quinta-feira, 31 de maio de 2012

Pensamentando II

Rui Martins: Jovem nua se refugia na Suécia Por Rui Martins(*) Berna (Suiça) – Vocês se lembram da jovem egípcia que, em plena primavera árabe no Egito, tirou a roupa e ficou nua em nome da liberdade ? (coluna 13 de dezembro) « Eu reivindico minha liberdade sexual, o direito de não me casar, meu ateismo. As mulheres devem poder viver sua vida como bem entendem », dizia ela. Era dezembro, e a primavera árabe, seguindo o calendário, estava virando inverno, pois a revolta juvenil estava mudando de dono. Os jovens com sua revolta, iniciada na praça Tahir, tinham derrubado Mubárak, mas não eram eles quem iam decidir o futuro. A praça foi pouco a pouco tomada por outros jovens, barbudos, partidários de outro tipo de revolução – queriam o retorno aos princípios religiosos do Profeta e que se voltasse a aplicar como lei, no Egito, a chariá. Aliaa Magda Elmahdy percebeu que sua foto de protesto nua, publicada no seu blog mas distribuída por todo mundo pela imprensa, ia lhe sair caro. Mesmo os homens jovens, que com ela protestavam na praça Tahir, não aprovavam seu gesto, mostrando que a intolerância penetra profundo e que a visão machista da mulher não se podia mudar em algumas semanas. E mesmo as próprias feministas egípcias condenavam o gesto da jovem Aliaa. « Ela nos dá vergonha, disseram. Não é mostrando o sexo e os seios que vai avançar a causa feminina ». Em síntese, mesmo para os revolucionários e para as feministas Aliaa era uma pessoa incômoda. Não faltava muito para deixarem os islamitas aplicarem a pena devida a esse tipo de comportamente – a morte a pedradas ou lapidação. Aliaa se eclipsou e se escondeu no apartamento de seu namorado, na periferia do Cairo. Mas mesmo ali, sua maneira livre de ser, vivendo com alguém sem ter se casado como manda o Corão, já começavam a lhe causar problemas. Felizmente, um grupo de mulheres suecas convidou Aliaa para participar de uma manifestação, em Estocolmo, dentro da Jornada Internacional da Mulher, no mês de março. Era a única chance de escapar de um processo, tão logo algum praticamente islamita localizasse a jovem nua das fotos. E hoje Aliaa – segundo reportagem exclusiva publicada pela revista semanal suíça L´Hebdo – vive numa pequena cidade sueca, mas ainda traumatizada e temendo ser assassinada na própria Suécia, onde vive uma enorme comunidade islamita fundamentalista. Nesse meio tempo, houve o primeiro turno das eleições presidenciais no Egito pós-primavera árabe. Dois candidatos se qualificaram para o segundo turno – o representante dos Irmãos Muçulmanos que, embora prometa ser moderado, irá instaurar a lei corânica da chariá; e um sobrevivente do regime de Mubárak. Nas duas hipóteses, a primavera árabe foi usurpada e seus participantes não terão parte na recontrução do Egito. E o mais provável é o Egito sair do regime laico para se tornar mais uma república teocrática islamita. As grandes perdedoras serão as mulheres que voltarão a ser propriedade de seus pais e maridos, obrigadas a usar o véu, cobrindo a cabeça e parte do rosto ou, no caso, de ascenção dos fundamentalistas, será a burca, a touca que cobre toda a cabeça, deixando apenas os orifícios para os olhos e a respiração. O panarabismo, laico e mesmo socialista, está longe. A união dos árabes vem sendo feita pelos religiosos do islamismo integrista que exigem o retorno às regras literais do Corão, um rígido código moral que, repetindo a Idade Média cristã, também enquadra, limita e dita suas leis à ciência. Tudo começou quando Bush destruiu o Iraque laico, cujo ditador Sadam Hussein servia de muralha ao avanço do islamismo. A queda de outro ditador, Kadafi, na Líbia, rompeu a muralha erguida no Magreb. Duas guerras dignas de aprendizes de feiticeiros que abriram a Caixa de Pandora. Difícil agora de prever o futuro. *Rui Martins é jornalista e colabora com o “Quem tem medo da democracia?“, onde mantém a coluna “Estado do Emigrante“. (QTMD)

Pensamentando

O amor finito e o começo brando das escolhas dignas. Posted: 28 May 2012 02:49 AM PDT Como se gosta tanto de alguém - quando o sol do amor recente queimava pra valer o que era menor e fraco - e hoje, quando o outro está decidido do novo amor, simplesmente não se sente mais nada? Como é possível superar tanta dor em tão pouco tempo sem o estranhamento de ter que construir uma defesa intransponível que nos exclui de todas as outras possibilidades de nos fazer feliz em outros momentos? A luz negra, que tornava tudo assombroso, branco e afetado, disfarçava a natureza dos homens que se entregavam ao desejo de ser outro, de ter outra coisa além de si, de possuir o controle da vida e da noite, de superar apegos fracassados que se calaram e engoliram a beleza de ter nas mãos dignidade e amor próprio. O ex-atual do outro fazia da noite sua perseguição deprimente em minha direção, procurando meus olhos, minhas escolhas, talvez buscando entender por quê eu: ele é tão torto, de altura fingida, tão fácil, dispensável, de cabelos amargos, olhos obtusos, uma oleosidade alvoroçada que parece fulgor de mentira. E esqueceu-se de viver o respeito por si e por seu velho novo amor. Se ele soubesse que meu desejo nem morava mais ali naqueles olhos invertidos, nem naquele local. Foi libertador observar de longe aquela procura perturbadora e o desespero insaciável dos quais eu me livrei, e que agora impregnavam os movimentos e o tamanho daquele outro homem. Cada vez menor, talvez ele tentasse justificar o início da nova velha relação, o recomeço seu de cada dia, a reconquista que não vai ser diferente, a luz oscilante em curto-circuito no final de um percurso sombrio que o outro faz questão de simular. Também já havia andado como o outro. Passos curtos, tentando esconder a desmesura; também esperei que nossas mãos se encontrassem apaixonadas, que o frio não passasse de engano, que os cuidados chegassem repentinos, que os olhos e a boca falassem a mesma língua, que ele entendesse que minhas palavras não esmagavam sua sensibilidade calculada, que não tentasse mastigar mistérios que não existiam no meu corpo, na minha vida, na minha busca. [Alterado pelas forças que só a compaixão recém descoberta é capaz de promover, com os cuidados de nublar quaisquer gestos idiotas ou que beirem a uma busca não resolvida, encarei o ex-atual para que ele se contaminasse com a audácia insolente que produzíamos, e que o tempo em suspensão nos tocasse, e ele buscasse uma resposta, ou tirasse suas conclusões de maneira mágica e como melhor lhe conviesse: EU NÃO PRECISO VIVER ALGO QUE TORNA DEGRADANTE O SIMPLES ATO DE BEM QUERER. Ele estava apaixonado outra vez pela incerteza que o tornava tolo.] E meu amor não aconteceu outra vez, como algumas pessoas esperavam. Esperei meu coração dizer Sim Sim Sim, e eu correria para a declaração ao infinito de que o amor não acaba assim, não se entrega tão facilmente, resiste bravamente, recupera-se das torrentes das ofensas e da vaidade. Mas não. Meu coração ficou rindo, gargalhando, agradecido pela liberdade que acabara de descobrir. Eu pedi Vamos, Coração, o que você sente? Quanto você ainda suporta? A resposta veio num voo silencioso de compaixão e respeito, e eu entendi que a superação veio limpa, inteira, minha maré alta, meu pôr do sol sem medidas, minhas roseiras sem espinhos, o toque e o acalento, amar-me, o despropósito da raiva que me transformava na possibilidade de amar mais e outros e cada vez mais quem tivesse consistência em suas escolhas, que não fizesse da vida o apocalipse a cada tristeza ou desentendimento. Estava faltando algo. Não eram os olhos luminosos de antes, que combatiam minha solidão, cheios de amor recíproco que eu esperava; aqueles que encontrei no início. Eu nunca havia desistido de alguém como daquela vez. Os toques não tinham mais energia, abandonavam a singularidade da sua diferença antes mesmo do suor sinalizar a ansiedade de estar em outro corpo. A alegria em escalas de cinza. Eu ensaiava minhas preferências, chamava-o de meu amor apenas com a memória, sem entender o que isso significava. Tentava recordar o começo, intensificar as necessidades, forçar o corpo, todas as células, a queimar de espontânea paixão. Como no início. Mas não se ressuscita um amor assim, estalando os dedos, tragando insegurança. E nada aconteceu. Meu coração sem amarras ou com insípida raiva saltou para as vontades seguintes. Superado. [Aquela vontade insuficiente de me querer inteiramente (de aceitar minhas cobranças motivadas pelos resquícios de amor passado) foi condescendente com o término da relação em desgaste que se anunciava desde então. Nossa maneira saudável de se articular ardia a cada movimento: se eu dizia querer a proximidade para que os detalhes do amor se tornassem uma existência particular e suficiente era entendido que o que era por mim oferecido se tornaria algo monstruoso dali a alguns dias quando os abismos de ausência começassem a engolir o desejo de satisfazer sua vingança envaidecida. Tudo era grande e pesado. Como se meu amor fosse leviano.] Recaídas são erros repetidos às vezes. E eu estava livre e inteiro. Feliz e satisfeito. Colorido, sem entre linhas, desarmado. Pela primeira escolha certa, por não ter acreditado desde o primeiro beijo com gosto de eternidade que não combinávamos tanto, que eu era o amor, e do outro lado ele era a busca. Pela aposta no outro amor futuro que sempre está para chegar. Nada mais. O passado é cheio de infernos. Fiquei recheado de medo. Frio. Um vento seco dizendo que a vida é mesmo cheia de gente estranha que não sabe o que quer. Não sei ao certo o porquê do medo (de não estar me reconhecendo por ter esquecido tão rápido algo que era pra ter sido importante?), mas é como se eu tivesse temperado uma história que tendia ao fracasso desde a primeira entrega. Como se eu fosse desses homens dissimulados, estreitos, que correm riscos sem acreditar nos próprios abismos. Como se tudo tivesse sido pouco e, comportando na palma da mão, pudesse ser desperdiçado ou jogado fora. Como se azul fosse palidez arrependida. Como se fosse um desdenhar alternativo das coisas que não faziam sentido, das nossas diferenças, dos erros, das desculpas, dos enganos. Em todos os cantos que eu me instalava a atenção do ex-atual do outro estavam lá. Não entendia também. Uma fiscalização da própria insegurança, e não do amor que nascia pra eles. Não, o amor não acaba. As nossas pessoas preferidas é que mudam, somem, fingem, fogem, são esquecidas, superadas, outras aparecem. Mas o amor não acaba dentro da gente, algumas pessoas é que morrem e se afogam nos defeitos que são revelados a cada ex namorado que sangra, a cada amigo que reconhece a idiotice arrogante de quem não saber o que quer, de quem não sabe o que é, de quem aumenta os precipícios do dia a dia com suas lágrimas de arrependimento, testemunhando calado o fim de suas possibilidades, pois de dez entre dez dos conhecidos que fingem compreensão suportam por piedade suas descompensações exageradas e mesquinhas. E não existia mais a falta de antes, porque, quando mesmo de mãos coladas há uma ausência, o amor torna-se uma limitação e quando sentimentos extraordinários são cercados com limites, então o fim é o próximo gosto. [Não era uma guerra, o nazismo, um muro, ou o fim do amor. Era só algo bom que não deu certo, que foi respeitado, entendido, e esquecido. Não houve armas, nem bombas. Só um fim, e o recomeço de uma vida] E descubro que o amanhã é nosso melhor amor necessário. Meu coração, hoje, sopra uma brisa fina, branda, em fim de tarde. Manso. Apaziguado. Observa o começo de tudo que ainda é realmente importante. E agora eu não estou só. Estou comigo. (O Pensador Selvagem)

