segunda-feira, 28 de maio de 2012
Teatro
A fúria de Prometeu
em Teatro por Rodrigo Della Santina em 14 de mai de 2012 às 16:47
“Se me calo, não é por orgulho, ou desprêzo; mas o furor devora minha alma quando me vejo preso a esta rocha"...
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Prometeu diz ao Coro:
“Se me calo, não é por orgulho, ou desprêzo; mas o furor devora minha alma quando me vejo preso a esta rocha. No entanto, a quem mais, senão a mim, devem os novos deuses as honras que desfrutam? Não falemos mais nisso; seria repetir o que já sabeis. Ouvi, sòmente, quais eram os males humanos, e como, de estúpidos que eram, eu os tornei inventivos e engenhosos. Eu vo-lo direi, não para me queixar deles, mas para vos expor todos os meus benefícios. Antes de mim, eles viam, mas viam mal; e ouviam, mas não compreendiam. Tais como os fantasmas que vemos em sonhos, viviam eles, séculos a fio, confundindo tudo. Não sabendo utilizar tijolos, nem madeiras, habitavam como as providas formigas, cavernas escuras cavadas na terra. Não distinguiam a estação invernosa da época das flores, das frutas, e da ceifa. Sem raciocinar, agiam ao acaso, até o momento em que eu lhes chamei a atenção para o nascimento e ocaso dos astros. Inventei para eles a mais bela ciência, a dos números; formei o sistema do alfabeto, e fixei a memória, a mãe das ciências, a alma da vida. Fui eu o primeiro que prendi os animais sob o jugo, a fim de que, submissos à vontade dos homens, lhes servissem nos trabalhos pesados. Por mim foram os cavalos habituados ao freio, e moveram os carros para as pompas do luxo opulento. Ninguém mais, senão eu, inventou esses navios que singram os mares, veículos alados dos marinheiros. Pobre de mim! Depois de tantas invenções, em benefício dos mortais, não posso descobrir um só meio para pôr fim aos males que me torturam”.
Prometeu diz novamente ao Coro:
“Embora orgulhoso, Zeus será humilhado um dia... Tal o fruto do enlace que ele deseja, e que será a causa da ruína de seu trono, e de seu poderio. Realizar-se-á, então, integralmente, a maldição que contra ele lançou Cronos quando foi expulso da antiga sede de seu império. De todos os deuses, só eu poderia ensinar-lhe como evitar essa desgraça; só de mim se poderia obter essa revelação. Nesse dia, em vão ele se porá do alto das nuvens, agitando nas mãos os seus dardos inflamados: nada o salvará de uma queda ignominiosa. Eu vejo como ele próprio está criando o seu inimigo, o prodigioso atleta, difícil de vencer, que lançará fogos mais ardentes que o raio, fará rumores mais fortes que o trovão, e quebrará o tridente de Posêidon, esse flagelo marítimo que abala a terra. Naufragando nesse baixio, Zeus aprenderá, então, o quanto é diferente servir de dominar”.
Prometeu diz a Hermes:
“Por acaso não é uma infantilidade o pretenderes arrancar de mim uma revelação? Não há tormentos, nem artifícios que me forcem a elucidar esse mistério a Zeus enquanto não forem rompidas as correntes que me prendem! Assim tenho dito! Agora, quando os cintilantes coriscos caem com estrondo, e os fogos subterrâneos se confundem com a neve que branqueia as alturas, revolucionando a natureza, nada me fará ceder, e eu não revelarei o nome daquele que o há-de derrubar do trono”.
Prometeu rebate o Coro:
“Eu já sabia de tudo, tudo o que ele acaba de me anunciar!... Que um inimigo sofra todo o mal que lhe pode fazer o outro, nada mais natural. Pois que caiam sobre mim os raios fulminantes; que os ventos furiosos inflamem os céus; que a tempestade, agitando a terra em seus fundamentos, abale o mundo; que flagelos sem exemplo confundam as vagas do oceano com as estrelas da abóbada celeste; que Zeus, usando seu invencível poder, precipite meu corpo nos abismos do Tártaro; faça ele o que fizer!... Eu hei de viver!”.
Prometeu:
“Com efeito, não foi uma ameaça, apenas: a terra põe-se a tremer... O soturno ronco já se faz ouvir... Turbilhões de poeira se erguem... Todos os furacões desencadeados parece que estão contra mim! Contra mim é que Zeus desfecha tão horrendo cataclismo.
Ó minha augusta mãe: ó tu, divino éter que cercais o universo de luz eterna... Vêde que injustos tormentos me fazem sofrer!”.
(Fragmentos da peça “Prometeu acorrentado”, de Ésquilo, contidos no livro “Teatro Grego”, Clássicos Jackson, volume XXII, 1957, com tradução de J. B. Mello e Souza).
***
Nota: Tomei a liberdade de trocar os nomes romanos pelos gregos, como convém à nacionalidade da obra.
rodrigosantina
Artigo da autoria de Rodrigo Della Santina.
Poeta, cronista e contista formado em Letras pela UNIMESP. Tem dois livros de poesia publicados sob os títulos “Intertrigem” e “O Limiar do Surto”..
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Leia mais: http://lounge.obviousmag.org/o_limiar_da_lucidez/2012/05/a-furia-de-prometeu.html#ixzz1utHFqwRi
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