segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Colômbia

A situação da esquerda na Colômbia é excepcional no contexto latino-americano. Quais são as razões dessa posição desvantajosa? Tradução: ADITAL Somos o único país da América do Sul que ainda não teve um presidente de esquerda, ou seja, um socialista ou sequer um populista radical, como Perón (Argentina), Getúlio Vargas (Brasil), Paz Estenssoro (Bolívia), Allende (Chile), Correa (Equador), Torrijos (Panamá), Fernando Lugo (Paraguai), Velasco Alvarado (Peru), Tabaré Vázquez (Uruguai) ou Hugo Chávez (Venezuela). O mais perto que chegamos a ter são "burgueses reformistas”, como José Hilario López, no século XIX; López Pumarejo, em seu primeiro governo e, talvez, Lleras Restrepo, há cinquenta anos. Também somos o único país onde a esquerda não passou o umbral da terceira parte dos votos em eleições nacionais: o M-19 alcançou 26% na Constituinte de 91 e Carlos Gaviria obteve 22% nas eleições presidenciais de 2006. No Senado, os dois recordes foram as cinco da UP em 1986 e as dez do Polo em 2006 –a décima parte apenas do poder legislativo, e muito por debaixo de todos os vizinhos latino-americanos-. Essa debilidade excepcional da esquerda colombiana se estende por igual às organizações populares. A taxa de sindicalização é uma das mais baixas do planeta –somente 4,4 de cada 100 trabalhadores (a dos Estados Unidos é de 11,4; a da Finlândia é de 71); e o número de greves é notoriamente baixo. Em seus melhores momentos –o agrarismo dos anos 20, a Anuc dos anos 70- o movimento camponês, nem de longe, teve a pujança da Bolívia ou do Brasil, do México ou do Equador. Ou, para não estender-me, dizem os estudos que a frequência e a força relativa das mobilizações cidadãs são bastante menores na Colômbia do que em outros países da América Latina. A explicação mais óbvia dessa anomalia é nossa outra grande anomalia: uma história inacabável de violência política. Desde Rafael Uribe ou Jorge Eliécer Gaitán até Carlos Pizarro ou Bernardo Jaramillo, na Colômbia os líderes de esquerda têm sido sistematicamente assassinados. Os dirigentes camponeses, os sindicalistas, os porta vozes dos povos indígenas e das comunidades afrodescendentes, os desalojados que hoje aspiram recuperar suas terras, costumam ser silenciados com a morte, com a ameaça ou com o exílio. E nessas condições é evidente que as causas populares não podem avançar. Porém, o conflito armado tem outro modo mais sutil e, mais perverso, de debilitar a esquerda desarmada: as guerrilhas não só não conseguiram nenhuma conquista social, como também têm sido a trava principal para que surjam os movimentos populares na Colômbia. O ponto mais simples: detrás de cada mobilização ou protesto cidadão o governo, os meios de comunicação e as pessoas comuns veem ou imaginam, ou inventam alguma forma de cumplicidade com os guerrilheiros. Esse tem sido o bordão dos partidos de esquerda desde que o velho Partido Comunista até o PDA. É o motivo da desconfiança que nesses dias rodeou o lançamento da "Marcha Patriótica”. Essa tem sido a razão para que um após outro os partidos e as coalizões de esquerda tenham-se manejado entre uma linha "suave”, que rechaça as armas e uma linha dura, que as aceita. Esse tem sido o pretexto para reprimir ou criminalizar as ações populares: o "Estado de sítio” que regeu durante 66 dos 105 anos que tivemos a Constituição de Núñez, e os "estatutos de segurança” que desde então proíbem marchas, ilegalizam greves ou colocam a polícia para dissolver protestos (um exemplo recente: a hidrelétrica El Quimbo). E, sobretudo, esta tem sido a razão para que as pessoas, incluídos os estratos populares, vejam com tanta desconfiança aos partidos que pretendem levantar a bandeira das causas populares. A esquerda, claro, agravou o problema. Por tentar em uns casos o duplo jogo inaceitável da "combinação das formas de luta”. Pela miopia de ser o mascarão desse ou daquele sindicato ou daquela sindicalista. Por uma história de faccionalismos que nada tem a ver com realidades colombianas. E também porque esteve empenhada em achar a saída política de um conflito que não quer política (a diferença, digamos, das guerras centro-americanas, do IRA ou do ETA) Porém, a debilidade da esquerda colombiana vai além de nosso velho conflito armado e, de fato, provém de raízes históricas muito profundas. Sem querer simplificar, arriscarei essa hipótese: –Somos um "país de regiões”, e em cada região tivemos uma economia camponesa que debilita a organização popular: o minifúndio não é solidário; o latifúndio é paternalista e a plantação é escravagista. –Tivemos um Estado débil e sem as rendas, digamos, da Venezuela, do Peru ou do Panamá. Em um Estado assim, a política não importa tanto e o bem estar das pessoas depende mais de sua própria iniciativa. -Não tivemos muito emprego público, e tampouco tivemos desenvolvimento industrial considerável. Em um país onde seis em cada dez trabalhadores continuam sendo informais, o sindicalismo não podia prosperar. -Mas, tivemos o processo de expansão da fronteira agrícola mais prolongado da América Latina; a colonização foi uma válvula de escape para evitar as grandes mobilizações urbanas e substituiu o protesto coletivo pela migração individual em busca de uma quimera. -Depois, está o clientelismo como sistema político que, por definição, evita a representação dos interesses coletivos e faz primar a lealdade vertical para com o cacique sobre a lealdade horizontal –ou a "consciência de classe”, como diziam, antes, os sociólogos-. -A tradição católica e a família patriarcal castelhana (junto com a mestiçagem, que foi dissolvendo a identidade dos "de baixo”) confirmam e reforçam o predomínio das lealdades verticais para com o "patrão”, o "chefe”, sobre os nexos de solidariedade com os que têm a mesma origem humilde. -E, claro, não poderiam faltar a cultura do ‘jeitinho’, do ‘salve-se quem puder’, que constituem nossa marca nacional e nos convertem nesse grande país de solitários. A própria esquerda, outra vez, é parte desse jogo. O mestre Fals Borda dedicou um livro inteiro a demonstrar como e a explicar porque os dirigentes populares que alcançam certo êxito na Colômbia deixam-se seduzir quando as portas dos clubes lhes são abertas ou quando seus filhos chegam a colégios bilíngues (e há jovenzinhos, "guerrilheiros del Chicó”, que se especializam em armações). Talvez esse conjunto de razões sirva para explicar a outra grande anomalia da Colômbia: somos o único país da América Latina (e, até onde eu sei, dos poucos no mundo) onde a grande política não é uma disputa entre esquerda e direita, mas entre direita e extrema direita (agora, por exemplo, a oposição a Santos é Uribe e não o Polo Democrático). Por acaso, aqui teremos uma pista para entender por que, depois do Haiti, somos hoje o país mais desigual do continente e o quarto mais desigual no mundo? [Fonte: Original em espanhol publicado na Revista El Malpensante - elmalpensante.com].

Nenhum comentário:

Postar um comentário