quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

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William Blake: poeta, visionário ou assassino?
por Luís Otávio Hott em 04 de jul de 2012 às 14:01

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Dead Man é uma viagem para lugar nenhum, entre estranhos familiares e uma cidade que poderia ser qualquer cidade, pois suas pessoas poderiam ser qualquer pessoa. Feita pelo dantes poeta e visionário, mas agora assassino, William Blake. Interpretado magistralmente por Johnny Deep. Acompanhado pelo estranho e espiritual guru índio Aquele que fala alto mas não diz nada, ou como prefere ser chamado Ninguém, interpretado pelo ator Gary Farmer. Essa é uma história de como o destino pode te encontrar, mesmo depois que você já esteja morto. De como um simples contador pode na verdade conter o espírito de um messias louco morto e reencarnado como um assassino talentoso destinado à matar o homem branco. É também a história de como duas pessoas podem ir contra o mundo que os cerca, desde que sejam amigos, e almas gêmeas.

William Blake é um simples contador de Cleveland, traído e abandonado pela noiva decide trabalhar numa cidadezinha do sul, desbravar o velho oeste. Com seu terninho limpo e listrado e sua carta carimbada ele acha que seu destino está seguro. Mas ao chegar na cidade descobre um antro de prostitutas e assassinos que o desprezam, e descobre que seu emprego já foi tomado por outro contador com a mesma carta e o mesmo terno. O destino lhe reserva uma armadilha depois da outra, mas William Blake, o assassissino por ocasião acaba descobrindo que a sorte lhe favorece mais vezes do que ele pode contar. Ele conhece então o índio Ninguém, misterioso e incompreendido, o índio tem como destino vagar solitário, e lhe conta sobre sua outra vida, quando ele escreveu: “Casamento entre o céu e o inferno”, entre outros tantos livros. William Blake não sabia que tinha sido William Blake, mas abraça sua nova identidade e seu novo destino, não como poeta, mas como assassino.



Vagando num cenário melancólico e noir eles encontram mercenários, índios de outras tribos, enquanto isso William morre, aos poucos, a bala em seu peito vai lhe matando o corpo e trazendo vida à alma.

Fascinante pérola existencialista dos anos 90, injustamente subvalorizada e esquecida. Jim Jarmusch celebra em Dead Man a revisitação do género querido do cinema clássico americano: o Western. Só que em vez de se contentar com a transposição dos códigos narrativos inatos a esse género e com o mero decalque da sua simplista atitude formal, Jarmusch reinventa-o e apresenta-nos um Western pós-moderno absorto numa metafísica arrebatadora, em simbologias desconcertantes e num acérrimo desencanto filosófico .

Dead Man é uma parábola sobre a Morte e uma carta de pessimismo em relação ao Homem e às suas ações inconsequentes. O filme tem um argumento tão rico que permite as mais estimulantes leituras: pode ser visto como o encontro de um homem com a sua espiritualidade, a necessidade de fugir de contextos conhecidos e alcançar a transcendência individual num qualquer lugar mais "puro", o agarrar a vida mesmo quando esta teima em nos escapar.

Esta complexidade de interpretações torna Dead Man num objeto lírico irrepreensível, que foge aos lugares-comuns quer do cinema de massas, quer do dito cinema independente.



A composição musical de Neil Young é a cereja em cima do bolo, compondo um dos melhores filmes da década de 90.


luishott
Artigo da autoria de Luís Otávio Hott.
Escritor e flaneur-voyeur, um flanvoyeur entre o playground e o abismo..
Saiba como fazer parte da obvious.

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