sábado, 4 de janeiro de 2014

Clouzot

Clouzot, o Hitchcock francês publicado em cinema por vitor dirami Apelidado de 'O Hitchcock francês', Henri-Georges Clouzot foi um dos principais cineastas europeus nos anos 40 e 50, um dos mestres do cinema francês cuja obra é hoje em dia muito menos celebrada do que deveria ser. Conheça agora um pouco mais sobre a vida e obra de Clouzot. Nascido em 18 de agosto de 1907, Henri-Georges Clouzot era o mais velho de três crianças de uma família de classe média. Desde criança havia demonstrado talento artístico e aos 18 anos de idade mudou-se para Paris estudar ciências políticas. Nesta época, Clouzot fez amizade com várias editores de revistas que descobriram o seu talento para a escrita e o levaram ao teatro e cinema trabalhando como roteirista. Seu talento o levaria depois à Alemanha, onde trabalhou no Estúdio Babelsberg (o mais antigo do mundo) em Berlim, traduzindo scripts em língua estrangeira para filmes produzidos lá. Durante os anos 30, Clouzot continuou escrevendo e traduzindo scripts, roteiros e diálogos para mais de vinte filmes. Enquanto estava na Alemanha, ele assistiu aos filmes de F. W. Murnau e Fritz Lang, tendo sido influenciado pelo expressionismo alemão. Em 1931 Clouzot filmou seu primeiro curta metragem, La Terreur des Batignolles, baseado num script do veterano cineasta Jacques de Baroncelli; tratava-se de uma comédia de 15 minutos de duração com apenas três atores. Em 1934, em plena ascensão nazista na Alemanha, ele foi demitido dos estúdios UFA por suas amizades com produtores judeus, como Adolphe Osso e Pierre Lazareffe. Posteriormente, devido a um diagnóstico de tuberculose, Clouzot ficaria internado em um sanatório por longo tempo. Lá ele pode ler e aprender mais sobre técnicas de escrita e narração para incrementar seus roteiros; além de ter estudado a natureza e a fragilidade dos outros internos naquele ambiente. Quando voltou à Paris, já estourara a II Guerra Mundial. Afastado do serviço militar por causa de seus problemas de saúde, Clouzot continuou trabalhando como roteirista e dramaturgo, mesmo com a ocupação alemã na França durante a guerra. Pouco tempo depois, o diretor da Continental Filmes lhe ofereceu um emprego; a Continental era a produtora alemã de filmes - que se estabeleceu na França em outubro de 1940; apesar de reticente em trabalhar para os alemães, Clouzot aceitou o cargo devido a sua desesperadora situação financeira. O primeiro filme que ele escreveu para a Continental foi Le Dernier de Six, uma adaptação do romance de Stanislas-André Steeman, Six Hommes Mort. O sucesso de Le Dernier de Six permitiu à Clouzot dirigir seu primeiro filme para a Continental, novamente baseado numa obra de Steeman - O Assassino Mora no 21 (L'assassin Habite au 21), lançado em 1942. O filme foi um sucesso de público e audiência, e surpreende hoje em dia pelo domínio completo que o diretor tinha da cena e do suspense, em se tratando de um filme de estreia. Seu próximo filme foi Sombra do Pavor (Le Corbeau) - o trabalho mais polêmico da carreira de Clouzot. Sombra do Pavor é um filme claustrofóbico, que conta a história de um pacato vilarejo francês que de repente passa a ser assombrado por cartas anônimas que espalham boatos e revelam segredos dos habitantes locais - que por sua vez voltam-se uns contra os outros, num atmosfera de medo e loucura. O filme baseava-se num episódio real ocorrido numa cidade francesa em 1922, e foi um grande sucesso, tendo sido visto por aproximadamente 250 mil pessoas na França nos primeiros meses de exibição. Entretanto, Sombra do Pavor foi atacado de um lado pela França de Vichy, do outro pela resistência francesa, e ainda pela igreja católica. Clouzot foi demitido da Continental apenas dois dias depois da estreia do filme. Após a liberação da França da ocupação alemã, ele e vários outros cineastas foram levados aos tribunais por terem 'colaborado' com os alemães. Clouzot foi proibido de dirigir filmes pelo resto de sua vida (sentença depois reduzida para dois anos), e Sombra do Pavor também foi banido, mas ambos banimentos foram suspensos em 1947. Depois de