ A voz de um passarinho me recita.”
O manoelês, seu idioleta peculiar, trans-vê o mundo ao redor do poeta,num diálogo de movimento das insignificâncias.
“ Poderoso é aquele que descobre as insignificâncias.”
Ao perceber seus versos o leitor atento e tocado em sua passionalidade pelo encanto poético, de súbito é transcendido a um estado de profundas reminiscências.
“ Passava os dias ali, quieto, no meio das coisas miúdas. E me encantei.”
A identificação com esse estado emocional, veste singularmente cada leitor que experimenta o ressurgimento do alegre vazio do espelhado da primeira infância.
" A mãe reparou que o menino gostava mais do vazio do que do cheio. Falava que os vazios são maiores e até infinitos."
A luz do obscuro não-sentido de sua linguagem se torna um dado de natureza, casta, pueril e sem mácula, pertencente a uma pátria de êxtase onírica infinito, dessas de criança no primeiro ano de vida que não fala; que todos vivemos e nunca mais nos lembramos de forma consciente, e que nos encaminha a nossa inscrição única de sujeito no mundo, aberto as relações, pela linguagem.
A poesia do autor desordena os sentidos dados, ele usa as letras não como representações sígnicas de significados, que prendem e engendram em uma sentença regida por um sistema simbólico-cultural, mas sim como um grito de imagens inventadas que soa imagético, sonoro, e desenhado, sempre a reconfortar o emaranhado de "utilidades" do real que somos submetidos. Sua obra artística é um bálsamo, e adoça a existência, sua poesia, como diz o próprio poeta:
“... é voar fora da asa”
victor
Artigo da autoria de Victor Silveira.
Estudante de psicologia, que aspira Filosofia e Artes Visuais. Gosta de palavras assim como de silêncios. Costuma ser o intangível do que mostra ao vê-lo. .
Saiba como fazer parte da obvious.
em Literatura por Victor Silveira
Sua obra artística é um bálsamo, e adoça a existência, sua poesia, como diz o próprio poeta: “... é voar fora da asa”
O título pode soar provocativo, todavia, provocação é um dos efeitos que acomete a poesia desse de nosso poeta brasileiro e Matogrossense: Manoel Wenceslau Leite de Barros nasceu em 19/12/1916 em Cuibá e viveu grande parte de sua infância em Corumba, em uma propriedade rural. O poeta desenvolveu um discurso literário que não se mantém na superfície das palavras conscientes-racionais. Ele mergulha nas mais fundas águas da irrealidade das fantasias humanas, e (re)cria seu ato criativo através de uma escrita de exploração.
Trazendo consigo suas valiosas vivências de infantis de menino, experimentada na singela vida rural pantaneira, o poeta fez emergir dessa suposta determinação uma narração onde as razões assumem a forma de avesso e ganham asas nas vias da invenção.
" Tudo que não invento é falso”
Em sua escrita as árvores nascem, os lagartos e formigas ganham sentimentos humanos, e os pássaros voz.
“ A voz de um passarinho me recita.”
O manoelês, seu idioleta peculiar, trans-vê o mundo ao redor do poeta,num diálogo de movimento das insignificâncias.
“ Poderoso é aquele que descobre as insignificâncias.”
Ao perceber seus versos o leitor atento e tocado em sua passionalidade pelo encanto poético, de súbito é transcendido a um estado de profundas reminiscências.
“ Passava os dias ali, quieto, no meio das coisas miúdas. E me encantei.”
A identificação com esse estado emocional, veste singularmente cada leitor que experimenta o ressurgimento do alegre vazio do espelhado da primeira infância.
" A mãe reparou que o menino gostava mais do vazio do que do cheio. Falava que os vazios são maiores e até infinitos."
A luz do obscuro não-sentido de sua linguagem se torna um dado de natureza, casta, pueril e sem mácula, pertencente a uma pátria de êxtase onírica infinito, dessas de criança no primeiro ano de vida que não fala; que todos vivemos e nunca mais nos lembramos de forma consciente, e que nos encaminha a nossa inscrição única de sujeito no mundo, aberto as relações, pela linguagem.
A poesia do autor desordena os sentidos dados, ele usa as letras não como representações sígnicas de significados, que prendem e engendram em uma sentença regida por um sistema simbólico-cultural, mas sim como um grito de imagens inventadas que soa imagético, sonoro, e desenhado, sempre a reconfortar o emaranhado de "utilidades" do real que somos submetidos. Sua obra artística é um bálsamo, e adoça a existência, sua poesia, como diz o próprio poeta:
“... é voar fora da asa”
victor
Artigo da autoria de Victor Silveira.
Estudante de psicologia, que aspira Filosofia e Artes Visuais. Gosta de palavras assim como de silêncios. Costuma ser o intangível do que mostra ao vê-lo. .
Saiba como fazer parte da obvious.
Médicos
Raízes do Brasil: no levante dos bisturis, ressoa o engenho colonial
Credite-se à elite brasileira façanhas anteriores dignas de figurar, como figuram, nos rankings da vergonha do nosso tempo.
A seleta inclui a resistência histórica à retificação de uma das piores estruturas de renda do planeta.
Ademais de levantes bélicos (32,62,64 etc) contra qualquer aroma de interferência num patrimônio de poder e riqueza acumulado por conhecidos métodos de apropriação.
O repertório robusto ganha agora um destaque talvez inexcedível em seu simbolismo maculoso.
A rebelião dos médicos contra o povo.
Sim, os médicos, aos quais o senso comum associa a imagem de um aliado na luta apela vida, hoje lutam nas ruas do Brasil.
Contra a adesão de profissionais ao programa ‘Mais Médicos', que busca mitigar o atendimento onde ele inexiste.
A iniciativa federal tem uma dimensão estrutural, outra emergencial.
A estrutural incorpora as unidades de ensino à política de saúde pública. Prevê um currículo estendido em dois anos de serviços remunerados no SUS.
Prevê, ademais, investimentos que dotem os alvos emergenciais de estruturas dignas de atendimento.
A ação transitória requisitará contingentes médicos, cerca de 10 mil inicialmente, para servir em 705 municípios onde o atendimento inexiste.
Ou naqueles aquém da já deficiente média nacional de 1,8 médico por mil habitantes ( na Inglaterra, pós Tatcher, diga-se, é de 2,7 por mil).
Enquadram-se neste caso outros 1.500 municípios.
O salário oferecido é de R$ 10 mil.
O programa recebeu cerca de 12 mil inscrições.
Mas o governo teme a fraude.
A sublevação branca incluiria táticas ardilosas: uma corrente de inscrições falsas estaria em operação para inibir o concurso de médicos estrangeiros, sobre os quais os nacionais tem precedência.
Consumada a barragem, desistências em massa implodiriam o plano do governo no último dia de inscrição.
Desferir o golpe de morte com a manchete do fracasso estrondoso caberia à mídia, com larga experiência no ramo da sabotagem antipopular e antinacional.
A engenharia molecular contra a população pobre constrange o Brasil.
Cintila no branco da mesquinhez a tradição de uma elite empenhada em se dissociar do que pede solidariedade para existir: nação, democracia, cidadania.
O boicote ao ‘Mais Médicos’ não é um ponto fora da curva.
Em dezembro de 2006, a coalizão demotucana vingou-se do povo que acabara de rejeita-la nas urnas.
Entre vivas de um júbilo sem pejo, derrubou-se a CPMF no Congresso.
Nas palavras de Lula (18/07):
"No começo do meu segundo mandato, eles tiraram a CPMF. Se somar o meu mandato mais dois anos e meio da Dilma, eles tiraram R$ 350 bilhões da saúde. Tínhamos lançado o programa Mais Saúde. Eles sabiam que tínhamos um programa poderoso e evitaram que fosse colocado em prática".
As ruas não viram a rebelião branca defender, então, o investimento em infraestrutura como requisito à boa prática médica, ao contrário de agora.
A CPMF era burlada na sua finalidade?
Sim, é verdade.
Por que não se ergueu a corporação em defesa do projeto do governo de blindar a arrecadação, carimbando o dinheiro com exclusividade para a saúde?
O cinismo conservador é useiro em evocar a defesa do interesse nacional e social enquanto procede à demolição virulenta de projetos e governos assim engajados.
Encara-se o privilégio de classe como o perímetro da Nação. Aquela que conta.
O resto é sertão.
A boca do sertão, hoje, é tudo o que não pertence ao circuito estritamente privado.
O sertão social pode começar na esquina, sendo tão agreste ao saguão do elevador, quanto Aragarças o foi para os irmãos Villas Boas, nos anos 40, rumo ao Roncador.
Sergio Buarque de Holanda anteviu, em 1936, as raízes de um Brasil insulado em elites indiferentes ao destino coletivo.
O engenho era um Estado paralelo ao mundo colonial.
O fastígio macabro fundou a indiferença da casa-grande aos estalos, gritos e lamentos oriundos da senzala ao lado, metros à vezes, da sala de jantar.
Por que os tataranetos se abalariam com a senzala das periferias conflagradas e a dos rincões inaudíveis?