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Allende

Comissão da Verdade deve investigar participação de brasileiros no golpe do Chile Fontes brasileiras e chilenas indicam que o papel do Brasil em 11 de setembro de 1973 foi crucial A participação de civis e militares brasileiros no golpe militar contra o presidente chileno Salvador Allende, em setembro de 1973, pode ser uma das revelações inesperadas da recém instaurada Comissão da Verdade no Brasil. O envio de 100 milhões de dólares por empresários brasileiros para financiar o golpe no Chile, as reuniões de militares golpistas na Embaixada do Brasil em Santiago e a "exportação" do know how em técnicas de sequestro e torturas cometidas durante a chamada "Operação Condor" fazem parte de uma lista mencionada por ex-membros do governo Allende, historiadores e escritores do Chile e do Brasil ouvidos pelo Opera Mundi num conjunto de entrevistas inéditas realizadas entre outubro de 2011 e maio de 2012. Leia mais: Comissões da Verdade não servem ao passado, mas ao presente contínuo, diz Nobel da Paz Wikicommons Allende entrega documento sobre nacionalização do cobre, em 1971. Golpe contra presidente teve participação brasileira "A Comissão da Verdade do Brasil pode ter um impacto não somente no Chile, mas em todos os países do Cone Sul que participaram do Plano Condor", disse a jornalista e escritora chilena Mónica Gonzalez, autora do livro La Conjura - Os Mil e Um Dias do Golpe, obra que fala não somente do golpe liderado pelo general Augusto Pinochet, mas também dos efeitos nefastos da ditadura que durou 17 anos e deixou 2.279 mortos e 1.102 desaparecidos no Chile, de acordo com a Comissão de Verdade e Reconciliação local. "O Brasil, de acordo com todas as investigações sérias que foram feitas até agora, desempenhou um papel central na gestação dos golpes militares na região, como uma via de financiamento externo para a desestabilização e, em seguida, para o treinamento dos serviços secretos dos países do Plano Condor, em solo brasileiro", acrescentou Mónica, em referência à articulação que envolveu militares brasileiro, argentinos e chilenos na perseguição a militantes de esquerda no Cone Sul durante os anos 1970. "Empresários brasileiros arrecadaram fundos para financiar os golpistas no Chile. Aliás, o único brasileiro presente na noite em que a Junta Militar chilena prestou juramento, no dia 11 de setembro (dia do golpe), foi o então embaixador do Brasil no Chile (Antônio Castro da Câmara Neto), em cuja residência foram feitas as reuniões-chave para que Pinochet se juntasse ao golpe", disse a jornalista e escritora. A tese é corroborada por atores relevantes da história, como um dos assessores diretos de Allende, o atual diretor do PNUD (Programa da ONU para o Desenvolvimento), Heraldo Muñoz: "O golpe no Chile foi planejado em reuniões secretas em diversos lugares, incluindo a Embaixada do Brasil em Santiago. O representante da ditadura brasileira da época, o embaixador Antônio Castro da Câmara Neto, foi um ativo promotor do golpe e um protagonista do apoio à ditadura chilena." Ele também é direto e claro ao falar da participação de civis brasileiros nas articulações para derrubar Allende, então o primeiro presidente socialista eleito democraticamente no mundo. "Empresários de São Paulo financiaram o grupo de ultra-direita Patria y Libertad que perpetrou atividades terroristas para desestabilizar o governo Allende. Torturadores brasileiros vieram ao Chile após o golpe para ensinar técnicas de tortura, interrogar e levar de volta ao Brasil ativistas brasileiros exilados no Chile", disse de Washington, por email, Munõz ao Opera Mundi, numa entrevista ainda inédita feita em setembro do ano passado. Muñoz, que em agosto de 2010 lançou no Brasil um livro sobre o assunto, A Sombra do Ditador - Memórias Políticas do Chile sob Pinochet (Zahar, 394 páginas, R$ 59), é ainda mais preciso ao falar da participação do Itamaraty no caso: "O embaixador Câmara Neto, do Brasil, apareceu junto aos militares chilenos durante seu primeiro ato público, entregou o primero reconhecimento diplomático à Junta militar chilena e participou ativamente na procura de empréstimos financeiros do Brasil ao Chile, incluindo um crédito de emergência de 100 milhões de dólares. A conexão brasileira no nosso 11 de setembro é muito clara", assegura Muñoz. Historiadores brasileiros como Luiz Alberto de Vianna Moniz Bandeira, autor do livro Fórmula para o Caos - uma das mais importantes obras sobre a ação de atores estrangeiros no golpe no Chile, especialmente sobre o papel da Casa Branca e do Departamento de Estado norte-mericano na queda de Allende - também é enfático ao falar sobre o papel do Brasil. O Opera Mundi trocou 11 mensagens de email com Moniz Bandeira entre outubro e novembro de 2010, mas o historiador desautorizou a publicação do conteúdo das mensagens. Wikicommons Pinochet desfila pelo oitavo aniversário do golpe, em 1982. Conexão brasileira no 11 de setembro é clara, diz historiador Moniz Bandeira Nelas, o professor, que hoje vive na Alemanha e é conhecido como um autor cada vez mais recluso, insiste que todas as informações relevantes sobre o papel do Brasil nas ditaduras da região já estão publicadas em livro, mas não reluta em comentar aspectos particulares. Ele considera que os brasileiros estavam prontos para assumir um papel militar ativo caso o golpe tivesse provocado uma divisão e uma guerra civil no Chile, em setembro de 1973. Longe de ser um radical apaixonado, Moniz foi ao longo de muitos anos um dos intelectuais estudados pelos militares na Escola Superior de Guerra. Seus livros fazem parte de bibliografia do curso e suas palestras, concorridas entre oficiais. Tudo isso, apesar de Moniz Bandeira ter sido preso pela Marinha do Brasil durante a ditadura. Conexão no Itamaraty O apoio de Câmara Neto às articulações do golpe chileno estão longe de ser um fato isolado, de simpatia pessoal por Pinochet. A estratégia de apoiar a Junta Militar chilena estava ligada diretamente ao chamado Ciex (Centro de Informações do Exterior), uma espécie de ninho de arapongas criado dentro do Itamaraty para perseguir militantes comunistas no Cone Sul entre 1966 e 1985. A concepção e o funcionamento do grupo estava a cargo do embaixador brasileiro Manoel Pio Corrêa, formado na Escola Superior de Guerra. Wikicommons Ao tentar conversar com Pio Corrêa (FOTO À ESQUERDA) no ano passado, Opera Mundi foi advertido sobre a condição sensível de saúde do embaixador, que já estaria, de acordo com a esposa, surdo, com 93 anos. O fato revela o quanto deve ser mais difícil a cada dia para a Comissão da Verdade brasileira recolher relatos pessoais de testemunhas-chave sobre os bastidores da ditadura, muitos deles com mais de 80 anos. Entre os crimes cometidos por Pio Corrêa - alguns deles admitidos pelo embaixador numa auto biografia e numa entrevista publicada pelo jornalista Cláudio Dantas Sequeira, no jornal Correio Braziliense - está a perseguição aos que ele chamava de "pederastas, bêbados e vagabundos" que trabalhavam como diplomatas no Itamaraty. Pio Corrêa era conhecido como "troglodita reacionário" pelos exilados brasileiros. As conexões entre ditaduras sul-americanas não estiveram restritas apenas à região. A chilena Mónica cita por exemplo o trabalho da premiada jornalista francesa Marie-Monique Robin, que investigou a ação de grupos de extermínios franceses no Chile e na Argentina no documentário Esquadrão da Morte: A Escola Francesa. Mónica cita o trabalho de Marie-Monique para lembrar que "o general francês Paul Aussaresses, principal torturador da guerra de independência da Argélia (1954-1962), instalou no Brasil nos anos 1970 uma escola para treinamento de torturadores do Brasil, Chile, Argentina, Uruguai e Paraguai, com recursos financeiros da CIA (Agência de Inteligência dos EUA). Por esse lugar, desfilaram os principais assassinos de nossos países. Sobre os dinheiros que financiaram esses golpes e sobre a repressão na região não se falou quase nada. O Brasil tem as chaves para abrir as gavetas mais fundas." (Opera mundi)

terça-feira, 29 de maio de 2012

Deuses

Os deuses devem estar moucos em Recortes por Sofia Pires Lopes em 15 de mai de 2012 às 20:27 BIIIIIP. “Alô, Deus? Daqui é a Sofia. Não atendes...? OK, já percebi que não estás por aí. Sabes como odeio deixar mensagem... Oh, que tolice, claro que sabes. Queria pedir-te uma coisinha rápida. Podes ligar-me quando ouvires isto? Fico à espera. Até já!”. Como em todas as situações de discórdia ou de contenda, o melhor é recorrer ao manda-chuva para resolver o caso e devolver a paz aos comuns mortais. O mesmo se deveria passar em relação à religião, qualquer que ela seja, o que quer que professe. Pense bem: não há algo que deseja mais do que quer, que lhe faz falta, que o faria feliz? Se já descortinou o que pediria, é bem provável que já tenha enviado um pensamento ou outro ao “superior” à procura de uma ajuda celeste. Mas, com tantos criadores do universo, de qual será a paternidade cósmica? Tem a certeza de que está a direccionar os pedidos à entidade certa? Mitologia chinesa | De onde és tu, Pan Gu? Pan Gu é o nome do deus criador na mitologia chinesa. Diz-se que, no princípio, o universo se assemelhava a um ovo. Dentro dele nada de gema ou clara, mas caos e escuridão. Acabou por nascer dentro do ovo um gigante, Pan Gu de seu nome, que dormiu por 18 mil anos. Ora, ao acordar nada viu e, como não se podia mexer em tão pequeno espaço, tanto se mexeu que acabou por partir a casa-mãe e ficar com o dorso e cabeça de fora. As substâncias dividiram-se: a casca leve subiu – criou os céus –, as mais escuras e densas desceram – criaram a terra. Pan Gu ficou literalmente entalado entre céu e terra. Decidiu ficar imóvel por outros 18 mil anos até que a separação fosse definitiva. Entretanto cada dia ficava mais e mais alto, e o céu e a terra cada vez mais afastados. A dada altura ficou grande demais para o universo e, exausto, caiu e adormeceu para nunca mais acordar. Ao morrer, o seu corpo tornou-se a natureza: a cabeça, dorso e membros formam as montanhas; o olho esquerdo o sol, o direito a lua; o cabelo todas as estrelas; o último suspiro o vento, nevoeiro e nuvens; os dentes e ossos são os minerais e pedras preciosas e a sua alma formou um homem. Seria Adão? Nunca saberemos. mito_pan_gu.jpg Religião cristã | Universo em 7 dias A Bíblia do Cristianismo simplifica-nos a vida ao explicar no Génesis como tudo começou: em 6 dias Deus criou o universo e ao sétimo descansou. No princípio era o verbo e dele tudo foi criado: cria a luz, o firmamento, separa a água da terra, o dia da noite, cria animais aquáticos e aves e, por fim, o Homem. Foi um trabalho árduo, mas alguém teve de o fazer. jan.jpg Filosofia budista | E para os budistas, não vai nada, nada, nada...? Ao que parece, não. Para os budistas, o mundo existe, apenas, sem começo e sem fim. Não há Ser criador nem salvador, sendo uma religião ateísta, pelo menos na forma clássica do budismo. Siddhartha Guatama é o fundador: atingiu a iluminação (o nirvana) e tornou-se buda, o iluminado, mas não passa de um homem normal que ajuda outros a encontrarem o caminho. Assim sendo, não faz sentido falar num criador, já que cada homem é fruto da sua própria criação. budismo.jpg O que têm em comum estas versões da criação do universo? Nada. É uma questão de fé, isto de nos agarrarmos aos santinhos em horas de aperto. Não há hierarquias nem forma de desempatarmos crenças. Mesmo quando a esperança, que diz-se ser a última a morrer, morre efectivamente, ou pelo menos coxeia, aquele sentimento que nos acompanha e impele, a centelha que não conseguimos nomear só pode ser a boa e velha fé. Podemos nem saber dizer em quem ou se acreditamos, mas nela reside algo que nos transcende e que faz de todos nós pequenos criadores. | A M.T. sofialopes Artigo da autoria de Sofia Pires Lopes. Se tivesse um cêntimo por cada ideia, como levaria todas as moedas para o banco? Com sorte, algumas serão boas e é a essas que peço boleia. Saiba como fazer parte da obvious. Leia mais: http://lounge.obviousmag.org/a_boleia_da_ideia/2012/05/os-deuses-devem-estar-moucos.html#ixzz1uz1OzVOR

