O Caminho da Mulher em Chico Buarque
em artes e ideias por Luiz Guilherme Libório em 29 de mai de 2013 às 16:22
Sobre a mudança da mulher na música popular, sua libertação perante Lisístrata e Chico Buarque ser praticamente uma moça
Havia, no início da década de 60, certa tendência ao cantar os gestos femininos: dois exemplos são Amélia, de Mario Lago e Ataulfo Alves, retratada como uma “mulher de verdade” por não ter a menor vaidade e Emília, de Haroldo e Wilson Batista, que revela o desejo do eu-lírico por “uma mulher que saiba lavar e cozinhar, que de manhã cedo me acorde na hora de trabalhar”. É ingênuo considerar, no entanto, que tratava-se de uma reação ao politicamente correto, como observamos hoje em dia: essa tendência vinha apenas de uma posição conservadora considerada natural para a época, se desdobrando sobre a arte popular. Era o espírito da época.
Espírito da época que o menino Chico acabou por dobrar, ao contrário dos mais antigos, trazendo uma feição mais feminilizada para a canção brasileira. Com músicas como “Madalena foi pro Mar” (É preciso não chorar / Maldizer, não vale a pena /
Jesus
manda perdoar / A mulher que é Madalena / Madalena foi pro mar / E eu fiquei a ver navios), e “Essa Moça Tá Diferente” (Essa moça tá decidida / A se supermodernizar / Ela só samba escondida / Que é pra ninguém reparar) já nos primeiros discos, o primeiro, de 1966, e o quarto, de 1970, respectivamente, isso é melhor evidenciado.
Ainda sobre esta segunda música, é interessante nos atentarmos para um trecho: “Essa moça é a tal da janela / Que eu me cansei de cantar / E agora está só na dela / Botando só pra quebrar”. Há uma outra música do Chico, chamada “Ela e Sua Janela”, de 1966. Essas duas músicas participam do mesmo discurso de mudança, de propósito ou não, já que Ela e Sua Janela trata de uma mulher que começa a pensar em tomar as rédeas do próprio destino, numa contextualização entre risonha e esperançosa: “Ela e seu castigo / Ela e seu penar / Ela e sua janela, querendo / Com tanto velho amigo / O seu amor num bar / Só pode estar bebendo / Mas outro moreno / Joga um novo aceno / E uma jura fingida / E ela vai talvez / Viver duma vez / A vida “.
Em outro ponto de sua obra, no Álbum “Meus Caros Amigos”, de 1976, a música Mulheres de Atenas revela trás questões de outro panorama. Mulheres de Atenas foi escrita por Chico e Augusto Boal para a peça “Lisa, a Mulher Libertadora”, de Boal. O nome da peça, naturalmente, faz referência à tragédia grega clássica Lisístrata, de Arístofanes. A Lisísistrata em questão é responsável por liderar mulheres gregas que, cansadas da guerra entre os povos helenos, decidem instituir uma greve de sexo até que seus maridos parem a luta e estabeleçam a paz. No final, graças às mulheres, as duas cidades celebram a paz. A música viria ironizar justamente o que revoltava a ateniense: a posição de marasmo de suas conterrâneas. Essa música foi muito criticada por feministas da época, por acreditar que não se tratava de ironia, algo desmentido pelo próprio Chico Buarque.
Partindo desses exemplos, e levando em consideração músicas como Atrás da Porta, de 72, Com Açúcar com Afeto, de 67, O Meu Amor, de 79, Olhos nos Olhos, de 74, onde Chico Buarque assume propriamente a voz feminina, podemos voltar ao que sugerimos logo no início. Analisem. Como poderia um homem entender tanto da alma das mulheres, de sua posição perante o tempo, e suas ânsias mais profundas? Ou sendo um gênio ou uma mulher. Genial, Chico é. Será que seria, também, uma mulher?
(Obvious)
Nenhum comentário:
Postar um comentário