Ninguém desfruta 388 anos de escravidão impunemente.
Os alicerces do engenho ficaram marmorizados no DNA cultural das nossas elites: nenhum compromisso com o mundo exterior, exceto a pilhagem e a predação; usos e abusos para consumo e enriquecimento.
A qualquer custo.
O Estado nascido nesse desvão tem duas possibilidades aos olhos das elites: servi-la como extensão de seus interesses ou encarnar o estorvo a ser abatido.
A seta do tempo não se quebrou, diz o levante branco contra o 'intervencionismo'.
O particularismo enxerga exorbitância em tudo o que requisita espírito público.
Mesmo quando está em questão a vida.
Se a organização humanitária ‘Médicos Sem Fronteiras' tentasse atuar no Brasil, em ‘realidades que não podem ser negligenciadas', como evoca o projeto que ganhou o Nobel da Paz, em 1999, possivelmente seria retalhada pela revolta dos bisturis.
Jalecos patrulham as fronteiras do engenho corporativo; dentro delas não cabem os pobres do Brasil.
(Carta Maior)
Credite-se à elite brasileira façanhas anteriores dignas de figurar, como figuram, nos rankings da vergonha do nosso tempo.
A seleta inclui a resistência histórica à retificação de uma das piores estruturas de renda do planeta.
Ademais de levantes bélicos (32,62,64 etc) contra qualquer aroma de interferência num patrimônio de poder e riqueza acumulado por conhecidos métodos de apropriação.
O repertório robusto ganha agora um destaque talvez inexcedível em seu simbolismo maculoso.
A rebelião dos médicos contra o povo.
Sim, os médicos, aos quais o senso comum associa a imagem de um aliado na luta apela vida, hoje lutam nas ruas do Brasil.
Contra a adesão de profissionais ao programa ‘Mais Médicos', que busca mitigar o atendimento onde ele inexiste.
A iniciativa federal tem uma dimensão estrutural, outra emergencial.
A estrutural incorpora as unidades de ensino à política de saúde pública. Prevê um currículo estendido em dois anos de serviços remunerados no SUS.
Prevê, ademais, investimentos que dotem os alvos emergenciais de estruturas dignas de atendimento.
A ação transitória requisitará contingentes médicos, cerca de 10 mil inicialmente, para servir em 705 municípios onde o atendimento inexiste.
Ou naqueles aquém da já deficiente média nacional de 1,8 médico por mil habitantes ( na Inglaterra, pós Tatcher, diga-se, é de 2,7 por mil).
Enquadram-se neste caso outros 1.500 municípios.
O salário oferecido é de R$ 10 mil.
O programa recebeu cerca de 12 mil inscrições.
Mas o governo teme a fraude.
A sublevação branca incluiria táticas ardilosas: uma corrente de inscrições falsas estaria em operação para inibir o concurso de médicos estrangeiros, sobre os quais os nacionais tem precedência.
Consumada a barragem, desistências em massa implodiriam o plano do governo no último dia de inscrição.
Desferir o golpe de morte com a manchete do fracasso estrondoso caberia à mídia, com larga experiência no ramo da sabotagem antipopular e antinacional.
A engenharia molecular contra a população pobre constrange o Brasil.
Cintila no branco da mesquinhez a tradição de uma elite empenhada em se dissociar do que pede solidariedade para existir: nação, democracia, cidadania.
O boicote ao ‘Mais Médicos’ não é um ponto fora da curva.
Em dezembro de 2006, a coalizão demotucana vingou-se do povo que acabara de rejeita-la nas urnas.
Entre vivas de um júbilo sem pejo, derrubou-se a CPMF no Congresso.
Nas palavras de Lula (18/07):
"No começo do meu segundo mandato, eles tiraram a CPMF. Se somar o meu mandato mais dois anos e meio da Dilma, eles tiraram R$ 350 bilhões da saúde. Tínhamos lançado o programa Mais Saúde. Eles sabiam que tínhamos um programa poderoso e evitaram que fosse colocado em prática".
As ruas não viram a rebelião branca defender, então, o investimento em infraestrutura como requisito à boa prática médica, ao contrário de agora.
A CPMF era burlada na sua finalidade?
Sim, é verdade.
Por que não se ergueu a corporação em defesa do projeto do governo de blindar a arrecadação, carimbando o dinheiro com exclusividade para a saúde?
O cinismo conservador é useiro em evocar a defesa do interesse nacional e social enquanto procede à demolição virulenta de projetos e governos assim engajados.
Encara-se o privilégio de classe como o perímetro da Nação. Aquela que conta.
O resto é sertão.
A boca do sertão, hoje, é tudo o que não pertence ao circuito estritamente privado.
O sertão social pode começar na esquina, sendo tão agreste ao saguão do elevador, quanto Aragarças o foi para os irmãos Villas Boas, nos anos 40, rumo ao Roncador.
Sergio Buarque de Holanda anteviu, em 1936, as raízes de um Brasil insulado em elites indiferentes ao destino coletivo.
O engenho era um Estado paralelo ao mundo colonial.
O fastígio macabro fundou a indiferença da casa-grande aos estalos, gritos e lamentos oriundos da senzala ao lado, metros à vezes, da sala de jantar.
Por que os tataranetos se abalariam com a senzala das periferias conflagradas e a dos rincões inaudíveis?
Ninguém desfruta 388 anos de escravidão impunemente.
Os alicerces do engenho ficaram marmorizados no DNA cultural das nossas elites: nenhum compromisso com o mundo exterior, exceto a pilhagem e a predação; usos e abusos para consumo e enriquecimento.
A qualquer custo.
O Estado nascido nesse desvão tem duas possibilidades aos olhos das elites: servi-la como extensão de seus interesses ou encarnar o estorvo a ser abatido.
A seta do tempo não se quebrou, diz o levante branco contra o 'intervencionismo'.
O particularismo enxerga exorbitância em tudo o que requisita espírito público.
Mesmo quando está em questão a vida.
Se a organização humanitária ‘Médicos Sem Fronteiras' tentasse atuar no Brasil, em ‘realidades que não podem ser negligenciadas', como evoca o projeto que ganhou o Nobel da Paz, em 1999, possivelmente seria retalhada pela revolta dos bisturis.
Jalecos patrulham as fronteiras do engenho corporativo; dentro delas não cabem os pobres do Brasil.
(Carta Maior)
Neruda
Dos poemas
Pablo Neruda
Oda a la alcachofa
La alcachofa
de tierno corazón
se vistió de guerrero,
erecta, construyó
una pequeña cúpula,
se mantuvo
impermeable
bajo
sus escamas,
a su lado
los vegetales locos
se encresparon,
se hicieron
zarcillos, espadañas,
bulbos conmovedores,
en el subsuelo
durmió la zanahoria
de bigotes rojos,
la viña
resecó los sarmientos
por donde sube el vino,
la col
se dedicó
a probarse faldas,
el orégano
a perfumar el mundo,
y la dulce
alcachofa
allí en el huerto,
vestida de guerrero,
bruñida
como una granada,
orgullosa,
y un día
una con otra
en grandes cestos
de mimbre, caminó
por el mercado
a realizar su sueño:
la milicia.
Oda a la cebolla
Cebolla
luminosa redoma,
pétalo a pétalo
se formó tu hermosura,
escamas de cristal te acrecentaron
y en el secreto de la tierra oscura
se redondeó tu vientre de rocío.
Bajo la tierra
fue el milagro
y cuando apareció
tu torpe tallo verde,
y nacieron
tus hojas como espadas en el huerto,
la tierra acumuló su poderío
mostrando tu desnuda transparencia,
y como en Afrodita el mar remoto
duplicó la magnolia
levantando sus senos,
la tierra
así te hizo,
cebolla,
clara como un planeta,
y destinada
a relucir,
constelación constante,
redonda rosa de agua,
sobre
la mesa
de las pobres gentes.
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Pablo Neruda
Oda a la alcachofa
La alcachofa
de tierno corazón
se vistió de guerrero,
erecta, construyó
una pequeña cúpula,
se mantuvo
impermeable
bajo
sus escamas,
a su lado
los vegetales locos
se encresparon,
se hicieron
zarcillos, espadañas,
bulbos conmovedores,
en el subsuelo
durmió la zanahoria
de bigotes rojos,
la viña
resecó los sarmientos
por donde sube el vino,
la col
se dedicó
a probarse faldas,
el orégano
a perfumar el mundo,
y la dulce
alcachofa
allí en el huerto,
vestida de guerrero,
bruñida
como una granada,
orgullosa,
y un día
una con otra
en grandes cestos
de mimbre, caminó
por el mercado
a realizar su sueño:
la milicia.
Oda a la cebolla
Cebolla
luminosa redoma,
pétalo a pétalo
se formó tu hermosura,
escamas de cristal te acrecentaron
y en el secreto de la tierra oscura
se redondeó tu vientre de rocío.
