sexta-feira, 21 de junho de 2013

Internet e ativismo (c restrições...)

Em tempos de slacktivism
em recortes por João Lopes

'Slacktivism' é um neologismo criado a partir da língua inglesa, em tradução livre, significa 'ativismo de sofá' ou 'ativismo preguiçoso', 'revolução de sofá' etc. As lutas pelos direitos humanos ganham novo caráter a partir do uso da internet. Como lidar com esse mecanismo parece ser um desafio imenso para os homens do século XXI. A efetividade das campanhas vinculadas na rede ainda são um caminho incerto. Sair às ruas parece ser a última opção daqueles que reclamam seus direitos, mesmo assim cada vez mais em menor expressão.

 Ficar em frente ao computador tornou-se, na pressa em que caminham as mudanças na contemporaneidade, um conceito totalmente novo. A Primavera Árabe deu provas de que a internet é um canal pelo qual podem ser articuladas grandes reivindicações e até mesmo a derrubada daqueles que pretendem perpetuar-se no poder.


O slacktivism ganha expressão de maneira avassaladora nas lutas pelos direitos das minorias em todos os países. Ficar em casa vendo TV, comendo pipoca, dedicando-se a outras coisas, enquanto se luta simultaneamente, por meio da rede, pela defesa de direitos, parece adequar-se perfeitamente ao novo homem nascido a partir século XX.


Se outrora para reivindicar um direito, populações inteiras precisavam sair às ruas, hoje está, por vezes, a um click de manifestar-se contra ou a favor de determinados temas. Neste sentido, há um engajamento de todo tipo de pessoas que nem sempre sabem por qual causa estão militando, haja vista campanhas que começam com grande notoriedade nas redes, no entanto são abafadas pela falta de efetividade e comprometimento daqueles mesmos que a ajudaram no primeiro momento.

O slacktivism mostra de maneira clara como faltam referências sociais para as sociedades do XXI. Uma coisa é certa, nunca estivemos tão conscientes das causas sociais, nunca tivemos a oportunidade de conviver com tantos pensadores e tanto conhecimento ao nosso alcance, entretanto o importante não é, a priori, o que conhecemos, mas o que somos capazes de fazer a partir do que conhecemos. A falta de líderes capazes de encarnar o espírito e a vontade de nações inteiras, como os mais famosos, Nelson Mandela, Martin Luther King, Mahatma Gandhi entre outros, cria ainda mais espaços para o surgimento de indivíduos aparentemente ‘preocupados’ com militâncias na internet, que, na verdade, não estão tão engajados assim com as causas ou se estão, é por mero cumprimento de suas aspirações pessoais.


Além disso, em uma época em que todos têm algo a dizer, o senso comum parece dominar de maneira quase unânime ambientes em rede. Vídeos de anônimos dando opiniões sobre o governo, criticando comportamentos e atitudes de pessoas, dando aulas de ‘etiqueta’ para redes sociais, expondo suas impressões sobre quaisquer coisas, parecem ser cada vez mais divulgados e vistos tornando-se elementos compositores na formação de opinião. Como afirmou o filósofo francês Pierre Lévy, qualquer forma que o cidadão tenha de expressão é válida, para ele, ainda, as mobilizações de internet não são menos legítimas que as mobilizações tradicionais, como os protestos de rua. No entanto, diante da facilidade da promoção de protestos que permite a web, não há como estabelecer critérios objetivos para definir a legitimidade das manifestações.

Se fosse levado em conta apenas o número aparente de pessoas que assinaram um abaixo-assinado online ou mesmo que votaram em uma enquete, correríamos o risco de sermos levados pela superficialidade daqueles que se guiam puramente por ideais sem análise prévia, nem tampouco se importando com a efetividade e o ajuste que aquilo traria para o convívio social.

A cautela deveria ser o fator fundamental para as lutas sociais que fazemos na internet. Desse modo, seriam valorados todos os movimentos criados a partir da rede, assim, dando maior efetividade aos protestos que possivelmente viessem a ser feitos. O uso constante da rede como meio de protestos pessoais, obviamente é válido, mas como protestos de massa requerem cuidados e sensibilidade para não nos perdermos em ativismos vãos, e este canal expressivo que é a web cair em descrédito.

Historicamente as sociedades sempre lutaram pelos seus direitos com os mecanismos oferecidos ao seu tempo, são diversos os exemplos de populações que saíram às ruas para manifestar-se quando sentiram seus direitos suprimidos. Por exemplo, o episódio conhecido como Bra-Burning (em tradução livre, a queima de sutiãs), um protesto organizado pelas ativistas do WLM (Women’s Liberation Movement) contrário à realização do concurso de Misss American, em Atlanta, 1968, nos EUA. A simbologia da queima - coisa que não aconteceu – era queimar tudo aquilo que socialmente aprisionava as mulheres naquele momento, era também a representação da busca de igualdade entre homens e mulheres, de salários e decisão, foram reunidos sapatos, sutiãs, cílios postiços etc., símbolos de tortura e da exploração comercial em que viviam as mulheres americanas.

O ativismo de internet parece retirar a expressividade e a simbologia das organizações de indivíduos em torno de um ideal. Não há como sentir por meio da rede, a força do grito, a expressão nos rostos de cada manifestante, a indignação que toma conta de um grupo, essa espécie de sensação analógica de uma manifestação é perdida na tecnologia.

Deixo, ainda, para reflexão um poema de minha autoria:
Saia à rua


Desconecte-se das redes sociais.
Fique nu, chame sua mãe, irmãos e seu pai.
Pegue as crenças nas mãos, não deixe as influências leva-las.
Com joelhos no chão, reze as teses de sua convicção.
Apregoe o sermão, faça a petição.
Aos drogados, descriminalização.
Aos marginais, centralização, e aos homossexuais, aceitação.
Dê às prostitutas, profissão, e aos corruptos, punição.
Às feministas, o aborto, e aos iletrados, compreensão.
Às religiões, ecumenismo, e à imprensa, liberdade de expressão.
A cada um o canto, uma prece, seu Buda, Sheeva, Cristo e seu Satã.
Ao ateu, a doce incerteza da não crença.
Aos agnósticos, a possibilidade de mudar amanhã.
Saia à rua com sua fé trincada no peito,
Com sua devoção manifesta no rosto,
Vestindo seu direito: D E M O C R A C I A.
Apregoe um belo texto, um artigo e um pretexto:
A Bíblia, o Corão, o Noachide, e a Cabala,
A Constituição e o Estado-Democrático, cala.
Atire-os no concreto, no vento ao firmamento,
Fez silêncio. É incerto.
É hermenêuticamente exegética embromadora.
É a multidão do detrimento, a minoria esmagadora.
Saia à rua pinte sua cara, deixe a alma vestida, nua.
Sentado à frente da tela fria, nada tua vida contagia,
Tantas falas expostas, todavia a rua está vazia.
Tantos valentes de palavras, que o mundo mudariam,
Poucos braços de exemplos que sequer atreveriam.
Saia à rua da sua verdade abandone sua demagogia,
Cabanagem, Farroupilha, Malés, Canudos:
Fuga da moralidade, transgressão da ética vazia.
Reze seu terço, acenda a vela do seu guia.
Saio primeiro da rima, deixo nas ruas minha poesia.



joaolopes
Artigo da autoria de João Lopes.
João Lopes é estudante de Direito, está tentando cultivar um canteiro, ainda não escolheu as flores, paulistano, gosta de ciências sociais e física quântica, não largou as poesias. .
Saiba como fazer parte da obvious.

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