Eu me levantei meio Neruda
em recortes por Marcio Sarge
Um dos maiores poetas chilenos e da literatura contemporânea.
Como não ter saudades de Pablo Neruda.
Hoje eu levantei me meio Neruda, com aquele amor que convulsiona o peito, meio desesperado por entregar algo que talvez, seja a mim mesmo.
Lavantei hoje meio Neruda, desesperado pela solidão que estava tão companheira.
Assim ao levantar nesse estado Neruda, contemplei meio poético os horrores desse mundo meu, as guerras desse mundo meu, as dores desse mundo meu, que de tão meu doi em mim.
Aí, engajei-me em meu partido,lavantei uma bandeira sem nome, mas ninguém me entendeu.
Poderia eu ter levantado menos Neruda hoje.
Hoje levantei meio Neruda. Lanvantei com a Espanha no Coração
Espanha no coração:Pablo Neruda
Madrid isolada e solene, Julho te surpreendeu com tua alegria
de colmeia pobre: tua rua era clara,
claro era teu sonho.
Um desejo negro
de generais, uma vaga
de sotainas raivosas
rompeu entre teus joelhos
suas lodosas águas, seus rios de escarro.
Todavia, com os olhos feridos de sono,
com escopeta e pedras, Madrid, recém-ferida,
defendeste-te. Corrias
pelas ruas
deixando estelas de teu santo sangue,
reunindo e chamando com uma voz de oceano,
com um rosto mudado para sempre
pela luz do sangue, como uma vingadora
montanha, como uma sibilante
estrela de facas.
Quando nos tenebrosos quartéis, quando nas sacristias
da traição entrou tua espada ardendo,
não houve senão o silêncio do amanhecer, não houve
senão teu passo de bandeiras,
e uma gota de sangue em teu sorriso.
in Tercera Residencia, Madrid, 1936
(Tradução de J.T.Parreira)
Artigo da autoria de Marcio Sarge.
Escritor, produtor, diretor e co-autor da própria vida. Como disse o poeta de mim : "Tenho em mim todos os sonhos do mundo.".
Saiba como fazer parte da obvious.
domingo, 29 de setembro de 2013
Pensamentando
inception (a origem) - a essência do homem
publicado em cinema por rejane borges
Como se forma nossa personalidade? Como se formam nossos pensamentos? A Origem busca desvendar os mistérios da mente humana, traçando um raciocínio acerca do significado da realidade. Acerca da origem de tudo.
A mente humana, por sua natureza enigmática, sempre foi alvo de extrema curiosidade. Um ambiente sobre o qual nada conhecemos, mas que nos define. Obviamente seria tema de inúmeras investigações por parte da ciência e, também, das artes. O Cinema explora a temática há muito tempo, desde Bergman até M. Night Shyamalan. É onde está a origem de tudo o que somos. “A Origem” nos mostra a essência da essência.
Escrito, dirigido e produzido pelo diretor britânico Christopher Nolan (Batman Begins), “A Origem” (Inception, EUA, 2010) ostenta um elenco encabeçado por Leonardo DiCaprio, com nomes como Ellen Page , Marion Cotillard, Tom Berenger , Michael Caine entre outros. O enredo é considerado complexo. Talvez complexo demais para uma superprodução, um blockbuster. O que não é comum. Mas é exatamente o que fez o diretor se destacar, com maestria, na cena hollywoodiana. Os movimentos de câmera usados por Nolan, a técnica, a música...são fatores que determinam o desenvolvimento da trama, sendo tão importantes quanto as próprias personagens.
O filme fala de sonhos. De implantar idéias e roubá-las. A ação vem de ponta a ponta. No entanto, o interessante em “A Origem” é que não é, em absoluto, um filme de ação. A ação é um pano de fundo para a elaboração de uma temática mais complexa: a mente humana. O diretor explora nossos medos, segredos, memórias e idéias em um intrincado enredo. Seu foco está em mostrar ao espectador a extensão da elasticidade de nossa mente.
A essência do Homem - pensamento - é capaz de deformar-se à medida que este experimenta as diferentes percepções que o mundo oferece. Por isso, todos os nossos conceitos podem ser extremamente vulneráveis. A idéia redefine-se por diferentes formas de inserção, mas é ainda mais suscetível a essa “redefinição” quando está em seu lugar primitivo - a subconsciência.
E por onde acessar essa subconsciência, templo das concepções ainda imperfeitas, dos esboços do conhecimento, onde tudo ainda está em formação?
No ambiente etéreo do filme esse acesso é possível pela invasão dos sonhos, onde reside as lacunas de nossa existência, as quais são meticulosamente preenchidas com interferências, seja implantando ou extraindo idéias.
Em uma realidade concreta, isso se dá naturalmente pelas circunstâncias, na vida rotineira. Obviamente, não temos nossos sonhos invadidos [ainda], como vemos no filme, mas crescemos alvos de uma manipulação implacável, e imperceptível, natural da coexistência humana. A Origem sugere objetivamente este paralelo.
Nossa mente é bombardeada a todo instante, idéias estão sendo implantadas, geradas pela proliferação de modelos ideológicos. A sociedade é uma rede, constituida de indivíduos que, por meio de unidades culturais que habitam a mente humana, desencadeiam uma reação virulenta de implantação de idéias. Propagandas, tradições, artes, e etc...tudo isso faz parte desse processo. Nossa mente é literalmente arquitetada por esses fatores, gerando as mais variadas formas de significação do homem, como a fé, a moral e a cultura.
Os mais observadores perceberão que o filme não somente aborda esse assunto, como ele próprio nos seduz implantando idéias em nossas mentes. Idéias que já absorvemos e que nos convida a reflexões intermináveis sobre o real e o irreal. Sobre o abstrato e o concreto. Sobre o conceito de realidade. E é por isso que estamos a falar sobre ele. Bem-vindo à interferência de sua própria mente.
rejane borges gosta das cores de folhas secas ao chão. E das cores das folhas velhas dos livros. Saiba como fazer parte da obvious.
Leia mais: http://obviousmag.org/archives/2010/08/inception_a_origem_-_a_essencia_do_homem.html#ixzz2fOeNypbS
Pesca Ilegal
Para que os atuns não se reduzam a sushi
Combinando ativismo e alta tecnologia, grupos rebeldes enfrentam pesca ilegal no Mediterrâneo. Exemplo difunde-se entre defensores de leões, raposas e focas
Por Alex Chitty, na Vice
Numa noite quente de julho de 2012, na ilha de Ugljan, no Mar Adriático da Croácia, dois ativistas deslizam para dentro d’água, perto de uma grande fazenda de pesca. Barcos de segurança patrulham o perímetro das grandes redes circulares, enquanto guardas posicionados numa colina próxima vigiam à noite. E por uma boa razão: os milhares de atuns azuis da fazenda, destinado às mesas dos restaurantes de sushi do Japão, valem milhões. Cada peixe desses é vendido rotineiramente por mais de $1.500 no atacado em Tóquio ou nas proximidades daqui. O atum croata é pego ainda jovem, sob uma lacuna na lei internacional, e vai para a “engorda” antes de chegar ao mercado.
Usando equipamento de mergulho tático, os mergulhares chegam à primeira rede, cortam três quartos de seu comprimento e soltamos atuns nas correntes marinhas. Os mergulhadores, então, nadam para outra rede, repetem o processo e vão embora. Os times de segurança acima não se dão conta de nada até o dia seguinte. Os ativistas, membros de um grupo chamado Black Fish, já estão longe. O ataque foi bastante similar a outro em setembro de 2010, quando mergulhadores do Black Fish libertaram golfinhos de redes similares perto de Taiji, Japão.
Um marinheiro se prepara para ir ao mar com cinco redes de 2,5 quilômetros de extensão em Sant’Agata de Militello, Sicília; 2,5 quilômetros é o limite legal, mas pescadores do Mar Mediterrâneo com frequência juntam várias redes para contornar a lei. Foto por Chris Grodotzki.
Desde as ações no Japão e na Croácia, o grupo se voltou para as redes derivantes – redes longas e finas suspensas por boias, geralmente colocadas nas rotas migratórias dos peixes. Proibidas em águas internacionais desde 1992, as redes mais longas, que podem se estender por mais de 80 quilômetros atrás de barcos pesqueiros industriais, são associadas à matança quase indiscriminada de vida marinha. A malha das redes chega a ter 10 centímetros, o que significa que peixes jovens são pegos antes de terem a chance de se reproduzir. Tartarugas marinhas, golfinhos e tubarões também ficam presos e, sendo pescas ilegais, são devolvidos ao mar, quase sempre mortalmente feridos.
Apesar de a proibição ter sido implementada a pedido da ONU, a prática continua. Do Oceano Índico ao norte do Pacífico, redes assim continuam sendo usadas e não existe uma autoridade real para monitorar seu uso ou levar à justiça quem descumpre a lei. No Mediterrâneo, seu uso geralmente é controlado por várias máfias, segundo o fundador do Black Fish, Wietse van der Werf: “O crime organizado e a corrupção são os grandes responsáveis pela continuação do uso dessas redes no Mediterrâneo. A máfia da Calábria é conhecida por realizar as maiores operações do tipo na Europa, juntamente com as maiores operações de tráfico de cocaína – basicamente uma coisa só”.
E eles são difíceis de serem capturados, disse Wietse. Quando inspetores da União Europeia aparecem, capitães corruptos recolhem suas redes aos pedaços, vão para o mar e estendem outras bandeiras em seus barcos, contornando as leis europeias simplesmente hasteando uma bandeira de alguma nação do norte da África. Alguns anos atrás, pescadores italianos receberam milhões para entregar suas redes derivantes e investir em equipamentos mais “sustentáveis” – no entanto, eles imediatamente usaram o dinheiro para comprar redes maiores e mais finas. Essas redes são armazenadas em países não pertencentes a União Europeia ou são ignoradas por oficiais italianos corruptos (pagos, ironicamente, com o dinheiro separado para as redes novas e menos danosas).
Um membro do Black Fish montando um drone fornecido pela ShadowView. Foto por Chris Grodotzki.
Então, os pescadores ilegais precisam ser pegos usando realmente as redes para que possam ser levados à justiça. E é por isso que o Black Fish começou a investir em drones. Com ajuda daShadowView, uma companhia sem fins lucrativos que fornece aeronaves não tripuladas a ONGs e outros grupos ativistas, eles começaram a monitorar portos em busca das redes ilegais. Recentemente, eles terminaram uma série de “inspeções portuárias” na Albânia e na Itália usando câmeras montadas em pequenos drones “quadricópteros” para reunir provas do alto.
Disfarçados de turistas, Wietse e sua equipe em geral passam despercebidos até que seu pequeno robô paire zumbindo sobre um monte de pescadores emputecidos. Em outros pontos, como a Líbia e a Tunísia, drones não são muito bem-vistos, então, o Black Fish usa câmeras escondidas e suas caras de turistas para andar pelos portos impunemente. O grupo ainda está analisando seus vídeos e fotos deste ano, mas já registraram vários navios da “lista negra”, cada um deles ligado à pesca ilegal no passado. Há algumas semanas, eles encontraram tartarugas marinhas mortas – “Algumas estão entre as espécies mais ameaçadas do mundo”, disse Wietse – presas em redes tunisianas.
Um membro do Black Fish anota os números de registro de barcos de pesca da lista negra da União Europeia. Foto por Chris Grodotzki.
No entanto, para pegar os aproximadamente 500 pescadores usuários das redes derivantes em ação, eles vão precisar de drones maiores e mais caros. No ano que vem, Wietse pretende conseguir naves não tripuladas grandes movidas à gasolina, com um alcance muito maior, para conseguir provar conclusivamente o uso de redes ilegais. “Quando os governos não fazem nada sobre um problema vital”, ele me disse, “voluntários com um pouco de tempo e dinheiro podem fazer a diferença”.
Também no próximo ano, o Black Fish planeja adquirir um navio da guarda costeira de segunda mão, para ser usado como plataforma de drones, e lanchas rápidas o suficiente para pegar os usuários de redes derivantes no flagra. Eles também têm planos para causar um incidente diplomático e chamar atenção para a questão: “Quando tivermos o barco”, Wietse me disse, “queremos colocar uma bandeira britânica nele e tentar fazer valer a lei em algum lugar próximo, digamos, a Espanha. Isso vai deixar os espanhóis putos e forçá-los a escolher um lado – pescadores ilegais ou a lei europeia. Com alguma sorte, isso criará um problema internacional e forçará os governos a reprimir os criminosos”.
Wietse critica ativistas da pesca famosos como Jamie Oliver e Hugh Fernley-Whittingstall, que apoiam um relaxamento das leis de pesca sobre peixes que são descartados como muito pequenos ou fora das cotas. Ele diz que a abordagem deles é só uma maneira de permitir que peixes jovens sejam pegos e vendidos ilegalmente. Ele também é cético quando se trata da chamada pesca “sustentável” no geral, o que ele diz ser “pesca destrutiva legitimada”, visando apenas aliviar um pouco a consciência dos compradores “éticos”.
O casco de uma tartaruga marinha de uma das espécies mais ameaçadas do mundoencontradon a Tunísia.
Quando não estão infernizando as tripulações dos barcos da máfia, o Black Fish está treinando times em mergulho e outras atividades para expandir o raio de ação da organização. Wietse liga seu plano aos primeiros dias das forças policiais, nos quais milícias privadas se organizavam em suas próprias áreas locais. Eles fizeram um filme com ajuda de voluntários e passam o inverno dando palestras e tentando levantar dinheiro para seu barco.
A sobrepesca não é o único alvo dos drones ativistas. A ShadowView está trabalhando com grupos de preservação da natureza para pegar caçadores em locais secretos da África do Sul; com o Sea Shepherd, filmando a matança ilegal de focas na costa da Namíbia, e com a League Against Cruel Sports no Reino Unido, filmando a caça ilegal de raposas. Manifestantes têm usado drones para espiar policiais há alguns anos e o preço deles continua caindo.
Mas para Wietse, o que não é de surpreender é que redes derivantes e sobrepesca continuem sendo o objetivo principal: “A morte nos mares é o pior problema ambiental que encaramos agora e usar redes derivantes é como destruir uma floresta para pegar alguns javalis – é loucura”. Felizmente, de acordo com ele, “Isso é também uma das coisas mais fáceis de resolver – mas o problema precisa ser abordado agora”.
(Outras palavras)
RIGOBERTA MENCHU
RIGOBERTA MENCHU, LIDER INDIGENA GUATEMALTECA, PREMIO NOBEL DE LA PAZ
“Juré no callarme frente a la tortura y la barbarie”
Participó en el país del Foro Internacional por los Derechos de las Mujeres. Aquí cuenta su lucha en Guatemala, una nación signada por el genocidio de los años ’80. Relata su vida, la desaparición y muerte de buena parte de su familia y cómo se convirtió en militante. También revela lo que le falta hacer.
Por Sonia Santoro
“Hemos ayudado a recuperar credibilidad, entonces algo tiene que ocurrir para que los ciudadanos asuman su responsabilidad individual. Sean mayas o no mayas, mujeres u hombres, lo más importante es que tengamos esa conciencia de un quehacer ciudadano”, propone Rigoberta Menchú Tum, enfundada en el típico huipil con el que se la ve recorrer el mundo allí donde es necesario escuchar las voces de los oprimidos. La Premio Nobel de la Paz dice, sin embargo, que a 30 años de la etapa más violenta de lo que se conoce como genocidio guatemalteco, su país vive “una etapa difícil”: incluso la impunidad hoy continúa. “No creo que dure pocas décadas esta situación, porque los hijos de los perpetuadores del genocidio nunca lo van a reconocer. Los victimarios no lo van a reconocer, los fascistas tampoco y la gente está con su verdad y la verdad está ahí. Esto es Guatemala.”
–¿Qué aprendió de su padre?
–Mi padre dejó muchas huellas. Uno era porque él tuvo la capacidad de estar al frente de un gran movimiento campesino. Fue parte del Comité de Unidad Campesina (CUC). El lo lideró, estuvo presente. Luego estuvo muy vinculado al reclamo de la tierra. Mi padre veía la tierra como nuestra madre la gran selva. Luego buscaba siempre maneras de producir allí sin que lesionara toda la tierra. Buscaba mucha tecnología campesina para ver cómo mejorar sin vender la tierra como si fuera un negocio. Mi padre también era un catequista cristiano fiel a la Iglesia. Trabajaba en una militancia en la Iglesia Católica. Era alguien que abría una brecha.
En sus búsquedas a veces nos incluía. Nos llevaba a la comunidad, aunque yo creo que más lo acompañaron mis hermanos a él. Eran muchos hombres los que andaban con él pero siempre nos incluían a alguna de nosotras las mujeres.
–¿Y su mamá?, ¿ella era partera?
–Ella es otra tendencia. Era partera, veía nacer los niños, las niñas. A cualquier hora que venían a buscarla de una selva, una montaña, agarraba sus cosas y se iban. Pero también tenía un proceso para sus pacientes. Las veía desde los tres meses de embarazo. Muchas de ellas daban a luz en las montañas más lejanas y, desde lo que recuerdo, mi madre nunca tuvo un paciente que se le haya ido, muerto. Ella también usaba mucho las plantas medicinales, la medicina ancestral, el trato a las mujeres en un espacio sagrado que tenemos que se llama temazcal.
–¿Usted aprendió la partería?
–Sí, es una de las cosas que a mí me da mucho gusto. Porque cuando tú tienes una maestra enfrente no te das cuenta de que tienes una maestra y no te das cuenta de que cada cosa que hace es una enseñanza, pero cuando tú pierdes esa maestra te das cuenta de todo. Entonces mi padre por supuesto tiene un liderazgo, es indiscutible que el liderazgo de mi papá lo mamé un poquito. Me enseñó a hablar, a tomar decisiones. Me llevaba con él cuando tenía 5 o 6 años. En cambio mi madre hacía posible ir a buscar las plantas, procesarlas para que le preparáramos las condiciones en algunos casos, la acompañáramos a desvelarnos toda la noche, acompañando desde otro lugar, porque las señoritas nunca están presentes en un parto. Pero estábamos cerca.
–¿Tuvo a su hijo en esta tradición?
–No, porque la vida que tenemos actualmente las mujeres es una vida de muchas presiones y mi embarazo era de harto riesgo y tuve cesárea.
–¿Cuando era chica pensaba en qué quería ser cuando fuera grande?
–Yo admiraba muchas cosas. En mi tierra pasaba un avión y todo el mundo salía a ver si alcanzaban a verlo en el horizonte. Siempre se cuestiona uno porque no había televisión, no había luz eléctrica, no había carretera, la ciudad para nosotros había sido siempre un monstruo. Entonces nunca tuvimos mucha cercanía con la ciudad, hasta los 16 años. Tenía esa edad cuando partí primero a casas de monjas. Pero después a casas particulares. Es otra vida increíble, una se hace prisionera en la casa del patrón, es así. Casi toda la experiencia de las mujeres que trabajan en casas particulares... no salen más que al mercado que está cerca de la casas y hacen lo mismo todos los días. No se aprende mucho si no te dan oportunidad de aprender más. Donde yo aprendí más fue en el convento, porque ahí me enseñaron la alfabetización, después me gané una beca. Después saqué de primero a cuarto grado en un programa de educación de adultos y el siguiente año saqué quinto, sexto. Y cuando murieron mis padres estaba en secundaria.
–¿Qué edad tenía?
–23 años.
–¿Y cómo se sobrevive a tanta tragedia?
–La espiritualidad maya es profunda. La primera regla es estar en paz con los difuntos, y para eso hay que trabajar mucho en lo interior. Tu calidad mental, espiritual, junto a saber que uno debe ser feliz con poco. Porque los rencores, los odios, es la propia inconformidad del ser humano. Querer reparar los hechos. Yo juré no callarme frente a la tortura, la desaparición forzada, la barbarie. Entonces estuve detrás de la denuncia pública, de hablar públicamente, de buscar los medios de comunicación, de decir mi verdad. Muy consciente de que la verdad mía no es sólo mía, es la verdad de otros. Entonces esa misión social con que yo asumí la barbarie que le pasó a mi familia: mi hermano Patrocinio, que hasta ahora no encuentro sus restos; mi hermano Víctor, que sé que fue fusilado en público pero hasta ahora no encuentro sus restos; de mi madre que fue secuestrada, torturada, humillada, yo nunca podría pensar que esa humillación aguantaría yo. Y por lo tanto, tengo que estar indignada frente a eso. O sea, la indignación, la potencia, la poca capacidad de resolver las cosas me hizo a mí ir a los organismos mundiales, a los medios, sobre todo los medios mexicanos me dieron la gran oportunidad de trascender junto con mi gente, con la historia de Guatemala.