Bajo la tierra
fue el milagro
y cuando apareció
tu torpe tallo verde,
y nacieron
tus hojas como espadas en el huerto,
la tierra acumuló su poderío
mostrando tu desnuda transparencia,
y como en Afrodita el mar remoto
duplicó la magnolia
levantando sus senos,
la tierra
así te hizo,
cebolla,
clara como un planeta,
y destinada
a relucir,
constelación constante,
redonda rosa de agua,
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la mesa
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quarta-feira, 24 de julho de 2013
O Disco
O disco ― ou algo do gênero
Ruy Castro
Começou com um cilindro de cera que se enfiava num aparelho e, no começo, só servia para gravar mensagens vocais, tipo ditafone. Depois é que descobriram que se podia usá-lo também para gravar música. Um processo meio desajeitado, mas era música, do mesmo jeito. Então alguém teve a ideia de achatar o cilindro e transformá-lo num objeto plano, de dez polegadas ― mais ou menos 25 cm ―, feito de guta percha e cera de carnaúba, em cujos sulcos a música era gravada. Estava inventado o disco.
Música esta que se gravava por um fone que, na verdade, era um grande chifre de osso, dentro do qual cantores com pulmões de ópera e bandas como a do Corpo de Bombeiros tinham de berrar ou tocar com toda força, para que seus sons fossem mecanicamente impressos na cera. Só havia um microfone para todo mundo, o que significava que, se um errasse, era como se todos tivessem errado, e era preciso fazer de novo desde o começo. Dali saía uma matriz, da qual se tiravam as cópias. Donde a cópia que se vendia na loja ― o disco propriamente dito ― era, à sua maneira, um produto acabado, perfeito.
A princípio, esse disco só continha música gravada em um lado e girava a setenta e tantas rotações por minuto ― variava de acordo com a força que se dava na manivela que punha o objeto para rodar. Só depois fixaram a velocidade em 78 r.p.m. Em média, aquilo produzia uns três minutos de música, o que significava que, de três em três minutos, o ouvinte tinha de desgrudar-se da namorada, levantar-se da poltrona e ir ao gramofone para tirar aquele disco e botar outro para tocar. Esse disco, mesmo novo, chiava à beça, mas quase ninguém reparava ― não havia termo de comparação ― e, se caísse ao chão, partia-se ao meio.
Era o óbvio, mas demorou um pouquinho a ocorrer-lhes: aproveitar também a outra face do disco, gravando também uma música nela ― com o que, de estalo, duplicou-se a produção e o consumo de música gravada, e criou-se o que depois se chamaria de "lado B". Cada disco passava a conter duas canções ou, grosseiramente, seis minutos de música, o que não desobrigava o pobre ouvinte de pedir licença à namorada e levantar-se de três em três minutos ― só que, agora, para virar o disco.
Tivesse uma ou duas faces gravadas, o disco era acondicionado e vendido do mesmo jeito: dentro de um envelope individual, pardo e com um buraco no meio para se ler os dizeres impressos no selo, como o nome da música, do compositor, do intérprete e da fábrica responsável por ele. No começo, esse envelope era liso, sem nada escrito. Depois passaram a usá-lo para imprimir os símbolos da gravadora e para anunciar outros discos ou modelos novos de gramofone. E assim fomos felizes por muitos anos ― mais de 25, na verdade, porque todo esse processo inicial aconteceu bem no comecinho do século XX.
Mas, em 1925, a princípio experimentalmente e, nos anos seguintes, para valer, veio a gravação pelo microfone elétrico, aposentando o velho chifre. Esse microfone mudou tudo: com sua capacidade de amplificar o som, exigia menos esforço dos intérpretes. Já não era preciso berrar para sair no disco. Cantar deixava de ser um suplício ― ouvir, também. A música gravada conquistava uma naturalidade parecida com a da vida real quando se cantava num ambiente mais íntimo. Mas não foi uma transição tão simples. Primeiro, houve o exagero oposto: para explorar a novidade do microfone, os discos passaram dos gritos aos sussurros. Cantores capazes de partir cristais com seus agudos deram lugar àqueles com uma tênue sombra de voz. Em 1928, que foi o primeiro ano de verdade da gravação elétrica, as gravadores estimularam por toda parte o lançamento de cantores "sem voz", como a querer provar que o microfone captava tudo e que até afônicos e asmáticos podiam gravar satisfatoriamente. Exageros à parte, isso possibilitou o surgimento imediato de cantores extraordinários, como Bing Crosby e Russ Columbo, nos Estados Unidos, e Mario Reis e Carmen Miranda, no Brasil.
E houve progressos também na apresentação do material. Uma mente mais prática calculou que se o disco tivesse 12 polegadas ― 30 cm ―, poderia conter perto de cinco minutos de música por face, aumentando o tempo que um casal poderia passar aos beijos no sofá. Com os dois lados gravados, tinha-se quase dez minutos de música, o que permitia gravar peças clássicas mais curtas ou semiclássicas, como valsas de Strauss ou árias de ópera. Uma mente ainda mais prática calculou que, se se gravassem três ou quatro discos de uma vez, eles poderiam ser vendidos num álbum (e não nos envelopes individuais) e conter uma peça clássica inteira, quem sabe? No começo, esses álbuns também tinham uma capa quase lisa, contendo apenas as informações essenciais. Mas, por volta de 1940, um artista gráfico americano chamado Alex Steinweiss, funcionário da gravadora Columbia, intuiu que uma capa ostentando um belo desenho a cores chamaria mais atenção nas lojas. A Columbia comprou sua ideia e, de pronto, a concorrência a acompanhou.
Finalmente, logo depois da Segunda Guerra, uma grande invenção alemã, a fita magnética, veio substituir a gravação direta na cera. Com isso, a orquestra podia gravar a sua parte e o cantor, isolado numa cabine com um par de headphones do tamanho das orelhas do Mickey, gravar a dele. No caso de erro de um deles, era possível fazer voltar a fita, cortar com gilete o trecho defeituoso, regravar apenas esse trecho e aplicá-lo à fita definitiva, que serviria como matriz para a prensagem dos discos. E, então, em 1948, veio a revolução do microssulco, que girava a 33 1/3 rotações por minuto e era feito de um derivado do petróleo chamado vinilite, reduzindo consideravelmente o chiado do suporte. Esse disco (de dez polegadas) comportava até quatro faixas de cada lado ― cerca de quatorze ou quinze minutos de música por face, ou de 28 a trinta nos dois lados ―, permitindo a um casalzinho ir até às vias de fato com trilha sonora, desde que não se demorasse muito nas preliminares.
Era um disco individual, mas que, curiosamente, continuou a ser chamado de "álbum", até hoje (os outros países, inclusive o Brasil, é que, inspirados pela nomenclatura exclusiva da gravadora Columbia, passaram a chamá-lo de "long playing", longa duração, ou LP). O fato é que, com isso, a produção e o consumo de música gravada quadruplicou com aquele simples disco ― que, como se não bastasse, jactava-se de ser inquebrável (e, de certa maneira, era mesmo). O que costumava quebrar era a língua de quem tentava pronunciar a expressão "unbreakable microgroove" ― microssulco inquebrável ―, como se lia na contracapa dos discos, os quais já nasceram com as bonitas capas que se faziam para os álbuns de 78s.
E, então, o processo se repetiu. Os discos, inicialmente de dez polegadas, logo pularam para doze polegadas, comportando seis faixas de cada lado, donde, de oito, passamos a doze músicas por disco e mais de vinte minutos por face gravada. Eram os LPs com os quais convivemos por tantos anos (e que o vulgo, com insuperável mau gosto, passou a chamar de "bolachão"). Mas, dali a tempos, c. 1960, um simples disco deixou de ser suficiente para as intenções do artista, e criou-se o álbum (ou LP) duplo, com as capas também duplas e um belo espaço na frente e no verso para se criar grafismos ou escrever sobre o músico ou o cantor. Alguns desses álbuns, desde o começo, tiveram a ideia de imprimir num encarte interno as letras das canções gravadas neles ― o que desmente tranquilamente a crença de alguns, de que o primeiro disco a fazer isto foi o Sgt. Pepper's, dos Beatles, em 1967.
Quando os discos duplos deixaram de ser suficientes, apareceram os triplos, acondicionados numa caixa, que continha ainda um encarte do tamanho da caixa, rico em fotos e com copiosas informações. E, a partir daí, não houve mais limites: vieram as caixas com seis, oito ou dez LPs (eu próprio ainda possuo várias), contendo às vezes toda a obra de tal artista em determinado selo. A essa altura, já não havia como calcular o tremendo input de música que se passou a ouvir. Vieram as séries de caixas, com vários LPs em cada, contendo a obra completa de artistas como Caruso, Tommy Dorsey, Charles Trenet ― às vezes, era um total de dezenas de LPs por artista.
Os artistas gráficos ou plásticos, responsáveis pelo design das capas, começaram a ser valorizados ― nomes como os americanos David Stone Martin, Burt Goldblatt, Read Miles ou William Claxton ficaram famosos. Até no Brasil, onde não se liga para essas coisas, sabia-se que, nos anos 60, um homem chamado Cesar Villela fora o responsável pelas capas tão criativas do selo Elenco, especializado em Bossa Nova ― e que, antes disso, Villela já exercera toda a sua criatividade nas capas das gravadoras Odeon e Philips. A revolução do grafismo nos LPs seguiu de perto a da publicidade ― começou com um forte apelo ao desenho (figurativo, moderno, abstrato) e gradualmente foi adotando a fotografia.
