Mircea Eliade, Conan e As crônicas de gelo e fogo: o mito e a literatura de fantasia heroica.
por Myilena Queiroz
Mircea Eliade, Conan e As crônicas de gelo e fogo.
Ou: o mito e a literatura de fantasia heroica.
A teoria e a prática, juntas. As Crônicas de Gelo e Fogo, escritas por George Raymond Richard Martin, são obras que com atração televisiva, pela HBO, foram apresentadas a um maior número de leitores. Conan, conhecido personagem da espada & feitiçaria, é contra a hipocrisia presente na sociedade civilizada. Mircea Eliade, filósofo romeno, foi um dos mais importantes mitólogos que já existiu. Este diz-nos que os mitos revelam que o mundo, o homem e a vida têm uma origem e uma história sobrenaturais, e que essa história é significativa, preciosa e exemplar. (Eliade, 1972). Conan e As crônicas de gelo e fogo revelam-nos mundos semelhantes aos de mitologias "primitivas".
Criado em 1932 pelo escritor Robert E. Howard, Conan da Ciméria (Conan, o bárbaro) é o grandioso personagem da literatura de fantasia heroica. Com sua primeira aparição no conto “THE PHOENIX ON THE SWORD" / A FÊNIX NA ESPADA ganha destaque, chega a mass culture e mantém seu lugar como melhor e suprema representação do gênero.
Mircea Eliade, filósofo romeno, um dos maiores mitólogos que já existiu, atenta para a necessidade de haver “mito vivo” em uma sociedade. O filósofo diz-nos que os mitos revelam que o mundo, o homem e a vida têm uma origem e uma história sobrenaturais, e que essa história é significativa, preciosa e exemplar. O mito, quando vivo em uma sociedade, se assimilará a uma “história verdadeira” e nunca a uma “história falsa”.
O herói da Ciméria durante sua vida enfretou feiticeiros, guerreiros, vampiros, demônios e até criaturas de outras dimensões. Torna-se rei da Aquilônia, já aos quarenta anos, após estrangular o regente que o precedeu. Conan teria deixado o reino para seu filho mais velho, Conn, e parte então para o enigmático Oeste.
No mais, é um hábil espadachim e é contrário às debilidades e hipocrisias da civilização.
As Crônicas de Gelo e Fogo, popular série de fantasia épica criada por George Raymond Richard Martin apresenta-nos o mundo de Westeros, onde acontece a série, qual não tem direta relação com o nosso mundo (assim como faz Tolkien). Conflitos entre clãs, busca pela glória, personagens que adentram em uma espiral de tragédias mas mantêm votos de honra, dragões, espadachins, para citar apenas esses, são elementos que compõem a série, como presumo que já saibam.
Conan1.jpg
Em geral, tanto Conan como As crônicas citadas acima apresentam versões de herois mitológicos ou folclóricos, ainda que indiretamente.
Mesmo modernas representações de seres mitológicos como Superman, que às sombras mantém-se um heroi, mas cotidianamente é também um homem comum, satisfazem às nostalgias secretas do homem moderno que, vendo-se decaído e limitado, sonha revelar-se um dia um personagem acima das médias.
“Devemos, não obstante, deter-nos um momento sobre a situação e o papel da literatura, sobretudo da literatura épica, que está relacionada com a mitologia e os comportamentos míticos. Sabe-se que, assim como outros gêneros literários, a narrativa épica e o romance prolongam, em outro plano e com outros fins, a narrativa mitológica.” Diz-nos Eliade.
A literatura de fantasia heroica e os mitos certamente não são iguais, todavia em ambos os casos; trata-se de contar uma história significativa, de relatar uma série de eventos dramáticos ocorridos num passado mais ou menos fabuloso. É inútil recordar o processo longo e complexo que transformou uma "matéria mitológica" em um "objeto" de narração da fantasia. O que deve ser salientado é que a prosa narrativa tomou, nas sociedades modernas, o lugar ocupado pela recitação dos mitos e dos contos nas sociedades tradicionais e populares, principalmente quando televisionadas (como é claramente o caso de Conan e As crônicas de gelo e fogo).
Logo, essas histórias levam a significação dos mitos, o valor de manter a interpretação “primitiva” do mundo de valores mais elevados que os atuais.
O tempo que se "vive" ao ler um romance não é, evidentemente, o tempo que o membro de uma sociedade tradicional reintegra, ao escutar um mito. Em ambos os casos, porém, há a "saída" do tempo histórico e pessoal, e o mergulho num tempo fabuloso, trans-histórico. De modo ainda mais intenso que nas outras artes, sentimos na literatura o encargo de manter a representação de um mundo \cima deste. As obras de fantasia épica/heróica acabam por apresentarem uma revolta contra o tempo atual que nega o homem histórico e mitológico, reavivando-o como tal.
Muitas vezes é difícil decidir se uma saga conta a vida heroicizada de um personagem histórico ou, ao contrário, é um mito secularizado.
Mas percebe-se certamente os mesmos arquétipos — ou seja, as mesmas figuras e situações exemplares — reaparecem indiferentemente nos mitos, em demais narrativas.
“Por que hesitar ante uma expedição façanhosa, quando o herói mítico já a efetuou num tempo fabuloso?” Questiona Eliade. O gênero épico, a literatura heroica, a fantasia, então, servem também para encorajar-nos, para tornarmo-nos seres mais interessantes, talvez.
Os mitos, em suma, recordam continuamente que, eventos grandiosos tiveram lugar sobre a Terra, e que esse "passado glorioso" é em parte recuperável. A imitação dos gestos paradigmáticos tem igualmente um aspecto positivo: o rito força o homem a transcender os seus limites, obriga-o a situar-se ao lado dos Deuses e dos Heróis míticos, a fim de poder realizar os atos deles.
Direta ou indiretamente, os mitos e histórias com certas semelhanças "elevam" o homem.
Ler Conan, Ilíada, Crônicas de gelo e fogo e Odisseia ainda ao ouvir Der Ring des Nibelungen (O Anel do Nibelungo) não te fará seguir uma Cavalgada de Valquírias, isso é obvio.
Todavia, é também óbvio que ao recitar certas histórias reintegra-se àquele tempo fabuloso e a pessoa torna-se, consequentemente, "contemporânea'', de certo modo, dos eventos evocados, compartilha da presença dos Deuses ou dos Heróis. E assim é possível recuperar o tempo sagrado do mito, graças a estas suas novas representações, e às tradicionais.
myilenaqueiroz
Artigo da autoria de Myilena Queiroz.
"8. Da Escola de Guerra da Vida - o que não me mata torna-me mais forte." In: Crepúsculo dos ídolos..
Saiba como fazer parte da obvious.
Nenhum comentário:
Postar um comentário