–Eso lo hizo desde el exilio...
–Sí. Catorce años de mi vida realmente dedicados a la denuncia. Fueron terribles esos años porque peleaba contra un monstruo, un sistema, unos poderes fácticos muy asesinos. Entonces me ayudó mucho pensar que no sabía dónde estaba el resto de mi familia. Incluso pensé que mi hermana Anita había muerto, tal vez mi hermana Lucía y mi hermano Nicolás también. Si yo hubiera sabido que ellos estaban vivos tal vez me hubiera frenado, porque uno no quiere poner en riesgo a una persona más, después de todos los riesgos que se habían corrido.
–¿Cuándo supo que estaban vivos?
–Diez años después. Pero antes fueron ocho años de haberme ido y de dedicarme a hacer denuncias públicas. En Ginebra, hay tantos archivos de denuncias que hice por lo menos cinco veces al año, año tras año, en la Comisión de Prevención de Discriminaciones, en el Grupo de Trabajo de Comisiones Indígenas, en el Comité contra el Racismo y la Discriminación, o sea, en todos los órganos de la ONU. En Nueva York comparecí año con año en la Asamblea General y no tenía ningún respaldo del gobierno. Pero sí éramos un equipo de guatemaltecos, de distinguidas personalidades que promovimos las resoluciones, que año con año persuadimos a los países para que patrocinaran las resoluciones condenatorias de lo que se vivía en Guatemala. Entonces ocho años después recibí una carta del Movimiento Insurgente en Guatemala, de sus altos mandos, para decirme que mi hermana Anita había fallecido, que había caído. Yo la lloré por dos, tres meses y después me llegó otra nota diciendo que se habían confundido de persona, no era ella. Qué lindo cuando te resucitan un ser querido cuando tú lo das por muerto. No sólo que ocho años después no sabía de ella y que la primera noticia que recibo es que había muerto y que después me dijeron que estaba viva, fueron como resurrecciones raras. Y cuando me dieron el Premio Nobel tuve la oportunidad de que se acercara a mí mi hermano Nicolás, mi cuñada Juana y sus hijos. Entonces estaban vivos. O sea, los vi por primera vez después del Premio Nobel. Igual mis dos hermanitas se trasladaron a México, ya con hijos e hijas. Entonces ya volvimos a reconstruir la familia y un poco antes conocí a mi esposo Angel, entonces empezamos a vivir, trabajar juntos, y a pensar en una familia que parecía no clara al principio hasta que tuvimos un hijo un año después, Mash, que nos cambió la vida realmente.
–¿Qué significa Mash?
–Su nombre completo es Mash Nahual Ja, que quiere decir “espíritu del agua”. Y el Mash lo pusimos en homenaje a los ancestros, porque en maya hay muchas interpretaciones. En maya yucateca, Mash es “mono”, y en el calendario maya el mono es el destino, es el tiempo. Y del abuelo, mi padre, su signo en el calendario maya es el tiempo, que está simbolizado por el mono. Tiene mucho contenido.
–¿Cómo es la situación hoy en Guatemala después de tanta lucha?
–Lo más grande que hicimos es haber culminado el conflicto armado interno. Nada se puede hacer en un país en guerra, en un país con emboscadas, en un país donde el crimen está a flor de piel, sea por tu posición, sea porque piensas distinto a una dictadura, y eso lo vivimos en Guatemala. Entonces finalizar el conflicto armado es uno de los más grandes legados que dejamos. Segundo, recuperar la dignidad de todas las personas. No sólo de las víctimas de abuso, de violencias, sino de todos los guatemaltecos. Porque estamos vistos como el país más criminal, más violento, el país donde se cometieron los grandes crímenes contra la humanidad en silencio. Porque el caso nuestro se destapa todo después de la Comisión de Esclarecimiento Histórico de las Naciones Unidas, después del trabajo que hace monseñor (Juan) Gerardi y al que asesinan después del informe “Guatemala: Nunca más”. Cuando veníamos denunciando desde los años ’80 y parecía que nadie nos creía y parecía que creían que inventábamos historias. Entonces la dignificación de todos nosotros, por la verdad de las víctimas y de todos los guatemaltecos, es una etapa muy difícil. Incluso la impunidad hoy continúa. No creo que dure pocas décadas esta situación, porque los hijos de los perpetuadores del genocidio nunca lo van a reconocer. Los victimarios no lo van a reconocer, los fascistas tampoco, y la gente está con su verdad y la verdad está ahí. Esto es Guatemala. Ahora, ningún pretexto hay para que no volvamos a recuperar desde las familias hasta lo que podemos hacer como ciudadanos mayores de edad.
Por lo tanto no comparto cuando la gente se queda quejándose como la víctima para siempre. En las comunidades tiene que haber diálogo, tiene que haber participación, tienen que ser responsables con su voto porque hemos luchado mucho para que la gente vote. Porque el Estado había perdido mucha credibilidad y el Tribunal Superior Electoral perdió mucha credibilidad a lo largo de tantos años que permitió golpes de Estado, que permitió una enorme cantidad de quebrantamientos del Estado de derecho. Hemos ayudado a recuperar esa credibilidad, entonces algo tiene que ocurrir para que los ciudadanos asuman su responsabilidad individual. Sean mayas o no mayas, mujeres u hombres, lo más importante es que tengamos esa conciencia de un quehacer ciudadano para que nuestro sistema sea totalmente normal.
–¿Qué se recupera con esa dignidad de la que habla?
–Guatemala es bellísimo, el paisaje, nuestra identidad. Los mayas tenemos más de 180 variedades de tejidos hechos por las mujeres, estamos incursionando fuertemente con los tejidos en el mercado internacional. Creo que hay que abrir una puerta a los artistas, o sea, recuperar la dinámica de un país rico, muy paradigmático en la región porque tenemos muchos idiomas y hemos conseguido gracias a nuestras luchas, por ejemplo, la oficialización de nuestros idiomas.
–¿Se aplica?
–Si no se utiliza es porque no lo invocamos. Porque es cierto que las leyes son letra muerta si sólo proclaman y no hay protocolo de aplicación o no hay presupuesto para aplicarlas. Entonces creo que tenemos que nivelar el presupuesto para que se hagan las cosas que dicen las leyes que se tienen que hacer en favor de un país pluricultural, multiétnico y multilingüe.
–Guatemala es uno de los países con más femicidios, ¿qué se está haciendo contra esto?
–Hay mucho trabajo de las organizaciones de mujeres. Desde las mujeres declaradas como movimiento feminista que tienen una gran labor educativa, jurídica. Hay participación de mujeres muy distinguidas como Helen Mack o Norma Cruz, mujeres que están en la palestra porque están directamente vinculadas con la asesoría de las mujeres que sufren violencia. Tenemos a Claudia Paz como fiscal general del Ministerio Público, que es el que persigue los delitos. Ella ha tenido los ataques que sufre una mujer cuando se coloca en los espacios de poder, presión, denigración en los medios. Lo sufren todas. Incluso la jueza que juzga el caso de Ríos Montt es una mujer extraordinaria, que hay sufrido los ataques más terribles. Hay machistas que se supone que son doctores pero son fascistas y anti mujer. Pero es cierto que Guatemala es el escenario de la crueldad porque la crueldad implicó terrorismo de Estado, tortura, desapariciones forzadas, denigrar la mujer como mensaje de violencia. Hay mujeres de las que se han encontrado sus restos divididos en distintos puntos y la imagen te produce una guerra psicológica de miedo. Yo como mujer, por miedo a que me critiquen, no participo; por miedo a que digan que abandoné mi hogar, mejor no participo; yo como mujer no puedo denunciar porque van a decir que estoy inventando. Y hasta la ley. Actualmente si yo denuncio una violación tengo que demostrar la violación.
–¿La víctima tiene que demostrar que es víctima?
–Exactamente, es como que tendría que ser violada de vuelta delante del juez para que crea que soy víctima. Todo eso lo hemos ido enfrentando. Ya hay un conjunto de normas que están por aprobarse o se han aprobado. El acoso sexual ya es penalizado, ya hay instancias que reciben denuncias de violencia familiar, ya se exige a los hombres que den mantenimiento a los hijos en caso de que haya una separación. Y el hecho de que estamos discutiendo en tribunales, ya no en denuncias paralelas.
–¿Cómo es el caso del dictador Efraín Ríos Montt?
–Muchas personas dicen que es un fracaso. Para nosotros no.
–¿Aunque se haya anulado la sentencia?
–La sentencia que ya se dictó es sin precedentes. Se siguió un proceso donde se escuchó a las víctimas, donde se recogieron testimonios, sea cuales fueren los planes de la Corte Constitucional para ocultar el hecho, es imposible de ocultar porque formalmente las instancias de la Justicia guatemalteca recibieron la información. No se puede decir “saquen esas cajas con testimonios y tírenlas porque el juicio no continúa”; en todo caso lo archivarán con todo. Eso es lo más importante. Los peritajes, los testigos, la antropología forense, el rostro de la tragedia guatemalteca está en la mesa del sistema legal. Entonces, ya que lo engaveten no es nuestro problema.
–¿Qué se ganó con el juicio?
–Se ganó muchísimo y yo gané más porque durante muchísimos años dijeron “Rigoberta Menchú es mentirosa”, dijeron que yo inventaba los hechos. En ésta no fui yo la actora principal, fueron las mujeres, las que dijeron: “Miren, a mí me violaron 20 soldados cuanto tenía 13 años”.
–Fue candidata a presidenta en su país dos veces, ¿va a volver a presentarse?
–Yo lo que siempre hice en la vida es abrir una brecha, y estoy completamente satisfecha con haber abierto una puerta para las mujeres en Guatemala, no importa su etnia y su educación elevada. Cuando yo me lancé a la candidatura presidencial en 2007 ninguna mujer estaba dispuesta, ni siquiera había candidatas alcaldesas, a lo más que llegaba la mujer era a ser candidata a diputada, pero normalmente las ponían en las listas más atrasadas. Entonces, salimos con mucha humildad, con una campaña desigual, con un partido recién nacido, sin estructuras ni recursos. Salimos a la candidatura. Lo que nunca pudieron evitar los candidatos presidenciales de más de 26 partidos políticos –había 14 candidatos– era la presencia de una mujer forzosa en cualquier escenario de la campaña. Animó a muchas mujeres. Ya en la segunda campaña había tres candidatas presidenciales. Y luego incluso tenemos una vicepresidenta del país.
–¿Usted fundó un partido propio?
–Fui cofundadora de nuestro partido (Winaq). Con mi esposo nos pusimos frente a convocatoria de los mayas e hicimos el partido. Ya hecho el partido era difícil que yo no lo estrenara, así que tenía que verme obligada otra vez a ser candidata por segunda vez con un partido propio. Ahora, la izquierda dice que los indígenas somos de derecha y la derecha dice que somos de izquierda. Entonces, también romper esta dicotomía es muy importante. Dijimos, este partido tiene muchas direcciones, sobre todo apunta a la equidad étnica, de género, generacional, y a la organización propia y a hacer una campaña no comprada ni vendida, que la gente confíe.
–¿Ahora cómo está el partido?
–Estamos en el Congreso. Acabo de entregar la secretaría general del partido a un joven de nuestra bancada. Actualmente tengo la secretaría de relaciones internacionales del partido. Los temas han sido la transparencia, combatir la impunidad, en distintos campos, pero sobre todo el fiscal: la impunidad en la corrupción en el manejo de los fondos públicos. Y la vigilancia y la asesoría de los pueblos indígenas para que tampoco caigan en la corrupción porque muchas de nuestras instancias mayas por ser intocables se les permite hacer..., hay cierta complicidad a veces. Entonces hemos decidido romper esos círculos.
–¿Qué le falta hacer?
–Escribir la verdad. No sólo la memoria de Rigoberta Menchú como una memoria colectiva sino que hemos hecho tanto... Entonces a mí me gustaría escribir cuatro o cinco libros de distintas facetas, desde niña, la juventud, la militancia –porque soy una militante–, mis maestros, los retos que nos han tocado en la vida, uno es la violencia y hay otros miedos que hemos tenido y eso hay que ponerlo por escrito. Pero sobre todo códigos de ética. Yo siempre digo que si somos coherentes con lo que defendemos seguramente somos ilustrativos de un código de ética. Y también quisiera difundir las enseñanzas ancestrales, porque creo que la antropología tiene un freno, un fracaso. Entonces, a mí me gustaría entrar en el mundo académico, pero no me quita el sueño.
(Pagina 12)
“Juré no callarme frente a la tortura y la barbarie”
Participó en el país del Foro Internacional por los Derechos de las Mujeres. Aquí cuenta su lucha en Guatemala, una nación signada por el genocidio de los años ’80. Relata su vida, la desaparición y muerte de buena parte de su familia y cómo se convirtió en militante. También revela lo que le falta hacer.
Por Sonia Santoro
“Hemos ayudado a recuperar credibilidad, entonces algo tiene que ocurrir para que los ciudadanos asuman su responsabilidad individual. Sean mayas o no mayas, mujeres u hombres, lo más importante es que tengamos esa conciencia de un quehacer ciudadano”, propone Rigoberta Menchú Tum, enfundada en el típico huipil con el que se la ve recorrer el mundo allí donde es necesario escuchar las voces de los oprimidos. La Premio Nobel de la Paz dice, sin embargo, que a 30 años de la etapa más violenta de lo que se conoce como genocidio guatemalteco, su país vive “una etapa difícil”: incluso la impunidad hoy continúa. “No creo que dure pocas décadas esta situación, porque los hijos de los perpetuadores del genocidio nunca lo van a reconocer. Los victimarios no lo van a reconocer, los fascistas tampoco y la gente está con su verdad y la verdad está ahí. Esto es Guatemala.”
–¿Qué aprendió de su padre?
–Mi padre dejó muchas huellas. Uno era porque él tuvo la capacidad de estar al frente de un gran movimiento campesino. Fue parte del Comité de Unidad Campesina (CUC). El lo lideró, estuvo presente. Luego estuvo muy vinculado al reclamo de la tierra. Mi padre veía la tierra como nuestra madre la gran selva. Luego buscaba siempre maneras de producir allí sin que lesionara toda la tierra. Buscaba mucha tecnología campesina para ver cómo mejorar sin vender la tierra como si fuera un negocio. Mi padre también era un catequista cristiano fiel a la Iglesia. Trabajaba en una militancia en la Iglesia Católica. Era alguien que abría una brecha.
En sus búsquedas a veces nos incluía. Nos llevaba a la comunidad, aunque yo creo que más lo acompañaron mis hermanos a él. Eran muchos hombres los que andaban con él pero siempre nos incluían a alguna de nosotras las mujeres.
–¿Y su mamá?, ¿ella era partera?
–Ella es otra tendencia. Era partera, veía nacer los niños, las niñas. A cualquier hora que venían a buscarla de una selva, una montaña, agarraba sus cosas y se iban. Pero también tenía un proceso para sus pacientes. Las veía desde los tres meses de embarazo. Muchas de ellas daban a luz en las montañas más lejanas y, desde lo que recuerdo, mi madre nunca tuvo un paciente que se le haya ido, muerto. Ella también usaba mucho las plantas medicinales, la medicina ancestral, el trato a las mujeres en un espacio sagrado que tenemos que se llama temazcal.
–¿Usted aprendió la partería?
–Sí, es una de las cosas que a mí me da mucho gusto. Porque cuando tú tienes una maestra enfrente no te das cuenta de que tienes una maestra y no te das cuenta de que cada cosa que hace es una enseñanza, pero cuando tú pierdes esa maestra te das cuenta de todo. Entonces mi padre por supuesto tiene un liderazgo, es indiscutible que el liderazgo de mi papá lo mamé un poquito. Me enseñó a hablar, a tomar decisiones. Me llevaba con él cuando tenía 5 o 6 años. En cambio mi madre hacía posible ir a buscar las plantas, procesarlas para que le preparáramos las condiciones en algunos casos, la acompañáramos a desvelarnos toda la noche, acompañando desde otro lugar, porque las señoritas nunca están presentes en un parto. Pero estábamos cerca.
–¿Tuvo a su hijo en esta tradición?
–No, porque la vida que tenemos actualmente las mujeres es una vida de muchas presiones y mi embarazo era de harto riesgo y tuve cesárea.
–¿Cuando era chica pensaba en qué quería ser cuando fuera grande?
–Yo admiraba muchas cosas. En mi tierra pasaba un avión y todo el mundo salía a ver si alcanzaban a verlo en el horizonte. Siempre se cuestiona uno porque no había televisión, no había luz eléctrica, no había carretera, la ciudad para nosotros había sido siempre un monstruo. Entonces nunca tuvimos mucha cercanía con la ciudad, hasta los 16 años. Tenía esa edad cuando partí primero a casas de monjas. Pero después a casas particulares. Es otra vida increíble, una se hace prisionera en la casa del patrón, es así. Casi toda la experiencia de las mujeres que trabajan en casas particulares... no salen más que al mercado que está cerca de la casas y hacen lo mismo todos los días. No se aprende mucho si no te dan oportunidad de aprender más. Donde yo aprendí más fue en el convento, porque ahí me enseñaron la alfabetización, después me gané una beca. Después saqué de primero a cuarto grado en un programa de educación de adultos y el siguiente año saqué quinto, sexto. Y cuando murieron mis padres estaba en secundaria.
–¿Qué edad tenía?
–23 años.
–¿Y cómo se sobrevive a tanta tragedia?
–La espiritualidad maya es profunda. La primera regla es estar en paz con los difuntos, y para eso hay que trabajar mucho en lo interior. Tu calidad mental, espiritual, junto a saber que uno debe ser feliz con poco. Porque los rencores, los odios, es la propia inconformidad del ser humano. Querer reparar los hechos. Yo juré no callarme frente a la tortura, la desaparición forzada, la barbarie. Entonces estuve detrás de la denuncia pública, de hablar públicamente, de buscar los medios de comunicación, de decir mi verdad. Muy consciente de que la verdad mía no es sólo mía, es la verdad de otros. Entonces esa misión social con que yo asumí la barbarie que le pasó a mi familia: mi hermano Patrocinio, que hasta ahora no encuentro sus restos; mi hermano Víctor, que sé que fue fusilado en público pero hasta ahora no encuentro sus restos; de mi madre que fue secuestrada, torturada, humillada, yo nunca podría pensar que esa humillación aguantaría yo. Y por lo tanto, tengo que estar indignada frente a eso. O sea, la indignación, la potencia, la poca capacidad de resolver las cosas me hizo a mí ir a los organismos mundiales, a los medios, sobre todo los medios mexicanos me dieron la gran oportunidad de trascender junto con mi gente, con la historia de Guatemala.
–Eso lo hizo desde el exilio...
–Sí. Catorce años de mi vida realmente dedicados a la denuncia. Fueron terribles esos años porque peleaba contra un monstruo, un sistema, unos poderes fácticos muy asesinos. Entonces me ayudó mucho pensar que no sabía dónde estaba el resto de mi familia. Incluso pensé que mi hermana Anita había muerto, tal vez mi hermana Lucía y mi hermano Nicolás también. Si yo hubiera sabido que ellos estaban vivos tal vez me hubiera frenado, porque uno no quiere poner en riesgo a una persona más, después de todos los riesgos que se habían corrido.
–¿Cuándo supo que estaban vivos?
