quinta-feira, 18 de abril de 2013

Solidão

ANTONIO OZAÍ DA SILVA*

 Aos alunos do curso de Filosofia (UEM)

Issiz Adam é um filme turco. Em português Issiz Adam tanto significa homem solitário quanto Minha ilha solitária. Adam, por sua vez, pode ser traduzido por Minha Ilha. Ada, o nome da mulher de olhar encantador que se apaixona por Alper, significa Ilha. O título do filme não poderia ser melhor escolhido!

Issiz Adam é um filme sobre ilhas humanas, indivíduos solitários incapazes de relacionamentos profundos; indivíduos isolados em si próprios, prisioneiros de relações superficiais e efêmeras, mas que necessitam desesperadamente de outros. Alper (Cemal Hunal) é o tipo ideal da solidão humana na sociedade moderna. Bem-sucedido, chef talentoso e proprietário do restaurante, Alper é um homem realizado, bem humorado, admirado e querido pelos que trabalham sob a sua liderança, Alper não aparenta ser um homem profundamente solitário.

Não obstante, é incapaz de manter uma relação estável e duradoura. A solidão parece não ser um problema para ele. A companhia que necessita está ao alcance da mão, um número de contatos seletos, uma ligação e a certeza de que encontrará alguém disponível. Ele se imagina livre, não pertence a ninguém e ninguém lhe pertence. Em sua busca incessante por corpos que o complemente e o satisfaça, engana a si mesmo. Como percebe Ada (Melis Birkan): “Não há ninguém, nunca haverá. Você só tomará emprestadas, crianças de outras pessoas, vidas e corpos. Para serem devolvidos depois. E você estará sempre sozinho”.

“Em toda esta agitação, as pessoas não percebem que estão sozinhas”, afirma Müzeyyen (Yildiz Kültür), a simpática mãe de Alper. Ela conhece bem o filho, sabe da sua personalidade ensimesmada! Pessoas solitárias existiram em outras épocas. Mesmo os mais sociáveis, em algum momento sentem-se profundamente sós, imersos em si mesmos. Mas, qual o significado da solidão na sociedade em que vivemos? O que é estar só, sentir-se solitário no turbilhão da vida moderna, ser um indivíduo na multidão?

Issız Adam[(071993)20-18-34]

O indivíduo é um ser social, mas como compreendê-lo em sua individualidade? Será que esta apenas expressa os caracteres da sociedade e/ou das classes sociais? Será que o indivíduo possui algo que lhe é específico, ou é apenas a matéria, corpo e alma, na qual se imprimem os valores, ideias, etc. da sociedade e/ou a classe social à qual se vincula?

As respostas são diversas. Talvez, porém, nos ajude a compreender o indivíduo em sociedade, as angústias e dilemas individuais e também as influências sociais sobre o agir e o sentir individual. A ênfase, a depender da referência teórica adotada, ora recai sobre o indivíduo, ora sobre a sociedade. Para uns, a análise da sociedade é a chave para a compreensão do indivíduo em sua singularidade; para outros, a explicação tem como fundamento a contradição e os antagonismos das classes sociais; há, ainda, quem imagine que o ponto de partida é o indivíduo, isto é, o sentido, a motivação das suas ações. Seja como for, há uma tensão entre a sociedade e o indivíduo que é dialética.

Conhecer bem a sociedade moderna contribui em muito para a compreensão da solidão humana, sentimentos e valores expressos por Alper e Ada. É preciso o olhar arguto para a análise crítica da vida em sociedade. Mas também é necessário o esforço para compreender os indivíduos singulares, ou seja, a sensibilidade para não anular a individualidade. O indivíduo emerge da sociedade e, neste sentido, é um ser social. No entanto, ele não é um ser passivo, mas adapta-se e/ou contrapõe-se à coerção social. Mesmo a adaptação exige ação e pensamento. O indivíduo, portanto, interage com a sociedade e vice-versa. Nesta tensão dialética, a sociedade transforma o indivíduo e este a modifica. O ser social e a sociedade não são estáticos, mas contradições em movimento.

Se a solidão de Alper expressa os tempos modernos, conseqüência das exigências de uma sociedade cada vez mais cimentada no individualismo, no consumismo e na mercantilização cada vez mais abrangente, será utópico imaginarmos uma sociedade na qual as relações humanas sejam plenamente humanizadas e o indivíduo seja fim e não meio? Uma sociedade na qual os indivíduos se realizem individual e socialmente. Todavia, mesmo nesta utopia será que o indivíduo deixará de sentir-se solitário? Serão as utopias e as teorias, independente do campo científico, ou pretensamente científico, capazes de explicar os dilemas humanos e fazê-los superar a solidão, a dor incomensurável do amor impossível, a incapacidade de amar, a tristeza desmedida da perda? Alper e Ada mostram que o ser humano é muito mais complexo do que as vãs tentativas de encerrar o indivíduo nas brumas das teorizações. Não obstante, é necessário apreender as teorias. Desde que elas nos ajudem a pensar a vida real que pulsa para além dos conceitos, abstrações e representações.
(Blog do Ozaí)

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