Depois de uma vida inteira convivendo com música e discos, cheguei à conclusão de que, com a possível exceção da mulher e do gato, o LP ― tanto o disco quanto a capa ― era o formato mais perfeito e flexível jamais criado pelo homem ou por quem quer que fosse. Mas o ser humano, na sua busca incansável por novidades, não consegue deixar nada quieto. Em 1990 ― depois de o LP sobreviver por 42 anos, a partir de 1948 ―, a indústria fonográfica decretou a sua superação definitiva pelo CD ou compact disc, digital.
Tudo bem: morto o LP, viva o CD ― e, como era inevitável, tentamos relaxar e aproveitar. Muita gente se afobou e desfez-se de toda a sua coleção de LPs, confiante em que eles seriam substituídos pelos CDs. O que acabou acontecendo ― mas não demorou a que as pessoas se perguntassem se a troca valera a pena.
O CD, de fato, parecia inquebrável (mas só parecia). Podia conter muito mais tempo de som gravado (o triplo que uma face de LP) e sua qualidade de som aparentemente superava em brilho e clareza a do LP ― mas descobriu-se depois que o LP soava mais cheio, mais redondo, mais "humano". Uma coisa ninguém contestou: em matéria de apelo visual, a capa e a forma do LP continuavam insuperáveis, e o CD, com seu disquinho de sete polegadas de diâmetro e aquela caixinha de plástico contendo um reles encartinho não dava nem para a saída. (Além do que, seu texto só podia ser lido por quem já usasse óculos ou não tivesse vista cansada.)
Mas, vida que segue, e o CD começou a experimentar a mesma sequência de crescimento que os formatos anteriores. Primeiro surgiram os CDs duplos ou triplos, em estojos que comportavam inclusive um livreto nas mesmas dimensões. Quando isso também não bastou, surgiram as caixas contendo quatro ou mais desses estojos, num total de vinte ou mais CDs, sendo o encarte agora uma brochura gigante. E, finalmente, vieram as coleções de caixas, somando às vezes dezenas de CDs de um mesmo artista e trazendo até livros inteiros dentro das caixas.
Durante cada um desses períodos, num total de um século de música gravada, as lojas especializadas em vender discos conheceram a sua glória. Foi o apogeu das RKO, Liberty, Sam Goody e Tower, nos Estados Unidos; Fnac, Virgin e HMV, na Europa; e Murray, Suebra, Palermo, Gramophone e Modern Sound, no Brasil. Várias vezes eu disse para mim mesmo que, quando morresse, não queria ir para o céu ― queria ir para uma daquelas lojas.
Tudo isso está a ponto de se evaporar. A música agora vem do espaço. É etérea, incorpórea, dispensa qualquer apelo visual e não há limite para a estocagem de músicas nos iPods. Cem mil músicas cabem num aparelhinho menor que um isqueiro Bic. É a extrema consequência de um processo que começou há pouco mais de 100 anos com uma simples música em um lado de disco.
O que fazer com tanta música? Um indivíduo terá tempo de vida suficiente para escutar sua própria discoteca? Não, porque, queiram ou não, as canções continuam a ser ouvidas de uma em uma ― e assim será para sempre. Eis aí uma limitação que, espero, a tecnologia não conseguirá superar.
Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado na Revista Florense nº 22.
Ruy Castro
Começou com um cilindro de cera que se enfiava num aparelho e, no começo, só servia para gravar mensagens vocais, tipo ditafone. Depois é que descobriram que se podia usá-lo também para gravar música. Um processo meio desajeitado, mas era música, do mesmo jeito. Então alguém teve a ideia de achatar o cilindro e transformá-lo num objeto plano, de dez polegadas ― mais ou menos 25 cm ―, feito de guta percha e cera de carnaúba, em cujos sulcos a música era gravada. Estava inventado o disco.
Música esta que se gravava por um fone que, na verdade, era um grande chifre de osso, dentro do qual cantores com pulmões de ópera e bandas como a do Corpo de Bombeiros tinham de berrar ou tocar com toda força, para que seus sons fossem mecanicamente impressos na cera. Só havia um microfone para todo mundo, o que significava que, se um errasse, era como se todos tivessem errado, e era preciso fazer de novo desde o começo. Dali saía uma matriz, da qual se tiravam as cópias. Donde a cópia que se vendia na loja ― o disco propriamente dito ― era, à sua maneira, um produto acabado, perfeito.
A princípio, esse disco só continha música gravada em um lado e girava a setenta e tantas rotações por minuto ― variava de acordo com a força que se dava na manivela que punha o objeto para rodar. Só depois fixaram a velocidade em 78 r.p.m. Em média, aquilo produzia uns três minutos de música, o que significava que, de três em três minutos, o ouvinte tinha de desgrudar-se da namorada, levantar-se da poltrona e ir ao gramofone para tirar aquele disco e botar outro para tocar. Esse disco, mesmo novo, chiava à beça, mas quase ninguém reparava ― não havia termo de comparação ― e, se caísse ao chão, partia-se ao meio.
Era o óbvio, mas demorou um pouquinho a ocorrer-lhes: aproveitar também a outra face do disco, gravando também uma música nela ― com o que, de estalo, duplicou-se a produção e o consumo de música gravada, e criou-se o que depois se chamaria de "lado B". Cada disco passava a conter duas canções ou, grosseiramente, seis minutos de música, o que não desobrigava o pobre ouvinte de pedir licença à namorada e levantar-se de três em três minutos ― só que, agora, para virar o disco.
Tivesse uma ou duas faces gravadas, o disco era acondicionado e vendido do mesmo jeito: dentro de um envelope individual, pardo e com um buraco no meio para se ler os dizeres impressos no selo, como o nome da música, do compositor, do intérprete e da fábrica responsável por ele. No começo, esse envelope era liso, sem nada escrito. Depois passaram a usá-lo para imprimir os símbolos da gravadora e para anunciar outros discos ou modelos novos de gramofone. E assim fomos felizes por muitos anos ― mais de 25, na verdade, porque todo esse processo inicial aconteceu bem no comecinho do século XX.
Mas, em 1925, a princípio experimentalmente e, nos anos seguintes, para valer, veio a gravação pelo microfone elétrico, aposentando o velho chifre. Esse microfone mudou tudo: com sua capacidade de amplificar o som, exigia menos esforço dos intérpretes. Já não era preciso berrar para sair no disco. Cantar deixava de ser um suplício ― ouvir, também. A música gravada conquistava uma naturalidade parecida com a da vida real quando se cantava num ambiente mais íntimo. Mas não foi uma transição tão simples. Primeiro, houve o exagero oposto: para explorar a novidade do microfone, os discos passaram dos gritos aos sussurros. Cantores capazes de partir cristais com seus agudos deram lugar àqueles com uma tênue sombra de voz. Em 1928, que foi o primeiro ano de verdade da gravação elétrica, as gravadores estimularam por toda parte o lançamento de cantores "sem voz", como a querer provar que o microfone captava tudo e que até afônicos e asmáticos podiam gravar satisfatoriamente. Exageros à parte, isso possibilitou o surgimento imediato de cantores extraordinários, como Bing Crosby e Russ Columbo, nos Estados Unidos, e Mario Reis e Carmen Miranda, no Brasil.
E houve progressos também na apresentação do material. Uma mente mais prática calculou que se o disco tivesse 12 polegadas ― 30 cm ―, poderia conter perto de cinco minutos de música por face, aumentando o tempo que um casal poderia passar aos beijos no sofá. Com os dois lados gravados, tinha-se quase dez minutos de música, o que permitia gravar peças clássicas mais curtas ou semiclássicas, como valsas de Strauss ou árias de ópera. Uma mente ainda mais prática calculou que, se se gravassem três ou quatro discos de uma vez, eles poderiam ser vendidos num álbum (e não nos envelopes individuais) e conter uma peça clássica inteira, quem sabe? No começo, esses álbuns também tinham uma capa quase lisa, contendo apenas as informações essenciais. Mas, por volta de 1940, um artista gráfico americano chamado Alex Steinweiss, funcionário da gravadora Columbia, intuiu que uma capa ostentando um belo desenho a cores chamaria mais atenção nas lojas. A Columbia comprou sua ideia e, de pronto, a concorrência a acompanhou.
