quinta-feira, 10 de maio de 2012

Poesia

Sentimento do tempo Os sapatos envelheceram depois de usados Mas fui por mim mesmo aos mesmos descampados E as borboletas pousavam nos dedos de meus pés. As coisas estavam mortas, muito mortas, Mas a vida tem outras portas, muitas portas. Na terra, três ossos repousavam Mas há imagens que não podia explicar: me ultrapassavam. As lágrimas correndo podiam incomodar Mas ninguém sabe dizer por que deve passar Como um afogado entre as correntes do mar. Ninguém sabe dizer por que o eco embrulha a voz Quando somos crianças e ele corre atrás de nós. Fizeram muitas vezes minha fotografia Mas meus pais não souberam impedir Que o sorriso se mudasse em zombaria Sempre foi assim: vejo um quarto escuro Onde só existe a cal de um muro. Costumo ver nos guindastes do porto O esqueleto funesto de outro mundo morto Mas não sei ver coisas mais simples como a água. Fugi e encontrei a cruz do assassinado Mas quando voltei, como se não houvesse voltado, Comecei a ler um livro e nunca mais tive descanso. Meus pássaros caíam sem sentidos. No olhar do gato passavam muitas horas Mas não entendia o tempo àquele tempo como agora. Não sabia que o tempo cava na face Um caminho escuro, onde a formiga passe Lutando com a folha. O tempo é meu disfarce. Paulo Mendes Campos (1922-1991) (Poemblog)

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