sábado, 25 de janeiro de 2014

Pensamentando

A REVOLUÇÃO NÃO VAI SER TELEVISIONADA Longe dos holofotes, o grupo subterrâneo Delinqüentes vandaliza Curitiba e recupera o sentido transgressor da arte por : Ricardo Calazans Há quem diga que é tudo mentira. Mas, como já previra Gill Scott- Heron, "a revolução não vai ser televisionada". Aparecer nos jornais não está mesmo nos planos de Ari, Sérgio, Vini, Fábio e Jean, os Delinqüentes, grupo de cinco jovens de Curitiba, entre 19 e 26 anos, que há seis meses atua pela cidade em delirantes manifestações de "arte-sabotagem" e "terrorismo poético". Daí que muita gente duvide da veracidade de seus "ataques", como interferir na transmissão do Jornal Nacional para tirar sarro da morte de Roberto Marinho, "exorcizar" bancos ou reproduzir berros de bois agonizantes numa churrascaria. Os Delinqüentes não se importam com as cobranças por provas de seus atos. "As relações entre as pessoas são mediadas por imagens. Tentamos recuperar a imaginação com nossas narrativas sem imagens", diz o delinqüente Ari Almeida, que conversou, por e- mail, com Outracoisa. De junho até agora, eles já produziram mais de 30 ataques, todos vivamente relatados no blog (www.delinquente.blogger.com.br) que ele mantém e já recebeu mais de 13 mil visitantes. Os primeiros 25, aliás, foram compilados no Manual prático de Delinqüência Juvenil, distribuído aos punks, grafiteiros e nos colégios de periferia, "para preparar as próximas gerações". A produção do manual, claro, foi feita ao estilo do grupo: na impressora a laser do chefe de Ari. É o que ele chama de Subversão de Baixa Intensidade. Se for tudo ficção, é uma das mais originais escritas nos últimos tempos. Se for verdade, é melhor ainda. O que levou vocês a criarem os Delinqüentes? Quais suas fontes de inspiração? A idéia (meme) foi plantada na minha mente após a leitura de um artigo do Marcelo Träsel no site Fraude, intitulado "Pequeno Manual de Subversão cotidiana", e ficou incubada por quase um ano. Depois descobri o Terrorismo Poético do Hakim Bey, mas o catalisador foi "A arte de viver para as próximas gerações" do (filósofo francês) Raoul Vaneigen. Depois de ler esse livro encasquetei que alguma coisa tinha que ser feita e passei a pentelhar os piás pra mexermos nossas bundas gordas. Só que nosso começo não foi nada planejado, não tínhamos estratégia. A coisa nasceu na cagada mesmo. Discutindo sobre espaços públicos e privados bolamos aquela sacanagem com a C&A (ataque 1) e mandamos bala. Como tinha sido hilariante ficou o tesão de fazer outras coisas. Então Sérgio veio do interior com uma série de quadros maravilhosos que queria expor. Resolvemos pôr em prática as idéias do Hakim Bey e invadimos uma casa pra deixarmos os quadros lá. Cara, foi uma experiência única, daquelas que mudam vidas. Logo depois da invasão não conseguíamos atinar direito o que tínhamos feito, mas sabíamos tratar-se de algo maravilhoso. Então veio a idéia de distribuirmos poemas com estilingues nas vidraças da classe média, abençoar aqueles lugares do mal que são os bancos e depois as idéias foram surgindo, os ataques, executados, e, quando nos demos conta, nossa empreitada já estava maior que nós, impossível parar. A sensação de liberdade que vivenciamos nos viciou. A liberdade é um caminho sem volta. Quais são os alvos preferenciais dos Delinqüentes? Nunca paramos pra pensar nisso, mas sou obrigado a admitir que nossa prioridade de atendimento são os odiosos bancos, que transformam imaginação em fezes, e os shoppings, que promovem o maior apartheid social da história da raça humana. Qual foi o ataque mais difícil de ser executado? Tecnicamente falando foi quando invadimos a freqüência da Globo na hora do Jornal Nacional pra tirar onda da morte do Roberto Marinho. Em termos de riscos de sermos pegos acho que foi quando colocamos toca-fitas com sons de berros de bois morrendo no matadouro dentro de uma churrascaria. E em termos de