extinto o banimento, Clouzot restabeleceu sua reputação e popularidade no cinema francês. Já em 1947 foi lançado seu terceiro filme - Crime em Paris (Quai des Orfèvres) - o quarto filme mais visto na França naquele ano, angariando cerca de 5,5 milhões de espectadores; por este filme Clouzot recebeu o prêmio de Melhor Diretor no Festival de Veneza. Seu próximo filme, Anjo Perverso (Manon), foi baseado no romance setecentista Manon Lescaut de Abbé Prévost; adaptado por Clouzot para a França pós-II Guerra Mundial, o filme narra a história de um ativista da resistência francesa que salva uma mulher dos aldeões que iam linchá-la por sua colaboração com os nazistas. Clouzot queria um elenco inteiro de atores desconhecidos e selecionou a protagonista Cécile Aubry, de 17 anos, entre mais de 700 garotas. O filme foi vencedor do Leão de Ouro de 1949 em Veneza. Foi durante as filmagens da comédia Miquette et sa Mère (1950) - um dos piores fracassos de sua carreira -, que Clouzot conheceu a brasileira Véra Gibson-Amado, com quem se casou em 15 de janeiro de 1950, Véra Clouzot estrelaria os próximos 3 longa-metragens do marido; durante a lua de mel passada no Brasil, Clouzot teve intenção de dirigir um documentário, e para isso trouxe até uma pequena equipe de filmagem ao país. Na época, o governo brasileiro incomodou-se por Clouzot preferir filmar a pobreza das favelas cariocas às partes mais agradáveis da região. De qualquer forma, os custos de produção se tornaram muito altos e o diretor não pode concluir o filme. Entre 1951 e 52, ele trabalhou no filme que lhe rendeu fama e prestígio internacional - O Salário do Medo (Le Salaire de la Peur). Lançado em 1953, é um filme genial sobre quatro homens pobres e desempregados de um vilarejo na América do Sul, que aceitam o trabalho de transportar uma carga altamente explosiva de nitroglicerina até um distante campo de petróleo de uma extratora norte-americana, contudo, uma tensa rivalidade se desenvolve entre os dois grupos de motoristas, sendo que o menor solavanco pode detonar uma explosão fatal. O Salário do Medo foi vencedor da Palma de Ouro e do Urso de Ouro nos festivais de Berlim e Cannes respectivamente, além de ter sido o 2º filme mais popular na França em 1953. Logo após o êxito de O Salário do Medo, Clouzot apanhou de Alfred Hitchcock, com uma diferença de poucas horas, os direitos do romance Celle Qui n'Était Plus de Pierre Boileau e Thomas Narcejac - obra que baseou a obra-prima de Clouzot, As Diabólicas (Les Diaboliques). O filme, um suspense psicológico, conta a história de um cruel diretor de escola que agride ambas a esposa e amante; elas resolvem se unir e assassiná-lo, escondendo o corpo numa piscina, mas então quando a piscina é esvaziada o corpo não está lá. Estrelando Simone Signoret, Véra Clouzot, Paul Meurisse e Charles Vanel, As Diabólicas foi o campeão de bilheteria na França em 1955 e de quebra ganhou o renomado Prêmio Louis Delluc e o Prêmio de Melhor Filme Estrangeiro do New York Film Critics Circle Award. Diz-se que um dos motivos para o mestre inglês do suspense filmar Psicose (Psycho) era justamente suplantar a obra-prima do seu rival francês. Em 1955 Clouzot dirigiu seu único documentário - O Mistério de Picasso (Le Mystère Picasso), filme sobre o processo criativo do pintor espanhol Pablo Picasso, que ganhou o Prêmio Especial do Júri no Festival de Cannes e foi declarado tesouro nacional pelo governo francês em 1984. Produtor de filmes como E Deus Criou a Mulher (Et Dieu... Créa la Femme, 1956), Raoul Lévy aconselhou Clouzot a fazer um filme com a maior estrela do cinema francês da época - Brigitte Bardot. O diretor pôs-se então a escrever o roteiro de A Verdade (La Verité, 1960) - escrito em parceria com sua mulher Véra Clouzot e a escritora Christiane Rochefort. Bardot interpreta Dominique Marceau, uma jovem acusada pelo assassinato de seu amante Gilbert Tellier (Samy Frey), durante o julgamento, através de flashbacks, são mostradas as visões das várias testemunhas sobre o caso, na tentativa de descobrir a verdade. O filme foi aclamado internacionalmente, sucesso absoluto de crítica e