Torturas

Entrevista da Dilma sob a tortura em 2003 a Ditabranda Folha de São Paulo Posted: 14 May 2012 11:19 AM PDT Abaixo, leia a entrevista publicada pela Folha de S. Paulo, no 21 de junho de 2005, concedida em 2003 ao jornalista Luiz Maklouf Carvalho. Que lembranças a sra. guardou dos tempos de cadeia? Dilma Rousseff – A prisão é uma coisa em que a gente se encontra com os limites da gente. É isso que às vezes é muito duro. Nos depoimentos, a gente mentia feito doido. Mentia muito, mas muito. Em um dos seus depoimentos da fase judicial, a sra. denunciou que o capitão Maurício foi ameaçá-la de tortura por estar indignado com as propositais contradições de seus depoimentos. Dilma – Voltei várias vezes para a Oban, a Operação Bandeirante. Descobriam que uma história não fechava com a outra, e aí voltava. Mas aí eu já era preso velho. Preso velho é um bicho muito difícil de pegar na curva. Preso novo, você não sabe o tamanho da dor. Como era essa história de mentir diante da tortura? Dilma – A gente tinha que fazer uma moldura e só se lembrar da moldura, da história que se inventava, e não saía disso. Tinha que ter uma história. Na relação do torturador com o torturado a única coisa que não pode acontecer é você falar “não falo”. Se você falar “não falo”, dali a cinco minutos você pode ser obrigado a falar, porque eles sabem que você tem algo a dizer. Se você falar “não falo”, você diz pra eles o seguinte: “Eu sei o que você quer saber e não te direi”. Aí você entrega a arma pra ele te torturar e te perguntar. Sua história não pode ser “não falo”. Tem que ser uma história e dali para a frente você não sabe mais nada, não pode saber. Pergunta – É um jogo difícil. Dilma – É uma arte. A dificuldade é convencê-lo de que você não sabe mais do que aquela moldura. Não é um jogo só de resistência física, é de resistência psíquica. Até porque uma das coisas que você descobre é que você está sozinho. Quais são as cenas que estão vindo na sua cabeça, agora? Dilma – Eu lembro de chegar na Operação Bandeirante, presa, no início de 70. Era aquele negócio meio terreno baldio, não tinha nem muro, direito. Eu entrei no pátio da Operação Bandeirante e começaram a gritar “mata!”, “tira a roupa”, “terrorista”, “filha da puta”, “deve ter matado gente”. E lembro também perfeitamente que me botaram numa cela. Muito estranho. Uma porção de mulheres. Tinha uma menina grávida que perguntou meu nome. Eu dei meu nome verdadeiro. Ela disse: “Xi, você está ferrada”. Foi o meu primeiro contato com o esperar. A pior coisa que tem na tortura é esperar, esperar para apanhar. Eu senti ali que a barra era pesada. E foi. Também estou lembrando muito bem do chão do banheiro, do azulejo branco. Porque vai formando crosta de sangue, sujeira, você fica com um cheiro… Por onde a tortura começou? Dilma – Palmatória. Levei muita palmatória. Quem batia? Dilma – O capitão Maurício sempre aparecia. Ele não era interrogador, era da equipe de busca. Dos que dirigiam, o primeiro era o Homero, o segundo era o Albernaz. O terceiro eu não me lembro o nome. Era um baixinho. Quem comandava era o major Waldir [Coelho], que a gente chamava de major Lingüinha, porque ele falava assim [com língua presa]. Quem torturava? Dilma – O Albernaz e o substituto dele, que se chamava Tomás. Eu não sei se é nome de guerra. Quem mandava era o Albernaz, quem interrogava era o Albernaz. O Albernaz batia e dava soco. Ele dava muito soco nas pessoas. Ele começava a te interrogar. Se não gostasse das respostas, ele te dava soco. Depois da palmatória, eu fui pro pau-de-arara. Dá pra relembrar? Dilma – Mandaram eu tirar a roupa. Eu não tirei, porque a primeira reação é não tirar, pô. Eles me arrancaram a parte de cima e me botaram com o resto no pau-de-arara. Aí começou a prender a circulação. Um outro xingou não sei quem, aí me tiraram a roupa toda. Daí depois me botaram outra vez. Com choques nas partes genitais, como acontecia? Dilma – Não. Isso não fizeram. Mas fizeram choque, muito choque, mas muito choque. Eu lembro, nos primeiros dias, que eu tinha uma exaustão física, que eu queria desmaiar, não agüentava mais tanto choque. Eu comecei a ter hemorragia. Onde eram esses choques? Dilma – Em tudo quanto é lugar. Nos pés, nas mãos, na parte interna das coxas, nas orelhas. Na cabeça, é um horror. No bico do seio. Botavam uma coisa assim, no bico do seio, era uma coisa que prendia, segurava. Aí cansavam de fazer isso, porque tinha que ter um envoltório, pra enrolar, e largava. Aí você se urina, você se caga todo, você… Quanto tempo durava uma sessão dessas? Dilma – Nos primeiros dias, muito tempo. A gente perde a noção. Você não sabe quanto tempo, nem que tempo que é. Sabe por quê? Porque pára, e quando pára não melhora, porque ele fala o seguinte: “Agora você pensa um pouco”. Parava, me retiravam e me jogavam nesse lugar do ladrilho, que era um banheiro, no primeiro andar do DOI-Codi. Com sangue, com tudo. Te largam. Depois, você treme muito, você tem muito frio. Você está nu, né? É muito frio. Aí voltava. Nesse dia foi muito tempo. Teve uma hora que eu estava em posição fetal. Dá pra pensar em resistir, em não falar? Dilma – A forma de resistir era dizer comigo mesmo: “Daqui a pouco eu vou contar tudo o que eu sei”. Falava pra mim mesmo. Aí passava um pouquinho. E mais um pouco. E aí você vai indo. Você não pode imaginar que vai durar uma hora, duas. Só pode pensar no daqui a pouco. Não pode pensar na dor. A sra. agüentou? Dilma – Eu agüentei. Não disse nem onde eu morava. Não disse quem era o Max [codinome de Carlos Franklin Paixão de Araújo, então seu marido]. Não entreguei o Breno [Carlos Alberto Bueno de Freitas], porque tinha muita dó. Vou dizer uma coisa que uma tupamara, presa com a gente, disse pra mim. A tupamara ficou até com lesão cerebral. Ela disse: “Sabe por que eu não disse, naquele dia, quem era quem? Porque eu era mulher do fulano de tal e queria provar que o uruguaio é tão bom quanto o brasileiro”. Qual é o significado da frase? Dilma – Que as razões que levam a gente a não falar são as mais variadas possíveis. Quais foram as suas? Dilma – Tinha um menino da ALN que chamava “Mister X”. Eu o vi completamente destruído. Não sei o que foi feito dele. Nunca vou esquecer o quadro em que ele estava. Primeiro, eu não queria que meus companheiros estivessem numa situação daquelas. Segundo, eu tinha medo que algum deles morresse. Terceiro, porque teve um dia que eu tive uma hemorragia muito grande, foi o dia em que eu estive pior. Hemorragia, mesmo, que nem menstruação. Eles tiveram que me levar para o Hospital Central do Exército. Encontrei uma menina da ALN. Ela disse: “Pula um pouco no quarto para a hemorragia não parar e você não ter que voltar”. Palmatória, pau-de-arara, choque. O que mais? Dilma – Não comer. O frio. A noite. Eles te botam na sala e falam: “Daqui a duas horas eu volto pra te interrogar”. Ficar esperando a tortura. Tem um nível de dor em que você apaga, em que você não agüenta mais. A dor tem que ser infligida com o controle deles. Ele tem que demonstrar que tem o poder de controlar tua dor. E o torturado? Dilma – O jogo é jamais revelar pra ele o que você acha. Ele não pode saber o que você pensa e ele nunca pode achar que você só fala depois de apanhar. Jamais. É melhor você não deixar ele perceber que te tira informação por tortura. Tem que ter uma história. O ruim é quando a sua história rui, por qualquer motivo. Ele acha que você mentiu. Se ele achar que você mentiu, você está roubada. Ele descobriu qual é o jogo. Quando você volta, e é por isso que voltar é ruim, ele diz: “Você mentiu, pô, o negócio é que você mente”. A sua história caiu? Dilma – Uma vez caiu tudo, mas aí era tarde demais. Caiu tudinho da Silva. Porque eu dizia que o meu marido tinha seqüestrado o avião e que, se eu não tinha saído com ele, é que eu era uma pessoa que não sabia de nada, que, se soubesse, teria ido junto. Aí eles descobrem que eu era da direção da VAR, e que portanto era impossível não saber do seqüestro. Tava zebrado. Aí tem que falar: “Não, eu era da direção, mas estava separada dele”. Se a sua história cai, você está roubado. O que é que ajuda, nesses momentos? Dilma – Se eu tivesse ficado sozinha na cadeia, teria muito mais problemas. Devo grande parte de ter superado, absorvido e em alguns momentos chegado até a ironizar a tortura, para agüentar, às minhas companheiras. Eu lembro do povo do [presídio] Tiradentes, que esteve comigo. De algum momento em particular? Dilma – Quando alguma de nós era chamada para o repique, que era voltar à Oban, havia um processo de contágio, de medo, e de uma identificação muito forte entre nós. Como forma de ter controle da situação, a gente dessolenizava. Então, tinha uma variante de grito de guerra. Não mostra que a gente foi heroína, coisíssima nenhuma, e não é nesse sentido. Mas foi a tentativa mais humana de dominar o indizível, que era dizer: “Fulana, não liga não, se você for torturada a gente denuncia”. E ria disso, pela ironia absoluta que é. O que é que adianta denunciar? Para torturado, o que é que adianta? Mas a gente gritava isso na hora que a pessoa estava saindo da cela, como uma forma de manter o nível de controle sob seu destino, que você não tinha. Você não sabia para onde você ia ou para onde a sua companheira ia. Que balanço a sra. faz da experiência desse período? Dilma – Não daria certo. A gente fez uma análise errada. Achamos que a ditadura estava em crise, e estava iniciando o “milagre” [econômico]. A gente não percebeu em que condições a atuava. Se a gente tivesse feito uma análise correta da realidade, se tivesse visto o que estava acontecendo… Mas a gente não percebeu, apesar da retórica, qual era o nível de endurecimento político e de repressão que eles iam desenvolver. O que dizia a retórica? Dilma – A gente achava que o negócio era uma guerra revolucionária prolongada, ou era um processo de guerrilha urbana, no momento em que o sistema estava em expansão ou ia começar uma baita expansão e o endurecimento pesado. Não se esqueça que no meio de 69 tem a Junta Militar, e daí para a frente você tem talvez o período mais pesado da ditadura, que é o período Médici. É o prende, prende, mata, mata. Numa situação dessas, nós estávamos muito isolados, talvez umas 240 pessoas. O que é que eles fizeram? Eles nos cercaram, desmantelaram, e uma parte mataram. Foi isso que eles fizeram conosco. Eles isolaram a gente e mataram. E por que se avaliou tão mal? Dilma – De uma certa forma, a gente tinha um modelo na cabeça. De todo forma, eu acho que a minha geração tem um grande mérito, que é o negócio da Var-Palmares: “Ousar Lutar, Ousar Vencer”. Esse lado de uma certa ousadia. A gente tinha uma imensa generosidade e acreditávamos que era possível fazer um Brasil mais igual. Eu tenho orgulho da minha geração, de a gente ter lutado e de ter participado de todo um sonho de construir um Brasil melhor. Acho que aprendemos muito. Fizemos muita bobagem, mas não é isso que nos caracteriza. O que nós caracteriza é ter ousado querer um país melhor. (Blog do Nassif)

