domingo, 15 de setembro de 2013

Religião e Arte

Qual a religião da arte?
em artes visuais por Helton Vilar

Quando não peças de protesto, a indiferença e a ironia. A arte ri das coisas de Deus, mas não as esquece.


Mesmo que a religião esteja dentro de um caldo de assuntos que ainda inclui a política e a família, de vez em quando artistas contemporâneos buscam uma leitura do que ainda é sagrado ou, se não disso, dos seus símbolos e ferramentas. Não importa muito o conceito de cada religião, ou suas razões históricas, a arte se fixa no que aparece, na imagem e ritualística, tratando de fazer uma paródia. No vídeo “Casting Jesus”, o artista alemão Christian Jankowsky faz uma audiência para escolher o melhor Jesus para a última ceia. Mesmo com centenas de anos de representação do Senhor, é difícil não rir desta vídeo performance.

Busca de atenção? Polêmica? Não é de hoje que os artistas tratam de descontruir credos. Autor de “On the Strange Place of Religion in Contemporary Art”, o pesquisador James Elkins diz que, embora ainda haja muita arte ligada à religião, o assunto só aparece em revistas especializadas em arte pela boca de um curador, dentro da crítica de uma obra específica. Outro exemplo disso é a recente polêmica causada pela restauração desastrada da espanhola Cecília Jimenez. A octogenária praticamente recriou um afresco do século XIX que representava Cristo. Ganhou todas as manchetes e diversas homenagens, que defendiam o “trabalho” como uma verdadeira e legítima intervenção contemporânea. Em tempo, o que podemos concluir da relação criada entre o original e o novo produto obtido? Uma deformidade ou uma nova obra realmente fora criada? É mais saboroso desconstruir um trabalho que, até então, era a imagem de algo sagrado? Todos teriam a mesma reação se decidissem recriar um “Picasso”?

Mesmo em meios a tantos exemplos piadéticos, outros artistas não deixam de se relacionar com tal herança, mas de um ponto de vista documental ou de denúncia. A artista inglesa Sarah Lucas refez a Crucificação dando ênfase a uma imensa cruz vermelha, enquanto que a fotógrafa Celine van Balen capturou rostos de mulheres muçulmanas em um tom de melancolia. Num momento em que a religião perde força nos EUA e Europa – e, em alguns países, mudam-se até as leis por causa disso – seria arriscado dizer que o secularismo é a religião da arte?

Para o crítico Boris Groys, a arte se assemelha à religião ao repetir a sua essência em certos aspectos. Na sua desmaterialização, por exemplo. No momento em que obras deixam de ser objetos vistos a poucos centímetros de distância e passam a existir cada vez mais apenas por meio de documentos e gravações, como é o caso da vídeo arte, poderíamos dizer que a arte imita o Deus que só existe na cabeça dos seus fiéis? Um prolongamento do argumento de Walter Benjamin, que viu o fim da “aura” entre a obra de arte e o seu espectador, graças à fácil reprodução. Que as obras já não guardam nenhum mistério, isso já não é novidade, resta saber se aos artistas está claro a sua não procedência divina.





heltonvilar
Artigo da autoria de Helton Vilar.
Helton Vilar é jornalista. Escreve também para o blog "O Corpo da Arte"..
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