público que fez com que Bardot fosse finalmente reconhecida como uma atriz dramática (este é o seu filme favorito dentre todos que trabalhou). A Verdade foi visto por cerca de 5,7 milhões de espectadores na França, além de ter arrebatado uma nomeação ao Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira, a única do tipo na carreira de Clouzot. Depois d'A Verdade, a carreira do cineasta francês nunca mais foi a mesma. Logo após o fim das filmagens, Véra sofreu um ataque cardíaco fulminante aos 46 anos de idade - o que lançou Clouzot numa profunda depressão. Somada à tragédia pessoal, ele perdeu consideravelmente seu prestígio na França, em parte devido a ascensão da Nouvelle Vague. Os jovens cineastas não economizavam nas críticas a Clouzot, atacando-o e aos seus filmes através de artigos publicados na revista Cahiers du Cinéma. Clouzot por sua vez, levava as críticas tão a sério, a ponto de dizer numa entrevista que não mais achava seus antigos filmes importantes ou interessantes. O segundo casamento, contraído com Inès de Gonzalez, - sua companheira até a morte - deu novo fôlego a vida de Clouzot. Seu próximo filme seria L'enfer (1964) - uma superprodução de orçamento ilimitado, que contava com 3 enormes equipes de filmagem, efeitos visuais e plásticos extremamente vanguardistas e experimentais, totalmente inéditos. O filme, que estrelava Romy Schneider e Serge Reggiani, serviria como uma espécie de resposta à turma da Nouvelle Vague, e que certamente marcaria época. Infelizmente, L'enfer teve uma produção complicada e cheia de problemas desde o começo, que degringolou de vez quando o protagonista Serge Reggiani abandonou o set de filmagens; depois de Clouzot sofrer um enfarte, a produção foi definitivamente abandonada e o filme nunca terminado. O material inédito daria origem ao documentário feito por Serge Bromberg e Ruxandra Medrea L'enfer d'Henri-Georges Clouzot. O último filme de Clouzot foi A Prisioneira (La Prisonnière, 1968). Único trabalho em cores da filmografia do diretor, o filme conta a história de um perigoso triângulo amoroso sadomasoquista entre um fotógrafo, uma mulher e seu namorado, um playboy rico. Em A Prisioneira o diretor encorporou vários elementos experimentados anteriormente em L'enfer, voltando a trabalhar com a arte cinética - tudo isso embalado pela psicodelia sessentista. Ele ainda viveria mais alguns anos, contudo, depois de A Prisioneira, sua carreira estava praticamente encerrada. Todos os projetos seguintes foram abortados e sua saúde piorou muito durante os anos 70. Henri-Georges Clouzot faleceu em 12 de janeiro de 1977, aos 69 anos de idade. Clouzot foi um dos poucos cineastas a ganhar os três maiores prêmios dos principais festivais de cinema da Europa - Veneza, Berlim e Cannes; sua filmografia relativamente curta conserva jóias preciosas do cinema europeu dos anos 40 e 50. Um dos mestres do cinema francês, seus filmes revelam grandes semelhanças com a obra de Hitchcock, não é à toa que foi considerado - com razão - um rival e equivalente francês do diretor inglês. A obra de Clouzot expõe um diretor meticuloso, controlador, centralizador, conhecedor íntimo das técnicas cinematográficas e da própria natureza humana, visto a alta complexidade das suas personagens. Brigitte Bardot o definiu como um déspota, tirânico e neurótico, um homem negativo e mordaz. Essa escuridão e pessimismo com a vida pode ter refletido em vários de seus filmes como A Verdade e O Salário do Medo. Apesar das críticas e de geralmente ser mais reconhecido apenas por O Salário do Medo e As Diabólicas, a filmografia de Clouzot ainda é impactante hoje em dia. O historiador Philipe Pilard definiu precisamente a obra do francês: "Não há dúvidas que se Clouzot tivesse trabalhado em Hollywood e aplicado as fórmulas dos estúdios norte-americanos, hoje ele seria louvado pelos muitos críticos que preferiram ignorá-lo." vitor dirami é a inquietação por excelência, está sempre em busca do "algo a mais", e espera estar levando um pouco mais de magia aos seus leitores. Saiba como escrever na obvious.

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