Escracho

Reportagem: assim se faz um escracho By admin – 15/05/2012Posted in: Brasil, Destaques, Reportagens Rôney Rodrigues narra: como são preparadas manifestações-relâmpago em que jovens denunciam ex-torturadores onde moram, para exigir verdade sobre ditadura Por Rôney Rodrigues, colaborador de Outras Palavras Quem hoje vê o senhor Maurício Lopes Lima, 76 anos, com seus cabelos brancos e pele enrugada – já distante da altivez da foto antiga, clicada há quase quarenta anos – possivelmente não desconfia que ele é acusado pela morte de, no mínimo, seis pessoas e a tortura de outras vinte, durante a ditadura militar. Os moradores que caminham por seu bairro, na praia da Astúrias, no Guarujá, tampouco devem desconfiar que esse tenente-coronel reformado era do alto-escalão do Departamento de Operações de Informação dos Centros de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) e da Operação Bandeirante – um grupo especializado na caça de organizações que se opunham à ditadura –, chefiando equipes de busca e interrogatórios entre 1969 e 1971. Também nem deve passar por suas cabeças que uma recente decisão do Tribunal Regional Federal (TRF), que o livrou de ser processado por acusações de tortura, poderia afetar seu humor pela manhã, deixando-o mais radiante e com um “bom dia” mais efusivo, crente que, agora, “está começando a se fazer justiça”. Nem devem imaginar que, em janeiro de 1970, Maurício Lopes Lima comandou a prisão de Dilma Rousseff, torturada quando era apenas Estela, uma das lideres da organização VAR-Palmares. É, olhando para um senhorzinho como o reformado tenente-coronel Lima, passeando pelas ruas de veraneio do Guarujá não dá para supor muita coisa. Não é possível supor, mas a memória resiste e esse senhorzinho ainda é acusado de assassinatos e crimes que ferem os direitos humanos durante a ditadura militar – denuncias presentes, inclusive, no dossiê Brasil: Nunca Mais. Como no caso de Dilma. Cinco meses depois de sua prisão, ela deu um depoimento à Justiça Militar, em Juiz de Fora, revelando que Lima chefiou e presenciou suas sessões de tortura, que incluíam choques elétricos, pau-de-arara e palmatória. Segundo o depoimento, a então guerrilheira perguntou se eles tinham autorização do Poder Judiciário. “Você vai ver o que é o juiz lá na Operação Bandeirante [um dos centros de tortura]”, responderam. Dilma teve um dente quebrado e, devido a hemorragias graves, foi levada ao Hospital Central do Exército e ao Hospital das Clínicas. No sindicato, revela-se, enfim: o alvo do escracho será Maurício Lopes Lima, acusado de torturar a presidente. Até o momento da partida, o nome permanecia em sigilo O frade dominicano Tito de Alencar Lima, conhecido como Frei Tito, foi torturado pelo delegado Sérgio Fleury (1933-1979) e, depois, também levado ao DOI-CODI do tenente-coronel Lima. “O capitão Maurício veio me buscar em companhia de dois policiais: ‘Você agora vai conhecer a sucursal do inferno’, ele me disse”, relembrou, em depoimento, Frei Tito que, atormentado pelas lembranças da tortura se enforcou em 1974, na França. Virgilio Gomes da Silva, um dos fundadores (ao lado de Carlos Marighella) da Ação Libertadora Nacional (ALN), também teria sido preso e morto sob ordens de Lima. Como forma de pressioná-lo a fornecer informações, sua esposa e filhos também foram torturados e, segundo consta, até um bebê de quatro meses recebeu choques elétricos. O tenente-coronel não tem pudores em afirmar que tortura era “comum em todas as delegacias do Brasil” e que “todo terrorista passou a ser torturado, sem exceção”, muito menos em admitir participações em operações, como na ação que levou à morte dos guerrilheiros Antônio dos Três Reis de Oliveira e Alceri Maria Gomes da Silva, metralhados em maio de 1970 na zona leste de SP. Essa foi a primeira vez que um militar assumiu participação no episódio. * * * Na sede do Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente (Sintaema), de São Paulo, é relevado que o tenente-coronel Maurício Lopes Lima será o alvo do escracho. Até o momento, poucas sabiam o local e a quem se dirigiria a manifestação, promovida pelo Levante Popular da Juventude. O contato com os participantes – e até com outros estados que também organizam escrachos nesse dia 14 – eram feitos com o máximo de discrição, evitando muitas informações. Membros do Levante passam recomendações: nada de pichar muros, a manifestação é pacífica e se destina a alertar que no local vive um torturador. Caso ele desça para brigar ou bater-boca – como acontece no Belo Horizonte, quando João Bosco Nacif da Silva, médico-legista da Policia Civil durante a ditadura militar, agrediu estudantes – o lance é “manter a calma, o sangue-frio, se não fica pior para nós”. O deslocamento da capital paulistana até o Guarujá – cerca de 95 quilômetros – foi feito por carros emprestados de amigos e manifestantes, pois a entrada de ônibus é proibida no bairro da Astúrias, onde Lima vive hoje. Na porta do Sintaema, a estudante Lira Alli, ligada ao movimento, está organizando a saída, em pequenos blocos. “A sociedade deve se manifestar, para sabermos sobre o nosso passado e nossa história”, me diz ela. “Devemos tornar público quem são aqueles que torturaram e assassinaram, a opinião pública e seus vizinhos precisam saber quem são esses criminosos”. Na Argentina e Chile, manifestações eram conduzidas por quem perdeu familiares. Aqui, é gente disposta a mostrar que assuntos do passado estão relacionados com o presente Os escrachos contra colaboradores da ditadura, famosos na Argentina, no Chile e no Uruguai vão ganhando força no Brasil e aproximando a população mais jovem do tema. Se na Argentina e Chile, por exemplo, as manifestações eram conduzidas por pessoas que perderam seus familiares, por aqui é gente disposta a mostrar que os assuntos do passado estão relacionados com o presente. O Levante Popular já organizou no dia 26 de março, em São Paulo, um “escracho”, denunciando Davi dos Santos Araújo que, segundo o movimento, foi torturador e responsável por abusos sexuais, delitos que constam de ação civil pública do Ministério Público Federal. Até o início deste mês, já foram organizadas seis ações de denúncia. Na Argentina, os escrachos cumpriram seu papel e se esgotaram após alguns anos. Isso porque, a partir de 2003, a possibilidade de punição penal dos agentes do Estado a serviço do regime autoritário ganhou força com a revogação de dispositivos de anistia, levando à condenação de 237 pessoas e a quase 800 processos. Além disso, todos os ex-presidentes da Junta Militar foram sentenciados. Já no Brasil, esse caminho tem sido lento: após dois anos e meio de polêmicas e negociações, a presidenta Dilma Rousseff nomeou, na semana passada, os integrantes da Comissão Nacional da Verdade, que pretende esclarecer violações de direitos humanos ocorridas entre 1946 e 1988. Muitos ativistas que defendem a investigação dos crimes cometidos durante a ditadura apontam que, sem o poder de punir, a comissão não adiantará de muita coisa. Além disso, o longo período contemplado pela comissão impedirá uma análise aprofundada da época em que houve mais violações, de 1964 a 1985. Outros também avaliam que a comissão disporá de prazo muito curto, apenas dois anos, e terá poucos integrantes para concluir seu trabalho de forma satisfatória. * * * Em frente ao prédio de Lopes, uma senhorinha octogenária, com guarda-chuva sob o braço, espera um táxi que a levará para uma consulta de rotina no hospital. Enquanto, sob uma rala chuva, a manifestação toma a rua, ela acena. Em frente, há uma escola primária. As crianças se amontoam nas janelas, empolgadas com a algazarra. A senhora ainda espera. Quando me aproximo, ela já exclama, com um sotaque português: “Pelo amor de Deus, não quero aparecer, nem dar nome, mas eu sabia, eu sabia, moro aqui há 30 anos…”. “Sabia, então, que o senhor Maurício Lopes Lima foi um torturador na ditadura militar?” “Sabia, claro que sabia, que ele era um torturador…”, diz, já se avermelhando e levando uma das mãos aos olhos umedecidos. “Eu tenho medo que ele possa fazer mal para a gente”, justifica. Outro morador que estava por ali diz: “Eu conheço, mas nem imaginava que ele era um torturador. Mas não vou falar nada, to sabendo só agora disso…”. A manifestação segue. São cerca de 80 pessoas, empunhando cartazes e faixas. Há uma miniencenação de castigos infligidos aos presos políticos da época: espancamento, interrogatórios, pau-de-arara, cadeira de dragão, afogamento. Cantam músicas. Dançam. “Chão, chão, quem é contra a repressão!”. Vociferam contra o prédio. Escrevem na calçada: “Aqui mora um torturador”. “É histórico”, diz com entusiasmo Edmilson Costa, professor universitário e filiado ao Partido Comunista Brasileiro (PCB). “A juventude assumiu para si uma luta que estava sendo levada por familiares e torturados, o que significa que ela vai ter continuidade e que é necessário que venha à tona a verdade do que aconteceu no país”. “E por que o senhor acredita que os jovens abraçaram essa causa?”, pergunto. “Porque a juventude é muito sensível à questão da liberdade, um tema que está sempre em pauta. E aqui no Brasil temos essa ferida que ainda não foi sarada, precisamos reconstruir nossa história, denunciando os torturadores, indo nas casas mostrando para os vizinhos que esses senhores, aparentemente ‘bons velhinhos’, eram monstros no passado”, diz Costa. Também está na manifestação Amelinha Telles, que foi presa em 1972 com os filhos pequenos, o marido e a irmã pela Oban e torturada pelo coronel de reserva Carlos Alberto Brilhante Ustra e pelo “capitão Lisboa”, codinome usado pelo delegado aposentado David Araújo. “A tortura tem sido uma prática constante e esses jovens estão nas ruas mostrando que ela não está longe de nós, aliás, está perto. Essas manifestações também reiteram que é necessário mudar o caráter violento do Estado, que tortura nas delegacias e mata jovens na periferia”, diz. E continua: “As torturas, os assassinatos e o ocultamento de cadáveres na ditadura militar foram denunciados, tanto dentro quanto fora do Brasil, e nenhuma providência foi tomada. É a própria história que agora cobra o fim da impunidade”. * * * A manifestação chega ao fim em pouco mais de uma hora. Cantando, os manifestantes se dirigem a uma praçinha próxima, ponto de partida para São Paulo. Duas viaturas da Polícia Militar estacionam próximas à aglomeração. “Não posso dizer que é torturador se não foi julgado”, argumenta o PM. “Mas é justamente o que estamos pedindo: que ele seja julgado!”. “E os senhores não pediram para a polícia fazer a segurança do evento?” “Com licença, eu gostaria de falar com o líder de vocês”, pede solene um policial. “Nós não temos lideres”, afiança um dos manifestantes. “Como?”, pergunta o policial, acreditando se tratar de uma gozação. “Nós viemos aqui protestar contra um torturador, um criminoso que deveria ser preso e levado a julgamento”, explica o manifestante. “E quem é ele?” “Ela se chama Mauricio Lopes Lima”, diz, entregando um panfleto com a foto e as denúncias de tortura. “Torturou a Dilma, nossa presidenta. O senhor o conhece?”. O policial olha o panfleto, lê e relê. “Então vocês estão fazendo uma manifestação…”, tenta definir o policial. “… contra ele. Pela Comissão da Verdade e Justiça. E contra a impunidade dos torturadores”, ajuda o manifestante. “Vocês têm ofício?” “Não, como a ditadura não mandava ofício, a gente, nos protestos, também não manda; porque aí ele vai ser avisado e vai embora. É um protesto pacífico, ordeiro, para chamar a atenção da opinião pública”. “Nós não somos contra nenhuma manifestação, até porque é algo assegurado pela Constituição. Mas eu digo o seguinte: se tivesse feito um oficio…”. “Mas aí ele iria embora”. “… pedindo policiamento e tudo…”. “A manifestação é rápida, não atrapalha o trânsito, aliás, aqui nem trânsito tem, né?”. “Não tem, mas a via precisa estar livre porque o cidadão tem o direito de ir e vir”. “É lógico”. “Esse…”, o policial, novamente, tenta encontrar o melhor termo. “Torturador?”, sugere outro manifestante. “Eu não posso falar que ele é um torturador se ele não foi julgado…”. “A própria presidenta confirmou”, diz outro. “Foi julgado?”, pergunta, impaciente. “Mas é justamente o que estamos pedindo, que ele seja julgado!”. “E os senhores não pediram para a Polícia Militar fazer a segurança do evento?”. “Não, até porque não é ‘evento’, é uma manifestação. Mas teremos o apoio da Policia Militar?”. “A gente está aqui é para que se evite outro crime”. O manifestante sorri, como se, enfim, chegasse a um ponto de acordo com o policial. “Nós também”. (Outras Palavras)

segunda-feira, 28 de maio de 2012

I. Lessa

Ivan Lessa: Canção verde e amarela do Adeus Ivan Lessa em ilustração de Baptistão Ivan Lessa Colunista da BBC Brasil Atualizado em 14 de maio, 2012 - 04:48 (Brasília) 07:48 GMT Facebook Twitter Share Cá estou de novo no cais. Os aeroportos andam apinhados de gente indo ou voltando, eu ficaria exposto como um batedor de carteiras com meu lenço branco na mão cantarolando o Cinco Letras que Choram, do Silvino Neto, na pior imitação possível de Chico Viola, O Rei da Voz. Fico, pois, no cais, todo de preto feito futura viúva de pescador português em Nazaré, a me despedir. Despedir de quem? Dos brasileiros que, após estada razoavelmente frutífera em terras britânicas, conseguiram escapar das balas policiais, do rapa e das autoridades que zelam pela legitimidade dos benefícios sociais. Londres, principalmente, foi sacudida pelo estrondo do vazio deixado pelos brasileiros que retornam ao solo pátrio, muito pimpões, esperançosos como um parágrafo de Stefan Zweig, nada avexados da experiência europeia que não deu certo. Eu não enturmava nem frequentava suas bibocas multicores nos bairros que escolheram para armar suas ubíquas bandeiras, mas nunca deixei de estar presente ao guaraná legítimo e à magra fantasia de picanha com que fizerem seu nome. Deixam um legado histórico: a caipirinha. Dois, aliás, se contarmos a caipiroska, assim mesmo com K, como estava na Tendinha Brasil, no verde e amarelo bairro de Stockwell. É duro para nós que ficamos, com nossos enfisemas e cônjuges à doença semelhantes, mas a verdade está publicada em todos os meios de comunicação. Os brasileiros estão voltando para o Brasil. Parabéns, Brasil! Aguentai a parada Londres e arredores! Vai ser duro, mas assim é a vida: um dia se vem, outro se vai. Melhor coisa é não se afeiçoar muito de ninguém nem nada que pinte a cara de verde e amarelo e desfralde bandeira com frases positivistas em dias de concerto de roquiendirôl. São gente que, com sua presença alegre, desinibida, marota como um banana goal, feito eles chamam, alegram com sua presença qualquer vendinha ou limpeza de cinzeiro em restaurante argentino. Mais uma vez, embargado, ensaio o Neruda que não canso de citar, olhos marejados: amo el amor de los marineros que besan y se van, gente boa, longe de mim mas tão perto do coração. Ficarei um pouco mais sozinho do que já o sou. Adeus, adeus, adeus, Sejam felizes na terrinha que os viu partir chorosa e agora vai recebê-los como um hotel cinco estrelas recebe um governador carioca e comitiva: com bons modos, fazendo paredinha para os outros hóspedes não verem e, mais tarde, contando os talheres. Aos fatos que só os fatos não lacrimejam feito este palerma que vos digita estas mal tecladas: há perto de 50 mil brasileiros sediados no Reino Unido. Muitos atestam ser 4 vezes esse número. Pode não ser, mas é como se o fosse, tamanho o fuzuê que fazem. O Brasil ultrapassou a Grã-Bretanha em matéria de tutu dando sopa e, agora, é a sexta maior economia do mundo. Economia é ponto que não acaba mais na bizantina equação da "saudade", esse mal que nos aflige e ao que parece não tem solução a mão ser voltar e ser Classe C (ou B+ e coisa parecida, uma dessas invenções econômicas que fica bem de frente e de perfil no papel) na terra natal. A recessão pelas bandas de cá cai pelas tabelas como nossos velhos bêbados e crescerá, neste ano olímpico, apenas 0,8%, ao passo de valsa dos 3% que nos credita o FMI, aquele do DMK, o que corre atrás de arrumadeira. Que importa que o preço das coisas verde e amarelas no verde e amarelo país nosso estejam disparando? Lá, com aquele solzão, nosso futebol e mocinha bunduda depilada, isso não conta ponto. O negócio – o melhor negócio – é voltar e fazer de conta (como temos samba para todas as ocasiões!) que de lá, como Antonio Maria e Dolores Duran, nunca saímos. Vozes possantes e bramantes garantem que o Brasil é um estado de espírito. Se assim for, nunca o deixamos, apenas o espalhamos nos 4 cantos da Terra. Até os japoneses, povo danado de decidido, leio eu que estão voltando com um sorriso amarelo e desse tamanho para o Brazucão, que já foi um dia, mas nunca mais o será, Bananão. Boa viagem, boa gente! (BBC do Brasil)

