domingo, 17 de fevereiro de 2013

Felicidade

Um vazio às 04:36h da manhã
em artes e ideias por Marcelo Vinicius
Ó madrugada, tardas tanto... Vem... Vem, inutilmente, trazer-me outro dia igual a este, a ser seguido por outra noite igual a esta... Vem trazer-me a alegria dessa esperança triste, porque sempre és alegre, e sempre trazes esperança, segundo a velha literatura das sensações. [...] Noite absoluta, sossego absoluto, lá fora. Paz em toda a Natureza. A Humanidade repousa e esquece as suas amarguras.
Exatamente. A Humanidade esquece as suas alegrias e amarguras. Costuma dizer-se isto. A Humanidade esquece, sim, a Humanidade esquece, mas mesmo acordada a Humanidade esquece. Exatamente. Mas não durmo — Álvaro de Campos

Será que existem pessoas felizes plenamente, ou o que existe são meros momentos de ilusão nesta vida? Felicidade é um truque? Um truque da natureza concebido ao longo de milhões de anos com uma só finalidade: enganar você? A lógica é a seguinte: quando fazemos algo que aumenta nossas chances de sobreviver ou de procriar, nos sentimos muito bem. Tão bem que vamos querer repetir a experiência muitas e muitas vezes.

“As leis que governam a felicidade não foram desenhadas para nosso bem-estar psicológico, mas para aumentar as chances de sobrevivência dos nossos genes a longo prazo”, escreveu o escritor e psicólogo americano Robert Wright, num artigo para a revista americana Time.

Ela nos convence de que cada conquista é a coisa mais importante do mundo e nos dá disposição para lutar por elas. Mas tudo isso é ilusão. A cada vitória surge uma nova necessidade. Felicidade é uma cenoura pendurada numa vara de pescar amarrada no nosso corpo. Às vezes, com muito esforço, conseguimos dar uma mordidinha. Mas a cenoura continua lá adiante, apetitosa, nos empurrando para frente. Felicidade é um truque.

E temos levado esse truque muito a sério. Vivemos uma época em que ser feliz é uma obrigação, as pessoas tristes são indesejadas, vistas como fracassadas completas. A doença do momento é a depressão. A depressão é o mal de uma sociedade que decidiu ser feliz a todo preço.

Certo, exceto os seres perfeitos ou os idiotas, aceito que por mais que tentamos, teremos sempre esse vazio, seremos sempre seres faltantes. E por isso a cada geração que passa somos mais sedentos em ter tudo, em ter o melhor, em querer ser o melhor, sempre queremos mais, mais e mais, seja subjetivamente ou objetivamente. É o vazio existencial. Pode ser a Falta que tanto Lacan disse... A Falta favorecer a função do desejo... “A Falta da Falta” também... Não sei...

Só sei do famoso vazio existencial, a sensação de que algo nos falta. É como se tudo que guardamos, o conhecimento e emoções que acumulamos, nos tivesse sido tirados.

O vazio também pode ser dito como a falta de sentido da vida que são aspectos difíceis de serem aceitos e vividos, como dizem alguns filósofos. Só espero que eles tenham ido além disso, senão estariam sendo otimistas demais ao conceber o vazio existencial ao homem, pois no vazio haveria ainda o espaço, isto é, a capacidade de caber algo, ainda que não houvesse nenhum objeto para preenchê-lo. Teríamos aí a possibilidade da criação de sentido definitivo ou seria válido ou plausível existir um objeto para preenchê-lo de fato e decisivo, a felicidade plena. Mas o vazio clama em vão por uma palavra que possa simbolizá-la. Percebeu? Clama em vão, ou seja, não se preenche o vazio, então não há o vazio, mas há sim o Nada.

Jamais um homem pode ser completamente feliz. Nenhum homem é feliz; luta sua vida toda em busca de uma felicidade, a qual raramente alcança, e, quando alcança, é apenas para sua desilusão. Então dá no mesmo se foi feliz ou infeliz, pois sua vida nunca foi mais que um presente sempre passageiro, que agora já acabou. Nenhum homem jamais se sentiu perfeitamente feliz; no máximo um torpor. Fui generalista? Também sou homem, respondo por mim. Ficou melhor?

O famoso Jean-Paul Sartre, após refletir por longo tempo sobre a vida, admitiu que se chega um tempo na vida em que nós, e até o mais feliz dos homens, pergunta a si mesmo: “Há algo mais?” ,"Isso é tudo o que há?” “Isso é tudo o que existe”?

Então se esse vazio não é preenchido de fato, se sempre há o faltante, se sempre queremos mais, assim não estamos falando do vazio, estamos falando do Nada. Vazio é passivo de ser preenchido, mas o Nada não é.

Eles foram muito otimistas, deveriam ter concebido o Nada e não o vazio existencial. O Nada vai mais longe do que o Vazio ou a Falta. No Nada não existe nem o espaço ou o vazio, isto é, não há coisa alguma, nem um lugar vazio para caber algo ou encaixar sentidos. Se Deus é o único Ilimitado capaz de suprir todos os vazios e necessidades humanas, Deus não pode mais fazer isso quando o homem submerge o Vazio e reconhece o Nada. Pois o Nada não pode ser suprido nem mesmo por Deus, senão, não seria o Nada.