–Diez años después. Pero antes fueron ocho años de haberme ido y de dedicarme a hacer denuncias públicas. En Ginebra, hay tantos archivos de denuncias que hice por lo menos cinco veces al año, año tras año, en la Comisión de Prevención de Discriminaciones, en el Grupo de Trabajo de Comisiones Indígenas, en el Comité contra el Racismo y la Discriminación, o sea, en todos los órganos de la ONU. En Nueva York comparecí año con año en la Asamblea General y no tenía ningún respaldo del gobierno. Pero sí éramos un equipo de guatemaltecos, de distinguidas personalidades que promovimos las resoluciones, que año con año persuadimos a los países para que patrocinaran las resoluciones condenatorias de lo que se vivía en Guatemala. Entonces ocho años después recibí una carta del Movimiento Insurgente en Guatemala, de sus altos mandos, para decirme que mi hermana Anita había fallecido, que había caído. Yo la lloré por dos, tres meses y después me llegó otra nota diciendo que se habían confundido de persona, no era ella. Qué lindo cuando te resucitan un ser querido cuando tú lo das por muerto. No sólo que ocho años después no sabía de ella y que la primera noticia que recibo es que había muerto y que después me dijeron que estaba viva, fueron como resurrecciones raras. Y cuando me dieron el Premio Nobel tuve la oportunidad de que se acercara a mí mi hermano Nicolás, mi cuñada Juana y sus hijos. Entonces estaban vivos. O sea, los vi por primera vez después del Premio Nobel. Igual mis dos hermanitas se trasladaron a México, ya con hijos e hijas. Entonces ya volvimos a reconstruir la familia y un poco antes conocí a mi esposo Angel, entonces empezamos a vivir, trabajar juntos, y a pensar en una familia que parecía no clara al principio hasta que tuvimos un hijo un año después, Mash, que nos cambió la vida realmente.
–¿Qué significa Mash?
–Su nombre completo es Mash Nahual Ja, que quiere decir “espíritu del agua”. Y el Mash lo pusimos en homenaje a los ancestros, porque en maya hay muchas interpretaciones. En maya yucateca, Mash es “mono”, y en el calendario maya el mono es el destino, es el tiempo. Y del abuelo, mi padre, su signo en el calendario maya es el tiempo, que está simbolizado por el mono. Tiene mucho contenido.
–¿Cómo es la situación hoy en Guatemala después de tanta lucha?
–Lo más grande que hicimos es haber culminado el conflicto armado interno. Nada se puede hacer en un país en guerra, en un país con emboscadas, en un país donde el crimen está a flor de piel, sea por tu posición, sea porque piensas distinto a una dictadura, y eso lo vivimos en Guatemala. Entonces finalizar el conflicto armado es uno de los más grandes legados que dejamos. Segundo, recuperar la dignidad de todas las personas. No sólo de las víctimas de abuso, de violencias, sino de todos los guatemaltecos. Porque estamos vistos como el país más criminal, más violento, el país donde se cometieron los grandes crímenes contra la humanidad en silencio. Porque el caso nuestro se destapa todo después de la Comisión de Esclarecimiento Histórico de las Naciones Unidas, después del trabajo que hace monseñor (Juan) Gerardi y al que asesinan después del informe “Guatemala: Nunca más”. Cuando veníamos denunciando desde los años ’80 y parecía que nadie nos creía y parecía que creían que inventábamos historias. Entonces la dignificación de todos nosotros, por la verdad de las víctimas y de todos los guatemaltecos, es una etapa muy difícil. Incluso la impunidad hoy continúa. No creo que dure pocas décadas esta situación, porque los hijos de los perpetuadores del genocidio nunca lo van a reconocer. Los victimarios no lo van a reconocer, los fascistas tampoco, y la gente está con su verdad y la verdad está ahí. Esto es Guatemala. Ahora, ningún pretexto hay para que no volvamos a recuperar desde las familias hasta lo que podemos hacer como ciudadanos mayores de edad.
Por lo tanto no comparto cuando la gente se queda quejándose como la víctima para siempre. En las comunidades tiene que haber diálogo, tiene que haber participación, tienen que ser responsables con su voto porque hemos luchado mucho para que la gente vote. Porque el Estado había perdido mucha credibilidad y el Tribunal Superior Electoral perdió mucha credibilidad a lo largo de tantos años que permitió golpes de Estado, que permitió una enorme cantidad de quebrantamientos del Estado de derecho. Hemos ayudado a recuperar esa credibilidad, entonces algo tiene que ocurrir para que los ciudadanos asuman su responsabilidad individual. Sean mayas o no mayas, mujeres u hombres, lo más importante es que tengamos esa conciencia de un quehacer ciudadano para que nuestro sistema sea totalmente normal.
–¿Qué se recupera con esa dignidad de la que habla?
–Guatemala es bellísimo, el paisaje, nuestra identidad. Los mayas tenemos más de 180 variedades de tejidos hechos por las mujeres, estamos incursionando fuertemente con los tejidos en el mercado internacional. Creo que hay que abrir una puerta a los artistas, o sea, recuperar la dinámica de un país rico, muy paradigmático en la región porque tenemos muchos idiomas y hemos conseguido gracias a nuestras luchas, por ejemplo, la oficialización de nuestros idiomas.
–¿Se aplica?
–Si no se utiliza es porque no lo invocamos. Porque es cierto que las leyes son letra muerta si sólo proclaman y no hay protocolo de aplicación o no hay presupuesto para aplicarlas. Entonces creo que tenemos que nivelar el presupuesto para que se hagan las cosas que dicen las leyes que se tienen que hacer en favor de un país pluricultural, multiétnico y multilingüe.
–Guatemala es uno de los países con más femicidios, ¿qué se está haciendo contra esto?
–Hay mucho trabajo de las organizaciones de mujeres. Desde las mujeres declaradas como movimiento feminista que tienen una gran labor educativa, jurídica. Hay participación de mujeres muy distinguidas como Helen Mack o Norma Cruz, mujeres que están en la palestra porque están directamente vinculadas con la asesoría de las mujeres que sufren violencia. Tenemos a Claudia Paz como fiscal general del Ministerio Público, que es el que persigue los delitos. Ella ha tenido los ataques que sufre una mujer cuando se coloca en los espacios de poder, presión, denigración en los medios. Lo sufren todas. Incluso la jueza que juzga el caso de Ríos Montt es una mujer extraordinaria, que hay sufrido los ataques más terribles. Hay machistas que se supone que son doctores pero son fascistas y anti mujer. Pero es cierto que Guatemala es el escenario de la crueldad porque la crueldad implicó terrorismo de Estado, tortura, desapariciones forzadas, denigrar la mujer como mensaje de violencia. Hay mujeres de las que se han encontrado sus restos divididos en distintos puntos y la imagen te produce una guerra psicológica de miedo. Yo como mujer, por miedo a que me critiquen, no participo; por miedo a que digan que abandoné mi hogar, mejor no participo; yo como mujer no puedo denunciar porque van a decir que estoy inventando. Y hasta la ley. Actualmente si yo denuncio una violación tengo que demostrar la violación.
–¿La víctima tiene que demostrar que es víctima?
–Exactamente, es como que tendría que ser violada de vuelta delante del juez para que crea que soy víctima. Todo eso lo hemos ido enfrentando. Ya hay un conjunto de normas que están por aprobarse o se han aprobado. El acoso sexual ya es penalizado, ya hay instancias que reciben denuncias de violencia familiar, ya se exige a los hombres que den mantenimiento a los hijos en caso de que haya una separación. Y el hecho de que estamos discutiendo en tribunales, ya no en denuncias paralelas.
–¿Cómo es el caso del dictador Efraín Ríos Montt?
–Muchas personas dicen que es un fracaso. Para nosotros no.
–¿Aunque se haya anulado la sentencia?
–La sentencia que ya se dictó es sin precedentes. Se siguió un proceso donde se escuchó a las víctimas, donde se recogieron testimonios, sea cuales fueren los planes de la Corte Constitucional para ocultar el hecho, es imposible de ocultar porque formalmente las instancias de la Justicia guatemalteca recibieron la información. No se puede decir “saquen esas cajas con testimonios y tírenlas porque el juicio no continúa”; en todo caso lo archivarán con todo. Eso es lo más importante. Los peritajes, los testigos, la antropología forense, el rostro de la tragedia guatemalteca está en la mesa del sistema legal. Entonces, ya que lo engaveten no es nuestro problema.
–¿Qué se ganó con el juicio?
–Se ganó muchísimo y yo gané más porque durante muchísimos años dijeron “Rigoberta Menchú es mentirosa”, dijeron que yo inventaba los hechos. En ésta no fui yo la actora principal, fueron las mujeres, las que dijeron: “Miren, a mí me violaron 20 soldados cuanto tenía 13 años”.
–Fue candidata a presidenta en su país dos veces, ¿va a volver a presentarse?
–Yo lo que siempre hice en la vida es abrir una brecha, y estoy completamente satisfecha con haber abierto una puerta para las mujeres en Guatemala, no importa su etnia y su educación elevada. Cuando yo me lancé a la candidatura presidencial en 2007 ninguna mujer estaba dispuesta, ni siquiera había candidatas alcaldesas, a lo más que llegaba la mujer era a ser candidata a diputada, pero normalmente las ponían en las listas más atrasadas. Entonces, salimos con mucha humildad, con una campaña desigual, con un partido recién nacido, sin estructuras ni recursos. Salimos a la candidatura. Lo que nunca pudieron evitar los candidatos presidenciales de más de 26 partidos políticos –había 14 candidatos– era la presencia de una mujer forzosa en cualquier escenario de la campaña. Animó a muchas mujeres. Ya en la segunda campaña había tres candidatas presidenciales. Y luego incluso tenemos una vicepresidenta del país.
–¿Usted fundó un partido propio?
–Fui cofundadora de nuestro partido (Winaq). Con mi esposo nos pusimos frente a convocatoria de los mayas e hicimos el partido. Ya hecho el partido era difícil que yo no lo estrenara, así que tenía que verme obligada otra vez a ser candidata por segunda vez con un partido propio. Ahora, la izquierda dice que los indígenas somos de derecha y la derecha dice que somos de izquierda. Entonces, también romper esta dicotomía es muy importante. Dijimos, este partido tiene muchas direcciones, sobre todo apunta a la equidad étnica, de género, generacional, y a la organización propia y a hacer una campaña no comprada ni vendida, que la gente confíe.
–¿Ahora cómo está el partido?
–Estamos en el Congreso. Acabo de entregar la secretaría general del partido a un joven de nuestra bancada. Actualmente tengo la secretaría de relaciones internacionales del partido. Los temas han sido la transparencia, combatir la impunidad, en distintos campos, pero sobre todo el fiscal: la impunidad en la corrupción en el manejo de los fondos públicos. Y la vigilancia y la asesoría de los pueblos indígenas para que tampoco caigan en la corrupción porque muchas de nuestras instancias mayas por ser intocables se les permite hacer..., hay cierta complicidad a veces. Entonces hemos decidido romper esos círculos.
–¿Qué le falta hacer?
–Escribir la verdad. No sólo la memoria de Rigoberta Menchú como una memoria colectiva sino que hemos hecho tanto... Entonces a mí me gustaría escribir cuatro o cinco libros de distintas facetas, desde niña, la juventud, la militancia –porque soy una militante–, mis maestros, los retos que nos han tocado en la vida, uno es la violencia y hay otros miedos que hemos tenido y eso hay que ponerlo por escrito. Pero sobre todo códigos de ética. Yo siempre digo que si somos coherentes con lo que defendemos seguramente somos ilustrativos de un código de ética. Y también quisiera difundir las enseñanzas ancestrales, porque creo que la antropología tiene un freno, un fracaso. Entonces, a mí me gustaría entrar en el mundo académico, pero no me quita el sueño.
(Pagina 12)
Reis e Pássaros
Precisamos ser pássaros e não devemos ser rei ou imperador
Gilmar Passos
Adital
Dentro da história da humanidade há grandes relatos históricos sobre grandes reinos e impérios. Grandes reis e imperadores ganham destaque na história e encantam a muitos. O encanto vem da imagem que ficou na história e na psicologia das pessoas sobre os reis e imperadores. Na história eles são apresentados como aqueles que se fixavam numa região geograficamente estratégica, de onde partiam para conquistar terras e pessoas de um modo ambicioso e sem limites.
São vários os impérios e imperadores registrados na história da humanidade. O Império Romano, como todos os impérios, ambicionou conquistar todos os reinos, todos os lugares. O Império Romano foi rico em expansão territorial e rico em privilégios e regalias. Ele tem deixado no mundo sua marca.
Os modelos de impérios e reinados provocam uma ânsia de poder, criando uma cultura de escravos. A partir disso as consequências são trágicas para as pessoas. Isso acontece porque elas passam focar todas as atividades da vida na busca insistente para conseguir o poder de domínio.
Na atualidade, a busca intensiva pelo domínio e poder já não se estabelece tanto pela busca em conseguir o maior território avançando as linhas de fronteiras, também os números de escravos não estão fixados ou distribuídos ao longo das terras conquistadas. Os modelos de impérios e reinados mudaram e assim mudaram o modelo de busca pelo poder, pelo domínio.
A maneira de alcançar os territórios está fixada de um jeito novo, acompanhando as mudanças do tempo. As conquistas territoriais não são feitas avançando os limites territoriais, mas conquistando o maior número de bens matérias e do aumento da conta bancária em todo o planeta. É assim que vemos crescer as empresas nacionais e multinacionais.
Assim sendo, os ambiciosos pelo poder e domínio, continuaram na história provocando transtornos pela ganância de poder, de domínio e de escravidão. O que vemos na atualidade é ser desenvolvida uma política internacional institucionalizada que agride a consciência das pessoas sem limites de fronteiras.
Os cidadãos de hoje já não são mais de uma determinada localidade geográfica, vivendo sobre o domínio de um determinado imperador ou rei. A cidadania tem se internacionalizado, ficando os cidadãos originados de uma nacionalidade e aberto aos seus limites internacionais. É através disso que os cidadãos ficam livres para transitar em toda a parte do planeta, desde que sejam seguidos os acordos e as orientações dos parâmetros internacionais ditados pelos donos dos lucros.
Quem legisla as leis internacionais são os detentores da economia, os imperados e reis do nosso tempo. São eles que detêm a grande concentração das riquezas mundiais e carregam os nomes e marcas de seus produtos em todo o mercado internacional. Eles criam e sustentam uma falsa cultura da busca pelo poder. Algumas pessoas não conseguem ter o poder em mãos, no entanto, participam das regalias, dos privilégios oferecidos pelos reis e imperadores da atualidade.
Quem participa do grupo dos privilegiados matem a postura de proteger o seu rei ou seu imperador dos possíveis ataques dos agressores. Hoje os agressores são aqueles que tiveram seus direitos roubados e, por não se contentarem, exigem os seus direitos e lutam por eles. Também eles recebem o nome de subversivos, baderneiros, etc.
Mas os reis e imperadores ficam escravos da ganância em lucrar, em obter mais bens, em aumentar sua conta bancária...
Os reis não são livres, também são escravos. Ficamos, pois, numa sociedade de muitas pessoas escravas e poucas pessoas livres. Umas são escravas em lucrar mais, outros em estarem submetidas às leis dos ambiciosos e donos dos lucros, outras são escravas em criar mecanismos que regulem as leis ou em manipular pessoas para se curvarem perante elas e diante dos seus patrões, coronéis, reis, imperadores.
Uma coisa não se discute: essas histórias de impérios e reinados, imperadores e reis chamam a atenção da pessoa que prioriza a ambição na própria vida. O modelo psicológico de projeto imperial causa euforia, efeito de concorrência, e os concorrentes entram para disputar. Esse modelo é uma das causas das brigas, das intrigas e dos atropelos na sociedade.
O bom em saber é que embora tudo isso aconteça, há enraizada a presença e atuação de pessoas livres. As pessoas que alcançam a liberdade são aquelas que conseguem sobrevoar todo o sistema opressor, vendo e analisando as suas fraquezas e desce para o meio dos escravizados para apontar as vias de liberdade. Essas pessoas são pássaros, águias que sobrevoam livremente em todo o território internacional.
Os pássaros nós já sabemos como vivem na natureza. Sabemos que eles vivem e respeitam as leis da natureza. Eles são capazes de migrar de um lugar para outro para buscar alimentos. As águias se destacam pela esperteza em buscar o alimento, elas sobrevoam ao alto, quando veem o alimento param ao longe, e de lá ficam observando o momento certo de descer e capturar-lo.
A liberdade dos pássaros também fica evidente na ajuda que eles prestam à natureza. Eles espalham as sementes das plantas, contribuindo para o nascimento de delas, novas árvores. Eles ajudam e protegem os indefesos, voam longe para buscar o alimento para seus filhotes. Realmente eles são solidários, companheiros e protetores do meio ambiente.
Essas características não estão presentes nos reis e imperadores ou naqueles que carregam a imagem psicológica de rei e imperador. Estes não são solidários, não são companheiros e não protegem a vida dos mais fracos. Mesmo quando eles passam por momentos de fraquezas eles querem que tudo ao seu redor esteja a sua disposição, continuam querendo dominar o ambiente.
É por essas questões analisadas que eu sou levado a proclamar: "Precisamos ser pássaros e não devemos ser rei ou imperador”. Devemos querer a liberdade e ter a coragem em promovê-la.
Não devemos ser rei ou imperador porque a história nos mostra que todo reino e todo império tiveram um fim. Muitos imperadores e reis tiveram um fim trágico. Nenhum reino ou império sobrevive eternamente, significando que quando se elege tanto um como em outro se investe tempo e energia numa coisa frágil. Mas, o ser humano vive para sua realização pessoal e o que lhe traz essa realização são coisas sólidas e não as que facilmente se destroem, como os impérios e reinos.
A liberdade é algo sólido e que não se desfaz. Por isso, nos asseguramos que são de pessoas livres que precisamos. Por outro lado, precisamos destruir primeiro dos nossos pensamentos e em seguida de nossas ações, a imagem psicológica de rei e imperador. A imagem e modelo que mais se divulgada na sociedade são dos imperadores e reis, no entanto, são os pássaros quem têm muito conteúdo bom a nos ensinar. Precisamos conhecê-los mais a fundo.
*Escritor e teólogo. Alguém que acredita na humanidade e na liberdade. Contato: gilmpasssos@hotmail.com
Gilmar Passos
Adital
Dentro da história da humanidade há grandes relatos históricos sobre grandes reinos e impérios. Grandes reis e imperadores ganham destaque na história e encantam a muitos. O encanto vem da imagem que ficou na história e na psicologia das pessoas sobre os reis e imperadores. Na história eles são apresentados como aqueles que se fixavam numa região geograficamente estratégica, de onde partiam para conquistar terras e pessoas de um modo ambicioso e sem limites.
São vários os impérios e imperadores registrados na história da humanidade. O Império Romano, como todos os impérios, ambicionou conquistar todos os reinos, todos os lugares. O Império Romano foi rico em expansão territorial e rico em privilégios e regalias. Ele tem deixado no mundo sua marca.
Os modelos de impérios e reinados provocam uma ânsia de poder, criando uma cultura de escravos. A partir disso as consequências são trágicas para as pessoas. Isso acontece porque elas passam focar todas as atividades da vida na busca insistente para conseguir o poder de domínio.
Na atualidade, a busca intensiva pelo domínio e poder já não se estabelece tanto pela busca em conseguir o maior território avançando as linhas de fronteiras, também os números de escravos não estão fixados ou distribuídos ao longo das terras conquistadas. Os modelos de impérios e reinados mudaram e assim mudaram o modelo de busca pelo poder, pelo domínio.
A maneira de alcançar os territórios está fixada de um jeito novo, acompanhando as mudanças do tempo. As conquistas territoriais não são feitas avançando os limites territoriais, mas conquistando o maior número de bens matérias e do aumento da conta bancária em todo o planeta. É assim que vemos crescer as empresas nacionais e multinacionais.
Assim sendo, os ambiciosos pelo poder e domínio, continuaram na história provocando transtornos pela ganância de poder, de domínio e de escravidão. O que vemos na atualidade é ser desenvolvida uma política internacional institucionalizada que agride a consciência das pessoas sem limites de fronteiras.
Os cidadãos de hoje já não são mais de uma determinada localidade geográfica, vivendo sobre o domínio de um determinado imperador ou rei. A cidadania tem se internacionalizado, ficando os cidadãos originados de uma nacionalidade e aberto aos seus limites internacionais. É através disso que os cidadãos ficam livres para transitar em toda a parte do planeta, desde que sejam seguidos os acordos e as orientações dos parâmetros internacionais ditados pelos donos dos lucros.