Teatro

A fúria de Prometeu em Teatro por Rodrigo Della Santina em 14 de mai de 2012 às 16:47 “Se me calo, não é por orgulho, ou desprêzo; mas o furor devora minha alma quando me vejo preso a esta rocha"... prometeu.jpg Prometeu diz ao Coro: “Se me calo, não é por orgulho, ou desprêzo; mas o furor devora minha alma quando me vejo preso a esta rocha. No entanto, a quem mais, senão a mim, devem os novos deuses as honras que desfrutam? Não falemos mais nisso; seria repetir o que já sabeis. Ouvi, sòmente, quais eram os males humanos, e como, de estúpidos que eram, eu os tornei inventivos e engenhosos. Eu vo-lo direi, não para me queixar deles, mas para vos expor todos os meus benefícios. Antes de mim, eles viam, mas viam mal; e ouviam, mas não compreendiam. Tais como os fantasmas que vemos em sonhos, viviam eles, séculos a fio, confundindo tudo. Não sabendo utilizar tijolos, nem madeiras, habitavam como as providas formigas, cavernas escuras cavadas na terra. Não distinguiam a estação invernosa da época das flores, das frutas, e da ceifa. Sem raciocinar, agiam ao acaso, até o momento em que eu lhes chamei a atenção para o nascimento e ocaso dos astros. Inventei para eles a mais bela ciência, a dos números; formei o sistema do alfabeto, e fixei a memória, a mãe das ciências, a alma da vida. Fui eu o primeiro que prendi os animais sob o jugo, a fim de que, submissos à vontade dos homens, lhes servissem nos trabalhos pesados. Por mim foram os cavalos habituados ao freio, e moveram os carros para as pompas do luxo opulento. Ninguém mais, senão eu, inventou esses navios que singram os mares, veículos alados dos marinheiros. Pobre de mim! Depois de tantas invenções, em benefício dos mortais, não posso descobrir um só meio para pôr fim aos males que me torturam”. Prometeu diz novamente ao Coro: “Embora orgulhoso, Zeus será humilhado um dia... Tal o fruto do enlace que ele deseja, e que será a causa da ruína de seu trono, e de seu poderio. Realizar-se-á, então, integralmente, a maldição que contra ele lançou Cronos quando foi expulso da antiga sede de seu império. De todos os deuses, só eu poderia ensinar-lhe como evitar essa desgraça; só de mim se poderia obter essa revelação. Nesse dia, em vão ele se porá do alto das nuvens, agitando nas mãos os seus dardos inflamados: nada o salvará de uma queda ignominiosa. Eu vejo como ele próprio está criando o seu inimigo, o prodigioso atleta, difícil de vencer, que lançará fogos mais ardentes que o raio, fará rumores mais fortes que o trovão, e quebrará o tridente de Posêidon, esse flagelo marítimo que abala a terra. Naufragando nesse baixio, Zeus aprenderá, então, o quanto é diferente servir de dominar”. Prometeu diz a Hermes: “Por acaso não é uma infantilidade o pretenderes arrancar de mim uma revelação? Não há tormentos, nem artifícios que me forcem a elucidar esse mistério a Zeus enquanto não forem rompidas as correntes que me prendem! Assim tenho dito! Agora, quando os cintilantes coriscos caem com estrondo, e os fogos subterrâneos se confundem com a neve que branqueia as alturas, revolucionando a natureza, nada me fará ceder, e eu não revelarei o nome daquele que o há-de derrubar do trono”. Prometeu rebate o Coro: “Eu já sabia de tudo, tudo o que ele acaba de me anunciar!... Que um inimigo sofra todo o mal que lhe pode fazer o outro, nada mais natural. Pois que caiam sobre mim os raios fulminantes; que os ventos furiosos inflamem os céus; que a tempestade, agitando a terra em seus fundamentos, abale o mundo; que flagelos sem exemplo confundam as vagas do oceano com as estrelas da abóbada celeste; que Zeus, usando seu invencível poder, precipite meu corpo nos abismos do Tártaro; faça ele o que fizer!... Eu hei de viver!”. Prometeu: “Com efeito, não foi uma ameaça, apenas: a terra põe-se a tremer... O soturno ronco já se faz ouvir... Turbilhões de poeira se erguem... Todos os furacões desencadeados parece que estão contra mim! Contra mim é que Zeus desfecha tão horrendo cataclismo. Ó minha augusta mãe: ó tu, divino éter que cercais o universo de luz eterna... Vêde que injustos tormentos me fazem sofrer!”. (Fragmentos da peça “Prometeu acorrentado”, de Ésquilo, contidos no livro “Teatro Grego”, Clássicos Jackson, volume XXII, 1957, com tradução de J. B. Mello e Souza). *** Nota: Tomei a liberdade de trocar os nomes romanos pelos gregos, como convém à nacionalidade da obra. rodrigosantina Artigo da autoria de Rodrigo Della Santina. Poeta, cronista e contista formado em Letras pela UNIMESP. Tem dois livros de poesia publicados sob os títulos “Intertrigem” e “O Limiar do Surto”.. Saiba como fazer parte da obvious. Leia mais: http://lounge.obviousmag.org/o_limiar_da_lucidez/2012/05/a-furia-de-prometeu.html#ixzz1utHFqwRi

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Brecht

Tantas histórias, quantas perguntas. Bertolt Brecht deixa muitas interrogações para serem pensadas por todos os que ainda acreditam na Humanidade. Perguntas de um operário que lê Quem construiu Tebas, a das sete portas? Nos livros vem o nome dos reis, mas foram os reis que transportaram as pedras? Babilônia, tantas vezes destruída, quem outras tantas a reconstruiu? Em que casas da Lima Dourada moravam seus obreiros? No dia em que ficou pronta a Muralha da China para onde foram os seus pedreiros? A grande Roma está cheia de arcos de triunfo. Quem os ergueu? Sobre quem triunfaram os Césares? A tão cantada Bizâncio só tinha palácios para os seus habitantes? Até a legendária Atlântida na noite em que o mar a engoliu viu afogados gritar por seus escravos. O jovem Alexandre conquistou as Indias sozinho? César venceu os gauleses. Nem sequer tinha um cozinheiro ao seu serviço? Quando a sua armada se afundou, Felipe de Espanha chorou. E ninguém mais? Frederico II ganhou a guerra dos sete anos. Quem mais a ganhou? Em cada página uma vitória. Quem cozinhava os festins? Em cada década um grande homem. Quem pagava as despesas? Tantas histórias. Quantas perguntas. Bertolt Brecht (1898-1956)

Escracho

Escracho, um instrumento de luta Nascidos na Argentina na década de 1990 para denunciar os agentes da ditadura civil-militar responsável por um saldo de 30 mil mortos e desaparecidos no período, os escrachos criaram condenação social e abriram caminho para a abertura dos processos judiciais contra militares e civis envolvidos na repressão por Dafne Melo (Ação da Frente de Escracho Popular, no dia 7 de abril em São Paulo, denuncia o legista Harry Shibata, que assinava laudos falsos para encobrir torturas) Na manhã de 25 de março de 2006, quem passava pela Avenida Cabildo, número 639, no bairro portenho de Belgrano, via a parte externa de um prédio residencial, precisamente na altura do sexto andar, manchado de tinta vermelha, além de placas e pichações na rua. “Aqui vive um genocida”, diziam algumas das mensagens. Nesse endereço vivia Jorge Rafael Videla, um dos líderes da Junta Militar que tomou o poder por meio de um golpe de Estado em 24 de março de 1976. Quem tivesse passado no dia anterior teria visto 15 mil pessoas em uma manifestação diante da casa do repressor, na ocasião em prisão domiciliar (hoje cumpre a pena em um presídio). Tratava-se de um escracho, como ficou conhecido na Argentina e no Uruguai um determinado tipo de mobilização em que se evidencia publicamente um fato condenável em relação a uma pessoa ou lugar. As semelhanças com os atos realizados por jovens brasileiros nos meses de março e abril não são meras coincidências. No comunicado da organização Levante Popular da Juventude, que organizou seis escrachos a repressores brasileiros em seis cidades simultaneamente, no dia 26 de março, é feita referência à experiência do país vizinho e à chilena, onde esse tipo de mobilização recebe o nome de “funa”. Há consenso, porém, que o escracho nasceu na Argentina. “É uma ferramenta de luta que criamos em determinado período de nossa história”, conta Julio Avicento, da Hijos (sigla em espanhol para Filhos e Filhas pela Identidade, Justiça e contra o Esquecimento e o Silêncio, que forma a palavra “filhos”), da cidade de La Plata, organização à qual se atribui a criação do escracho. O período a que se refere Avicento é a década de 1990, quando vigoravam as chamadas “leis de impunidade”. Após o fim da ditadura civil-militar, em um contexto de denúncias feitas pelas organizações de direitos humanos, crise econômica e desmoralização em razão da derrota na Guerra das Malvinas, os integrantes das juntas militares que chefiaram o país entre 1976 e 1983 foram julgados, em 1985. O resultado foi a condenação de Videla e Emilio Eduardo Massera à prisão perpétua, e de outros três chefes da Junta a penas menores. Outros quatro foram absolvidos. Nova geração e impunidade A Argentina era então governada por Raúl Alfonsín, que depois do Julgamento às Juntas sancionou duas leis: Ponto Final e Obediência Devida. Juntas, concediam anistia a todos os outros militares e policiais com a justificativa de que haviam cumprido ordens de seus superiores. Portanto, estes já haviam sido julgados e o assunto estava encerrado. Para completar, em 1990 o então presidente Carlos Menem concedeu um indulto aos condenados, colocando em liberdade os chefes militares. Para Julio Avicento, nesse momento houve um ponto de inflexão em que essas leis passaram a ser questionadas pelas quatro gerações de lutadores: as mães, pioneiras na luta contra a impunidade; as avós, que questionavam o paradeiro de seus netos (a ditadura civil-militar argentina roubou cerca de 500 filhos de desaparecidos); a própria geração dos desaparecidos, representada pelos sobreviventes; e os filhos, que nessa época estavam entre a adolescência e a vida adulta. Em um contexto de impunidade total, no qual era impossível avançar judicialmente, a organização Hijos passou a sugerir a possibilidade de um avanço em outro tipo de condenação. “O caminho era a condenação social, já que não se podia contar com a Justiça, cúmplice do genocídio. Quanto mais a sociedade condena, mais fácil é romper a impunidade, inclusive judicialmente”, resume Agustín Cetrangolo, também militante da Hijos, na capital Buenos Aires. De fato, foi o que ocorreu no país. Em 2003, Néstor Kirchner derrubou as leis, o que permitiu o início do julgamento judicial de vários repressores. “Quase todos os processados ou julgados foram escrachados antes”, conta Cetrangolo. Julio Avicento revela que diversas organizações participavam do escracho, não apenas a Hijos. “Usávamos as chamadas ‘mesas de escrachos’, nas quais participavam distintas organizações; havia muitas tarefas para dividir e muito a aprender durante o caminho”, lembra. O militante explica que um trabalho prévio ao escracho era feito, não só de investigação para comprovar a participação do repressor, mas também com os vizinhos. “Passávamos casa por casa conversando, explicávamos que íamos fazer uma atividade, entregávamos um texto explicando o porquê”, explica. A chamada “mesa de escracho” era geralmente feita em um centro cultural ou na sede de alguma organização, que cedia o espaço. Os militantes faziam então um diálogo com o bairro e com as organizações a partir do eixo da denúncia aos repressores. A lógica não era necessariamente gerar a surpresa e um incômodo no repressor no momento do escracho, mas instalar um desconforto permanente por meio do trabalho com os vizinhos. “Queríamos que as pessoas se recusassem a entrar no elevador com eles, que o padeiro do bairro se recusasse a vender pão. Dizíamos: se não vai para a cadeia, que sua casa seja uma cadeia. Que na rua sejam repudiados pela sociedade.” Filhos da luta As organizações que aderiam ao escracho a um genocida (na Argentina, alguns juízes afirmam que os crimes de lesa-humanidade cometidos na ditadura se deram dentro de um plano sistemático de extermínio, que pode ser classificado como genocídio) não eram apenas formadas por familiares. A Hijos, por exemplo, é aberta à participação de toda a sociedade. Explica Avicento: “Não sou filho de desaparecido, mas há quatorze anos milito no âmbito dos direitos humanos, conheci muitos companheiros [filhos e parentes] e me envolvi. O rico dessa luta é que toda a sociedade pode se envolver”. Não somente pode, como deve. “Toda a sociedade foi vítima do terrorismo de Estado, todos sofreram com o terror e o medo”, completa. Agustín Cetrangolo é filho de Sergio Cetrangolo, desaparecido em 1978. A mãe, também presa e torturada, é da geração de sobreviventes. “Não entendemos que a reparação é apenas com os familiares, mas deve-se reparar toda uma sociedade”, defende. “Na Hijos dizemos que todos somos filhos da mesma história. Seria um erro dizer que o genocídio pretendeu apenas exterminar as organizações políticas e seus militantes. A violência do genocídio extrapola isso. Se entendemos que toda a sociedade foi vítima desse terrorismo de Estado, por que não podemos organizar qualquer setor para lutar contra isso?”, completa. Para Julio Avicento, quem usa o argumento de que os jovens de hoje não “têm nada a ver” com a repressão “esconde na verdade uma posição que procura manter a impunidade em relação aos repressores”. Os militantes também lembram que o aparato repressivo da ditadura persiste até hoje, com os casos de assassinatos de jovens pela polícia ou a perseguição e espionagem dos movimentos sociais. Também por isso os escrachos continuam sendo usados. “O escracho transcendeu a Hijos, para além do que entendíamos como escracho. Em 2001, por exemplo, escrachou-se tudo, bancos, McDonald’s”, recorda Cetrangolo. Dafne Melo Jornalista e historiadora Ilustração: Igor Ojeda (Outras Palavras)