Finalmente, logo depois da Segunda Guerra, uma grande invenção alemã, a fita magnética, veio substituir a gravação direta na cera. Com isso, a orquestra podia gravar a sua parte e o cantor, isolado numa cabine com um par de headphones do tamanho das orelhas do Mickey, gravar a dele. No caso de erro de um deles, era possível fazer voltar a fita, cortar com gilete o trecho defeituoso, regravar apenas esse trecho e aplicá-lo à fita definitiva, que serviria como matriz para a prensagem dos discos. E, então, em 1948, veio a revolução do microssulco, que girava a 33 1/3 rotações por minuto e era feito de um derivado do petróleo chamado vinilite, reduzindo consideravelmente o chiado do suporte. Esse disco (de dez polegadas) comportava até quatro faixas de cada lado ― cerca de quatorze ou quinze minutos de música por face, ou de 28 a trinta nos dois lados ―, permitindo a um casalzinho ir até às vias de fato com trilha sonora, desde que não se demorasse muito nas preliminares.
Era um disco individual, mas que, curiosamente, continuou a ser chamado de "álbum", até hoje (os outros países, inclusive o Brasil, é que, inspirados pela nomenclatura exclusiva da gravadora Columbia, passaram a chamá-lo de "long playing", longa duração, ou LP). O fato é que, com isso, a produção e o consumo de música gravada quadruplicou com aquele simples disco ― que, como se não bastasse, jactava-se de ser inquebrável (e, de certa maneira, era mesmo). O que costumava quebrar era a língua de quem tentava pronunciar a expressão "unbreakable microgroove" ― microssulco inquebrável ―, como se lia na contracapa dos discos, os quais já nasceram com as bonitas capas que se faziam para os álbuns de 78s.
E, então, o processo se repetiu. Os discos, inicialmente de dez polegadas, logo pularam para doze polegadas, comportando seis faixas de cada lado, donde, de oito, passamos a doze músicas por disco e mais de vinte minutos por face gravada. Eram os LPs com os quais convivemos por tantos anos (e que o vulgo, com insuperável mau gosto, passou a chamar de "bolachão"). Mas, dali a tempos, c. 1960, um simples disco deixou de ser suficiente para as intenções do artista, e criou-se o álbum (ou LP) duplo, com as capas também duplas e um belo espaço na frente e no verso para se criar grafismos ou escrever sobre o músico ou o cantor. Alguns desses álbuns, desde o começo, tiveram a ideia de imprimir num encarte interno as letras das canções gravadas neles ― o que desmente tranquilamente a crença de alguns, de que o primeiro disco a fazer isto foi o Sgt. Pepper's, dos Beatles, em 1967.
Quando os discos duplos deixaram de ser suficientes, apareceram os triplos, acondicionados numa caixa, que continha ainda um encarte do tamanho da caixa, rico em fotos e com copiosas informações. E, a partir daí, não houve mais limites: vieram as caixas com seis, oito ou dez LPs (eu próprio ainda possuo várias), contendo às vezes toda a obra de tal artista em determinado selo. A essa altura, já não havia como calcular o tremendo input de música que se passou a ouvir. Vieram as séries de caixas, com vários LPs em cada, contendo a obra completa de artistas como Caruso, Tommy Dorsey, Charles Trenet ― às vezes, era um total de dezenas de LPs por artista.
Os artistas gráficos ou plásticos, responsáveis pelo design das capas, começaram a ser valorizados ― nomes como os americanos David Stone Martin, Burt Goldblatt, Read Miles ou William Claxton ficaram famosos. Até no Brasil, onde não se liga para essas coisas, sabia-se que, nos anos 60, um homem chamado Cesar Villela fora o responsável pelas capas tão criativas do selo Elenco, especializado em Bossa Nova ― e que, antes disso, Villela já exercera toda a sua criatividade nas capas das gravadoras Odeon e Philips. A revolução do grafismo nos LPs seguiu de perto a da publicidade ― começou com um forte apelo ao desenho (figurativo, moderno, abstrato) e gradualmente foi adotando a fotografia.
Depois de uma vida inteira convivendo com música e discos, cheguei à conclusão de que, com a possível exceção da mulher e do gato, o LP ― tanto o disco quanto a capa ― era o formato mais perfeito e flexível jamais criado pelo homem ou por quem quer que fosse. Mas o ser humano, na sua busca incansável por novidades, não consegue deixar nada quieto. Em 1990 ― depois de o LP sobreviver por 42 anos, a partir de 1948 ―, a indústria fonográfica decretou a sua superação definitiva pelo CD ou compact disc, digital.
Tudo bem: morto o LP, viva o CD ― e, como era inevitável, tentamos relaxar e aproveitar. Muita gente se afobou e desfez-se de toda a sua coleção de LPs, confiante em que eles seriam substituídos pelos CDs. O que acabou acontecendo ― mas não demorou a que as pessoas se perguntassem se a troca valera a pena.
O CD, de fato, parecia inquebrável (mas só parecia). Podia conter muito mais tempo de som gravado (o triplo que uma face de LP) e sua qualidade de som aparentemente superava em brilho e clareza a do LP ― mas descobriu-se depois que o LP soava mais cheio, mais redondo, mais "humano". Uma coisa ninguém contestou: em matéria de apelo visual, a capa e a forma do LP continuavam insuperáveis, e o CD, com seu disquinho de sete polegadas de diâmetro e aquela caixinha de plástico contendo um reles encartinho não dava nem para a saída. (Além do que, seu texto só podia ser lido por quem já usasse óculos ou não tivesse vista cansada.)
Mas, vida que segue, e o CD começou a experimentar a mesma sequência de crescimento que os formatos anteriores. Primeiro surgiram os CDs duplos ou triplos, em estojos que comportavam inclusive um livreto nas mesmas dimensões. Quando isso também não bastou, surgiram as caixas contendo quatro ou mais desses estojos, num total de vinte ou mais CDs, sendo o encarte agora uma brochura gigante. E, finalmente, vieram as coleções de caixas, somando às vezes dezenas de CDs de um mesmo artista e trazendo até livros inteiros dentro das caixas.
Durante cada um desses períodos, num total de um século de música gravada, as lojas especializadas em vender discos conheceram a sua glória. Foi o apogeu das RKO, Liberty, Sam Goody e Tower, nos Estados Unidos; Fnac, Virgin e HMV, na Europa; e Murray, Suebra, Palermo, Gramophone e Modern Sound, no Brasil. Várias vezes eu disse para mim mesmo que, quando morresse, não queria ir para o céu ― queria ir para uma daquelas lojas.
Tudo isso está a ponto de se evaporar. A música agora vem do espaço. É etérea, incorpórea, dispensa qualquer apelo visual e não há limite para a estocagem de músicas nos iPods. Cem mil músicas cabem num aparelhinho menor que um isqueiro Bic. É a extrema consequência de um processo que começou há pouco mais de 100 anos com uma simples música em um lado de disco.
O que fazer com tanta música? Um indivíduo terá tempo de vida suficiente para escutar sua própria discoteca? Não, porque, queiram ou não, as canções continuam a ser ouvidas de uma em uma ― e assim será para sempre. Eis aí uma limitação que, espero, a tecnologia não conseguirá superar.
Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado na Revista Florense nº 22.
Woolf
A Casa de Virginia W.
em geral por Thabata Lima Arruda
A Casa de Virginia W. é uma ótima oportunidade para conhecer outras faces da autora.
Há alguns anos atrás fui a uma livraria e tive uma espécie de "magnetismo universal", que levou-me até este livro: A Casa de Virginia W. (Ediouro, 2005), da autora espanhola Alicia Giménez Bartlett. Nesta época não sabia o quanto Virginia Woolf era maravilhosa e inspiradora. E da existência do chamado grupo de Bloomsbury.
Virginia Woolf nasceu em Londres no ano de 1882 e cometeu suicídio no ano de 1941. É uma da mais importantes escritoras britânicas. E, sem dúvida, uma das minhas favoritas.
A Casa de Virginia W. é um apanhado dos diários de Nelly Boxall, que serviu a casa dos Woolf durante 18 anos. Nelly e Virginia tinham um relacionamento de admiração, compaixão e inveja. Em seus diários Nelly descreve os hábitos dos Woolf, as crises e doença de Virginia, e principalmente a delicada relação entre patroa e empregada.
A autora sentiu-se instigada a pesquisar sobre Nelly Boxall, lendo um dos diários de Virginia, onde havia uma menção a Nelly: "Se este diário não tivesse sido escrito por mim e um belo dia caísse em minhas mãos, eu tentaria escrever um romance sobre Nelly, a personagem. Toda a história entre nós duas, os esforços de Leonard e meus por nos livrarmos dela, nossas reconciliações." A partir deste momento Alicia foi invadida por uma obsessão e foi buscar informações sobre Nelly. Descobriu então que ela escreveu diários, e com quem eles estavam. Iniciou então este maravilhoso livro, que é composto por vários fragmentos dos diários de Nelly Boxall com retalhos do romance baseado em fatos reais. Também há um testemunho sobre a estada de Alicia em Londres.
Este livro é sem dúvida -para um fã de Virginia-, uma oportunidade de conhecer outras faces da autora.
thabataarruda
Artigo da autoria de Thabata Lima Arruda.
Blogueira, nômade urbana e auto-didata. .
Saiba como fazer parte da obvious.
em geral por Thabata Lima Arruda
A Casa de Virginia W. é uma ótima oportunidade para conhecer outras faces da autora.