Quem legisla as leis internacionais são os detentores da economia, os imperados e reis do nosso tempo. São eles que detêm a grande concentração das riquezas mundiais e carregam os nomes e marcas de seus produtos em todo o mercado internacional. Eles criam e sustentam uma falsa cultura da busca pelo poder. Algumas pessoas não conseguem ter o poder em mãos, no entanto, participam das regalias, dos privilégios oferecidos pelos reis e imperadores da atualidade.
Quem participa do grupo dos privilegiados matem a postura de proteger o seu rei ou seu imperador dos possíveis ataques dos agressores. Hoje os agressores são aqueles que tiveram seus direitos roubados e, por não se contentarem, exigem os seus direitos e lutam por eles. Também eles recebem o nome de subversivos, baderneiros, etc.
Mas os reis e imperadores ficam escravos da ganância em lucrar, em obter mais bens, em aumentar sua conta bancária...
Os reis não são livres, também são escravos. Ficamos, pois, numa sociedade de muitas pessoas escravas e poucas pessoas livres. Umas são escravas em lucrar mais, outros em estarem submetidas às leis dos ambiciosos e donos dos lucros, outras são escravas em criar mecanismos que regulem as leis ou em manipular pessoas para se curvarem perante elas e diante dos seus patrões, coronéis, reis, imperadores.
Uma coisa não se discute: essas histórias de impérios e reinados, imperadores e reis chamam a atenção da pessoa que prioriza a ambição na própria vida. O modelo psicológico de projeto imperial causa euforia, efeito de concorrência, e os concorrentes entram para disputar. Esse modelo é uma das causas das brigas, das intrigas e dos atropelos na sociedade.
O bom em saber é que embora tudo isso aconteça, há enraizada a presença e atuação de pessoas livres. As pessoas que alcançam a liberdade são aquelas que conseguem sobrevoar todo o sistema opressor, vendo e analisando as suas fraquezas e desce para o meio dos escravizados para apontar as vias de liberdade. Essas pessoas são pássaros, águias que sobrevoam livremente em todo o território internacional.
Os pássaros nós já sabemos como vivem na natureza. Sabemos que eles vivem e respeitam as leis da natureza. Eles são capazes de migrar de um lugar para outro para buscar alimentos. As águias se destacam pela esperteza em buscar o alimento, elas sobrevoam ao alto, quando veem o alimento param ao longe, e de lá ficam observando o momento certo de descer e capturar-lo.
A liberdade dos pássaros também fica evidente na ajuda que eles prestam à natureza. Eles espalham as sementes das plantas, contribuindo para o nascimento de delas, novas árvores. Eles ajudam e protegem os indefesos, voam longe para buscar o alimento para seus filhotes. Realmente eles são solidários, companheiros e protetores do meio ambiente.
Essas características não estão presentes nos reis e imperadores ou naqueles que carregam a imagem psicológica de rei e imperador. Estes não são solidários, não são companheiros e não protegem a vida dos mais fracos. Mesmo quando eles passam por momentos de fraquezas eles querem que tudo ao seu redor esteja a sua disposição, continuam querendo dominar o ambiente.
É por essas questões analisadas que eu sou levado a proclamar: "Precisamos ser pássaros e não devemos ser rei ou imperador”. Devemos querer a liberdade e ter a coragem em promovê-la.
Não devemos ser rei ou imperador porque a história nos mostra que todo reino e todo império tiveram um fim. Muitos imperadores e reis tiveram um fim trágico. Nenhum reino ou império sobrevive eternamente, significando que quando se elege tanto um como em outro se investe tempo e energia numa coisa frágil. Mas, o ser humano vive para sua realização pessoal e o que lhe traz essa realização são coisas sólidas e não as que facilmente se destroem, como os impérios e reinos.
A liberdade é algo sólido e que não se desfaz. Por isso, nos asseguramos que são de pessoas livres que precisamos. Por outro lado, precisamos destruir primeiro dos nossos pensamentos e em seguida de nossas ações, a imagem psicológica de rei e imperador. A imagem e modelo que mais se divulgada na sociedade são dos imperadores e reis, no entanto, são os pássaros quem têm muito conteúdo bom a nos ensinar. Precisamos conhecê-los mais a fundo.
*Escritor e teólogo. Alguém que acredita na humanidade e na liberdade. Contato: gilmpasssos@hotmail.com
Virgens Suicidas
As Virgens Suicidas
em cinema por Jéssica Parizotto
Julio Cortázar, em suas instruções para dar corda no relógio, diz que quando alguém lhe dá tal objeto na verdade está lhe oferecendo “um pequeno inferno enfeitado, uma corrente de rosas, um calabouço de ar”, mas para mim essa frase é a mais perfeita definição de adolescência, um período infernal no qual entramos e dificilmente saímos.
Esse é o mote do livro As Virgens Suicidas. O título, nada sutil, entrega uma história que em momento algum o autor faz questão de esconder, aliás, na primeira linha sabemos o fim dela:
“Na manhã em que a última filha dos Lisbon resolveu que tinha chegado sua hora de se suicidar — foi Mary desta vez, e remédios para dormir, como Therese — os dois paramédicos chegaram à casa sabendo exatamente onde ficava a gaveta de facas, o forno a gás e a viga no porão, na qual era possível atar uma corda.”
O filme foi o primeiro da carreira da diretora, mas não deixa nada a desejar em termos de maturidade. Se você é do tipo que odeia adaptações de obras literárias para o cinema, ou acha que é redundante ler o livro e ver o filme, saiba que estará perdendo a oportunidade de ver materializadas algumas das personagens femininas mais complexas e interessantes da literatura recente.
E se isso não é argumento o suficiente, basta dizer que a irmã mais encantadora da trama foi vivida no filme por Kirsten Dunst.
Como o caso se passa nos anos 70, a trilha sonora, óbvio, é composta por músicas dessa época. E é um misto de breguice dançante com guitarras melancólicas, ou seja, nada mais adolescente.
Parte da trilha sonora do filme
Parte da trilha sonora do filme
Não posso contar aqui todo o restante da história, as perguntas são muitas ao longo da narrativa, mas o que posso garantir é que, como em todo bom filme, saímos da sessão com mais dúvidas do que certezas.
Artigo da autoria de Jéssica Parizotto.
jéssica parizotto é uma proparoxítona, interessa-se por haicais, músicas pouco conhecidas e jogo de palavras. Queria voar de balão, mas tem medo de altura..
Saiba como fazer parte da obvious.
em cinema por Jéssica Parizotto
Julio Cortázar, em suas instruções para dar corda no relógio, diz que quando alguém lhe dá tal objeto na verdade está lhe oferecendo “um pequeno inferno enfeitado, uma corrente de rosas, um calabouço de ar”, mas para mim essa frase é a mais perfeita definição de adolescência, um período infernal no qual entramos e dificilmente saímos.
Esse é o mote do livro As Virgens Suicidas. O título, nada sutil, entrega uma história que em momento algum o autor faz questão de esconder, aliás, na primeira linha sabemos o fim dela:
“Na manhã em que a última filha dos Lisbon resolveu que tinha chegado sua hora de se suicidar — foi Mary desta vez, e remédios para dormir, como Therese — os dois paramédicos chegaram à casa sabendo exatamente onde ficava a gaveta de facas, o forno a gás e a viga no porão, na qual era possível atar uma corda.”
O filme foi o primeiro da carreira da diretora, mas não deixa nada a desejar em termos de maturidade. Se você é do tipo que odeia adaptações de obras literárias para o cinema, ou acha que é redundante ler o livro e ver o filme, saiba que estará perdendo a oportunidade de ver materializadas algumas das personagens femininas mais complexas e interessantes da literatura recente.
E se isso não é argumento o suficiente, basta dizer que a irmã mais encantadora da trama foi vivida no filme por Kirsten Dunst.
Como o caso se passa nos anos 70, a trilha sonora, óbvio, é composta por músicas dessa época. E é um misto de breguice dançante com guitarras melancólicas, ou seja, nada mais adolescente.
Parte da trilha sonora do filme
Parte da trilha sonora do filme
Não posso contar aqui todo o restante da história, as perguntas são muitas ao longo da narrativa, mas o que posso garantir é que, como em todo bom filme, saímos da sessão com mais dúvidas do que certezas.
Artigo da autoria de Jéssica Parizotto.
jéssica parizotto é uma proparoxítona, interessa-se por haicais, músicas pouco conhecidas e jogo de palavras. Queria voar de balão, mas tem medo de altura..
Saiba como fazer parte da obvious.
Marxismo e Tristeza
Marshal Berman (1940-2013): o marxismo contra a tristeza
Falecido em 11/9, ele foi um dos grandes pensadores marxistas da segunda metade do século XX, e talvez o mais afetuoso
Por Adriano Campos, na Esquerda.net
“Nós não podemos gerar ideias que venham a juntar as vidas das pessoas se perdermos contato com essas vidas tais como são. Se não soubermos reconhecer as pessoas, como se apresentam, sentem e experienciam o mundo, nós nunca seremos capazes que as ajudar a conhecerem-se a elas mesmas ou a mudar o mundo. Ler o Capital não nos ajudará se não formos capazes, também, de ler os sinais que nos mostram as ruas.”[1] Marshal Berman foi escritor, pensador e filósofo, passou a sua vida a estudar as cidades que amava, sem nunca deixar de procurar no processo da modernidade que as ergueu o humanismo que tanto caracteriza a sua escrita. Estudou e lecionou em Oxford e Harvard, das quais dizia serem universidades “intelectualmente excitantes, mas socialmente solitárias”, na década de sessenta mudou-se para a City University de Nova York, cidade onde nasceu e mais tarde se tornou um dos principais impulsionadores da revista Dissent. Berman faleceu no último dia onze de setembro, aos 72 anos, foi um dos pensadores marxistas mais importantes da segunda metade do século XX e, com toda a certeza, o mais doce e o mais afetuoso. A sua obra é um perigo, do qual dificilmente nos libertamos se por um acaso tropeçarmos na armadilha de uma primeira frase.
“Tudo o que é sólido se dissolve no ar”
Lançado em 1982, o livro, cujo título Berman colheu no Manifesto Comunista[2], apresenta-se como uma das mais generosas leituras da modernidade que temos ao nosso dispor. Ao longo das suas muitas páginas, Berman mostra-nos que a referência de Marx à diluição permanente operada pela reconfiguração produtiva é, também, uma análise profunda da vida tal como experienciada pelo “ser moderno”, os homens e as mulheres nas ruas das novas cidades – “Na primeira metade do Manifesto, Marx equaciona as polaridades que irão moldar e animar a cultura do modernismo no século seguinte: o tema dos desejos e impulsos, da revolução permanente, do desenvolvimento infinito, da perpétua criação e renovação em todas as esferas da vida; e a sua antítese radical, o tema do niilismo, da destruição insaciável, do estilhaçamento e trituração da vida, do coração das trevas, do horror.”[3] Por isso mesmo, Berman reclama ao Manifesto um lugar entre as gigantes criações da modernidade e a Marx o legítimo reconhecimento de um autor fundacional da moderna cultura política e social, juntando-o assim à sua geração, a de 1840, da qual se destacaram Baudelaire, Flaubert, Wagner, Kierkegaard e Dostoiévski.
Os poetas e a tradução da modernidade
A relação entre o marxismo e a modernidade foi sempre uma das principais inquietações de Marshal Berman, o que o fez procurá-la nos campos mais improváveis, como o da poesia e da literatura. Uma das passagens mais entusiasmantes de Tudo o que é sólido se dissolve no ar é aquela na qual Berman nos apresenta um poema em prosa de Baudelaire. O poema intitula-se A Perda do Halo, escrito em 1865 mas rejeitado pela imprensa, só foi publicado após a morte de Baudelaire. A ação desenvolve-se na forma de diálogo entre um poeta e um “homem comum”, diálogo que se trava em un mauvais lieu, um lugar sinistro ou de má reputação, talvez um bordel, para embaraço de ambos. O homem comum, que sempre alimentara uma ideia elevada do artista, sente-se frustrado ao encontrar um deles em tal lugar: “O quê! Você aqui amigo? Você num lugar como este, você que come ambrósia e bebe quintessências! Estou espantado». O Poeta replica, explicando-se – «Meu amigo, sabe como me aterrorizam os cavalos e os veículos? Bem, agora mesmo atravessava a avenida com muita pressa, chapinhando na lama, no meio do caos, com uma morte galopando na minha direção, vinda de todos os lados, quando fiz um movimento brusco e o halo me caiu da cabeça, indo parar ao lodaçal de macadame. Estava demasiado assustado para o apanhar.”
Numa primeira leitura o poema não pode deixar de causar alguma estranheza. A alusão alegórica do poeta é intrigante; o halo, aparentemente, representa uma elevação, uma superioridade moral que, de súbito, se estatela no lodaçal. Para o poeta parece não haver maneira de o recuperar. Não é, contudo, na queda que reside o foco de Berman, mas naquilo que o faz cair – “O homem moderno arquétipo, como o vemos aqui, é o peão lançado no turbilhão do tráfego da cidade moderna, um homem sozinho, lutando contra um aglomerado de massa e energias pesadas, velozes e mortíferas. O borbulhante tráfego da rua e da avenida não conhece fronteiras espaciais nem temporais, espalha-se por todos os espaços urbanos, impõe o seu ritmo ao mesmo tempo de todas as pessoas, transforma o ambiente moderno em «caos». O caos aqui não reside apenas nos que passam – cavaleiros ou cocheiros, cada qual procurando o melhor caminho que pode haver – mas na sua interação, na totalidade dos seus movimentos num espaço comum. Isso faz da avenida um símbolo perfeito das contradições internas do capitalismo: racionalidade em cada unidade capitalista individualizada, que conduz à irracionalidade anárquica do sistema social que reúne todas essas unidades.” É no seio deste processo, então, que devemos interpretar a perda da distinção herdada pelo poeta, no qual é lançada a luz da mercadorização sobre a atividade humana; referência que podemos, uma vez mais, encontrar no Manifesto – “A burguesia arrancou o halo a toda a atividade humana até aqui honrada e encarada com reverente respeito. Transformou o médico, o advogado, o padre, o poeta, o homem da ciência em trabalhadores assalariados.”
“O ser inquieto”: a busca pela autenticidade.
O que é pessoal, o que tomamos por íntimo e intransmissível pode bem ser um problema político. “Ser autêntico, autenticamente si mesmo, é ver criticamente através das forças que limitam e restringem o nosso ser, e lutar para superá-las. Os homens e mulheres do iluminismo acreditavam que quando as pessoas percebessem as forças restritivas, estas poderiam ser superadas. Mas quão radicais têm de ser essas transformações, nas nossas vidas sexuais e sociais, de modo a nos reconhecermos a nós mesmos?”[4] Berman estudou o individualismo radical nas suas versões mais heterógeneas: a proposta utilitarista (tão criticada por Marx), o romantismo e as obras percursoras de Rosseau e Montesquieu. O que, segundo ele, faz da autenticidade – estado no qual a individualidade é plenamente desenvolvida e expressada e não submetida ou sacrificada – um já velho leitmotiv da cultura ocidental. Essa concepção da individualidade, embora moldada e reivindicada por campos políticos distintos face às convulsões históricas do período 1848-1945, conduzir-nos-ia à advertência de Hannah Arendt, segundo a qual a aniquilação do particular está no germe do totalitarismo, numa clara referência às duas tragédias políticas do século XX (o nazi-fascismo e o stalinismo) que a seu modo aprisionaram parte da produção marxista.
A geração da “new left”, da qual Berman fez parte, ajudou o marxismo a reencontrar as multitudes da obra fundadora, recolocando ao nosso dispor a busca pela superação da opressão em múltiplas esferas da nossa vida, da alienação contida no processo de trabalho ao brutalizar contínuo das identidades. Berman procurou em Marx a expressão de um individualismo capaz de se afastar da mera celebração rasteira de uma burguesia que é “vulgar e desprezível porque parece satisfeita consigo própria, porque não apreende as possibilidade humanas que as suas próprias atividades geraram”. Ao contrário do que nos diz a advertência implícita de Arendt, Marx concebeu o livre desenvolvimento do indivíduo como condição para o livre desenvolvimento de todos, e avançou na descoberta das restrições coletivas enfrentadas por aqueles que vivem do seu trabalho.
Berman acrescenta a esse conhecido adágio a largura histórica da própria modernidade, que insuflou e agitou as possibilidades da vida ao nosso dispor, mas que, ao contrário das épocas anteriores, nos submete a um sentimento de catástrofe iminente – “tudo o que é sólido se dissolve no ar”. O marxismo como “política de vida boa” pode ser, nesse contexto, uma razão estratégica para a autenticidade, que dá forma a uma organização contra a castração das possibilidades que contemos[5]. A superação da exploração, da subalternidade das opressões, o pleno desenvolvimento do nosso ser e a consequente luta contra a tristeza, amargura e angústia de reconhecermos as limitações que nos são impostas por uma relação de classe é uma possibilidade que nos foi legada pela modernidade. Berman ajudou-nos a compreender como o marxismo, tantas vezes dado como morto e enterrado, pode ser uma expressão inteligível, generosa e necessária dessa possibilidade.
Marshal Berman dissolveu-se no ar, mas o que é sólido, como a sua obra, pode bem permanecer por muito tempo.
-
Notas:
[1] “The signes in thestreet: a response to Perry Anderson”, in New Left Review, 144, Abril 1984.
[2] “A revolução contínua da produção, o abalo constante de todo o sistema social, a agitação permanente e a falta de segurança distinguem a época burguesa de todas as precedentes. Dissolvem-se todas as relações sociais antigas e cristalizadas, com seu cortejo de concepções e de idéias secularmente veneradas; as relações que as substituem tornam-se antiquadas antes de poderem ossificar-se. Tudo que era sólido se dissolve no ar, tudo o que era sagrado é profanado, e os homens são, por fim, obrigados a encarar com serenidade as suas condições de existência e as suas relações recíprocas.”
[3] BERMAN, Marshal (1982), Tudo o que é sólido se dissolve no ar, São Paulo: Editora Schwarcz.
[4] BERMAN, Marshal (1970), The Politics of Authenticity: Radical Individualism and the Emergence of Moderm Society, London: Verso.
[5]BERMAN, Marshal (1998) Adventures in Marxism, London: Verso.
(Outras palavras)
Falecido em 11/9, ele foi um dos grandes pensadores marxistas da segunda metade do século XX, e talvez o mais afetuoso
Por Adriano Campos, na Esquerda.net
“Nós não podemos gerar ideias que venham a juntar as vidas das pessoas se perdermos contato com essas vidas tais como são. Se não soubermos reconhecer as pessoas, como se apresentam, sentem e experienciam o mundo, nós nunca seremos capazes que as ajudar a conhecerem-se a elas mesmas ou a mudar o mundo. Ler o Capital não nos ajudará se não formos capazes, também, de ler os sinais que nos mostram as ruas.”[1] Marshal Berman foi escritor, pensador e filósofo, passou a sua vida a estudar as cidades que amava, sem nunca deixar de procurar no processo da modernidade que as ergueu o humanismo que tanto caracteriza a sua escrita. Estudou e lecionou em Oxford e Harvard, das quais dizia serem universidades “intelectualmente excitantes, mas socialmente solitárias”, na década de sessenta mudou-se para a City University de Nova York, cidade onde nasceu e mais tarde se tornou um dos principais impulsionadores da revista Dissent. Berman faleceu no último dia onze de setembro, aos 72 anos, foi um dos pensadores marxistas mais importantes da segunda metade do século XX e, com toda a certeza, o mais doce e o mais afetuoso. A sua obra é um perigo, do qual dificilmente nos libertamos se por um acaso tropeçarmos na armadilha de uma primeira frase.
“Tudo o que é sólido se dissolve no ar”
Lançado em 1982, o livro, cujo título Berman colheu no Manifesto Comunista[2], apresenta-se como uma das mais generosas leituras da modernidade que temos ao nosso dispor. Ao longo das suas muitas páginas, Berman mostra-nos que a referência de Marx à diluição permanente operada pela reconfiguração produtiva é, também, uma análise profunda da vida tal como experienciada pelo “ser moderno”, os homens e as mulheres nas ruas das novas cidades – “Na primeira metade do Manifesto, Marx equaciona as polaridades que irão moldar e animar a cultura do modernismo no século seguinte: o tema dos desejos e impulsos, da revolução permanente, do desenvolvimento infinito, da perpétua criação e renovação em todas as esferas da vida; e a sua antítese radical, o tema do niilismo, da destruição insaciável, do estilhaçamento e trituração da vida, do coração das trevas, do horror.”[3] Por isso mesmo, Berman reclama ao Manifesto um lugar entre as gigantes criações da modernidade e a Marx o legítimo reconhecimento de um autor fundacional da moderna cultura política e social, juntando-o assim à sua geração, a de 1840, da qual se destacaram Baudelaire, Flaubert, Wagner, Kierkegaard e Dostoiévski.