O vazio, a falta clamam em vão por uma palavra que possa simbolizá-la. E o Nada? O Nada implica na impossibilidade de conter qualquer coisa, por isso o homem sempre está em busca de algo para se preencher e não consegue o tal feito. O homem então não tem um vazio, tem um Nada.

Não se pode estar no nada. O nada é, pois, um não-lugar. O homem é o não-lugar e não um ser faltante ou vazio. O homem é um Nada. O homem então está em meio às coisas, mas paira isolado, e em nenhuma parte se acha em casa. Então não falemos do Vazio da Existência, falemos do Nada da existência. A existência está intimamente ligada ao nada humano e não a falta ou ao vazio humano.

Não estou aqui querendo bancar o lado pessimista de Arthur Schopenhauer, mas é ser otimista demais considerar o Vazio Existencial, no sentido como se fosse uma Falta, uma busca de sentido, um busca para ser preenchida. Preenchida? Agora consideremos o Nada. O vazio clama em vão por uma palavra que possa simbolizá-la. Já o “conceito” do Nada não clama em vão por uma palavra ou sentido, o nada também é a inexistência das leis físicas ou quaisquer leis que alguma coisa existente obedeceria. Por isso que as ciências não estudam a verdadeira subjetividade humana. Como estudar o nada? O nada não é coisa alguma, logo não existe. O nada, no máximo, é um signo, uma representação lingüística do que se pensa ser a ausência de tudo. O homem não existe. O que existe são representações mentais do nada ou do homem.

Como uma definição ou um conceito é uma afirmação sobre o que é uma coisa, o Nada não é positivamente definido, mas apenas representado, fazendo-se a relação entre seu símbolo (a palavra "nada") e a idéia que se tem da não-existência de coisa alguma. O "nada" não existe, mas é concebido por operações de mente. O homem não existe, mas é concebido por operações de mente. O homem, então, só é visto metafisicamente, porém mesmo assim sem garantia no que se vê.

Assim o Nada da realidade humana advém pela interrogação, que ao buscar um ser na consciência constata o nada. Isso significa que o homem não pode pensar a si mesmo. E se isso ocorrer ele se depara como o seu nada de ser. Aí estaria então o Nada; portanto se mostra que o Nada não é uma constatação, obviamente, mas uma criação humana. Ela não pode se colocar como objeto de investigação, ou seja, repito: o homem, então, só é visto metafisicamente, mesmo assim sem garantia no que se vê. Sem garantia nenhuma, voltamos à estaca zero.

Nem metafisicamente não se pode pensar que o nada é, pois se estaria transformando ele em objeto, em ente, mas o nada não é ente. O nada é nada de ente.

Somos mais sedentos, sempre queremos mais, mais e mais e vivemos essa falta; se tivéssemos um vazio talvez nos preencheríamos, mas o Nada jamais é preenchido, o homem é preenchido? Então temos aí o nada e não o vazio. No entanto concordo somente no aspecto do que o "nada" não existe, mas é concebido por operações de mente. O homem não existe, mas é concebido por operações de mente.

Vamos além das metáforas... O nada não é uma constatação, obviamente, mas uma criação humana. Como se constata o nada? O homem então não existe ou é uma criação de si mesmo, contudo o nada não cria o nada, então como homem criaria a si mesmo? É ilusão o homem criar a si mesmo. Há uma tentativa de criação, há sempre uma recriação, por isso que o homem nunca está feito, completo, perfeito, pois do nada, nada pode surgir ou se criar. Ele nem mesmo sabe se existe, quanto mais...

Aqui nem chegamos a um tipo de existencialidade nádica, pois me disseram já sobre isso, em que o termo “nada” nos leva em direção ao “esvaziar”. Assim, citaram que o nada para Heidegger não é um vazio ou uma falta e sim uma ausência que nos permite dizer que já esteve lá... O esvaziamento de algo que diz que: em algum momento lá esteve, e que talvez volte a se preencher, assim é a ausência, estava e deixou de estar, com a possibilidade de retorno, e será neste retorno que o desenvolvimento nádico se transforma em clareza de realidade, isto é, existência.

Esse Nada de Heidegger é um nada que pode ser tão extenso, tão rico e complexo que nos torna incompreensível, como realmente somos. Mas o meu nada é pobre. O nada é nada, não é nem mesmo esvaziamento. No nada, nada acontece. O estado de "nada" aqui é o nada absoluto. Ausência, quer absoluta, quer relativa, do ser ou da realidade; o que não existe, mesmo metafisicamente falando, como foi exposto aqui.

Se para Heidegger o esvaziamento de algo diz que em algum momento lá esteve, e que talvez volte a se preencher; para mim, isso está mais para o vazio do que para o nada, pois o vazio é passivo de ser preenchido, mas o Nada não é nunca preenchido. Por isso Heidegger ganha em falar em ausência e não em vazio.
O meu Nada é a inexistência das leis físicas ou quaisquer leis que alguma coisa existente e idealizada obedeceria, então adeus ciência, adeus metafísica. No máximo fala-se da “ausência” de Heidegger, mas o meu nada continua sendo nada de fato, aliás, nem isto, pois o “nada” aqui pensado não pode vir a “ser”. É o substrato inconcebível, inominável, inexplicável, incognoscível e inapreensível. Na verdade há algo para conceber? Então nem inconcebível é...