Memória

Vidas repletas de sentido: Apolônio e Renée de Carvalho O governador do Estado do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, concedeu, quarta-feira (23) a medalha Negrinho do Pastoreio à Renée France de Carvalho, companheira de sonhos e de tantas lutas de Apolônio de Carvalho. Apolônio e Renée preencheram com um significado extraordinário suas trajetórias de vida. Ousaram viver a plenitude de sua humanidade, assim como tantos outros que lutaram ao seu lado. Vidas repletas de sentido. O artigo é de Vinicius Wu. Vinícius Wu (*) Inicio esse breve artigo com uma afirmação que soará desmedida, quem sabe até provocativa para alguns, mas que me parece um tanto obvia. Apolônio de Carvalho representa para a história brasileira o mesmo que Garibaldi representa para a Itália ou Charles De Gaulle para a França. Tal afirmação, no entanto, dificilmente encontrará respaldo em alguma obra de sucesso da historiografia nacional. Afinal, o óbvio nem sempre adquire força suficiente para tornar-se consenso. Mas embora nossa historiografia não reconheça – e não será difícil compreender os motivos – talvez a celebração do centenário de Apolônio nos abra a possibilidade de rompermos a cortina de silêncio e cinismo que a historiografia oficial reserva até aqui à figura quase mítica desse brasileiro singular. Apolônio de Carvalho viveu plenamente os maiores sonhos, medos e esperanças que o século XX produziu. Enfrentou o medo de um mundo dominado pelo nazi-fascismo e com as próprias mãos contribuiu para que não sucumbissemos aos horrores do totalitarismo. Foi combatente das mais generosas lutas que a humanidade travou em favor da liberdade, justiça e democracia no século passado. Esteve na Espanha, ao lado dos republicanos, armas em punho para defender a Constituição e a dignidade daquele país. No Brasil, lutou em favor dos mais pobres, combateu a censura das palavras e das ideias as quais jamais renunciou. Preso, exilado, derrotado por tantas vezes, jamais se curvou às adversidades de um mundo que parecia desenvolver uma luta particular para promover a ruína de seus sonhos e suas esperanças. Lutou pela democracia, a viu reconquistada, queria mais. Ajudou a fundar um partido, levantou a bandeira da anistia, das diretas. Até o fim de seus dias recusou-se a abrir mão de princípios que, por tantas vezes, quase lhe custaram a própria vida. Ninguém por estas terras encarnou melhor que Apolônio o espírito enobrecedor e humanamente grandioso que inspirou o internacionalismo socialista. Foi um homem de luta e atuação globais, num mundo que esteve à beira de fechar as portas para o que hoje conhecemos como globalização. Ontem, o Governador do Estado do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, concedeu a medalha Negrinho do Pastoreio à Renée France de Carvalho, companheira de sonhos e de tantas lutas de Apolônio. Muito já foi dito acerca dos vazios de nossa memória coletiva. E, certamente, uma das omissões mais gritantes se relaciona com o papel da mulher na construção de nossa identidade nacional. O gesto do governo gaúcho foi também um ato de indignação contra o renitente silêncio de nossa historiografia a respeito do papel que desempenharam mulheres como Renée. Sua história é belíssima e não apenas como “esposa” de Apolônio, mas como uma combatente tão corajosa quanto seu companheiro de longas e memoráveis jornadas. Renée é a Olga Benário com quem ainda podemos nos encontrar, entrevistar e brindar a vida. Apolônio é um símbolo nacional, um orgulho para todos e todas brasileiras que, verdadeiramente, acreditam na vida, na solidariedade e no futuro da humanidade. Que bom seria ver ruas, avenidas, praças e cidades pelo Brasil homenageando gente como Apolonio ao invés de ditadores, oligarcas e tantos outros próceres do atraso. Apolônio e Renée preencheram com um significado extraordinário suas trajetórias de vida. Ousaram viver a plenitude de sua humanidade, assim como tantos outros que lutaram ao seu lado. A democracia que herdamos, com todas suas imperfeições, é fruto de sua luta obstinada em favor da liberdade. Vidas repletas de sentido. Nossas homenagens estarão para sempre aquém do significado dessas vidas para a vida de todos nós. Só nos resta repetir insistentemente: obrigado Apolônio, obrigado Renée. (*) Historiador e Chefe de Gabinete do Governador do Estado do Rio Grande do Sul Fotos: Caco Argemi/Palácio Piratini Envie para um amigo Versão para Impressão (Carta Maior)

Barbas

A vitória da gilete Você que é dos tempos d.c, depois do computador, pode não acreditar, mas havia vários jogadores que usavam barba. Hoje, talvez o uruguaio Loco Abreu, do Botafogo, que se formou em jornalismo e tem opiniões firmes, seja o único barbudo legítimo do futebol brasileiro. É pouco. As barbas fazem falta. No futebol e na política. José Roberto Torero Antigamente eles tinham barba. Quando falo “antigamente”, não quero dizer pré-história. E quando falo “eles”, não quero dizer australopitecos. Quero dizer umas décadas atrás e jogadores de futebol. Você que é dos tempos d.c, depois do computador, pode não acreditar, mas havia vários jogadores que usavam barba. Quereis nomes? Dou-vos. Havia, por exemplo, Gerd Muller, até hoje o maior artilheiro da seleção alemã. Ele tinha apenas 1,74m, pernas grossas, barba (pensando bem, talvez realmente lembrasse um australopiteco) e jogava muito. Foi campeão mundial com a seleção em 1974 e pelo Bayern em 1976. Aliás, no mesmo Bayern de Munique havia outro lendário barbudo: Paul Breitner. Era um lateral-esquerdo excelente. Depois foi para o meio-campo, sendo a estrela do Real Madrid em meados dos anos 70. Abandonou o futebol aos 31 anos, dizendo que ainda gostava de futebol, mas que estava cansado das coisas que aconteciam fora do campo. Numa polêmica entrevista, Breitner declarou-se socialista e leitor de Mao Tse Tung. E eis aí uma das características dos jogadores barbudos: muitos eram politicamente engajados. Sócrates é o nosso maior exemplo. Politizado e opinativo, ele foi uma das grandes estrelas da campanha das Diretas Já. Mas houve outros, como Afonsinho, também médico e barbudo, um dos primeiros a lutar pelos direitos dos jogadores. Maradona é outro que teve sua fase de pelos faciais. E não se pode dizer que seja um sujeito apático politicamente. É a favor de Cuba e tem posições controversas sobre todos os assuntos. A barba é uma espécie de marca registrada dos sujeitos que gostam da ideia de mudar o mundo. Ela pode ser vista nos rostos comunistas de Marx e Engels, nos revolucionários Fidel e Che, no anarquista Bakunin, em Jesus, Maomé e Freud. É como se estes homens dissessem que não têm tempo para se preocupar com a aparência, pois têm que pensar, escrever, agir. Mas hoje as barbas sumiram dos campos. Na verdade, até os cabelos andam desaparecidos, já que muitos deixam suas cabeças totalmente peladas. Especialmente os zagueiros, como Domingos, que mais parece uma estátua da Ilha de Páscoa. Na política não é muito diferente. Por lá as barbas também estão de molho. E, quando há alguma, é aparada com o mesmo esmero com que uma drag queen faz suas sobrancelhas. Em vez de barbas desleixadas, a moda é usar os pelos como logotipo. É o caso de Valdívia, com seu bigode de ladrão mexicano, de Marcelinho Paraíba, com seus cabelos loiros, e principalmente de Neymar, com seu moicano mutante. Trocaram-se as barbas emaranhadas pelo cabelo cuidadosamente elaborado, o “não ligo para minha aparência” por horas nas cadeiras dos salões de beleza. Hoje em dia, talvez o uruguaio Loco Abreu, do Botafogo, que se formou em jornalismo e tem opiniões firmes, seja o único barbudo legítimo do futebol brasileiro. É pouco. As barbas fazem falta. No futebol e na política. PS: Falei em favor da barba, mas esta semana deixei o clube dos barbudos. É que Catarina, minha sobrinha de três anos, negou-se a beijar meu espinhento rosto. Então não tive dúvidas: raspei tudo. O que não se faz pelo beijo de uma senhorita... José Roberto Torero é formado em Letras e Jornalismo pela USP, publicou 24 livros, entre eles O Chalaça (Prêmio Jabuti e Livro do ano em 1995), Pequenos Amores (Prêmio Jabuti 2004) e, mais recentemente, O Evangelho de Barrabás. É colunista de futebol na Folha de S.Paulo desde 1998. Escreveu também para o Jornal da Tarde e para a revista Placar. Dirigiu alguns curtas-metragens e o longa Como fazer um filme de amor. É roteirista de cinema e tevê, onde por oito anos escreveu o Retrato Falado. (Carta Maior)