Os poetas e a tradução da modernidade
A relação entre o marxismo e a modernidade foi sempre uma das principais inquietações de Marshal Berman, o que o fez procurá-la nos campos mais improváveis, como o da poesia e da literatura. Uma das passagens mais entusiasmantes de Tudo o que é sólido se dissolve no ar é aquela na qual Berman nos apresenta um poema em prosa de Baudelaire. O poema intitula-se A Perda do Halo, escrito em 1865 mas rejeitado pela imprensa, só foi publicado após a morte de Baudelaire. A ação desenvolve-se na forma de diálogo entre um poeta e um “homem comum”, diálogo que se trava em un mauvais lieu, um lugar sinistro ou de má reputação, talvez um bordel, para embaraço de ambos. O homem comum, que sempre alimentara uma ideia elevada do artista, sente-se frustrado ao encontrar um deles em tal lugar: “O quê! Você aqui amigo? Você num lugar como este, você que come ambrósia e bebe quintessências! Estou espantado». O Poeta replica, explicando-se – «Meu amigo, sabe como me aterrorizam os cavalos e os veículos? Bem, agora mesmo atravessava a avenida com muita pressa, chapinhando na lama, no meio do caos, com uma morte galopando na minha direção, vinda de todos os lados, quando fiz um movimento brusco e o halo me caiu da cabeça, indo parar ao lodaçal de macadame. Estava demasiado assustado para o apanhar.”
Numa primeira leitura o poema não pode deixar de causar alguma estranheza. A alusão alegórica do poeta é intrigante; o halo, aparentemente, representa uma elevação, uma superioridade moral que, de súbito, se estatela no lodaçal. Para o poeta parece não haver maneira de o recuperar. Não é, contudo, na queda que reside o foco de Berman, mas naquilo que o faz cair – “O homem moderno arquétipo, como o vemos aqui, é o peão lançado no turbilhão do tráfego da cidade moderna, um homem sozinho, lutando contra um aglomerado de massa e energias pesadas, velozes e mortíferas. O borbulhante tráfego da rua e da avenida não conhece fronteiras espaciais nem temporais, espalha-se por todos os espaços urbanos, impõe o seu ritmo ao mesmo tempo de todas as pessoas, transforma o ambiente moderno em «caos». O caos aqui não reside apenas nos que passam – cavaleiros ou cocheiros, cada qual procurando o melhor caminho que pode haver – mas na sua interação, na totalidade dos seus movimentos num espaço comum. Isso faz da avenida um símbolo perfeito das contradições internas do capitalismo: racionalidade em cada unidade capitalista individualizada, que conduz à irracionalidade anárquica do sistema social que reúne todas essas unidades.” É no seio deste processo, então, que devemos interpretar a perda da distinção herdada pelo poeta, no qual é lançada a luz da mercadorização sobre a atividade humana; referência que podemos, uma vez mais, encontrar no Manifesto – “A burguesia arrancou o halo a toda a atividade humana até aqui honrada e encarada com reverente respeito. Transformou o médico, o advogado, o padre, o poeta, o homem da ciência em trabalhadores assalariados.”
“O ser inquieto”: a busca pela autenticidade.
O que é pessoal, o que tomamos por íntimo e intransmissível pode bem ser um problema político. “Ser autêntico, autenticamente si mesmo, é ver criticamente através das forças que limitam e restringem o nosso ser, e lutar para superá-las. Os homens e mulheres do iluminismo acreditavam que quando as pessoas percebessem as forças restritivas, estas poderiam ser superadas. Mas quão radicais têm de ser essas transformações, nas nossas vidas sexuais e sociais, de modo a nos reconhecermos a nós mesmos?”[4] Berman estudou o individualismo radical nas suas versões mais heterógeneas: a proposta utilitarista (tão criticada por Marx), o romantismo e as obras percursoras de Rosseau e Montesquieu. O que, segundo ele, faz da autenticidade – estado no qual a individualidade é plenamente desenvolvida e expressada e não submetida ou sacrificada – um já velho leitmotiv da cultura ocidental. Essa concepção da individualidade, embora moldada e reivindicada por campos políticos distintos face às convulsões históricas do período 1848-1945, conduzir-nos-ia à advertência de Hannah Arendt, segundo a qual a aniquilação do particular está no germe do totalitarismo, numa clara referência às duas tragédias políticas do século XX (o nazi-fascismo e o stalinismo) que a seu modo aprisionaram parte da produção marxista.
A geração da “new left”, da qual Berman fez parte, ajudou o marxismo a reencontrar as multitudes da obra fundadora, recolocando ao nosso dispor a busca pela superação da opressão em múltiplas esferas da nossa vida, da alienação contida no processo de trabalho ao brutalizar contínuo das identidades. Berman procurou em Marx a expressão de um individualismo capaz de se afastar da mera celebração rasteira de uma burguesia que é “vulgar e desprezível porque parece satisfeita consigo própria, porque não apreende as possibilidade humanas que as suas próprias atividades geraram”. Ao contrário do que nos diz a advertência implícita de Arendt, Marx concebeu o livre desenvolvimento do indivíduo como condição para o livre desenvolvimento de todos, e avançou na descoberta das restrições coletivas enfrentadas por aqueles que vivem do seu trabalho.
Berman acrescenta a esse conhecido adágio a largura histórica da própria modernidade, que insuflou e agitou as possibilidades da vida ao nosso dispor, mas que, ao contrário das épocas anteriores, nos submete a um sentimento de catástrofe iminente – “tudo o que é sólido se dissolve no ar”. O marxismo como “política de vida boa” pode ser, nesse contexto, uma razão estratégica para a autenticidade, que dá forma a uma organização contra a castração das possibilidades que contemos[5]. A superação da exploração, da subalternidade das opressões, o pleno desenvolvimento do nosso ser e a consequente luta contra a tristeza, amargura e angústia de reconhecermos as limitações que nos são impostas por uma relação de classe é uma possibilidade que nos foi legada pela modernidade. Berman ajudou-nos a compreender como o marxismo, tantas vezes dado como morto e enterrado, pode ser uma expressão inteligível, generosa e necessária dessa possibilidade.
Marshal Berman dissolveu-se no ar, mas o que é sólido, como a sua obra, pode bem permanecer por muito tempo.
-
Notas:
[1] “The signes in thestreet: a response to Perry Anderson”, in New Left Review, 144, Abril 1984.
[2] “A revolução contínua da produção, o abalo constante de todo o sistema social, a agitação permanente e a falta de segurança distinguem a época burguesa de todas as precedentes. Dissolvem-se todas as relações sociais antigas e cristalizadas, com seu cortejo de concepções e de idéias secularmente veneradas; as relações que as substituem tornam-se antiquadas antes de poderem ossificar-se. Tudo que era sólido se dissolve no ar, tudo o que era sagrado é profanado, e os homens são, por fim, obrigados a encarar com serenidade as suas condições de existência e as suas relações recíprocas.”
[3] BERMAN, Marshal (1982), Tudo o que é sólido se dissolve no ar, São Paulo: Editora Schwarcz.
[4] BERMAN, Marshal (1970), The Politics of Authenticity: Radical Individualism and the Emergence of Moderm Society, London: Verso.
[5]BERMAN, Marshal (1998) Adventures in Marxism, London: Verso.
(Outras palavras)
'Seu' Madruga
Seu Madruga, o filósofo.
por Mário Lúcio
Os ensinamentos de vida de um personagem memorável.
Ramón Gómez Valdez Castillo era conhecido por ser um dos melhores atores de cinema e da TV mexicana, nascido no ano de 1923, cresceu numa família simples, onde ajudava seu pai que trabalhava num pequeno circo da cidade de Juarez. A carreira de ator teve início por volta da década 40, conseguiu papeis de grande importância em filmes que fizeram sucesso entre as décadas de 50 e 70. Durante as gravações de um dos filmes de em que Don Ramón participou acabou conhecendo Roberto Gomez Bolaños, e foi convidado pra integrar um grupo de humoristas que começava a fazer sucesso na TV mexicana. No seriado Chaves, Don Ramón deu vida ao personagem Seu Madruga, um viúvo que conquistou o público graças ao seu carisma e genialidade nas palavras.
Seu Madruga pode ser considerado um dos grandes filósofos do século XX, a seguir vocês verão as frases que não me deixam mentir;
“Não há nada mais trabalhoso do que viver sem trabalhar.”
“A vingança nunca é plena, mata a alma e a envenena.”
“As pessoas boas devem amar seus inimigos.”
“Não existe trabalho ruim. O ruim é ter que trabalhar.”
“Sou um cidadão consciente, não fanático!”
“Vá até a esquina e veja se meu burro está bem amarrado.”
“Pode fazer o favor de ir ver que horas são na Torre de Londres?”
“Devemos perdoar os alugueis atrasados.”
“Minha dívida com o senhor é algo que eu levarei até o resto da minha vida.”
“Este símbolo representa prerigo! Ouviram bem?! Pre-ri-go!!”
“Não se diz estáuta, se diz monumento.”
“Isso é boxe, não uma briga de mulas.”
“Quando a fome aperta, a vergonha afrouxa.”
“Você não sabe o que é sentido figurado? Na escola não te dão aulas de geometria?”
“Olha, se existisse Olimpíada para idiotas, você ganharia a medalha de ouro.”
“Pra aprendermos outro idioma temos que estudar anatomia, já que a língua faz parte do corpo humano.”
“Somente as pessoas ruins sentem prazer em ver o sofrimento alheio.”
“Tá me chamando de troglodita? Ah, bom... Pensei que tivesse dito poliglota.”
“Olha, Quico… diga à sua mãe que, na salada, a gente coloca vinagre… e não cachaça!”
“Sabe o que eu faço quando gritam comigo? Eu vou pra minha casa.”
“Você sabe quanto custa trazer um artista do estrangeiro? Ainda mais sendo de outro país?”
“Se soubesse que tinha mandado um idiota fazer isso, tinha ido eu mesmo.”
“Posso não ter um centavo no bolso, mas tenho um sorriso no rosto e isso vale mais que todo dinheiro do mundo.”
“Minha senhora, se acha que pode me comprar com alguns presentinhos, eu vou lhe dizer uma coisa... eu aceito!”
“Eu sabia que você era idiota, mas não a nível executivo!”
“Não há luta pior do que aquela que não se enfrenta.”
“Somente um idiota responde uma pergunta com outra pergunta.”
“A virtude do bem viver está nos princípios morais, minha filha.”
“Não estou triste porque não arranjei emprego. Estou triste porque consegui arranjar.”
“Sou pobre, porém honrado!”
“Às vezes temos que sacrificar algumas coisas para conseguir outras.”
“Ganha aquele que não perde”
"A diferença entre as duas Alemanhas é simples, é que de um lado se toma Vodka e do outro cerveja."
Artigo da autoria de Mário Lúcio.
Eu sou apenas um rapaz afro descendente com um pouco de dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo da Grande São Paulo. .
Saiba como fazer parte da obvious.
por Mário Lúcio
Os ensinamentos de vida de um personagem memorável.
Ramón Gómez Valdez Castillo era conhecido por ser um dos melhores atores de cinema e da TV mexicana, nascido no ano de 1923, cresceu numa família simples, onde ajudava seu pai que trabalhava num pequeno circo da cidade de Juarez. A carreira de ator teve início por volta da década 40, conseguiu papeis de grande importância em filmes que fizeram sucesso entre as décadas de 50 e 70. Durante as gravações de um dos filmes de em que Don Ramón participou acabou conhecendo Roberto Gomez Bolaños, e foi convidado pra integrar um grupo de humoristas que começava a fazer sucesso na TV mexicana. No seriado Chaves, Don Ramón deu vida ao personagem Seu Madruga, um viúvo que conquistou o público graças ao seu carisma e genialidade nas palavras.
Seu Madruga pode ser considerado um dos grandes filósofos do século XX, a seguir vocês verão as frases que não me deixam mentir;
“Não há nada mais trabalhoso do que viver sem trabalhar.”
“A vingança nunca é plena, mata a alma e a envenena.”
“As pessoas boas devem amar seus inimigos.”
“Não existe trabalho ruim. O ruim é ter que trabalhar.”
“Sou um cidadão consciente, não fanático!”
“Vá até a esquina e veja se meu burro está bem amarrado.”
“Pode fazer o favor de ir ver que horas são na Torre de Londres?”
“Devemos perdoar os alugueis atrasados.”
“Minha dívida com o senhor é algo que eu levarei até o resto da minha vida.”
“Este símbolo representa prerigo! Ouviram bem?! Pre-ri-go!!”
“Não se diz estáuta, se diz monumento.”
“Isso é boxe, não uma briga de mulas.”
“Quando a fome aperta, a vergonha afrouxa.”
“Você não sabe o que é sentido figurado? Na escola não te dão aulas de geometria?”
“Olha, se existisse Olimpíada para idiotas, você ganharia a medalha de ouro.”
“Pra aprendermos outro idioma temos que estudar anatomia, já que a língua faz parte do corpo humano.”
“Somente as pessoas ruins sentem prazer em ver o sofrimento alheio.”
“Tá me chamando de troglodita? Ah, bom... Pensei que tivesse dito poliglota.”
“Olha, Quico… diga à sua mãe que, na salada, a gente coloca vinagre… e não cachaça!”
“Sabe o que eu faço quando gritam comigo? Eu vou pra minha casa.”
“Você sabe quanto custa trazer um artista do estrangeiro? Ainda mais sendo de outro país?”
“Se soubesse que tinha mandado um idiota fazer isso, tinha ido eu mesmo.”
“Posso não ter um centavo no bolso, mas tenho um sorriso no rosto e isso vale mais que todo dinheiro do mundo.”
“Minha senhora, se acha que pode me comprar com alguns presentinhos, eu vou lhe dizer uma coisa... eu aceito!”
“Eu sabia que você era idiota, mas não a nível executivo!”
“Não há luta pior do que aquela que não se enfrenta.”
“Somente um idiota responde uma pergunta com outra pergunta.”
“A virtude do bem viver está nos princípios morais, minha filha.”
“Não estou triste porque não arranjei emprego. Estou triste porque consegui arranjar.”
“Sou pobre, porém honrado!”
“Às vezes temos que sacrificar algumas coisas para conseguir outras.”
“Ganha aquele que não perde”
"A diferença entre as duas Alemanhas é simples, é que de um lado se toma Vodka e do outro cerveja."
Artigo da autoria de Mário Lúcio.
Eu sou apenas um rapaz afro descendente com um pouco de dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo da Grande São Paulo. .
Saiba como fazer parte da obvious.
Literatura
A literatura como filosofia de vida
em artes e ideias por Marcelo Vinicius
O texto literário expressa um sentido de procura, um desejo de existir, de manifestar-se ao mundo e conseguir nele um espaço. Percebe-se com frequência essas características em autores como João Guimarães Rosa, Joaquim Maria Machado de Assis, José de Alencar, Clarice Lispector, José Saramago, João Cabral de Melo Neto, Lima Barreto, Franz Kafka, Fiódor Dostoiévski, entre outros expoentes fundamentais na expressão literária.
Li o livro intitulado “As Virgens Suicidas” de Jeffrey Eugenides. A obra começa e se estende por uma trama muitíssimo interessante, ao contar uma história que no período de um ano, cinco jovens irmãs cometem suicídio. Um grupo de meninos vizinhos, obcecados pelas mortes, chega à meia-idade com um museu de evidências, que vão de diários a roupas das garotas. Mas, mesmo depois de vinte anos, estes homens ainda encontram dificuldades para compreender aquelas almas femininas. Este livro inspirou o filme homônimo em 1999, o primeiro filme dirigido por Sofia Coppola, filha do cineasta Francis Ford Coppola.
No entanto, não nos prenderemos na história em si, que por sinal procura entender a alma humana de uma maneira distinta, mas sim na trama, no jogo de segredos que o livro oferece, pois contrário de um filme de mistério esse livro não tem solução evidente, não há uma razão pela qual as meninas se mataram. Este livro admite que não há razões óbvias para as mortes das meninas ou pelo menos não são tão óbvias quanto achávamos que fossem, apesar de algumas explicações psicanalíticas. É isso que faz este trabalho literário, como outros dessa mesma natureza, ser interessante.
Esses livros demonstram o quanto são atraentes e muito importantes às obras que não se tem explicações lógicas, pelo menos não são tão óbvias sobre uma determinada questão. Livros não precisam ser óbvios. Eles precisam ser coadjuvantes, mas não a ponto de oferecerem uma solução pronta para o leitor. Livros têm que fazer o leitor pensar e não só fazê-lo “viajar”, mas viver realmente o fato e por ser um fato vivido é o próprio leitor que chegará a uma conclusão sobre o que foi experienciado. Cada caso é um caso.
Um dos papéis da literatura é levar o leitor para uma vida que ele jamais viveu (ou se viveu, apresentá-la com outro aspecto) e assim fazê-lo mais conhecedor, pois só vivendo, experienciando, as coisas é que podemos nos desenvolver.
A pessoa que lê livros desse estilo, além de melhorar o seu cognitivo, pois ela procura desvendar os mistérios e sua inteligência e sua sensibilidade estão sendo desenvolvidas na trama, acaba também tendo várias “vidas” e como são vidas, só quem viveu pode concluir algo mais concreto sobre o acontecimento. Não há ninguém, nenhum tipo de autor, como nos livros de auto-ajuda, resolvendo os seus problemas. A literatura não é um padre, não está lá para ditar sua vida. Até porque a vida é mais complexa que tais auto-ajudas.
A boa literatura tem como filosofia a ideia de que existem algumas coisas que você tem que fazer por si mesmo. Se eu bebo a sua sede continua, se eu como a sua fome continua. Ninguém pode matar a sua sede e sua fome se não você mesmo.
Tudo o que você não desenvolveu, não viveu, será perdido. Você não pode desfrutar, confiar naquilo que não se desenvolveu em seu ser naturalmente. A verdade não pode ser dada, ela não é transferível. E é nisso que a literatura dessa natureza procura trabalhar, ao oferecer ao leitor uma vida intrigante para que possa resolvê-la de acordo com a sua capacidade, em vez de dar algo pronto.
A literatura de qualidade faz o leitor viver situações com problemas contidas na manipulação da trama e conseqüentemente ele cresce através da procura de soluções e de alternativas, favorecendo a concentração, a atenção, o engajamento, o conhecimento crítico-reflexivo e a imaginação. Como decorrência disto o leitor aprende a pensar, estimulando sua inteligência.
Para que o livro seja significativo para o leitor é preciso que tenha pontos de contato com a realidade, por isso as obras de autores como Machado de Assis, Franz Kafka, Clarice Lispector, Fiódor Dostoiévski, Jeffrey Eugenides etc. são ótimas. Já que a vida real não permite ensaios, você pode "ensaiá-los" nessas obras, tendo mais bagagem para viver melhor, uma vez que elas têm algo a dizer sobre a vida.
Saindo de Jeffrey, um autor do nosso tempo, ainda em crescimento, mas mostrando bons frutos, iremos para os clássicos, como o Kafka e o seu livro “O processo”, o qual Albert Camus, outro grande nome da literatura, afirmava que “a arte de Kafka consiste em obrigar o leitor a reler. Seus desenlaces, ou suas faltas de desenlace, sugerem explicações, mas que não são reveladas com clareza e exigem, para nos parecerem fundadas, que a história seja relida sob um novo ângulo.” O crítico Erich Heller, por sua vez, é categórico: “Existe apenas um meio de evitar o trabalho de interpretar 'O processo': não ler o livro”, pois “a compulsão para interpretar é insuportável e tão grande como, para a maioria dos leitores, a dificuldade de abandonar a leitura: trata-se de pressões idênticas”.
Também as obras de Dostoiévski, apesar de tantas interpretações, exigem do leitor praticamente tanta garra e tanta erudição quanto demonstra ter o próprio autor, ou seja, exige um conhecimento amplo da história do pensamento filosófico, além de atos de investigação, de montagem, uma ação, portanto, interativa, mas não de puro entretenimento.