Há alguns anos atrás fui a uma livraria e tive uma espécie de "magnetismo universal", que levou-me até este livro: A Casa de Virginia W. (Ediouro, 2005), da autora espanhola Alicia Giménez Bartlett. Nesta época não sabia o quanto Virginia Woolf era maravilhosa e inspiradora. E da existência do chamado grupo de Bloomsbury.
Virginia Woolf nasceu em Londres no ano de 1882 e cometeu suicídio no ano de 1941. É uma da mais importantes escritoras britânicas. E, sem dúvida, uma das minhas favoritas.
A Casa de Virginia W. é um apanhado dos diários de Nelly Boxall, que serviu a casa dos Woolf durante 18 anos. Nelly e Virginia tinham um relacionamento de admiração, compaixão e inveja. Em seus diários Nelly descreve os hábitos dos Woolf, as crises e doença de Virginia, e principalmente a delicada relação entre patroa e empregada.
A autora sentiu-se instigada a pesquisar sobre Nelly Boxall, lendo um dos diários de Virginia, onde havia uma menção a Nelly: "Se este diário não tivesse sido escrito por mim e um belo dia caísse em minhas mãos, eu tentaria escrever um romance sobre Nelly, a personagem. Toda a história entre nós duas, os esforços de Leonard e meus por nos livrarmos dela, nossas reconciliações." A partir deste momento Alicia foi invadida por uma obsessão e foi buscar informações sobre Nelly. Descobriu então que ela escreveu diários, e com quem eles estavam. Iniciou então este maravilhoso livro, que é composto por vários fragmentos dos diários de Nelly Boxall com retalhos do romance baseado em fatos reais. Também há um testemunho sobre a estada de Alicia em Londres.
Este livro é sem dúvida -para um fã de Virginia-, uma oportunidade de conhecer outras faces da autora.
thabataarruda
Artigo da autoria de Thabata Lima Arruda.
Blogueira, nômade urbana e auto-didata. .
Saiba como fazer parte da obvious.
Ubu Roi
Ubu Roi
em artes e ideias por Anna Anjos
Prenunciadora do novo teatro do século 20, Ubu Roi ("Rei Ubu") é uma obra escrita por Alfred Jarry, que influenciaria decisivamente movimentos artísticos como o Dadaísmo, o Surrealismo e o Teatro do Absurdo.
1965
Ubu Roi ("Rei Ubu") foi uma peça teatral escrita originalmente por um grupo de estudantes do liceu em Rennes, França, em 1888. Alfred Jarry e seus colegas decidiram parodiar o aspecto grotesco e boçal de seu professor de física, constantemente alvo do ridículo entre os alunos. Jarry (que alguns anos mais tarde decidiu reescrever a peça) valeu-se do personagem Ubu para representar a terrível imagem da natureza animal do homem, expondo sua crueldade e desumanidade.
JarryelaPatafisica139.jpgTrecho da peça "Ubu Roi", de Alfred Jarry, dirigido por Jean-Christophe Averty, 1965
Em 1896, a peça estreou no Teatro do Louvre, em Paris. Com a intenção de confrontar a platéia burguesa com o horror de sua própria maldade, Jarry propôs uma nova forma de representação dos atores: em um cenário de ingenuidade infantil, as vestimentas do elenco altamente estilizado assemelhavam-se a madeira, em uma clara alusão ao universo de marionete. Já surpreso com tamanha ousadia, o público ficou completamente atônito assim que Firmin Gémier (ator que representava Ubu) disse a primeira palavra: Merdre. Foi necessário um bom tempo para que o silêncio do público fosse restabelecido, com manifestações contra e a favor durante toda a noite.
A ação passa-se na Polônia, ou seja, "em lugar nenhum", como o próprio Jarry afirmou na apresentação da peça. Metaforizando o homem moderno, Ubu, personagem monstruoso, corrupto, covarde, estúpido e cruel, assassina o rei Venceslau e usurpa o trono da Polônia. E, ao longo de uma sucessão de episódios absurdos, o rei Ubu exerce seu poder da forma mais brutal e sanguinária, revelando sua política catastrófica. Ao final, Ubu e sua inseparável mãe (Mãe Ubu) fogem de barco para a França. De acordo com a poeta e novelista Jane Taylor, "o personagem central é notório por seu envolvimento infantil com o mundo. Ubu habita um domínio de gananciosos pela auto-satisfação".
O texto non sense de Alfred Jarry em Ubu Roi é recheado de referências à Patafísica (termo que refere-se a "ciência das soluções imaginárias e das leis que regulam as exceções") e, através da exploração do campo das ideias, revela o homem e seu absurdo existencial. Ubu tornou-se o personagem da vida de Jarry, que escreveu outros textos com o anti-herói: Ubu cocu ("Ubu cornudo"), de 1897, inédito até 1944; Ubu enchaîné ("Ubu acorrentado"), publicado em 1900 mas somente encenado em 1937; Ubu sur la butte ("Ubu sobre a colina"), de 1901, e os "Almanaques do Pai Ubu", escritos entre 1899 e 1901.
Para Ana Maria de Bulhões Carvalho, autora de "O Teatro através da História - volume I - As vanguardas teatrais do século XX" (Centro Cultural Banco do Brasil; Entrourage Produções Artísticas, 1994), "Ubu rei é o work in progress que Alfred Jarry jamais abandona em suas inúmeras versões – durante toda a vida é ele mesmo o próprio Ubu, assinando sua correspondência como Pai Ubu!"
Segundo o ator e diretor Ismael Scheffler, "as influências da obra de Alfred Jarry não aparecem de imediato. São artistas das décadas seguintes que encontram, em especial no texto de 'Ubu rei', uma fonte de influências. (...) Caído no esquecimento, Jarry foi 'redescoberto' por Apollinaire, por volta de 1916, e (...) por André Breton, um de seus maiores defensores e divulgadores."
Inicialmente escrita para satirizar o aspecto rude e grosseiro de um professor do universo acadêmico de Jarry, a peça Ubu Roi tornou-se um marco na história do teatro do século 20. Inaugurando uma tradição fundamental na história da encenação moderna, a obra influenciaria decisivamente movimentos artísticos como o Dadaísmo, o Surrealismo e o Teatro do Absurdo, marcando as próximas gerações com sua visão estética vanguardista e sarcástica da nova sociedade burguesa que se iniciava.
annaanjos
Artigo da autoria de Anna Anjos.
Anna Anjos é ilustradora e artista plástica. Atua para publicidade, editorial, moda e cenografia. É apaixonada por mitologia, antropologia cultural e tem como principal referência a cultura brasileira. | www.annaanjos.com.
Saiba como fazer parte da obvious.
em artes e ideias por Anna Anjos
Prenunciadora do novo teatro do século 20, Ubu Roi ("Rei Ubu") é uma obra escrita por Alfred Jarry, que influenciaria decisivamente movimentos artísticos como o Dadaísmo, o Surrealismo e o Teatro do Absurdo.
1965
Ubu Roi ("Rei Ubu") foi uma peça teatral escrita originalmente por um grupo de estudantes do liceu em Rennes, França, em 1888. Alfred Jarry e seus colegas decidiram parodiar o aspecto grotesco e boçal de seu professor de física, constantemente alvo do ridículo entre os alunos. Jarry (que alguns anos mais tarde decidiu reescrever a peça) valeu-se do personagem Ubu para representar a terrível imagem da natureza animal do homem, expondo sua crueldade e desumanidade.
JarryelaPatafisica139.jpgTrecho da peça "Ubu Roi", de Alfred Jarry, dirigido por Jean-Christophe Averty, 1965
Em 1896, a peça estreou no Teatro do Louvre, em Paris. Com a intenção de confrontar a platéia burguesa com o horror de sua própria maldade, Jarry propôs uma nova forma de representação dos atores: em um cenário de ingenuidade infantil, as vestimentas do elenco altamente estilizado assemelhavam-se a madeira, em uma clara alusão ao universo de marionete. Já surpreso com tamanha ousadia, o público ficou completamente atônito assim que Firmin Gémier (ator que representava Ubu) disse a primeira palavra: Merdre. Foi necessário um bom tempo para que o silêncio do público fosse restabelecido, com manifestações contra e a favor durante toda a noite.
A ação passa-se na Polônia, ou seja, "em lugar nenhum", como o próprio Jarry afirmou na apresentação da peça. Metaforizando o homem moderno, Ubu, personagem monstruoso, corrupto, covarde, estúpido e cruel, assassina o rei Venceslau e usurpa o trono da Polônia. E, ao longo de uma sucessão de episódios absurdos, o rei Ubu exerce seu poder da forma mais brutal e sanguinária, revelando sua política catastrófica. Ao final, Ubu e sua inseparável mãe (Mãe Ubu) fogem de barco para a França. De acordo com a poeta e novelista Jane Taylor, "o personagem central é notório por seu envolvimento infantil com o mundo. Ubu habita um domínio de gananciosos pela auto-satisfação".
