domingo, 16 de junho de 2013
O fascínio do autoritarismo .
O fascínio do autoritarismo
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Por Hélio Nascimento, de Porto Alegre
Em Vincere, o objetivo de Marco Bellocchio foi realizar um filme sobre o fascínio que populistas de índole autoritária exercem sobre suas vítimas.
A sedução de Ida
Depois de causar repercussão com seus dois primeiros longas-metragens, De punhos cerrados, em 1965, e A China está próxima, em 1967, a carreira do diretor Marco Bellocchio foi cedendo espaço e prestígio para outros nomes do cinema italiano, de porte bem maior que o dele. No ano de 1986, com O diabo no corpo, devido a uma cena de sexo explícito, ele voltou às manchetes, ao mesmo tempo em que evidenciava que não era um realizador de quem pouco se deveria esperar. O esquecimento de Bellocchio talvez tenha sido injusto, mas como a maioria de seus filmes aqui não foi exibida fica difícil emitir uma opinião sobre sua filmografia. A verdade é que Bom dia, noite, realizado em 2003, sobre o sequestro e o assassinato de Aldo Moro, evidenciava que o nome de Bellocchio não era para ser ignorado.
Agora, com este Vincere, no qual vários gêneros se mesclam e de certa forma se enriquecem, ele mostra que está outra vez na linha de frente e com o prestígio recuperado, tendo até mesmo dirigido uma versão muito elogiada do Rigoletto, interpretada por Plácido Domingo. E se o interesse de Bellocchio pela ópera está presente em quase toda a narrativa, não é apenas a este gênero que o cineasta recorre em muitas passagens. Vincere, entre outras coisas, é uma colagem na qual aparecem todas as artes, até porque o filme parece querer lembrar, todas elas estão presentes na ópera e no cinema.
Foi nos primeiros anos do século atual que ressurgiu do passado a figura de Ida Dalser, esquecida depois que o regime fascista havia providenciado sua internação num hospital psiquiátrico na década de 1920. Ela havia tido um filho com Benito Mussolini, que teve o mesmo destino da mãe. Ambos morreram em hospitais nos quais haviam sido internados por decisão do regime. O objetivo era retirar do palco da história essa mulher que havia sido seduzida pela figura do futuro ditador e que lutava pelo reconhecimento daquela ligação e do filho.
Vincere
Bellocchio, evidentemente, não parece interessado em realizar um documentário sobre Mussolini e o fascismo. Seu objetivo é realizar um filme sobre o fascínio que populistas de índole autoritária exercem sobre suas vítimas. O que de mais importante o filme contém é essa constatação: as primeiras vítimas do autoritarismo são aqueles que por ele se deixam fascinar. Eles cavam sua própria sepultura e traçam seu destino, ao serem seduzidos pela figura do ditador, do substituto do pai protetor, da imagem do comandante supremo. Não é por acaso que o filme tem começo com o processo de sedução de Ida por Benito, quando este, utilizando seus dotes de orador, antes de se transformar na figura ridícula que os documentários registraram e que Bellocchio utiliza, inicia o processo de sedução de grande parte do povo italiano.
Bellocchio não faz cinema político no sentido tradicional. Ele procura flagrar um processo de loucura que não consome a protagonista, mas está na raiz do comportamento do ditador. Esta é a verdadeira loucura. O filme a reconstitui na cena da imitação de Mussolini pelo filho e também no olhar do chefe supremo nos momentos de intimidade sexual com Ida. A loucura da protagonista é forjada pelo regime. Ao não se submeter, ela é condenada à morte. Ela morre, assim como morreu na Itália fascista - ou em qualquer regime semelhante - o direito de protesto, qualquer forma de expor verdades inconvenientes.
E para erguer esta alegoria sobre o autoritarismo Bellocchio utiliza recursos de várias artes, desde a ópera, até o cinema, passando pela pintura, o teatro e a música. Estão presentes - e muito bem utilizados - os jornais cinematográficos produzidos pelo próprio fascismo, e também trechos de Outubro, de Serguei Eisenstein, e O garoto, de Charles Chaplin. Tudo isso contribui para que Vincere seja obra imperdível, mas que deve ser vista em cinemas que utilizam projeção em película, ainda insubstituível, salvo em salas de dimensões pequenas.
Fonte: ViaPolítica/Jornal do Comércio
Site: http://jcrs.uol.com.br/site/index.php
URL: http://jcrs.uol.com.br/site/...
Publicação autorizada pelo Jornal do Comércio, de Porto Alegre, Rio Grande do Sul
O jornalista Hélio Nascimento é colunista e crítico de cinema do Jornal do Comércio.
Leia mais sobre a contribuição de Hélio Nascimento à reflexão sobre filmes no Brasil em
“Cinema: Uma vida dedicada à crítica”, texto de Vanderson Corrêa.
E-mail: hr.nascimento@yahoo.com.br
Sobre este filme, leia também “Bellocchio em Vincere”, de Luiz Rosemberg Filho & Sindoval Aguiar, em ViaPolítica
(Via política)
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