Esses livros podem ser chamados de “literatura exigente”, no sentido de que são livros que não dão moleza ao leitor, de certa forma. O termo “literatura exigente” é usado pela Leyla Perrone-Moisés, uma das mais destacadas críticas literárias do Brasil, para falar não só de trabalhos como os de Kafka etc., mas, especificamente, para oferecer destaque a uma corrente da prosa brasileira atual, responsável por obras de gênero “inclassificável”, misto de ficção, diário ensaio, crônica e poesia. Entre os autores, estão Nuno Ramos, Evando Nascimento, André Queiroz e Carlos de Brito e Mello.
Eu busquei esse termo, “literatura exigente”, com um sentido de uma ideia de literatura que exige do leitor, que são obras mais do que puro entretenimento, pois a tal leitura amplia horizontes e o leva a refletir sobre temas que em outras circunstâncias ele nem imaginaria.
Então leia livros dessa natureza e permita-se viver livremente e desfrutar de todas as experiências necessárias ao conhecimento. Lembre-se de que todos os ensinamentos são para esclarecê-lo como tal fato acontece, para falar a respeito do processo, mas ninguém pode fazer por você. Por isso, as obras literárias fazem o leitor experienciar e isso é importantíssimo, já que é um método de reflexão crítica, caso contrário, é necessário desconfiar de uma sabedoria que não é fruto da reflexão e da maturidade obtida pelos próprios esforços.
Livros assim não subestimam o leitor, pelo contrário, sabe que ele é inteligente e por isso oferecem uma temática astuta ou difícil de ser resolvida, assim como são certas questões na vida.
O livro de qualidade diferencia-se de outros livros. Ele lhe conduz a examinar e a superar seus sistemas de crença e preconceitos resultantes de um condicionamento que limita a nossa capacidade de aproveitar a vida da melhor forma possível. Você simplesmente não é só um leitor depois de sua leitura, você é outra pessoa.
Como disse Alexander Soljenitsyne: "uma literatura que não respire o ar da sociedade que lhe é contemporânea, que não ouse comunicar à sociedade os seus próprios sofrimentos e as suas próprias aspirações, que não seja capaz de perceber a tempo os perigos morais e sociais que lhe dizem respeito, não merece o nome de literatura: quando muito pode aspirar a ser cosmética."
Artigo da autoria de Marcelo Vinicius.
É autor. Faz parte do projeto de pesquisa e extensão sobre cinema e produção de subjetividade (Sala de Cinema) e do projeto de pesquisa em Psicologia Social na Universidade Estadual de Feira de Santana - UEFS..
Saiba como fazer parte da obvious.
em artes e ideias por Marcelo Vinicius
O texto literário expressa um sentido de procura, um desejo de existir, de manifestar-se ao mundo e conseguir nele um espaço. Percebe-se com frequência essas características em autores como João Guimarães Rosa, Joaquim Maria Machado de Assis, José de Alencar, Clarice Lispector, José Saramago, João Cabral de Melo Neto, Lima Barreto, Franz Kafka, Fiódor Dostoiévski, entre outros expoentes fundamentais na expressão literária.
Li o livro intitulado “As Virgens Suicidas” de Jeffrey Eugenides. A obra começa e se estende por uma trama muitíssimo interessante, ao contar uma história que no período de um ano, cinco jovens irmãs cometem suicídio. Um grupo de meninos vizinhos, obcecados pelas mortes, chega à meia-idade com um museu de evidências, que vão de diários a roupas das garotas. Mas, mesmo depois de vinte anos, estes homens ainda encontram dificuldades para compreender aquelas almas femininas. Este livro inspirou o filme homônimo em 1999, o primeiro filme dirigido por Sofia Coppola, filha do cineasta Francis Ford Coppola.
No entanto, não nos prenderemos na história em si, que por sinal procura entender a alma humana de uma maneira distinta, mas sim na trama, no jogo de segredos que o livro oferece, pois contrário de um filme de mistério esse livro não tem solução evidente, não há uma razão pela qual as meninas se mataram. Este livro admite que não há razões óbvias para as mortes das meninas ou pelo menos não são tão óbvias quanto achávamos que fossem, apesar de algumas explicações psicanalíticas. É isso que faz este trabalho literário, como outros dessa mesma natureza, ser interessante.
Esses livros demonstram o quanto são atraentes e muito importantes às obras que não se tem explicações lógicas, pelo menos não são tão óbvias sobre uma determinada questão. Livros não precisam ser óbvios. Eles precisam ser coadjuvantes, mas não a ponto de oferecerem uma solução pronta para o leitor. Livros têm que fazer o leitor pensar e não só fazê-lo “viajar”, mas viver realmente o fato e por ser um fato vivido é o próprio leitor que chegará a uma conclusão sobre o que foi experienciado. Cada caso é um caso.
Um dos papéis da literatura é levar o leitor para uma vida que ele jamais viveu (ou se viveu, apresentá-la com outro aspecto) e assim fazê-lo mais conhecedor, pois só vivendo, experienciando, as coisas é que podemos nos desenvolver.
A pessoa que lê livros desse estilo, além de melhorar o seu cognitivo, pois ela procura desvendar os mistérios e sua inteligência e sua sensibilidade estão sendo desenvolvidas na trama, acaba também tendo várias “vidas” e como são vidas, só quem viveu pode concluir algo mais concreto sobre o acontecimento. Não há ninguém, nenhum tipo de autor, como nos livros de auto-ajuda, resolvendo os seus problemas. A literatura não é um padre, não está lá para ditar sua vida. Até porque a vida é mais complexa que tais auto-ajudas.
A boa literatura tem como filosofia a ideia de que existem algumas coisas que você tem que fazer por si mesmo. Se eu bebo a sua sede continua, se eu como a sua fome continua. Ninguém pode matar a sua sede e sua fome se não você mesmo.
Tudo o que você não desenvolveu, não viveu, será perdido. Você não pode desfrutar, confiar naquilo que não se desenvolveu em seu ser naturalmente. A verdade não pode ser dada, ela não é transferível. E é nisso que a literatura dessa natureza procura trabalhar, ao oferecer ao leitor uma vida intrigante para que possa resolvê-la de acordo com a sua capacidade, em vez de dar algo pronto.
A literatura de qualidade faz o leitor viver situações com problemas contidas na manipulação da trama e conseqüentemente ele cresce através da procura de soluções e de alternativas, favorecendo a concentração, a atenção, o engajamento, o conhecimento crítico-reflexivo e a imaginação. Como decorrência disto o leitor aprende a pensar, estimulando sua inteligência.
Para que o livro seja significativo para o leitor é preciso que tenha pontos de contato com a realidade, por isso as obras de autores como Machado de Assis, Franz Kafka, Clarice Lispector, Fiódor Dostoiévski, Jeffrey Eugenides etc. são ótimas. Já que a vida real não permite ensaios, você pode "ensaiá-los" nessas obras, tendo mais bagagem para viver melhor, uma vez que elas têm algo a dizer sobre a vida.
Saindo de Jeffrey, um autor do nosso tempo, ainda em crescimento, mas mostrando bons frutos, iremos para os clássicos, como o Kafka e o seu livro “O processo”, o qual Albert Camus, outro grande nome da literatura, afirmava que “a arte de Kafka consiste em obrigar o leitor a reler. Seus desenlaces, ou suas faltas de desenlace, sugerem explicações, mas que não são reveladas com clareza e exigem, para nos parecerem fundadas, que a história seja relida sob um novo ângulo.” O crítico Erich Heller, por sua vez, é categórico: “Existe apenas um meio de evitar o trabalho de interpretar 'O processo': não ler o livro”, pois “a compulsão para interpretar é insuportável e tão grande como, para a maioria dos leitores, a dificuldade de abandonar a leitura: trata-se de pressões idênticas”.
Também as obras de Dostoiévski, apesar de tantas interpretações, exigem do leitor praticamente tanta garra e tanta erudição quanto demonstra ter o próprio autor, ou seja, exige um conhecimento amplo da história do pensamento filosófico, além de atos de investigação, de montagem, uma ação, portanto, interativa, mas não de puro entretenimento.
Esses livros podem ser chamados de “literatura exigente”, no sentido de que são livros que não dão moleza ao leitor, de certa forma. O termo “literatura exigente” é usado pela Leyla Perrone-Moisés, uma das mais destacadas críticas literárias do Brasil, para falar não só de trabalhos como os de Kafka etc., mas, especificamente, para oferecer destaque a uma corrente da prosa brasileira atual, responsável por obras de gênero “inclassificável”, misto de ficção, diário ensaio, crônica e poesia. Entre os autores, estão Nuno Ramos, Evando Nascimento, André Queiroz e Carlos de Brito e Mello.
Eu busquei esse termo, “literatura exigente”, com um sentido de uma ideia de literatura que exige do leitor, que são obras mais do que puro entretenimento, pois a tal leitura amplia horizontes e o leva a refletir sobre temas que em outras circunstâncias ele nem imaginaria.
Então leia livros dessa natureza e permita-se viver livremente e desfrutar de todas as experiências necessárias ao conhecimento. Lembre-se de que todos os ensinamentos são para esclarecê-lo como tal fato acontece, para falar a respeito do processo, mas ninguém pode fazer por você. Por isso, as obras literárias fazem o leitor experienciar e isso é importantíssimo, já que é um método de reflexão crítica, caso contrário, é necessário desconfiar de uma sabedoria que não é fruto da reflexão e da maturidade obtida pelos próprios esforços.
Livros assim não subestimam o leitor, pelo contrário, sabe que ele é inteligente e por isso oferecem uma temática astuta ou difícil de ser resolvida, assim como são certas questões na vida.
O livro de qualidade diferencia-se de outros livros. Ele lhe conduz a examinar e a superar seus sistemas de crença e preconceitos resultantes de um condicionamento que limita a nossa capacidade de aproveitar a vida da melhor forma possível. Você simplesmente não é só um leitor depois de sua leitura, você é outra pessoa.
Como disse Alexander Soljenitsyne: "uma literatura que não respire o ar da sociedade que lhe é contemporânea, que não ouse comunicar à sociedade os seus próprios sofrimentos e as suas próprias aspirações, que não seja capaz de perceber a tempo os perigos morais e sociais que lhe dizem respeito, não merece o nome de literatura: quando muito pode aspirar a ser cosmética."
Artigo da autoria de Marcelo Vinicius.
É autor. Faz parte do projeto de pesquisa e extensão sobre cinema e produção de subjetividade (Sala de Cinema) e do projeto de pesquisa em Psicologia Social na Universidade Estadual de Feira de Santana - UEFS..
Saiba como fazer parte da obvious.
Petróleo
Reverter a entrega de Libra
Escrito por Adriano Benayon
1. Continuam entregando tudo. Quando se dará mais importância à realidade que ao discurso? Que se pode fazer para reverter o presente curso de destruição do Brasil? Certamente, não é coisa convencional.
2. Estamos diante da entrega às petroleiras lideradas pelo cartel anglo-americano das reservas de petróleo da plataforma continental e da camada do pré-sal.
3. Também, diante do descalabro na infraestrutura, de que são exemplos gritantes a energia elétrica e os transportes. Cada um desses caos nos custa trilhões de reais por ano e decorre de sacrifícios de setores vitais no altar do falso deus mercado. Na verdade, entregas graciosas a carteis estrangeiros.
4. Além disso, está exposta a completa insegurança das telecomunicações, à mercê das tecnologias de espionagem de empresas e de agências governamentais dos EUA, sem mencionar que, desde há mais de quinze anos, quando a EMBRATEL foi entregue à estadunidense Verizon, essa segurança pouco vale, devido à privatização tucana, intocada pelos governos petistas.
5. Os brasileiros não se devem iludir com discursos nem com o enviesado noticiário da grande mídia. Tanto no petróleo, como na energia elétrica, nos transportes e nas comunicações, o país cai para um patamar intolerável de submissão e de degradação socioeconômica.
6. No caso do campo de Libra, da área do pré-sal, cujo leilão a Agência Nacional do Petróleo (ANP) quer realizar, de qualquer maneira, em 21 de outubro, apesar das numerosas ilegalidades do edital, denunciadas ao Tribunal de Contas da União pela Associação dos Engenheiros da Petrobrás, trata-se do maior campo já descoberto no mundo, com mais de 40 bilhões de barris de reservas in situ. No mínimo, 12 bilhões de barris de reservas recuperáveis.
7. Como o preço atual do petróleo está em US$ 100 por barril, o valor desse campo é US$ 1,2 trilhão, equivalentes a R$ 3 trilhões.
8. Ora, na medida em que a Petrobrás estará alijada do leilão, até por ter investido para viabilizar produção em prazos menores que os possíveis na zona do pré-sal, onde também investiu para pesquisar Libra e outros campos, as companhias do cartel anglo-americano ficam com tudo, mesmo porque a ANP resolveu, beneficiando-as, exigir do consórcio vencedor um bônus no valor de R$ 15 bilhões.
9. Essa quantia é ridícula comparada ao valor do campo, mas é demasiado elevada para a Petrobrás desembolsar de uma vez, devido às dificuldades de caixa em que foi envolvida, até por subsidiar os preços dos derivados no país.
10. Ao contrário da propaganda governamental propícia ao cartel anglo-americano, o bônus nem constitui receita para o governo, mas tão somente adiantamento, que devolverá em parcelas ao consórcio ganhador do leilão.
11. Ao denunciar o autoritarismo e a prepotência dos órgãos decisórios do setor, o engenheiro Paulo Metri nota que o Estado brasileiro está loteado, e o capital internacional, no comando da energia e mineração.
12. Provas disso e do absurdo de entregar 70% da reserva conhecida de Libra a empresas estrangeiras são, conforme Metri: 1) elas exportarão o óleo bruto, sem adicionar valor algum; 2) nunca contribuirão para o abastecimento do país; 3) dificilmente contratarão plataformas no Brasil – o item de maior peso nos investimentos; 4) não gerarão empregos qualificados aqui; 5) não pagarão impostos, graças à lei Kandir; 6) só pagarão os royalties e uma parcela “combinada” do lucro.
13. Cabe esclarecer sobre este último ponto:
a) os royalties, embora de, em princípio, 15%, conforme a Lei do Pré-Sal, 12.351/2010 – maiores, portanto, que os 10% da famigerada lei de FHC, 9.478/1997 –, são, na realidade, reduzidos por brechas criadas nas emendas do Congresso à lei de 2010; mesmo em países sem a capacidade de exploração da Petrobrás, os royalties costumam ser, em média, 80%;
b) a parcela combinada são os 30% a que Petrobrás faz jus, de acordo com a Lei 12.351/2010, a qual, desde a proposta do ex-presidente Lula, garante à Petrobras a condição de operadora única, com 30% do resultado, ficando, porém, os 70% para o ganhador do leilão, no caso o cartel estrangeiro, sem correr riscos.
14. O atual governo não aplica em favor do país o que deve decorrer das leis do pré-sal, deixando de fazer cessão onerosa do campo de Libra à Petrobrás, conforme a Lei nº 12.276/2010, e agindo como caudatário dos interesses anglo-americanos, mesmo ciente da espionagem de agências públicas dos EUA, como a NSA e a CIA, tendo como alvos o petróleo e o pré-sal.
15. O Eng. Fernando Siqueira lembra que, já no 11º leilão, a Petrobras teve participação pífia, tendo comprado menos de 20% das áreas ofertadas e sendo operadora só em três delas. Como essas áreas não são do pré-sal e se regem pela Lei 9.478/1997, todo o petróleo fica para quem ganhou o leilão.
16. Acrescenta: “creio que, propositadamente, exauriram a capacidade financeira da Petrobras com leilões desnecessários, pois o país está abastecido por mais de 40 anos. A partir da 11ª rodada, o capital internacional irá sempre ganhar vários blocos, graças a plano maquiavélico com aprovação do governo do Brasil”.
17. Ainda conforme Siqueira, o governo está abrindo mão de parte da parcela destinada ao Fundo Social. Também troca lucros de centenas de bilhões de dólares por um oneroso empréstimo de quantia irrisória.
18. Siqueira esclarece que a Petrobrás tem previsão de produzir 4 milhões de barris em 2020, e não, há, pois, necessidade alguma de leiloar o pré-sal. Menos ainda, nas condições altamente danosas ao país, em que está sendo feito.
19. A 11ª rodada de leilões, já realizada, e a 12ª, marcada para breve, implicam amarrar o Brasil à condição de país sem autodeterminação, definitivamente inviabilizado para o desenvolvimento, condenado a exportação primária e poluente, controlada pelas transnacionais do petróleo e rendendo-lhe vultosas divisas que as farão suplantar as automotivas no posto de donas do país.
20. Outras consequências: agravar a desindustrialização, a concentração de renda nas mãos da oligarquia estrangeira e marginalizar mais brasileiros.
21. O que ocorre com o petróleo basta, por si só, para afundar o Brasil. Ao mesmo tempo, a derrocada do país é puxada pelo que acontece na infraestrutura.
22. O setor da energia elétrica está deteriorado, com frequentes apagões – num país de excelente potencial de fontes. Grande parte dos insuficientes investimentos é desperdiçada e são cobrados preços extorsivos aos usuários (exceto às privilegiadas eletro-intensivas).
23. Deliberadamente, desde FHC, deu-se espaço às absurdas e caras usinas térmicas, sub-investindo e investindo mal na hidroeletricidade, sem aproveitar plenamente a capacidade das bacias hídricas, nem construir eclusas (prejudicando também a navegação fluvial).
24. O setor elétrico exemplifica a grande fraude das concessões e privatizações, realizadas para proporcionar ganhos a predatórias empresas financeiras, através de supostos leilões (sempre a ficção do mercado) sob critérios abstrusos, para ninguém entender.
25. Conforme dados da ANEEL, mostrados pelo engenheiro Roberto d’Araújo, os componentes, em percentuais, do preço da energia são: geração 31,3%; transmissão 6,3%; distribuição 29%; tributos 33,5%.
26. Há abusos incríveis em todas essas etapas. As empresas de distribuição concentram a maior parte dos lucros, tendo o economista Gustavo Santos verificado que a rentabilidade média delas sobre o patrimônio líquido superou 30%, ou seja, 700% em oito anos.
27. Esclarece d’Araújo que o governo, sem coragem para enfrentar os próprios erros e as distribuidoras, resolveu atacar a parcela produtiva. Em suma, está sendo completada a destruição da Eletrobrás – mais um pilar do projeto de Getúlio Vargas derrubado a mando do império anglo-americano.
Adriano Benayon é doutor em Economia e autor do livro Globalização versus Desenvolvimento.
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Escrito por Adriano Benayon
1. Continuam entregando tudo. Quando se dará mais importância à realidade que ao discurso? Que se pode fazer para reverter o presente curso de destruição do Brasil? Certamente, não é coisa convencional.
2. Estamos diante da entrega às petroleiras lideradas pelo cartel anglo-americano das reservas de petróleo da plataforma continental e da camada do pré-sal.
3. Também, diante do descalabro na infraestrutura, de que são exemplos gritantes a energia elétrica e os transportes. Cada um desses caos nos custa trilhões de reais por ano e decorre de sacrifícios de setores vitais no altar do falso deus mercado. Na verdade, entregas graciosas a carteis estrangeiros.
4. Além disso, está exposta a completa insegurança das telecomunicações, à mercê das tecnologias de espionagem de empresas e de agências governamentais dos EUA, sem mencionar que, desde há mais de quinze anos, quando a EMBRATEL foi entregue à estadunidense Verizon, essa segurança pouco vale, devido à privatização tucana, intocada pelos governos petistas.
5. Os brasileiros não se devem iludir com discursos nem com o enviesado noticiário da grande mídia. Tanto no petróleo, como na energia elétrica, nos transportes e nas comunicações, o país cai para um patamar intolerável de submissão e de degradação socioeconômica.
6. No caso do campo de Libra, da área do pré-sal, cujo leilão a Agência Nacional do Petróleo (ANP) quer realizar, de qualquer maneira, em 21 de outubro, apesar das numerosas ilegalidades do edital, denunciadas ao Tribunal de Contas da União pela Associação dos Engenheiros da Petrobrás, trata-se do maior campo já descoberto no mundo, com mais de 40 bilhões de barris de reservas in situ. No mínimo, 12 bilhões de barris de reservas recuperáveis.