O texto non sense de Alfred Jarry em Ubu Roi é recheado de referências à Patafísica (termo que refere-se a "ciência das soluções imaginárias e das leis que regulam as exceções") e, através da exploração do campo das ideias, revela o homem e seu absurdo existencial. Ubu tornou-se o personagem da vida de Jarry, que escreveu outros textos com o anti-herói: Ubu cocu ("Ubu cornudo"), de 1897, inédito até 1944; Ubu enchaîné ("Ubu acorrentado"), publicado em 1900 mas somente encenado em 1937; Ubu sur la butte ("Ubu sobre a colina"), de 1901, e os "Almanaques do Pai Ubu", escritos entre 1899 e 1901.
Para Ana Maria de Bulhões Carvalho, autora de "O Teatro através da História - volume I - As vanguardas teatrais do século XX" (Centro Cultural Banco do Brasil; Entrourage Produções Artísticas, 1994), "Ubu rei é o work in progress que Alfred Jarry jamais abandona em suas inúmeras versões – durante toda a vida é ele mesmo o próprio Ubu, assinando sua correspondência como Pai Ubu!"
Segundo o ator e diretor Ismael Scheffler, "as influências da obra de Alfred Jarry não aparecem de imediato. São artistas das décadas seguintes que encontram, em especial no texto de 'Ubu rei', uma fonte de influências. (...) Caído no esquecimento, Jarry foi 'redescoberto' por Apollinaire, por volta de 1916, e (...) por André Breton, um de seus maiores defensores e divulgadores."
Inicialmente escrita para satirizar o aspecto rude e grosseiro de um professor do universo acadêmico de Jarry, a peça Ubu Roi tornou-se um marco na história do teatro do século 20. Inaugurando uma tradição fundamental na história da encenação moderna, a obra influenciaria decisivamente movimentos artísticos como o Dadaísmo, o Surrealismo e o Teatro do Absurdo, marcando as próximas gerações com sua visão estética vanguardista e sarcástica da nova sociedade burguesa que se iniciava.
annaanjos
Artigo da autoria de Anna Anjos.
Anna Anjos é ilustradora e artista plástica. Atua para publicidade, editorial, moda e cenografia. É apaixonada por mitologia, antropologia cultural e tem como principal referência a cultura brasileira. | www.annaanjos.com.
Saiba como fazer parte da obvious.
Operárias americanas na Segunda Guerra
As icónicas operárias do Office of War Information
publicado em fotografia por Júlio Assis Ribeiro
A imagem do operário não tende a fazer parte da iconografia norte-americana. Esta valorizou muito mais, ao longo da sua história, as figuras do pioneiro, do cowboy, do patriota ou do empresário. No entanto, durante um curto período, entre 1941 e 1945, a figura do operário, e em particular, a da mulher operária, foi oficialmente promovida ao pódio dos heróis da nação.
É bastante conhecido o cartaz norte-americano "We can do it", de 1943, em que a ilustração de uma operária plena de força e resolução, mas ainda assim graciosa, aparece a garantir que as mulheres fariam a sua parte na frente doméstica enquanto os homens eram recrutados e encaminhados para as batalhas da Segunda Guerra mundial.
O cartaz, encomendado por uma empresa privada que participava no esforço de guerra, não foi um acto isolado no país. Embora feito por iniciativa particular, enquadrou-se num amplo esforço de comunicação que tinha como epicentro o governo federal.
Em Dezembro de 1941, o ataque japonês a Pearl Harbour, porto sede da frota americana do Oceano Pacífico, precipitou a entrada, que se antecipava já há algum tempo, dos Estados Unidos da América na guerra. Em Junho do ano seguinte foi criado o Office of War Information, uma agência governamental que tinha como missão não só definir e coordenar a informação sobre o conflito, como delinear uma política comunicativa que favorecesse o esforço de guerra e o patriotismo.
Ao contrário dos sistemas de propaganda nazi e soviético, o funcionamento do OWI não passava por um controle rígido e total dos meios de comunicação. Apesar de alterações legais decorrentes do estado de guerra, o grosso da sua actividade passava muito mais por ciclicamente estabelecer orientações a que os meios de comunicação davam seguimento de forma (mais ou menos) voluntária, do que pelo policiamento e imposição de conteúdos.
Fazer política com a fotografia
Apesar da sua criação motivada e condicionada pela recente guerra, o OWI não nasceu subitamente do nada. Para além da natural contribuição dos serviços de comunicação das forças armadas, preexistentes ao conflito, esta agência viu ser incorporados nela um conjunto de profissionais e serviços provenientes de entidades criadas pelo governo Roosevelt no âmbito do seu New Deal, o programa de recuperação económica que visava retirar o país da Grande Depressão. Entre eles, encontrava-se o serviço de informação da Farm Security Agency, uma muito bem oleada máquina de produção de imagens que, durante anos, produzira registos fotográficos da situação dramática vivida no espaço rural americano, visando garantir o apoio público a ambiciosos (e dispendiosos) projectos agrícolas do governo federal.
Esta experiência acumulada veio a ser vital para a forma bastante expedita e profissional como o OWI definiu o padrão de qualidade e o ideário estético da sua vertente fotográfica. Mas tal não significou que tenha havido uma uniformidade total entre os projectos fotográficos de antes e durante a guerra. Entre ambos há claras diferenças de natureza e de forma.
As imagens do programa da FSA, dirigido por Roy Stryker, enfrentaram as contingência dum jogo político pleno e democrático. Sendo decorrentes do New Deal de Roosevelt, tinham que lidar com a forte oposição conservadora face aos planos intervencionistas do presidente americano. Uma oposição para a qual gastar dinheiro dos contribuintes em planos de auxílio era desperdício, e gastá-lo em campanhas de propaganda era simplesmente um ultraje. Com estes constrangimentos, Stryker sempre tentou impor regras que afastassem o trabalho dos seus fotógrafos das críticas (nem sempre com sucesso). Embora tivessem um objectivo político e propagandístico, as imagens da FSA tinham de ter um carácter documental. Os seus fotógrafos, mesmo tendo directrizes muito precisas sobre o tipo de imagens a obter (cenários de desolação e pobreza rural, camponeses e trabalhadores migrantes empobrecidos e em posturas que evidenciassem tristeza, prostração ou desesperança), não deviam alterar os cenários retratados, encenar factos ou criar situações.
Um país forte em tempos de guerra
A acção do Office of War Information dá-se num quadro bastante distinto. A declaração de guerra criara um estado de excepção, um momento de alguma suspensão da crítica pública ao governo, e não apenas de tolerância, mas mesmo de vivo apoio relativamente a programas declaradamente propagandísticos. Os fotógrafos do OWI tiveram uma liberdade muito superior no seu trabalho, recorrendo a todas as "armas" que lhes fossem úteis. A sua intervenção nas imagens é bastante mais visível. Puderam orquestrar livremente os seus modelos, escolhê-los, por vezes, criar situações, encenar acções e usar iluminação artificial sempre lhes conviesse.
Para além desta liberdade operativa, radicalmente distinta, também a natureza simbólica das imagens foi diferenciada. Numa América em guerra, a última coisa que interessava eram fotografias de gente desanimada e impotente, necessitada de ajuda. Sendo função do OWI promover o patriotismo e a moral dos americanos nos tempos difíceis da guerra, as imagens que criou seguiam um sentido diametralmente oposto. A América que se queria veicular era um país constituído por gente forte, determinada, resoluta, capaz de suplantar os mais duros obstáculos. E é aí que as séries de imagens de operárias a colaborar com o esforço de guerra se inserem.
Ao contrário do que por vezes aparece descrito, a participação de mulheres em trabalhos fabris não foi uma novidade trazida pelas duas guerras mundiais. Concretamente no caso americano, o operariado feminino existia desde o advento desse tipo de produção e era constituído maioritariamente por membros de comunidades étnicas minoritárias e por emigrantes. O que as guerras mundiais trouxeram de novo foi um foco positivo sobre uma situação que, por norma, desagradava à sociedade americana. As imagens de mulheres operárias, de autores como Lewis Hine, por exemplo, foram feitas sob um ponto de vista de denúncia da exploração laboral e da pobreza.
A necessidade dessa nova perspectiva advém das condições específicas do período. O recrutamento dos homens em idade combatente, associado ao súbito aumento de encomendas militares, deixou a indústria americana com uma grande necessidade de mão-de-obra. Nem o recrutamento de todas as mulheres que a grande depressão empurrara para o desemprego, ou para sectores com pior remuneração (limpezas, lavandarias, serviço doméstico), seria suficiente para preencher o vazio então existente. A solução passaria por cativar e recrutar um novo contingente para o trabalho fabril: as mulheres de classe média e média alta.
Operárias com glamour
O OWI traçaria para esse fim uma estratégia vencedora. Longe de documentar o carácter duro da vida nas fábricas, procurou retratar o novo operariado fabril feminino com glamour. As jovens mulheres que fez fotografar, e que encaminhou para a comunicação social, em nada se assemelhavam às vítimas da natureza e da depressão que a FSA fizera questão de registar. Geralmente bonitas, bem vestidas, compostas (raramente o vestuário aparecia maculado pelo trabalho), maquilhadas, transbordavam de feminilidade e graça. Fotografadas com ar sério e determinado, eram exemplos de contribuição patriótica, eram as heroínas da frente doméstica. Também elas combatiam os alemães e os japoneses, construindo as armas que os derrotariam.