Anarquismo

Entrevista a Concha Liaño: “Soy anarquista y también creo que Chávez es un enviado de Dios” Indira Carpio Olivo y Ernesto J. Navarro Concha, como feminista ¿qué piensas sobre la candidatura de María Corina Machado a la presidencia? ¿Conoces sobre ella? Suspira, se echa para atrás, se reacomoda y lo suelta... CL: A esa María Corina, yo le daría una patada en el culo con un gusto. ---- 1917. En el seno de una familia acomodada, en la Catalunya del Reino de España, nace Concepción Liaño. El mismo año en que se había organizado el soviet ruso, expulsando a los Zares del poder, ese mismo año que explotó la revolución que tanto tendría que ver 19 años después con la protagonista de esta historia. Ese mismo año empezó la primera guerra mundial y se instaló, en la desconocida población de San Lorenzo (Edo. Zulia) la primera refinería de petróleo en Venezuela. “Concha”, como la llaman todos, cuando alcanza sus 15 años de edad entiende que el destino pre-fabricado para las mujeres de su época (servir a los hombres, el imposible acceso a la educación, el maltrato y el esclavismo) no calza con su forma de ver al mundo. Mientras algunas “debutan en sociedad”, ella se hace amiga de los chicos de las Juventudes libertarias. Para acompañarlos debe escaparse de su casa, militancia ésta que es combatida a diario por los alpargatazos de su madre. Su hermano, quien sabía para qué se escapaba, la amenazaba con decir a su padre que ella era anarquista... Hasta que lo dijo. Lejos de la tunda “prometida” por su afiliación clandestina, esa delación sólo logró liberarla de su secreto. El padre le pidió a la madre que dejara de pegarle por sus escapadas. “Dale toda la libertad que quiere” dijo, “ella es más inteligente que los dos”. Pero a su corta edad, Concha Liaño ya era muy ella. Por eso rechazó el carnet de las Juventudes libertarias y 80 años después lo explica: “Yo era más papista que el papa. Yo los acompaño, les dije. Pero si en una asamblea deciden algo con lo que yo no esté de acuerdo, no los sigo y punto”. Siempre ha sido muy ella y hoy no infringe su norma: “Yo soy anarquista, pero creo en Dios (1) y creo que Chávez es un enviado de Dios”. Antes de venir a Venezuela, viajó a la Francia que dejó caer a más de 500 mil exilados de la Guerra Civil Española. “Yo me escapé y me fui del campamento a París, pero mis compañeros pasaron todo un invierno a la intemperie”. En junio de 1948, ésta anarquista se vino a Venezuela con su hija de 5 años de edad y una maleta en la que empacó la historia viva de la sublevación popular más importante de España, que ha servido de inspiración para los movimientos radicales de izquierda. Liaño es fundadora del movimiento anarquista, humanista integral Mujeres libres, referencia internacional de la lucha revolucionaria feminista, que llegó a contar con más de 20 mil afiliaciones y 170 seccionales en todo el país, sin cobrar ninguna cuota. “Yo no quería salir de España. Ahora, no me iría nunca de Venezuela, acá se da un paso adelante, un movimiento libertario que puede cambiar el mundo y ustedes ni se enteran. Al final no sabemos lo que va a pasar”. Con casi la mitad de la vida independiente venezolana, 95 años para ser exactos, la legendaria Concha habita un departamento en el piso 14 de un viejo edificio, ubicado en Capuchinos, en una calle paralela a la convulsionada avenida Baralt del centro de Caracas. Convive con un gato llamado “Mimo” que le “mea todo” y al que está a punto de arrojar por la ventana. Hace sus compras sola, se prepara su comida, oye muy poco y ve sólo manchas “porque me estafaron con lo lentes. Me costaron tres mil quinientos bolívares y no me sirven”, asegura. Aun así posee una lucidez privilegiada que la hace asegurar que durante esta semana descubrió por qué no se ha muerto: “Aún tengo cosas que hacer y que decir a los jóvenes”. Esta abuela (sin nietos biológicos) asediada por periodistas y curiosos de todas partes del mundo, lidia durante todo el día, todos los días, con la soledad. Concha, tiene una hija de 69 años de edad, a la que llama Monchina, porque no le gusta el nombre que le pusieron sin su consentimiento en la cédula: Ramona. No vive con ella y la ve muy poco. Su barricada se transfiguró y de vez en cuando se inunda, porque deja abierta la llave del lavaplatos. Su fusil le hace de bastón y, a veces le impulsa a subir 280 escalones cuando se daña el ascensor del viejo camastrón en el que vive. “La semana pasada me quitaron 150 bolívares cuando fui de compra. Con los billetes, me la paso mal. Muchos me dicen que quisieran llegar a mi edad, pero la vida me la jugó, ando sorda, ciega y sola”. A pesar de este panorama, Concha es una mujer alegre, llena de vida con la apariencia física de 70 años de edad. Nos confiesa que su vida sentimental “fue muy tormentosa, como suele ser la vida de las mujeres libres”. -¿Fuiste feliz? CL: ¿Y qué es la felicidad sino ratitos, nada más? “Me casé porque mi hija me lo pidió, pero yo no creo en el matrimonio”. Sucedió así. Cuando Concha vivía en Maracaibo trabajaba para la línea aérea Taca, como supervisora de una casa donde dormían los tripulantes que hacían escala en la ciudad. Era costumbre de Concha enseñar a leer y escribir a las obreras con las que trabajaba, después de terminada las faenas del día. Razón por la cual, “los de la línea aérea me decían que el único problema que yo tenía era que no sabía tratar a las sirvienticas”. Por esos días, conoció a un ingeniero maracucho “con un carrazo y una pinta pequeño burguesa” con el que salió un par de veces. Al mismo tiempo la pretendía Víktor, un polaco pobretón que arrancaba flores todos los días para bajarle la guardia. Ambos le propusieron matrimonio. Luego de una semana para pensarlo y una cita en la que confluyeron los tres, Concha se decidió por el de los pantalones raídos y pasó más de 50 años a su lado, previa aprobación de Monchina. Aspira el cigarro y en la expiración nos dice: “no lo amaba, pero le tenía mucho cariño”. Víktor murió hace 10 años y Concha sigue siendo una apasionada de la libertad, su primer amor. Nuestra heroína era compañera de labores de Emma Goldman en la redacción de la revista Mujeres libres: “Yo escribo muy bien, escribo mejor de lo que hablo”. --- 1936. Estalla la Guerra Civil Española. Concha tiene 19 años de vida y está al frente, junto a otras compañeras, de la organización humanista, anarquista Mujeres libres, considerada pionera de los movimientos feministas iberoamericanos, con un enfoque de lucha de clases. Los anarquistas españoles eran tan hermanos de Prouhdon y Bakunín como de Mateo Morral, Ferrer i Guardia, Buenaventura Durruti, Emma Goldman, Lucía Sánchez Saornil y tantas otras lumbreras que se reunieron junto al fuego de la revolución en los años 30. -¿Es la concha Liaño de la película Libertarias (2)? CL: Vicente Aranda dice que esa película la inspiré yo. Pero, para mí esa película es una cosa fallida, aunque mi personaje es el más simpático de Libertarias. No digo nada más porque creo en la amistad y Aranda era mi amigo ¿Conocen Tierra y libertad?(3) Esa es si una película. Mujeres libres -¿Por qué luchaba Mujeres libre? CL: Para que las mujeres se sintieran con derecho a tener derechos. Y lo conseguimos. Es una semillita que sembramos y ha fructificado mucho. Teníamos tres mujeres muy capaces: Lucía Sánchez Saornil que era más inteligente que todos los dirigentes nuestros, Mercedes Comaposada que era abogada y Amparo Poch y Gascón. Ellas nos dirigían. Y yo, era su lugarteniente. Nosotras nos declaramos autónomas, incluso de los movimientos anarquistas, no nos gobernaba absolutamente nadie. Cosa que no pasaba con la asociación de mujeres antifascistas, manejadas por el movimiento marxista-comunista. Nuestro movimiento no sólo luchaba por el voto, sino que comprendía que la liberación femenina pasaba por el cambio de la sociedad y la participación de la mujer en ello. Nuestras luchas quedaron plasmadas en las ediciones de la revista de Mujeres libres. No procuramos sólo las pequeñas conquistas, sino la transformación completa. -¿Cómo era el trabajo que hacía en Mujeres Libres? CL: (Suspiro) Era muy divertido. Como en todos los barrios y en todos los pueblos de Catalunya había CNT y juventudes libertarias, yo les escribía, les mandaba los estatutos y un misal de unas cinco páginas por ambos lados, explicándoles por qué tenían que ser rebeldes. Hacía unos discursos encantadores y enseguida me llamaban para que fuera, porque ya estaban reunidas. En ese instante quedaba instituido un grupo de Mujeres libres. A ese mitin inicial venían no sólo las militantes, sino todas las del grupo y venían mucho. -¿Por qué ser anarquista si, en la época cuando decidieron practicar esos postulados, sus compañeros de lucha no las tomaban en serio? CL: Nosotras pretendimos ser el movimiento femenino de la CNT, pero no nos aceptaban. Ahora tantos años después nos aceptan. Entonces el machismo, como ahora, era algo como genético. Durante la guerra nos trataban con mucha dificultad, pero sí, nos ayudaban, a duras penas pero lo hacían. Esa era la mentalidad de entonces. Por ejemplo, a los hermanos de dos de mis compañeras los enviaban a estudiar a la ciudad, mientras ellas tenían que quedarse a trabajar en el campo de sol a sol, sin maquinarias, sólo con una oz. Ellas fueron iniciadoras de Mujeres libres, por rebeldía. Antes de la guerra, las propias madres le enseñaban a sus hijas a ser sirvientas de sus hermanos. A mí, mi mama quería hacerme esclava, pero por supuesto que me negué. Claro, ellas repetías lo que la sociedad les decía que era “natural”, para lo que estaban condicionadas. Fíjense, yo tenía dos primos que medían más de 1,80 cm y acompañaban a hacer la compra a su madre. Pero no podían ayudarla con los bultos de comida; iban al lado pero no podían coger los sacos, porque eso no era de hombre. Así sobrevivíamos. Desde su conformación, Mujeres libres fue un clarín. Durante la guerra la angustia generó un ambiente distinto. Después que se instaló Franco hubo cuarenta años de silencio. Pero cuando se fundó fue una vorágine. Tampoco nos aceptaban algunas mujeres que militaban de nuestro lado como Federica Motseny, ministra de salud de la república. Luego ella y otras mujeres se dieron cuenta de que nosotras, las ignorantes y semianalfabetas, teníamos razón. No les quedó de otra, después de ver el trabajo que hacíamos de alfabetización, ideologización y organización. Incluso, una parte de la izquierda catalana llegó a proponer que las mujeres no votaran, porque si no ganaba la derecha, cosa que era incierta, claro está. Pero así nos miraban. Recientemente escribí una carta al movimiento anarquista español, que ahora se divide en dos -el mismo perro, pero con diferente collar-, y les agradecía por el reconocimiento al movimiento Mujeres libres. Un poco tarde, pero bienvenido ese reconocimiento. -¿Era Mujeres libres una organización feminista? CL: Nosotras no nos considerábamos feministas, sino mujeres que teníamos derechos a tener derechos. -Después de haber vivido tanto ¿tiene esperanzas de que caiga el sistema-mundo capitalista? CL: Yo he conocido otros tiempos donde habitaban los ideales; ahora no hay nada: sólo hay mercados. Yo pienso que esto tiene que pasar y que llegará el momento en el que haya bastantes, como nosotros, que necesiten algo más que el dinero, que procuren el amor de la humanidad por la humanidad. El sistema capitalista está caduco, pero tampoco se propone nada serio para reemplazarlo. -Y ¿la anarquía no es una forma de cambiar al sistema capitalista? CL: La anarquía es una utopía hermosa, que será posible para sus tataranietos. Lo que ocurre es que el material humano no sirve. -¿Cuál es la esencia de su lucha? CL: Desde que existe el hombre ha estado peleándose entre etnias, por fronteras, por religiones, por todo, desde la edad de piedra hasta ahora; y en lo único que ha habido un consenso general es en mantener pisoteada a la mujer. Ahí no ha habido discusión. En la vida lo esencial es tener sentido de la ética y obrar según ella, buscar una superación moral; no es el dinero, no es la fortuna, ni la fama, lo esencial es lo que una piense de sí misma. -¿Qué es para usted la libertad? CL: Yo me siento obligada a hacer partícipe a los demás de lo que he aprendido. Tengo como un espíritu apostólico: un hombre encadenado puede sentirse más libre que uno que anda por la calle. Esa es la libertad. Mi salvación, la anarquía -¿Era la oveja negra en su hogar? CL: Yo les puedo decir que no he tenido hogar. Yo andaba dando tumbos, porque mi papá era un aventurero y mi mamá era de la clase alta, hija de un terrateniente. La inquietud social que siempre he tenido yo, ahora se que la heredé de mi papá, quien era una especie de socialista recalcitrante a su manera y además era escritor, o de eso vivía. También heredé sus genes literarios. Yo, estuve con queridas de papá, con una tía que me daba muchos palos, a veces merecidos y algunas veces no. También estuve en internados. Yo, estaba a la deriva. Nunca tuve nada. Mi salvación, tal como yo era de rebelde, fue encontrarme con las Juventudes libertarias. -¿Cómo se hace anarquista? CL: Yo no tengo empacho al decir que yo nací anarquista, porque veía tanta cosa rara en los adultos que decía “cuando yo sea grande no voy a ser eso”. Y una de las bases del pensamiento anarquista se fundamenta de esta manera: buscar la superación moral del individuo por sí mismo, no por amor a Dios, ni por temor al cielo, o temor al castigo. No y no. Por la propia dignidad del individuo. Por la autoestima, alcanzar la superación moral. Esa es la base del pensamiento anarquista. Venezuela -¿Cómo ve la actuación de la mujer venezolana en la actualidad? CL: Cuando nosotras las europeas llegamos algo las ayudamos, porque nos poníamos a trabajar en lo que fuera. Trabajábamos de camarera cuando aquí la señora no podía trabajar y la hija no quería. Lo normal era buscar con quién se la casaba. Pero la generación de ahora ha dado un brinco y yo las admiro y me quito el sombrero. Y acá no hubo Mujeres libres, lo que convierte la experiencia de la liberación de la mujer en una necesidad y no en una institución. En Venezuela hay un movimiento, una intuición, un instinto que hace que una no acepte lo que trata de imponer la mente atávica reinante. Y donde quiera que vaya, yo las reivindico. -¿Qué hacías en Venezuela para vivir? CL: Como no tenía estudios hice de todo. Pero donde estaba, trataba de enseñar a las mujeres a leer y a escribir. Esa ha sido mi labor acá en mis tiempos de descanso. Me vine a Caracas sola, sin dinero y con una niña de 5 años en mano. Imagínense si no me ha tocado luchar. Pero, yo siempre me he mantenido fiel a mis ideas. Cuando era joven, para mi todas las mujeres eran mis hermanas. Cuando me hice mayor, mis hijas y ahora, son mis nietas y algunas mis bisnietas. Siempre he tenido el afán de luchar por la liberación femenina. -¿Qué opinión tiene sobre el protagonismo institucional de la mujer en el proceso bolivariano? CL: Todo lo que se ha hecho a favor de la mujer, le pese a quien le pese, me parece maravilloso. -¿Es revolucionario el proceso bolivariano? CL: Para mí lo es, porque está teniendo en cuenta al pueblo y lo está favoreciendo, mientras que por otros lados del mundo están haciendo barbaridades. La vuelta de manivela que se está produciendo en el mundo sale de Venezuela, sale de Chávez, porque si no hubiera sido por él al ALCA se implanta en Latinoamérica en beneficio de los gringos y los judíos. Este proceso que estamos viviendo se sirve de Chávez y no al revés. Eso cuesta comprenderlo. Algunos dicen “que si Chávez compra esto o aquello, o que si regala dinero”. Ya ve, es inmaduro el pueblo. -¿Qué piensa usted de que Chávez se declare feminista? CL: Lo hace porque es muy inteligente y se da cuenta de la valía de la mujer venezolana. Yo creo que Chávez es un enviado de Dios (…) No se ustedes, pero yo soy muy chavista” Vivimos unos tiempos muy interesantes (4). ¿Ustedes saben qué es lo único que me revienta algunas veces de Chávez? El militarismo. Pero de eso se trata mantener caliente las calles. Y yo misma me digo ¿cuánto le pagaron a Uribe por la bases? ¿Y si nos invaden? Me debato ¿Ustedes se lo debaten? ---- (*) Periodistas intragables Para ampliar informaciones Los anarquistas que creen en Dios pertenecen a una corriente dentro del pensamiento político llamada Anarcocristianismo. Un anarcocristiano famoso fue el escritor ruso Lon Tolstoi. En la película Libertarias, de Vicente Aranda (1996) un personaje central es llamado Concha Liaño, según la misma Concha, sin su permiso. Tierra y libertad es un filme de Ken Loach (1995) Sobre la vuelta al poder de la derecha española, Concha piensa que “es una guachafita, como lo eran acá AD y Copei acá, en Venezuela”. Lo que más pueden hacer es quitar las pensiones que dieron los socialistas. La derecha en España es algo asqueroso. Haga click aquí para recibir gratis Argenpress en su correo electrónico. 2 Publicado por ARGENPRESS en 06:19

