quarta-feira, 18 de setembro de 2013

11 do 9...

 Raul Longo – Poesia – Ausência em 11 de setembro

allende

militares_lamoneda

Por Raul Longo(*)

Não,

eu não estava

em 11 de Setembro.

Não poderia estar

porque era um natimorto

acéfalo em Hiroshima.

Esfacelado por sua bomba

em Nagazaki.

Não estava

em 11 de Setembro

porque era uma menina

navaja,

comanche, sioux, apache.

Menina estuprada por seus soldados

de olhos e casacos azuis.

Sinto muito,

mas em 11 de setembro

os abutres se alimentavam

de minha carne pouca

em Ruanda, ou qualquer

cidade de Etiópia,

Serra Leoa e Angola,

para saciar sua sede de ouro

e diamante.

Exatamente

em outro 11 de setembro

minhas mãos eram decepadas

num espetáculo macabro

de um estádio em Santiago do Chile.

E minha democracia morria

sob seu bombardeio.

Em 11 de setembro

eu era o alvo fácil

de um fuzil sérvio

que você fabricou.

Era um menino

com a pele queimada

por uma sua napalm no Vietnam.

Talvez não acredite,

mas em 11 de Setembro,

eu era mais um camponês

assassinado por Trujilo,

Stroesner, Somoza, Banzer…

Ou qualquer outro de seus mercenários.

Infelizmente em 11 de Setembro

eu me prostituía

nas Filipinas,

Tailândia, Havana

ou qualquer praia.

Pelos cassinos,

assistindo aos seus jogos

de destinos.

Por isso

não poderia estar

em 11 de setembro,

e também por que a bota

de um soldado de Israel

esmagava a dignidade

de meu pai palestino.

Talvez não seja uma

razão bem forte,

mas naquele momento

de um 11 de Setembro

havia uma descarga elétrica em minha genitália

numa sessão de tortura de seus carrascos

do Rio de Janeiro,

Buenos Aires ou Montevidéu.

Sei que nada justifica,

minha ausência em 11 de Setembro,

mas não sei como

se justifica sua onipresença

em tantos outros setembros.

E é por isso,

somente por isso

e algumas coisas mais,

que não pude estar em 11 de Setembro.

Justamente em 11 de Setembro.

Talvez não acredite,

sei que não vai acreditar,

mas confesso que desejei

ver a história mudar

como você disse que aconteceria.

Mas a verdade é que ela se repete

em todos os dias, meses e anos

de um único setembro.

Em todo o mundo

um sempre mesmo setembro

me violentando.

Como refugiado afegão,

faminto do Gabão,

soterrado

nos escombros de Bagdá,

torturado em Guantánamo.

Todos os dias, durante todos os meses

a cada ano

de um só setembro…

Por isso é preciso que desde já

você entenda que não poderei estar

em outro 11 de Setembro.

Talvez também não

em outro 11 de Setembro.

Talvez nunca, enquanto

um 11 de Setembro

não mudar

esse sempre mesmo fato

de todos os setembros,

todos os dias

e momentos

do mundo.

Se acontecer, por favor,

entenda as razões

dessa ausência

em 11 de Setembro.

Talvez não aconteça,

espero que aconteça.

Não quero que aconteça.

Mas mesmo sem

uma desculpa convincente,

peço antecipado

que me perdoe por não estar,

não chorar em 11 de Setembro.

Não em 11 de Setembro.

 *Raul Longo é jornalista, escritor e poeta. Mora em Florianópolis e é colaborador do “Quem tem medo da democracia?”, onde mantém a coluna “Pouso Longo”.

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