seqüelas foi esse recente dos cartões com poemas (deixados dentro das casas das pessoas, em lugares insólitos), quando tivemos que fugir num esgoto, bebi água contaminada com merda e fui parar no hospital por quatro dias com uma terrível caganeira alienígena. O que é arte para vocês? Cara, a arte está morta, profanada e prostituída. O que fazemos é tentar salvá-la, devolvê-la ao cotidiano, à vida das pessoas. O que mais me deixa feliz é saber que o que fazemos é arte e que ninguém se liga nisso, muito menos os artistas. De que maneira vocês enxergam a mídia? Não somos luditas radicais contra a mídia. Apenas sabemos o mal que ela faz e procuramos encará-la com prudência. O problema da mídia atualmente, não a mídia em si, é que ela tem assassinado a imaginação com uma overdose de imagens. As relações entre as pessoas são mediadas por imagens. Tentamos recuperar a imaginação com nossas narrativas sem imagens, nem provas nem bosta nenhuma. Provas pra quê? Pra fazer o trabalho da polícia? Eles ganham propinas pra isso. Já ouviram falar de ataques semelhantes aos dos Delinqüentes produzidos em outros estados? Uma galera de Sampa empreendeu um ataque sincronizado com a gente no dia em que largamos despachos de macumba com galinhas crucificadas em caixas-eletrônicos de bancos. Outra vez um pessoal da "facul" de direito informático de BH repetiu um ataque nosso e levou meninos de rua pra comer BigMac Feliz num shopping (o link http://212.100.232.186/pt/red/2003/10/265706.shtml comprova isso). Qual o posicionamento dos Delinqüentes em relação ao trabalho? Nossa meta é não trabalharmos. Trabalho Zero e indolência. Dá para conciliar trabalho e prazer? As putas e os gigolôs às vezes conseguem. Eu ainda não consegui. Vocês vivem de salário, ou tem alguém que ainda é bancado no grupo? Cara, pra responder essa tua pergunta vou colar aqui um paragráfo do relato de um ataque de uns tempos atrás. "Vinícius estuda e batalha pra passar num vestibular enquanto faz bicos como músico. Jean trabalha de moto num serviço de tele-entrega e todo começo de ano volta a estudar e todo meio de ano desiste de estudar. Eu trampo num escritoriozinho sem futuro. Fábio mora com os velhos, tenta sair de casa e vive fazendo planos de vida mirabolantes sem nunca levar nenhum a sério e Sérgio é uma dessas almas de artista, que nunca se encaixam na normalidade da sociedade. Enfim, temos tudo pra dar errado, somos um caco de vidro esquecido na areia da praia, esperando alguém pisar em cima." Qual é o papel do blog que vc mantém? Disseminar nossas idéias numa mídia não corrompida. Mostrar pra piazada que ainda é possível viver com paudurescência, diversão e ainda ser perigosos. Onde os Delinqüentes pretendem chegar? Boa pergunta, faço ela a mim mesmo a tempo e graças a Éris (deusa da religião freak americana Discordiana, em que todo ser humano é "um Papa") não sei. Em que mundo vc gostaria de viver? Nesse mesmo, só que mais humano. Os nomes de vocês são todos fictícios? O meu é falso porque me exponho muito, dos outros piás são verdadeiros, mas não creio que isso comprometa nossa segurança. Existem milhares de Jeans, Vinis, Sergios e Fábios por aí. BOX: LIÇÕES DO MANUAL PRÁTICO DE DELINQÜENCIA JUVENIL - Comer macarronada em plena C & A, para espanto dos clientes e desespero do gerente. - Paquerar meninas magrelas, com espinhas ou gordinhas em ônibus, às 6h da manhã, para protestar contra o "fascismo da beleza comercial". - Ir à missa vestidos como travestis, para testar a tolerância católica. - Pagar um tratamento completo para uma catadora de papel num salão de beleza de classe média alta, diante de dondocas ofendidas e funcionárias estupefatas. - Levar 20 crianças de rua para lanchar num McDonald's de shopping center. - Abrir uma caixa entupida de baratas dentro de um cinema... de shopping. - Exorcizar um banco com o "sermão do caixa eletrônico". (Demência Ontológica)

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