7. Como o preço atual do petróleo está em US$ 100 por barril, o valor desse campo é US$ 1,2 trilhão, equivalentes a R$ 3 trilhões.
8. Ora, na medida em que a Petrobrás estará alijada do leilão, até por ter investido para viabilizar produção em prazos menores que os possíveis na zona do pré-sal, onde também investiu para pesquisar Libra e outros campos, as companhias do cartel anglo-americano ficam com tudo, mesmo porque a ANP resolveu, beneficiando-as, exigir do consórcio vencedor um bônus no valor de R$ 15 bilhões.
9. Essa quantia é ridícula comparada ao valor do campo, mas é demasiado elevada para a Petrobrás desembolsar de uma vez, devido às dificuldades de caixa em que foi envolvida, até por subsidiar os preços dos derivados no país.
10. Ao contrário da propaganda governamental propícia ao cartel anglo-americano, o bônus nem constitui receita para o governo, mas tão somente adiantamento, que devolverá em parcelas ao consórcio ganhador do leilão.
11. Ao denunciar o autoritarismo e a prepotência dos órgãos decisórios do setor, o engenheiro Paulo Metri nota que o Estado brasileiro está loteado, e o capital internacional, no comando da energia e mineração.
12. Provas disso e do absurdo de entregar 70% da reserva conhecida de Libra a empresas estrangeiras são, conforme Metri: 1) elas exportarão o óleo bruto, sem adicionar valor algum; 2) nunca contribuirão para o abastecimento do país; 3) dificilmente contratarão plataformas no Brasil – o item de maior peso nos investimentos; 4) não gerarão empregos qualificados aqui; 5) não pagarão impostos, graças à lei Kandir; 6) só pagarão os royalties e uma parcela “combinada” do lucro.
13. Cabe esclarecer sobre este último ponto:
a) os royalties, embora de, em princípio, 15%, conforme a Lei do Pré-Sal, 12.351/2010 – maiores, portanto, que os 10% da famigerada lei de FHC, 9.478/1997 –, são, na realidade, reduzidos por brechas criadas nas emendas do Congresso à lei de 2010; mesmo em países sem a capacidade de exploração da Petrobrás, os royalties costumam ser, em média, 80%;
b) a parcela combinada são os 30% a que Petrobrás faz jus, de acordo com a Lei 12.351/2010, a qual, desde a proposta do ex-presidente Lula, garante à Petrobras a condição de operadora única, com 30% do resultado, ficando, porém, os 70% para o ganhador do leilão, no caso o cartel estrangeiro, sem correr riscos.
14. O atual governo não aplica em favor do país o que deve decorrer das leis do pré-sal, deixando de fazer cessão onerosa do campo de Libra à Petrobrás, conforme a Lei nº 12.276/2010, e agindo como caudatário dos interesses anglo-americanos, mesmo ciente da espionagem de agências públicas dos EUA, como a NSA e a CIA, tendo como alvos o petróleo e o pré-sal.
15. O Eng. Fernando Siqueira lembra que, já no 11º leilão, a Petrobras teve participação pífia, tendo comprado menos de 20% das áreas ofertadas e sendo operadora só em três delas. Como essas áreas não são do pré-sal e se regem pela Lei 9.478/1997, todo o petróleo fica para quem ganhou o leilão.
16. Acrescenta: “creio que, propositadamente, exauriram a capacidade financeira da Petrobras com leilões desnecessários, pois o país está abastecido por mais de 40 anos. A partir da 11ª rodada, o capital internacional irá sempre ganhar vários blocos, graças a plano maquiavélico com aprovação do governo do Brasil”.
17. Ainda conforme Siqueira, o governo está abrindo mão de parte da parcela destinada ao Fundo Social. Também troca lucros de centenas de bilhões de dólares por um oneroso empréstimo de quantia irrisória.
18. Siqueira esclarece que a Petrobrás tem previsão de produzir 4 milhões de barris em 2020, e não, há, pois, necessidade alguma de leiloar o pré-sal. Menos ainda, nas condições altamente danosas ao país, em que está sendo feito.
19. A 11ª rodada de leilões, já realizada, e a 12ª, marcada para breve, implicam amarrar o Brasil à condição de país sem autodeterminação, definitivamente inviabilizado para o desenvolvimento, condenado a exportação primária e poluente, controlada pelas transnacionais do petróleo e rendendo-lhe vultosas divisas que as farão suplantar as automotivas no posto de donas do país.
20. Outras consequências: agravar a desindustrialização, a concentração de renda nas mãos da oligarquia estrangeira e marginalizar mais brasileiros.
21. O que ocorre com o petróleo basta, por si só, para afundar o Brasil. Ao mesmo tempo, a derrocada do país é puxada pelo que acontece na infraestrutura.
22. O setor da energia elétrica está deteriorado, com frequentes apagões – num país de excelente potencial de fontes. Grande parte dos insuficientes investimentos é desperdiçada e são cobrados preços extorsivos aos usuários (exceto às privilegiadas eletro-intensivas).
23. Deliberadamente, desde FHC, deu-se espaço às absurdas e caras usinas térmicas, sub-investindo e investindo mal na hidroeletricidade, sem aproveitar plenamente a capacidade das bacias hídricas, nem construir eclusas (prejudicando também a navegação fluvial).
24. O setor elétrico exemplifica a grande fraude das concessões e privatizações, realizadas para proporcionar ganhos a predatórias empresas financeiras, através de supostos leilões (sempre a ficção do mercado) sob critérios abstrusos, para ninguém entender.
25. Conforme dados da ANEEL, mostrados pelo engenheiro Roberto d’Araújo, os componentes, em percentuais, do preço da energia são: geração 31,3%; transmissão 6,3%; distribuição 29%; tributos 33,5%.
26. Há abusos incríveis em todas essas etapas. As empresas de distribuição concentram a maior parte dos lucros, tendo o economista Gustavo Santos verificado que a rentabilidade média delas sobre o patrimônio líquido superou 30%, ou seja, 700% em oito anos.
27. Esclarece d’Araújo que o governo, sem coragem para enfrentar os próprios erros e as distribuidoras, resolveu atacar a parcela produtiva. Em suma, está sendo completada a destruição da Eletrobrás – mais um pilar do projeto de Getúlio Vargas derrubado a mando do império anglo-americano.
Adriano Benayon é doutor em Economia e autor do livro Globalização versus Desenvolvimento.
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Simone Weil
A 70 anos da morte de Simone Weil: a obrigação de limitar o mal
“Simone Weil foi, certamente, uma tenaz observadora do mundo social, qualidade que a levou a sempre desconfiar das teorias e das interpretações a priori. Uma atitude, além disso, que contribuiu sem dúvida para impregnar sua curta vida da intensidade que nos assombra”, escreve Mailer Mattié, em artigo publicado no sítio espanhol do Centro de Estudios Políticos para las Relaciones Internacionales y el Desarrollo – CEPRID, 06-09-2013. A tradução é de André Langer.
Mailer Mattié é economista e escritora. Este artigo é uma colaboração para o Instituto Simone Weil de Valle de Bravo, México, e para o CEPRID, de Madri.
Eis o artigo.
No dia 18 de julho de 1943, um mês antes de morrer, Simone Weil escreveu de Londres aos seus pais que se encontravam em Nova York:
“Tenho uma espécie de crescente certeza interior de que há em mim um depósito de ouro puro que é para ser transmitido. Mas a experiência e a observação dos meus contemporâneos me persuadem cada vez mais de que não há ninguém para recebê-lo. É um bloco maciço. O que se acrescenta torna-se bloco com o resto. À medida que o bloco cresce, torna-se mais compacto. Não posso distribuí-lo em pedacinhos pequenos. Para recebê-lo é preciso um esforço. E um esforço é tão cansativo!”
Aqui Weil assinala três requisitos, na sua opinião, imprescindíveis para aproximar-se da compreensão do seu pensamento: esse bloco compacto de outro puro. Certamente, é necessário um grande esforço intelectual que, no entanto, será inteiramente insuficiente se não podemos chegar à verdade sobre o mundo social no qual vivemos e se não contamos com determinadas experiências; isto é, com determinadas referências de aprendizagem.
A que se referia, na realidade, Simone Weil? O que era aquilo que impedia os seus contemporâneos de compreender suas propostas?
Com grande probabilidade, é possível que aludisse a dois dos traços que caracterizam a existência humana na sociedade moderna: ignorar a experiência histórica que constitui o passado e aceitar a distorção do conhecimento que acreditamos ter sobre a realidade. O passado, com efeito, foi apagado pelo progresso, arrasado pelo desenvolvimento do Estado e pela economia, destruído pela industrialização. As ideologias e o pensamento acadêmico, por outro lado, sequestraram a verdade ao inscrevê-la nos dogmas herdados do século XIX.
Seria legítimo, então, perguntar sobre as nossas próprias possibilidades de chegar a contar, ao menos em parte, com essas referências, posto que agora nos encontramos em condições de dar testemunho real dos erros e do fracasso das formas de organização social sustentadas nas ideologias do progresso econômico. Além disso, somos testemunhas, desde o final do século passado, da determinação e da autonomia da emergência da incomensurável riqueza de saberes – que a ciência apenas está começando a validar – contida nas antigas culturas e cosmovisões de muitos povos originários, sobreviventes do extermínio nos territórios andinos ou amazônicos, por exemplo.
Também nos devolvem a verdade do passado os recentes – embora ainda escassos – estudos que procuram revelar a realidade social que constituiu a Alta Idade Média na Europa, oculta na falsa e interessada definição de Feudalismo e na interpretação linear, que simplifica a história, entre os quais podemos destacar a obra do filósofo e historiador Félix Rodrigo Mora no que se refere à Península Ibérica: Tempo, História e Sublimidade no Romântico Rural, publicada em 2012. A crise das ideologias, por outro lado, anima o verdadeiro conhecimento, incluindo a recuperação do pensamento de autores importantes que foram condenados ao esquecimento porque seus critérios comprometiam seriamente a solidez das ideias dominantes. É o caso, por exemplo, da obra de Silvio Gesell escrita no começo do século XX sobre a função do dinheiro nos sistemas econômicos e o lugar que a moeda poderia desempenhar em um processo de transformação social. Perspectiva que serviu de inspiração ao matemático estadunidense Charles Eisenstein para propor uma transição para a economia do dom em seu livro Sacred Economics. Gift and Society in the Age of Transition, publicado em 2010.
Simone Weil foi, certamente, uma tenaz observadora do mundo social, qualidade que a levou a sempre desconfiar das teorias e das interpretações a priori. Uma atitude, além disso, que contribuiu sem dúvida para impregnar sua curta vida da intensidade que nos assombra. Explorou também o passado, ao achar absurdo enfrentar o porvir. Falou, assim, da experiência histórica constituída pela sociedade occitana do sul da França no século XIII – destruída impiedosamente pela força incipiente do Estado –, na qual encontrou os fundamentos para elaborar o núcleo do que seria sua grande obra, O Enraizamento: a noção das necessidades terrenas do corpo e da alma. À luz do olhar occitano, com efeito, percebeu a alegria da vida convivencial, baseada na obediência voluntária a hierarquias legítimas (não ao Estado, cuja autoridade embora seja legal não necessariamente é legítima) e na satisfação das necessidades vitais. Um espaço coletivo que encontra seu justo equilíbrio na estratégia que consiste em juntar os contrários – liberdade e subordinação consentida, castigo e honra, solidão e vida social, trabalho individual e coletivo, propriedade comum e pessoal – para sustentar assim a dignidade das pessoas em um território, na cultura e na comunidade. É a mesma realidade que o povo quéchua e o povo aimara chamam de Sumak Sawsay ou Suma Qamaña – o Bem Viver que é conviver; isso que o povo mapuche chama de Kyme Mogen e o povo guarani de Teko Kaui, seguindo o mandato original de construir a terra sem males; enfim, aquilo que para os povos amazônicos significa Voltar à Maloca, valorizando o saber ancestral: isto é, regressar à complementaridade comunitária onde o indivíduo emerge em equilíbrio com a coletividade; a vida em harmonia com os ciclos da natureza e do cosmos; a autossuficiência; a paz e a reciprocidade entre o sagrado e o terrenal.
Simone Weil, portanto, considerou a destruição do passado o maior dos crimes.
Na ausência da convivencialidade, ao contrário, Weil observou que a sociedade se converte no reino da força e da necessidade. Quando a sociedade é o mal, quando a porta está fechada para o bem – afirmou –, o mundo torna-se inabitável. Os meios que deveriam servir para a satisfação das necessidades transformaram-se em fins, tal como acontece na economia, com o sistema político, com a educação, com a medicina e com a alimentação industrial. Se esta metamorfose realmente aconteceu, então na sociedade impera a necessidade.
Uma realidade que nos impõe, em consequência, a obrigação absoluta e universal, como seres sociais, de tentar limitar o mal. Quer dizer, a obrigação absoluta de amar, desejar e criar meios orientados para a satisfação das necessidades humanas. Meios – segundo Weil – que só podem ser criados através do espiritual, daquilo que ela mesma chamou de sobrenatural: só através da ordem divina do universo pode o ser humano impedir que a sociedade o destrua. Na sociedade moderna – expressou –, o orgulho pela técnica – pelo progresso – fez com que se esquecesse que existe uma ordem divina do universo.
Na ausência da espiritualidade – afirmou –, não é possível construir uma sociedade que impeça a destruição da alma humana.
O espiritual, em Weil – algo que sempre parece tão difícil de precisar –, a fonte de luz, o que deveria guiar a nossa conduta social, representa a diferença entre o comportamento humano e o comportamento animal: uma diferença infinitamente pequena que é, não obstante, uma condição da nossa inteligência – ainda no aguardo de rigorosa definição científica que a concretize. O papel do infinitamente pequeno é infinitamente grande, assinalou certa ocasião Louis Pasteur.
É, então, a partir da influência desta ínfima diferença, que é possível limitar o mal na sociedade, porque essa condição da nossa inteligência é justamente a fonte do bem: ou seja, é a fonte da beleza, da verdade, da justiça, da legitimidade e do que nos permite subordinar a vida às obrigações. A mesma influência, pois, que devemos explorar na experiência do passado: no medievo cristão – assinalou Weil –, mas também em todas aquelas civilizações onde o espiritual ocupou um lugar central e para onde toda a vida social se orientava. Precisar suas manifestações concretas, seus metaxu: os bens que satisfazem as nossas necessidades e imprimem alegria à vida social.
(I.H.U.)
sábado, 28 de setembro de 2013
Cubanos
Eu aprendi com Enrique Dussel que talvez o único imperativo ético universal seja a vida. Mas, não uma vida qualquer. A vida daquele que é vítima do sistema que o oprime e o envilece. É esse ser que temos de defender com unhas e dentes, para o que vier. Todos os dias, nos deparamos com ele, na televisão, na rua de casa, no mercado, ao virar a esquina. O caído, o desgraçado, o fugitivo, o assustado. A maioria das pessoas faz como naquela linda parábola de Jesus: olha, e passa adiante. Poucos são os que se curvam e acolhem o que está no chão. E é bom que se diga que os empobrecidos da terra não o são por sua culpa. A maioria está nessa condição porque alguém está lhe sugando a vida. Alguém está enriquecendo a custa do outro. É a máxima do capitalismo. Só que é mais fácil permanecer com o véu da alienação. Conhecer dói.
Noite após noite a televisão –esse olho insone- joga na nossa cara a dor do mundo. Mas, de maneira espetacular, consegue virar o jogo. Os meninos negros, que são assassinados como moscas nas periferias das grandes cidades, não aparecem como vítimas. Eles são os "monstros” que andam por aí a fazer maldade. Ninguém diz o porquê deles ficaram assim, se é que ficaram mesmo. E os bons cristãos fazem o "pelo sinal” e agradecem pela polícia nos livrar dessa "corja”. Também vemos os "terroristas”, que podem ser os palestinos, os sírios, os iraquianos, os afegãos, sempre serão aqueles que estarão vinculados a algum plano do império estadunidense para vivenciar a "plena democracia”. Não importa se para isso for necessário promover farsas macabras, como a do 11 de setembro ou o assassinato de crianças inocentes com armas químicas. Tudo vale a pena porque a "democracia” não é pequena. E a classe média, aquecida em seus cobertores, esfrega as mãos e agradece pelo império fazer a defesa de seu castelo de sonhos, "o mundo livre”.
Esses mesmos falsos burgueses, que pensam estar seguros com seus planos de saúde, agora se levantam contra a vinda dos médicos cubanos. Acreditam na revista Veja. Creem firmemente que essa gente solidária nada mais é do que um povo escravizado que teme desobedecer a Fidel. Não sabem nada de Cuba, de sua história, da coragem de seu povo em estar há mais de 60 anos enfrentando o maior império da terra, e vencendo. Não sabem que na ilha socialista qualquer pessoa que queira, pode ser médico, engenheiro ou padeiro. Depende apenas de sua vontade. Não sabem que são esses profissionais que se formam na solidariedade ao caído, ao oprimido, que se deslocam para os mais terríveis lugares da terra unicamente para salvar e acolher. São esses jovens médicos cubanos os que estão no Haiti, curando feridas, enquanto os nossos jovens vão para lá de arma em punho, servir de cão de guarda ao império.
Agora vem essa polêmica por conta da vinda dos cubanos. De novo o véu da alienação. Ninguém se pergunta por que um país como o nosso, tão rico, tão cheio de bênçãos, precisa desses abnegados cidadãos? Se os médicos cubanos são aqueles que partem para os confins do mundo, onde a dor do outro é tão intensa que mais ninguém quer ver, por que precisariam vir para o Brasil? Que porcaria de país é esse que arrota caviar, mas precisa dos médicos cubanos, esses que vão aonde ninguém quer ir?
Pois esse é um país no qual boa parte dos médicos sente nojo dos pobres, sente medo, sente asco. E por conta disso os deixam morrer nas ruas, sem ajuda. Ou olham, sem sequer levantar da cadeira, uma pessoa ter um ataque do coração. Ou são aqueles que sequer levantam os olhos para o doente à sua frente num posto de saúde. Os que não apertam a mão, os que não tocam, não examinam, não reconhecem o enfermo como ser humano precisando de consolo.
Esse é um país aonde os jovens recém-formados se recusam a ir para o interior, para os lugares longínquos, para as selvas, para as favelas, os bairros de periferia. Nem mesmo altos salários os comovem. Deve ser, portanto, um problema de origem. Talvez um problema de classe. Quem é que nesse país pode se formar em medicina? Como pode um jovem da periferia ser médico se o curso exige tempo integral e custa os olhos da cara, mesmo numa escola pública? Pois esse é um país que forma médicos, dentistas, engenheiros, na sua maioria de classe alta. É, portanto, bem diferente de Cuba, que incentiva e garante o ensino dessas profissões, e por ter tantos profissionais pode mandá-los pelo mundo para que ajudem quem nada tem.
Assim, que a vinda dos queridos irmãos cubanos para o Brasil, em vez de causar tanta indignação, deveria suscitar um alerta. Se temos tantos médicos como ficou parecendo nas passeatas dos "de branco”, por que não os encontramos onde eles têm de estar? Por que precisamos da ajuda dos cubanos, se eles estão acostumados a atuarem em lugares perdidos de toda a esperança, como os confins do continente africano, ou as aldeias andinas, ou os empobrecidos países do Caribe, como é o caso do Haiti? Em que medida o país do pré-sal, a quinta economia do mundo, se compara a esses tristes lugares onde só a solidariedade cubana é capaz de chegar?
Essas perguntas é que deveriam ser feitas por nós. O que é a medicina num país capitalista? Ela existe para salvar a vida, para dar conforto ou apenas para fazer girar a roda do lucro das farmacêuticas e dos mercadores da saúde? Por que não temos uma medicina preventiva? Por que não há médicos nos postos de saúde? Por que não estão eles nos hospitais, nas emergências, nas pequenas cidades do interior, no campo? Onde se esconde toda essa gente que agora anda a vociferar nas ruas?
