segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Pensamentando

ser ou não ser
Arte e Vida
A Sombra e o Dia
por João de Barros em 24 de dez de 2012 às 00:52

Passos ecoam, sorrisos se abrem, corações se atraem, cabeças viram, opiniões se consolidam e a imagem é marcada a ferro e fogo nas mentes alheias.


A cidade geralmente está suando em suas primeiras horas úteis da manhã. Dia de semana. Pessoas andam e correm atrás de metas e objetivos bastante simples como receber seu salário e gastá-lo logo após com as futilidades essenciais do dia a dia. Meus mocassins tocam o asfalto quente e sólido. E enquanto dou a primeira inspirada no ar conturbado do centro da cidade, minhas mãos tremem de ansiedade. Meu andar é firme e preciso, enquanto acendo o primeiro L.S do dia. Forte e atraente, porém discreto.

O som de "Atomic" de Blondie ataca os meus ouvidos, a batida é envolvente e nostálgica. Volto o olhar para a placa "Bem vindo a xxxxxx" o nome pichado em prateado tenta atingir os meus olhos com vertiginosa intensidade, mas os óculos escuros ajudam a toda esta cena passar quase imperceptível.

Todo o dia só pode ser descrito como um fluxo de consciência neurótica digna de Woody Allen. Possibilidades são calculadas, situações são repassadas e passadas mais um vez na minha cabeça, enquanto o que falo permanece relevante. Sorrisos são descobertos, e nesses mesmos sorrisos é onde jaz a minha oportunidade de lucro. Lucro material é claro e lucro pseudoemocional, provindo em maior parte de elogios à minha eficiência e aparência notável. Uma senhora arrisca:

- Quantos anos você tem?
- 20.
- A quantos você vive de verdade?

Enquanto ela sai, só consigo tentar me lembrar com quantos anos eu li "O Apanhador no campo de centeio" e fiz uma garota atingir o orgasmo. A resposta seria 15 para ambos (apesar de não ter certeza sobre o primeiro). A seguir "Smooth Operator" de Sade toca e me faz ter memórias nostalgicas de um passado não tão remoto. Os semáforos parecem transcrever o que estou sentindo enquanto vou de encontro a eles. Os postes me vigiam e dão suporte a toda a realidade ao meu redor. É quase engraçado o quanto toda essa estrutura em que estou envolvido é vazia. Assustadoramente oca e desalmada. Em seguida as vitrines me lembram que 80% do meu tempo eu não sou totalmente o oposto dessas características. Sinto meu olhar queimar o vidro em que meu reflexo está sendo reproduzido. Tudo o que vejo é a sombra de um ser frio e sem coração. Sombra colocada ali para atingir a posse de uma maior quantidade desse mesmo vazio através de dinheiro e reconhecimento.

A sombra não questiona, nem tem remorso, ela simplesmente existe, é real e imediata quanto o próprio tempo que me empurra para frente. Meus mocassins continuam em atrito com o calor do asfalto, mas estão impecáveis. Sinto medo da idéia desta sombra cavar mais e mais fundo dentro de mim. Não é a toa que a procura de emoção se tornou maior nestes últimos meses. Sendo que esta procura acaba e recomeça com mais rapidez a cada vez que me dou por satisfeito. Me sinto excepcionalmente completo. E enquanto tudo isso que se passou é escondido com mais eficiência do que a própria demonstração das emoções que sinto, me pego guardando e prestigiando tudo aquilo que me parece ser real e abstrato.
 (Obvius)

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