Retratadas com sofisticação, a cores, muitas vezes com iluminação artificial, as operárias do OWI estavam próximas das figuras da moda e das estrelas de cinema. Eram idealizações, uma espécie de pin-ups castas.
Emblemáticas desta linha de comunicação, são as imagens realizados por dois fotógrafos contratados pelo Office of War Information, Howard R. Hollem e Alfred T. Palmer, que definiriam o modelo logo no ano inicial da agência.
julioribeiro
Júlio Assis Ribeiro é um homem cheio de qualidades. Sobre a maior delas, não há unanimidade. Mas muitos estudiosos inclinam-se para a sua capacidade de aparecer desfocado, ou tremido, nas fotografias. Saiba como fazer parte da obvious.
Leia mais: http://obviousmag.org/archives/2013/07/as_iconograficas_operarias_do_office_of_war_information.html?utm_source=feedburner&utm_medium=email&utm_campaign=Feed%3A+OBVIOUS+%28obvious+magazine%29&utm_content=Yahoo%21+Mail#ixzz2ZohXfgxf
publicado em fotografia por Júlio Assis Ribeiro
A imagem do operário não tende a fazer parte da iconografia norte-americana. Esta valorizou muito mais, ao longo da sua história, as figuras do pioneiro, do cowboy, do patriota ou do empresário. No entanto, durante um curto período, entre 1941 e 1945, a figura do operário, e em particular, a da mulher operária, foi oficialmente promovida ao pódio dos heróis da nação.
É bastante conhecido o cartaz norte-americano "We can do it", de 1943, em que a ilustração de uma operária plena de força e resolução, mas ainda assim graciosa, aparece a garantir que as mulheres fariam a sua parte na frente doméstica enquanto os homens eram recrutados e encaminhados para as batalhas da Segunda Guerra mundial.
O cartaz, encomendado por uma empresa privada que participava no esforço de guerra, não foi um acto isolado no país. Embora feito por iniciativa particular, enquadrou-se num amplo esforço de comunicação que tinha como epicentro o governo federal.
Em Dezembro de 1941, o ataque japonês a Pearl Harbour, porto sede da frota americana do Oceano Pacífico, precipitou a entrada, que se antecipava já há algum tempo, dos Estados Unidos da América na guerra. Em Junho do ano seguinte foi criado o Office of War Information, uma agência governamental que tinha como missão não só definir e coordenar a informação sobre o conflito, como delinear uma política comunicativa que favorecesse o esforço de guerra e o patriotismo.
Ao contrário dos sistemas de propaganda nazi e soviético, o funcionamento do OWI não passava por um controle rígido e total dos meios de comunicação. Apesar de alterações legais decorrentes do estado de guerra, o grosso da sua actividade passava muito mais por ciclicamente estabelecer orientações a que os meios de comunicação davam seguimento de forma (mais ou menos) voluntária, do que pelo policiamento e imposição de conteúdos.
Fazer política com a fotografia
Apesar da sua criação motivada e condicionada pela recente guerra, o OWI não nasceu subitamente do nada. Para além da natural contribuição dos serviços de comunicação das forças armadas, preexistentes ao conflito, esta agência viu ser incorporados nela um conjunto de profissionais e serviços provenientes de entidades criadas pelo governo Roosevelt no âmbito do seu New Deal, o programa de recuperação económica que visava retirar o país da Grande Depressão. Entre eles, encontrava-se o serviço de informação da Farm Security Agency, uma muito bem oleada máquina de produção de imagens que, durante anos, produzira registos fotográficos da situação dramática vivida no espaço rural americano, visando garantir o apoio público a ambiciosos (e dispendiosos) projectos agrícolas do governo federal.
Esta experiência acumulada veio a ser vital para a forma bastante expedita e profissional como o OWI definiu o padrão de qualidade e o ideário estético da sua vertente fotográfica. Mas tal não significou que tenha havido uma uniformidade total entre os projectos fotográficos de antes e durante a guerra. Entre ambos há claras diferenças de natureza e de forma.
As imagens do programa da FSA, dirigido por Roy Stryker, enfrentaram as contingência dum jogo político pleno e democrático. Sendo decorrentes do New Deal de Roosevelt, tinham que lidar com a forte oposição conservadora face aos planos intervencionistas do presidente americano. Uma oposição para a qual gastar dinheiro dos contribuintes em planos de auxílio era desperdício, e gastá-lo em campanhas de propaganda era simplesmente um ultraje. Com estes constrangimentos, Stryker sempre tentou impor regras que afastassem o trabalho dos seus fotógrafos das críticas (nem sempre com sucesso). Embora tivessem um objectivo político e propagandístico, as imagens da FSA tinham de ter um carácter documental. Os seus fotógrafos, mesmo tendo directrizes muito precisas sobre o tipo de imagens a obter (cenários de desolação e pobreza rural, camponeses e trabalhadores migrantes empobrecidos e em posturas que evidenciassem tristeza, prostração ou desesperança), não deviam alterar os cenários retratados, encenar factos ou criar situações.
Um país forte em tempos de guerra
A acção do Office of War Information dá-se num quadro bastante distinto. A declaração de guerra criara um estado de excepção, um momento de alguma suspensão da crítica pública ao governo, e não apenas de tolerância, mas mesmo de vivo apoio relativamente a programas declaradamente propagandísticos. Os fotógrafos do OWI tiveram uma liberdade muito superior no seu trabalho, recorrendo a todas as "armas" que lhes fossem úteis. A sua intervenção nas imagens é bastante mais visível. Puderam orquestrar livremente os seus modelos, escolhê-los, por vezes, criar situações, encenar acções e usar iluminação artificial sempre lhes conviesse.
Para além desta liberdade operativa, radicalmente distinta, também a natureza simbólica das imagens foi diferenciada. Numa América em guerra, a última coisa que interessava eram fotografias de gente desanimada e impotente, necessitada de ajuda. Sendo função do OWI promover o patriotismo e a moral dos americanos nos tempos difíceis da guerra, as imagens que criou seguiam um sentido diametralmente oposto. A América que se queria veicular era um país constituído por gente forte, determinada, resoluta, capaz de suplantar os mais duros obstáculos. E é aí que as séries de imagens de operárias a colaborar com o esforço de guerra se inserem.
Ao contrário do que por vezes aparece descrito, a participação de mulheres em trabalhos fabris não foi uma novidade trazida pelas duas guerras mundiais. Concretamente no caso americano, o operariado feminino existia desde o advento desse tipo de produção e era constituído maioritariamente por membros de comunidades étnicas minoritárias e por emigrantes. O que as guerras mundiais trouxeram de novo foi um foco positivo sobre uma situação que, por norma, desagradava à sociedade americana. As imagens de mulheres operárias, de autores como Lewis Hine, por exemplo, foram feitas sob um ponto de vista de denúncia da exploração laboral e da pobreza.
A necessidade dessa nova perspectiva advém das condições específicas do período. O recrutamento dos homens em idade combatente, associado ao súbito aumento de encomendas militares, deixou a indústria americana com uma grande necessidade de mão-de-obra. Nem o recrutamento de todas as mulheres que a grande depressão empurrara para o desemprego, ou para sectores com pior remuneração (limpezas, lavandarias, serviço doméstico), seria suficiente para preencher o vazio então existente. A solução passaria por cativar e recrutar um novo contingente para o trabalho fabril: as mulheres de classe média e média alta.
Operárias com glamour
O OWI traçaria para esse fim uma estratégia vencedora. Longe de documentar o carácter duro da vida nas fábricas, procurou retratar o novo operariado fabril feminino com glamour. As jovens mulheres que fez fotografar, e que encaminhou para a comunicação social, em nada se assemelhavam às vítimas da natureza e da depressão que a FSA fizera questão de registar. Geralmente bonitas, bem vestidas, compostas (raramente o vestuário aparecia maculado pelo trabalho), maquilhadas, transbordavam de feminilidade e graça. Fotografadas com ar sério e determinado, eram exemplos de contribuição patriótica, eram as heroínas da frente doméstica. Também elas combatiam os alemães e os japoneses, construindo as armas que os derrotariam.
Retratadas com sofisticação, a cores, muitas vezes com iluminação artificial, as operárias do OWI estavam próximas das figuras da moda e das estrelas de cinema. Eram idealizações, uma espécie de pin-ups castas.
Emblemáticas desta linha de comunicação, são as imagens realizados por dois fotógrafos contratados pelo Office of War Information, Howard R. Hollem e Alfred T. Palmer, que definiriam o modelo logo no ano inicial da agência.
julioribeiro
Júlio Assis Ribeiro é um homem cheio de qualidades. Sobre a maior delas, não há unanimidade. Mas muitos estudiosos inclinam-se para a sua capacidade de aparecer desfocado, ou tremido, nas fotografias. Saiba como fazer parte da obvious.
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