Sim, nós não deveríamos precisar dos médicos cubanos. Nossa juventude deveria ter acesso às escolas de medicina, de odontologia, de veterinária. Deveríamos formar milhares e milhares de profissionais da saúde, para que cuidassem das gentes de todo o país. Deveríamos ter universidades de massa, nas quais os filhos do povo pudessem se formar com qualidade. E qualquer guri, mesmo aquele que vive lá no interior do Acre, deveria poder fazer realidade o sonho de ser "doutor”. Mas, não é assim. Os médicos que temos são esses que vemos na televisão dizendo que se vierem os cubanos eles não vão ajudar quando eles errarem. Ou seja, que morra o vivente, apenas para provar que estão certos.
É certo que temos também muitos profissionais médicos que se assemelham aos cubanos, que dedicam suas vidas ao juramento que fizeram de cuidar, acolher, curar. Esses, sabemos reconhecer de apenas uma mirada. Mas, ainda são minoria. Para nossa desgraça, o que aparece são esses que vemos na TV a bradar contra os cubanos, mas não contra o estado de abandono que está a população. E é isso que torna tudo ainda mais sórdido. Porque pessoas há que lhes dão razão, e não são poucas. Essas mesmas pessoas que, portando um plano privado de saúde, acreditam estar a salvo. Não estão. Mas, ainda assim, compactuam dos preconceitos, dos absurdos, da alienação e da mentira.
Eu realmente não queria que os médicos cubanos viessem para cá. Queria ter um país que não precisasse dessa ajuda solidária. Mas, ocorre que, em alguma medida, e em tantos lugares, somos tão desprotegidos como os irmãos do Haiti ou de alguma longínqua aldeia africana. É certo que os médicos cubanos são só pessoas, não fazem milagres. Mas, não há dúvidas de que a medicina que se ensina e pratica na ilha caribenha se difere em muito da nossa. Ela pensa o ser como uma vida integral, alguém que tem nome, sobrenome, sonhos, esperanças. Não é um dado na ficha, um inoportuno, um zé ninguém. E é por conta disso que quero receber essa gente única com todo o amor que há nessa vida. Eles saem de suas casas para fazer o que nossos profissionais deveriam fazer. Rogo a todos os deuses que eles tragam, mais do que essa solidariedade abissal, também o germe da rebeldia, para que nosso povo possa compreender que já é chegada a hora de fazermos a transformação. E que a gente avance para um país que não precise dos cubanos, um país que possa ser ocupado por nós mesmos. Mas, para isso, haveremos de mudar a universidade, mudar o país, e sair desse sistema que mercadeja com a saúde e a vida.
Os cubanos podem até não salvar todas as vidas, mas, não duvido, eles serão capazes de segurar a mão do que padece e dizer: "não tema, eu estou aqui”. Porque são feitos de outro barro. Socialista.
(Adital)
Allende
A solidão de Allende. Moniz Bandeira narra experiência socialista no Chile dos 70
Ao tomar posse no mês passado, encerrando 61 anos de domínio do Partido Colorado no Paraguai, o ex-bispo Fernando Lugo citou o presidente socialista do Chile derrubado no golpe militar ocorrido há 35 anos. "Nunca nos esqueçamos de Salvador Allende", disse.
A reportagem e a entrevista é de Cláudia Antunes e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 08-09-2008.
A esquerda católica fazia parte da Unidade Popular de Allende, embora minoritária frente ao PS e ao PC marxistas, e a conclamação de Lugo reforça a idéia de que o 11 de setembro chileno permanece como o símbolo mais trágico e controvertido da Guerra Fria na América do Sul -mesmo com o socialismo que Allende se propôs a implantar pela via pacífica fora do horizonte político.
E é como um "herói trágico" que ele emerge de "Fórmula para o Caos", livro que o historiador Luiz Alberto Moniz Bandeira, prolífico estudioso das relações entre os EUA e a América Latina, lança nesta semana pela editora Civilização Brasileira. A obra, cujo título foi tirado de memorando da CIA sobre as operações anti-Allende, será publicada também no Chile.
Ao final de um relato minucioso de 644 páginas, Moniz Bandeira descreve um presidente fadado a decidir sozinho, enquanto era acossado pela direita, solapado pela Democracia Cristã e minado em sua posição legalista pelas divisões em sua base política. A União Soviética, onde fora buscar ajuda econômica, deixou claro que não bancaria uma nova Cuba.
Allende havia tomado a decisão de convocar um plebiscito sobre suas reformas -disposto a renunciar se fosse derrotado- quando o golpe foi desfechado e ele se matou no Palácio de la Moneda sob bombardeio.
"Inviável"
Em 4 de setembro, terceiro aniversário da eleição de Allende, 800 mil chilenos (numa população de 10 milhões em todo o país) tinham saído às ruas de Santiago para apoiar o governo, que enfrentava o segundo locaute prolongado de caminhoneiros e empresários.
Mas, com parte significativa do PS, partido ao qual pertencia, apoiando a proposta do MIR (Movimento de Esquerda Revolucionária) de substituir os Poderes constitucionais pelo "poder popular" organizado nos bairros pobres, no campo e nas fábricas, o homem com quem Allende buscou conselhos, segundo a narrativa de Moniz Bandeira, foi o general Carlos Prats.
Pouco antes, a saída de Prats do Ministério da Defesa e do comando do Exército, sob pressão da oficialidade, acabara com o último empecilho aos golpistas. Exilado na Argentina, ele viria a ser morto em 1974 pela Dina, a polícia política do seu sucessor à frente do Exército, Augusto Pinochet.
Em entrevista concedida da Alemanha, onde mora, Moniz Bandeira disse que pretendeu escrever um livro "na medida do possível objetivo", diferente de "quase todos os livros sobre Allende e o golpe, que são partidários, ideológicos".
O historiador parte do pressuposto de que a proposta da Unidade Popular de adotar um modelo "vinho e empanadas" de revolução estava destinada ao fracasso. "[Karl] Marx dizia que o socialismo é inviável como via de desenvolvimento, sobretudo num país atrasado como o Chile, em que 70% da produção era de cobre e 70% dos alimentos tinham de ser importados. Era um país vulnerável, ainda mais na esfera de influência dos EUA", diz.
"Minha idéia é sair do lugar comum de que a CIA fez tudo, ou de que o Brasil fez tudo. O projeto era inviável."
Polêmica
Entre os que participaram da experiência, é uma conclusão que poucos verbalizaram. O antropólogo Darcy Ribeiro (1922-1997), que assessorou Allende no Chile depois de ser exilado pelo golpe de 1964 que derrubou João Goulart (do qual era chefe da Casa Civil), atribuiu à radicalização do MIR e do PS o desfecho do processo.
O cientista político Theotonio dos Santos, que também esteve exilado em Santiago, escreveu por ocasião dos 30 anos do golpe que o erro de Allende foi insistir em manter mecanismos de economia de mercado quando se aguçaram os choques com os capitalistas: "A derrota não é uma prova de que a vitória era impossível".
Moniz Bandeira, que é parlamentarista, também analisa o golpe sob o prisma do embate entre Executivo e Legislativo, segundo a sua premissa de que, nas Repúblicas latino-americanas, o Exército foi instado a atuar como "poder moderador". Allende ficou nas mãos de Forças Armadas com fortes ligações com os EUA e majoritariamente anticomunistas.
O processo chileno - desde o maciço financiamento americano, no início dos anos 60, ao democrata-cristão Eduardo Frei, no marco da Aliança para o Progresso - é entremeado no livro por capítulos sobre os golpes militares de 1971 na Bolívia e de 1973 no Uruguai.
Allende não tinha maioria parlamentar. Foi eleito em 1970 com pouco mais de 36% dos votos, os demais divididos entre os candidatos da direita e da Democracia Cristã. No pleito legislativo de 1973, a votação da Unidade Popular aumentou para quase 44%, sem permitir, no entanto, que o governo rompesse o impasse no Congresso.
(I.H.U.)
Ao tomar posse no mês passado, encerrando 61 anos de domínio do Partido Colorado no Paraguai, o ex-bispo Fernando Lugo citou o presidente socialista do Chile derrubado no golpe militar ocorrido há 35 anos. "Nunca nos esqueçamos de Salvador Allende", disse.
A reportagem e a entrevista é de Cláudia Antunes e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 08-09-2008.
A esquerda católica fazia parte da Unidade Popular de Allende, embora minoritária frente ao PS e ao PC marxistas, e a conclamação de Lugo reforça a idéia de que o 11 de setembro chileno permanece como o símbolo mais trágico e controvertido da Guerra Fria na América do Sul -mesmo com o socialismo que Allende se propôs a implantar pela via pacífica fora do horizonte político.
E é como um "herói trágico" que ele emerge de "Fórmula para o Caos", livro que o historiador Luiz Alberto Moniz Bandeira, prolífico estudioso das relações entre os EUA e a América Latina, lança nesta semana pela editora Civilização Brasileira. A obra, cujo título foi tirado de memorando da CIA sobre as operações anti-Allende, será publicada também no Chile.
Ao final de um relato minucioso de 644 páginas, Moniz Bandeira descreve um presidente fadado a decidir sozinho, enquanto era acossado pela direita, solapado pela Democracia Cristã e minado em sua posição legalista pelas divisões em sua base política. A União Soviética, onde fora buscar ajuda econômica, deixou claro que não bancaria uma nova Cuba.
Allende havia tomado a decisão de convocar um plebiscito sobre suas reformas -disposto a renunciar se fosse derrotado- quando o golpe foi desfechado e ele se matou no Palácio de la Moneda sob bombardeio.
"Inviável"
Em 4 de setembro, terceiro aniversário da eleição de Allende, 800 mil chilenos (numa população de 10 milhões em todo o país) tinham saído às ruas de Santiago para apoiar o governo, que enfrentava o segundo locaute prolongado de caminhoneiros e empresários.
Mas, com parte significativa do PS, partido ao qual pertencia, apoiando a proposta do MIR (Movimento de Esquerda Revolucionária) de substituir os Poderes constitucionais pelo "poder popular" organizado nos bairros pobres, no campo e nas fábricas, o homem com quem Allende buscou conselhos, segundo a narrativa de Moniz Bandeira, foi o general Carlos Prats.
Pouco antes, a saída de Prats do Ministério da Defesa e do comando do Exército, sob pressão da oficialidade, acabara com o último empecilho aos golpistas. Exilado na Argentina, ele viria a ser morto em 1974 pela Dina, a polícia política do seu sucessor à frente do Exército, Augusto Pinochet.
Em entrevista concedida da Alemanha, onde mora, Moniz Bandeira disse que pretendeu escrever um livro "na medida do possível objetivo", diferente de "quase todos os livros sobre Allende e o golpe, que são partidários, ideológicos".
O historiador parte do pressuposto de que a proposta da Unidade Popular de adotar um modelo "vinho e empanadas" de revolução estava destinada ao fracasso. "[Karl] Marx dizia que o socialismo é inviável como via de desenvolvimento, sobretudo num país atrasado como o Chile, em que 70% da produção era de cobre e 70% dos alimentos tinham de ser importados. Era um país vulnerável, ainda mais na esfera de influência dos EUA", diz.
"Minha idéia é sair do lugar comum de que a CIA fez tudo, ou de que o Brasil fez tudo. O projeto era inviável."
Polêmica
Entre os que participaram da experiência, é uma conclusão que poucos verbalizaram. O antropólogo Darcy Ribeiro (1922-1997), que assessorou Allende no Chile depois de ser exilado pelo golpe de 1964 que derrubou João Goulart (do qual era chefe da Casa Civil), atribuiu à radicalização do MIR e do PS o desfecho do processo.
O cientista político Theotonio dos Santos, que também esteve exilado em Santiago, escreveu por ocasião dos 30 anos do golpe que o erro de Allende foi insistir em manter mecanismos de economia de mercado quando se aguçaram os choques com os capitalistas: "A derrota não é uma prova de que a vitória era impossível".
Moniz Bandeira, que é parlamentarista, também analisa o golpe sob o prisma do embate entre Executivo e Legislativo, segundo a sua premissa de que, nas Repúblicas latino-americanas, o Exército foi instado a atuar como "poder moderador". Allende ficou nas mãos de Forças Armadas com fortes ligações com os EUA e majoritariamente anticomunistas.
O processo chileno - desde o maciço financiamento americano, no início dos anos 60, ao democrata-cristão Eduardo Frei, no marco da Aliança para o Progresso - é entremeado no livro por capítulos sobre os golpes militares de 1971 na Bolívia e de 1973 no Uruguai.
Allende não tinha maioria parlamentar. Foi eleito em 1970 com pouco mais de 36% dos votos, os demais divididos entre os candidatos da direita e da Democracia Cristã. No pleito legislativo de 1973, a votação da Unidade Popular aumentou para quase 44%, sem permitir, no entanto, que o governo rompesse o impasse no Congresso.
(I.H.U.)
Vida Moderna
Espaços urbanos
Escrito por Frei Betto
Restam nas cidades brasileiras poucas casas erguidas antes de 1930. A especulação imobiliária, associada à nossa insensibilidade à preservação da memória histórica, derrubou-as.
Observe esses detalhes: casas antigas têm a porta de entrada colada na calçada. Tempo em que havia quintais e os moradores punham cadeiras na calçada para um dedo de prosa à hora do crepúsculo. A sala de visitas, e mesmo quartos, davam diretamente para a rua, já que quase não havia ruído exterior.
Aos poucos, as casas recuaram das calçadas. Trocou-se o quintal da parte de trás pelo jardim na parte da frente. O ruído de bondes, ônibus, caminhões, exigiu sala na ala posterior e quartos nos fundos.
Ainda morei em casa de esquina rodeada de jardim. O muro baixo era um detalhe estético. Criança, eu preferia saltá-lo que atravessar o portão.
A explosão urbana e sua violência desfiguraram o casario. Agora, com seus muros altos e grades intransponíveis, as casas escondem a “cara”. Muitas adotam perfil penitenciário: cercas eletrificadas, câmeras de vigilância, portões acionados por controle remoto etc. Algumas têm até guaritas e holofotes para clarear a calçada quando alguém transita ali.
Os prédios verticalizaram os moradores e, na medida do possível, abriram espaços para eles evitarem ao máximo transitarem neste lugar “perigoso” chamado rua. Assim, surgiram edifícios de luxo dotados de piscina, academia de ginástica, playground, churrasqueira, salão de festa etc.
Havia, contudo, um inconveniente para os moradores imbuídos da síndrome de agorafobia ou dromofobia: teriam que sair à rua para se abastecer. Percorrer armazéns, mercearias, quitandas, lojas.
O supermercado engoliu quase tudo isso ao concentrar em um único espaço tudo que se necessita para o lar, de alimentação a produtos de limpeza. Com a vantagem de as mercadorias ficarem expostas à mão do freguês e sem ninguém a exigir que seja rápido na escolha.
Não combinava, porém, o supermercado dispor de prateleiras de joias, sapatos e roupas. Criou-se, então, o shopping center, onde se embute todo tipo de comércio, de supermercado (dotado de verduras frescas) a artefatos de pesca, incluindo lanchonetes, restaurantes e salas de cinema e espetáculos.
Agora surge um novo conceito: o Atoll, um super shopping (71 mil metros quadrados) erguido próximo à cidade francesa de Angers. Todo ele é “ecologicamente correto”. Nenhuma logomarca em sua carcaça de alumínio. Nada de poluição visual.
Além de 60 lojas e 12 restaurantes, o Atoll abriga academias de ginástica, salão de beleza, playground, parques com fontes, árvores e alamedas ajardinadas. Enquanto os pais fazem compras, as crianças brincam em grandes módulos ou assistem a DVDs sob cuidados de funcionários especializados.
A filosofia de marketing do Atoll é simples: saia de sua casa apertada, do estresse familiar, e ingresse no Jardim do Éden do consumismo, onde você desfrutará de requinte, espaço verde, atenção de elegantes recepcionistas. Em suma, o Atoll vende algo mais que produtos materiais: a ilusão de que o consumidor se iguala em status àqueles que têm alto poder aquisitivo.
Ora, como em sociedade de classes sonhos e ambições são socializados, mas não o acesso real a eles, o Atoll oferece um lounge a quem gasta pelo menos 1.500 euros, onde o consumidor tem acesso gratuito a internet, bebidas, revistas e jornais, máquinas de café expresso e até fraldário.
Pelo andar da carruagem, não ficarei surpreso se os shoppings do futuro oferecerem serviço de hotelaria, permitindo que o consumidor, abraçado a seu individualismo, se livre do convívio familiar.
Frei Betto é escritor, autor de “O que a vida me ensinou” (Saraiva), entre outros livros.
Recomendar
Para ajudar o Correio da Cidadania e a construção da mídia independente
Escrito por Frei Betto
Restam nas cidades brasileiras poucas casas erguidas antes de 1930. A especulação imobiliária, associada à nossa insensibilidade à preservação da memória histórica, derrubou-as.
Observe esses detalhes: casas antigas têm a porta de entrada colada na calçada. Tempo em que havia quintais e os moradores punham cadeiras na calçada para um dedo de prosa à hora do crepúsculo. A sala de visitas, e mesmo quartos, davam diretamente para a rua, já que quase não havia ruído exterior.
Aos poucos, as casas recuaram das calçadas. Trocou-se o quintal da parte de trás pelo jardim na parte da frente. O ruído de bondes, ônibus, caminhões, exigiu sala na ala posterior e quartos nos fundos.
Ainda morei em casa de esquina rodeada de jardim. O muro baixo era um detalhe estético. Criança, eu preferia saltá-lo que atravessar o portão.
A explosão urbana e sua violência desfiguraram o casario. Agora, com seus muros altos e grades intransponíveis, as casas escondem a “cara”. Muitas adotam perfil penitenciário: cercas eletrificadas, câmeras de vigilância, portões acionados por controle remoto etc. Algumas têm até guaritas e holofotes para clarear a calçada quando alguém transita ali.
Os prédios verticalizaram os moradores e, na medida do possível, abriram espaços para eles evitarem ao máximo transitarem neste lugar “perigoso” chamado rua. Assim, surgiram edifícios de luxo dotados de piscina, academia de ginástica, playground, churrasqueira, salão de festa etc.
Havia, contudo, um inconveniente para os moradores imbuídos da síndrome de agorafobia ou dromofobia: teriam que sair à rua para se abastecer. Percorrer armazéns, mercearias, quitandas, lojas.
O supermercado engoliu quase tudo isso ao concentrar em um único espaço tudo que se necessita para o lar, de alimentação a produtos de limpeza. Com a vantagem de as mercadorias ficarem expostas à mão do freguês e sem ninguém a exigir que seja rápido na escolha.
Não combinava, porém, o supermercado dispor de prateleiras de joias, sapatos e roupas. Criou-se, então, o shopping center, onde se embute todo tipo de comércio, de supermercado (dotado de verduras frescas) a artefatos de pesca, incluindo lanchonetes, restaurantes e salas de cinema e espetáculos.
Agora surge um novo conceito: o Atoll, um super shopping (71 mil metros quadrados) erguido próximo à cidade francesa de Angers. Todo ele é “ecologicamente correto”. Nenhuma logomarca em sua carcaça de alumínio. Nada de poluição visual.
Além de 60 lojas e 12 restaurantes, o Atoll abriga academias de ginástica, salão de beleza, playground, parques com fontes, árvores e alamedas ajardinadas. Enquanto os pais fazem compras, as crianças brincam em grandes módulos ou assistem a DVDs sob cuidados de funcionários especializados.
A filosofia de marketing do Atoll é simples: saia de sua casa apertada, do estresse familiar, e ingresse no Jardim do Éden do consumismo, onde você desfrutará de requinte, espaço verde, atenção de elegantes recepcionistas. Em suma, o Atoll vende algo mais que produtos materiais: a ilusão de que o consumidor se iguala em status àqueles que têm alto poder aquisitivo.
Ora, como em sociedade de classes sonhos e ambições são socializados, mas não o acesso real a eles, o Atoll oferece um lounge a quem gasta pelo menos 1.500 euros, onde o consumidor tem acesso gratuito a internet, bebidas, revistas e jornais, máquinas de café expresso e até fraldário.
Pelo andar da carruagem, não ficarei surpreso se os shoppings do futuro oferecerem serviço de hotelaria, permitindo que o consumidor, abraçado a seu individualismo, se livre do convívio familiar.
Frei Betto é escritor, autor de “O que a vida me ensinou” (Saraiva), entre outros livros.
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