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Capitalismo

Salvar vidas ou o capital? Frei Betto Escritor e assessor de movimentos sociais Adital O melhor Papai-Noel do mundo mereceram 523 instituições financeiras europeias quatro dias antes do Natal: 489 bilhões de euros (o equivalente a R$ 1,23 trilhão), emprestados pelo BCE (Banco Central Europeu) a juros de 1% ao ano! Curiosa a lógica que rege o sistema capitalista: nunca há recursos para salvar vidas, erradicar a fome, reduzir a degradação ambiental, produzir medicamentos e distribuí-los gratuitamente. Em se tratando da saúde dos bancos, o dinheiro aparece num passe de mágica! Há, contudo, um aspecto preocupante em tamanha generosidade: se tantas instituições financeiras entraram na fila do bolsa-BCE, é sinal de que não andam bem das pernas… Quais os fundamentos dessa lógica que considera mais importante salvar o Mercado que vidas humanas? Um deles é este mito de nossa cultura: o sacrifício de Isaac por Abraão (Gênesis 22, 1-19). No relato bíblico, Abraão deve provar a sua fé sacrificando a Javé seu único filho, Isaac. No exato momento em que, no alto da montanha, prepara a faca para matar o filho, o anjo intervém e impede Abraão de consumar o ato. A prova de fé fora dada pela disposição de matar. Em recompensa, Javé cobre Abraão de bênçãos e multiplica-lhe a descendência como as estrelas do céu e as areias do mar. Essa leitura, pela ótica do poder, aponta a morte como caminho para a vida. Toda grande causa - como a fé em Javé - exige pequenos sacrifícios que acentuem a magnitude dos ideais abraçados. Assim, a morte provocada, fruto do desinteresse do Mercado por vidas humanas, passa a integrar a lógica do poder, como o sacrifício "necessário” do filho Isaac pelo pai Abraão, em obediência à vontade soberana de Deus. Abraão era o intermediário entre o filho e Deus, assim como o FMI e o BCE fazem a ponte entre os bancos e os ideais de prosperidade capitalista dos governos europeus - que, para escapar da crise, devem promover sacrifícios. Essa mesma lógica informa o inconsciente do patrão que sonega o salário de seus empregados sob pretexto de capitalizar e multiplicar a prosperidade geral, e criar mais empregos. Também leva o governo a acusar as greves de responsáveis pelo caos econômico, mesmo sabendo que resultam dos baixos salários pagos aos que tanto trabalham sem ao menos a recompensa de uma vida digna. O deus da razão do Mercado merece, como prova de fidelidade, o sacrifício de todo um povo. Todos os ideais estão prenhes de promessas de vida: a prosperidade dos bancos credores, a capitalização das empresas ou o ajuste fiscal do governo. Salva-se o abstrato em detrimento do concreto, a vida humana. O espantoso dessa lógica é admitir, como mediação, a morte anunciada. Mata-se cruelmente através do corte de subsídios a programas sociais; da desregulamentação das relações trabalhistas; do incentivo ao desemprego; dos ajustes fiscais draconianos; da recusa de conceder aos aposentados a qualidade de uma velhice decente. A lógica cotidiana do assassinato é sutil e esmerada. Aqueles que têm admitem como natural a despossessão dos que não têm. Qualquer ameaça à lógica cumulativa do sistema é uma ofensa ao deus da liberdade ocidental ou da livre iniciativa. Exige-se o sacrifício como prova de fidelidade. Não importa que Isaac seja filho único. Abraão deve provar sua fidelidade a Javé. E não há maior prova do que a disposição de matar a vida mais querida. A lógica da vida encara o relato bíblico pelos olhos de Isaac. Este não sabia que seria assassinado, tanto que indagou ao pai onde se encontrava o cordeiro destinado ao sacrifício. Abraão cumpriu todas as condições para matar o filho. Subjugou-o, amarrou-o, colocou-o sobre a lenha preparada para a fogueira e empunhou a faca para degolá-lo. No entanto, inspirado pelo anjo, Abraão recuou. Não aceitou a lógica da morte. Subverteu o preceito que obrigava os pais a sacrificarem seus primogênitos. Rejeitou as razões do poder. À lei que exigia a morte, Abraão respondeu com a vida e pôs em risco a sua própria, o que o forçou a mudar de território. Se não mudarmos de território – sobretudo no modo de encarar a realidade -, como Abraão, continuaremos a prestar culto e adoração a Mamom. Continuaremos empenhados em salvar o capital, não vidas, e muito menos a saúde do planeta. [Betto é escritor, autor de "Sinfonia Universal – a cosmovisão de Teilhard de Chardin” (Vozes), entre outros livros. http://www.freibetto.org/> twitter:@freibetto. Copyright 2012 – FREI BETTO – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor. Se desejar, faça uma assinatura de todos os artigos do escritor. Contato – MHPAL – Agência Literária (mhpal@terra.com.br) (Adital)

Brecht

Preguntas de un obrero que lee Bertolt Brecht ¿Quién construyó Tebas, la de las siete puertas? En los libros se mencionan los nombres de los reyes. ¿Acaso los reyes acarrearon las piedras? Y Babilonia, tantas veces destruida, ¿Quién la construyó otras tantas? ¿En que casas de Lima, la resplandeciente de oro, vivían los albañiles? ¿Adónde fueron sus constructores la noche que terminaron la Muralla China? Roma la magna está llena de arcos de triunfo. ¿Quién los construyó? ¿A quienes vencieron los Césares? Bizancio, tan loada, ¿Acaso sólo tenía palacios para sus habitantes? Hasta en la legendaria Atlántica, la noche que fue devorada por el mar, los que se ahogaban clamaban llamando a sus esclavos. El joven Alejandro conquistó la India. ¿Él sólo? César venció a los galos; ¿no lo acompañaba siquiera un cocinero? Felipe de España lloró cuando se hundió su flota, ¿Nadie más lloraría? Federico Segundo venció en la Guerra de Siete Años, ¿Quién más venció? Cada página una victoria ¿Quién guisó el banquete del triunfo? Cada década un gran personaje. ¿Quién pagaba los gastos? A tantas historias, tantas preguntas.

terça-feira, 22 de maio de 2012

Alice

Alice e a História do Cinema Marcelo Spalding + de 200 Acessos Uma das minhas crônicas mais acessadas no ano passado foi a que recuperou a história das primeiras edições de Alice no País das Maravilhas (leia aqui). Hoje, dando sequência à publicação dos resultados de minha pesquisa de doutorado sobre o livro, escrevo sobre a história de Alice no cinema. E é uma história incrível, que se confunde com a própria história do cinema. A primeira adaptação data do longínquo ano de 1903, apenas oito anos depois da primeira exibição pública do cinematógrafo pelos Irmãos Lumière. Trata-se de um curta com pouco menos de nove minutos, naturalmente em preto e branco e sem som. O filme, dirigido por Cecil M. Hepworth e Percy Stow, apoia-se em texto exibidos antes das cenas, funcionando as cenas, na verdade, como ilustrações. A primeira cena mostra Alice (interpretada por May Clark) deitada e um coelho, nitidamente uma pessoa fantasiada, passando pela tela e entrando num buraco, onde Alice cai. A seguir os dois atravessam por uma espécie de túnel horizontal (que em nada lembra a verticalidade da queda descrita por Carroll), e chegam a uma pequena porta, menor que o coelho e que Alice. Como no livro, ela pega a chave, percebe que não passará pela porta, bebe um líquido e diminui. É surpreendente para um filme do começo do século XX, diga-se de passagem, o efeito de Alice diminuindo. Na cena seguinte, muito rápida, talvez porque o microfilme original esteja danificado, Alice encontra um cachorro enorme. Adiante, temos uma cena muito interessante, de Alice dentro da casinha com a mão para fora. Esta cena procura reproduzir a ilustração original de Tenniel, numa tentativa de adaptação “fiel” claramente ingênua, de uma época em que o cinema ainda estava descobrindo sua linguagem e sua estética. A cena seguinte reproduz o encontro com a Duquesa, com direito à cozinheira que joga pratos nas duas e ao bebê, que é retirado por Alice da casa. Já no pátio, o bebê transforma-se em porco diante dos olhos do espectador (graças aos já utilizados efeitos de edição, aqui com recortes literais nos negativos). A seguir, Alice encontra o Gato de Cheshire num esforço de efeito especial admirável, pois o filme de um gato é inserido em meio ao filme original, entre as árvores. Evidentemente não temos aqui a doçura do gato de Walt Disney, nem mesmo o sorriso do gato de Tenniel, mas a simples menção ao Gato demonstra a importância da cena para a obra e a tentativa de reproduzir o livro da forma mais “fiel” possível. A cena seguinte é de Alice sentada com a Lebre e o Chapeleiro, no famoso Chá Maluco. Eles movimentam-se, parecem discutir, até que a menina deixa a cena. Um texto informa ao espectador que Alice encontrará as cartas da Rainha, e na cena seguinte surge uma fileira de crianças fantasiadas de cartas de baralho passando por Alice até ela encontrar o Rei e a Rainha. Alice discute com a Rainha, que gesticula para um garoto com um machado (referência ao “cortem a cabeça dela!”) e a seguir as crianças vestidas de baralho correm atrás de Alice, numa alusão à ilustração final de Tenniel, quando as cartas voam em direção à protagonista. Ainda antes da célebre versão em desenho animado de Walt Disney, há pelo menos duas versões dignas de nota. A primeira é um longa (em torno de uma hora de duração) digirido por W.W. Young ainda em 1915. Seria interessante, a propósito, um estudo comparando a versão de 1903 com esta, quando os conceitos de atuação, roteiro, edição e cenário estão muito mais maduros. A própria adaptação, aqui, não se limita ao texto “original” de Carroll, incluindo cenas como a de Alice conversando com a mãe antes de ir para o pátio com a irmã. Tal evolução fica ainda mais evidente em 1933, numa nova versão de Alice, esta com som, dirigida por Norman Z. McLeod. Aqui cenários e figurinos são mais elaborados, bem como a presença da trilha sonora e de canções dá uma aparência mais “moderna”, digamos assim, para o filme. É interessante notar, ainda, que na obra de McLeod há uma mescla de filme com animação, como a desenvolvida para representar a história da Morsa e do Carpinteiro, contada por Tweedledum e Tweedledee. Vale ressaltar, aliás, que essa história, bem como a presença de Tweedledum e Tweedledee, remetem ao segundo livro, Através do espelho, mas neste longa já há uma junção das duas obras em uma só, com o título de Alice no país das maravilhas. Esse filme é anterior ao primeiro longa de animação dos estúdios Disney, Branca de Neve, rodado apenas em 1937, mas já com cores, e anterior ao clássico longa Mágico de Oz, de 1939. Assim, quando os estúdios de Walt Disney lançam sua versão de Alice quase vinte anos depois, em 1951, estão percorrendo uma trilha que já havia sido aberta por outros cineastas e produtores, especialmente nos anos 30. De qualquer forma, é justo afirmar que a animação dirigida por Clyde Geronimi, Wilfred Jackson e Hamilton Luske (foi o décimo-terceiro longa-metragem de animação dos estúdios Disney) tornou-se por si só um clássico, assim como o romance de Carroll, sendo assistida até hoje com poucos ajustes de cor e som. Na versão da Disney, as personagens ganham muitas cores, rostos amigáveis, e Alice não tem a impassividade da Alice de Tenniell, sendo sempre muito expressiva e de olhos muito vivos. Quanto ao enredo, o filme preserva as cenas nucleares de Alice no País das Maravilhas, mesclando algumas cenas de Alice Através do Espelho, como a conversa com as flores e o encontro com os irmãos Tweedledum e Tweedledee. Há, também, muitas músicas entre as ações, uma característica do cinema à época e do gênero até hoje, mescla de animação com musical. A partir daí, diversas outras versões de Alice no País das Maravilhas foram sendo feitas ao redor do mundo, até pelo desenvolvimento do cinema comercial e da televisão, já que muitos filmes foram produzidos especialmente para TV. Podemos citar como exemplo uma versão inglesa, de 1972, dirigida por William Sterling, uma argentina, de 1976, dirigida por Eduardo Plá, uma adaptação espanhola chamada Alicia en la España de las maravillas, de 1979, dirigida por Jorge Feliu, e uma versão japonesa de 1983, dirigida por Shigeo Koshi. Além, é claro, de versões hollywoodianas, como uma dirigida por Harry Harris em 1985 e outra mais recente, de Nick Willing, de 1999. Esta, inclusive, conta com atores famosos como Whoopi Goldberg, Ben Kingsley e Christopher Lloyd. No começo do novo século, porém, mais uma vez a história do cinema encontra-se com Alice a partir da versão de Alice no País das Maravilhas dirigida por Tim Burton. O filme, que começou a ser rodado em 2008, foi lançado no início de 2010 aproveitando as novas tecnologias de exibição em terceira dimensão. Com isso, Alice tornou-se, ao lado de Avatar, um ícone para a indústria cinematográfica, que desde então lança periodicamente filmes com essa tecnologia nas salas do mundo todo. O ponto alto do filme, segundo os críticos, é a criação do cenário, dos figurinos e dos efeitos especiais, marcas de Burton (diretor de, por exemplo, Edwards Mãos de Tesoura, Batman Returns e Peixe Grande). Não por acaso a obra venceu os Oscar de Direção de Arte e Figurino, além de concorrer em Efeitos Especiais. Percebe-se, nesse breve apanhado, o quanto o cinema evolui à medida que seus diretores criaram uma estética própria para eles, diversa da técnica narrativa do livro impresso, por exemplo. O primeiro curta, afora todas as limitações técnicas, tenta reproduzir na tela o que o leitor leu no livro, algo muito diferente do que a própria Disney fez em sua animação e, claro, do que Burton cria nessa mais recente versão. Adaptar, hoje, é utilizar a obra primeira apenas como referência, como universo simbólico e ficcional, criando a partir daí novas narrativas, novas representações, novos efeitos para novos leitores, no caso convertidos em espectadores. Marcelo Spalding Porto Alegre, 3/2/2012 (Dig. Cultural)