O meu Nada implica na impossibilidade de qualquer coisa, por isso o homem sempre está em busca de algo para se preencher e não consegue o tal feito. O homem então tem um nada. Não se pode estar no nada. O nada é, pois, um não-lugar. O homem é o não-lugar. Não se pode falar nada sobre o “nada”.

Por isso quando o homem olha para si mesmo enquanto ente, o que ele encontra? O nada. E como não pode ser dito sobre o “nada”, isso vira sintoma. Quando o que não pode ser dito vira sintoma. A única salvação seria libertar o homem do pensamento substancial e da comoção substancial de si mesmo, mas isso seria possível? É como se fosse fugir do “nada”. Mas quando se foge, foge de alguma coisa.

Schopenhauer disse: "nossa vida é um episódio que perturba, sem nenhuma utilidade, a serenidade do nada". Considerando o “nada” deste meu texto, sem maiores pretensões, poderíamos dizer: "nossa vida é um episódio que perturba, sem nenhuma utilidade, a serenidade de nós mesmo", pois como eu disse anteriormente: o homem é o não-lugar e não um ser faltante ou vazio. O homem é um Nada.

Nesse caso, se falando de homem, eu não disse nada sobre ele, de fato. Neste caso, eu não disse nenhuma palavra. Neste caso eu disse algo, mas como uma insignificância que se encaixou no pretendido. Como falar do que não existe? Por ser nada, não há palavras, pois não há ente para se referir, há apenas um estranhamento por não se saber explicar que coisa há.

O nada não é coisa alguma, logo não existe. O nada, no máximo, é um signo, uma representação lingüística do que se pensa ser a ausência de tudo. O homem não existe. O que existe são representações mentais do nada ou do homem.

Devido a isso, os prospectos imaginários e metafísicos do homem, só levam-nos a uma incerteza maior, que faz alterar toda sua vida presente. E a ciência? Cada vez mais objetiva menos capaz de analisar se torna, a esse respeito. Se a idéia de Deus parece ilusória e insatisfatória, a idéia do nada não melhora esta nossa condição.

O homem então está longe de ser até o Nada, que tanto foi exposto aqui. O homem está longe de ser qualquer coisa. O que é então o homem? O que é então o nada? O que é a não existência? Se não existe é porque não é e isso não é um simples jogo semântico, é um fato lógico: ou é ou não é, ou existe ou não existe (ser e não ser ao mesmo tempo é uma tentativa de explicação ordinária, segundo as leis naturais desse mundo). Não é também só uma limitação da lógica cartesiana, mas da metafísica também, já que esta não explica o “Nada”, senão, estaria tudo resolvido. Então não se faz essas perguntas, que eu fiz. Silencia-se, pois é um absurdo.

Assim, começamos entrar numa lógica mais drástica, pois o nada, até pelo viés metafísico, é um manto que encobre, é mais uma explicação ilusória sobre o homem, porque o nada não é uma constatação, de modo algum. Ao contrário do que parece um descortinar, o nada é também um meio de aliviar a tensão da finitude do curso humano, que pede uma resposta segura.

E mais: não sei até onde os conceitos dos pensadores citados aqui estão certos, se é que estão. Gosto da forma com que os filósofos destroem conceitos e as teorias que os precederam. Isso tem acontecido há séculos. “Não, não é assim” – dizem – “É desse jeito”. Isto continua sem parar e parece lógica, esta continuidade. Mas, tem que ser assim.

Ah! Coisa nenhuma aqui faz sentido e nem é um pouco interessante? Pode ser refutado em menos de um segundo? E quem se importa com isso? Você acredita que na minha insônia, às 4 horas da manhã, estaria interessado em explicar a humanidade, com minha perfeita filosofia, ou estaria matando o tempo até o sono voltar? Ou estaria falando de mim mesmo aqui? Quem sabe isto não é eu? Eu não quero convencer ninguém, ajudar ninguém, salvar ninguém… Eu queria mesmo era sair dessa dimensão do meu, de ser e estar em alguma outra coisa… Qual o tolo que ficaria discutindo sobre o “nada”? Qual o tolo que perderia seu tempo para analisar o que não existe? Normalmente se analisa o que existe.

Ultimamente eu tenho achado que escrever é apenas uma maneira de organizar meus pensamentos. O bom seria eu conseguir ficar nessa confusão do juízo… E pegar toda essa pulsão, essa energia, esse monte de impulso e estetizar de alguma maneira, pintar um quadro, fazer um desenho, escrever um livro...

Essa coisa meio escriba, a pessoa que narra é um lugar de prazer, mas também de anestesia, porque é operacional… Funcional, é a voz oficial que dar a ver... Mas quando eu ordeno, eu construo o texto, eu elaboro os argumentos, eu materializo de alguma forma esses pensamentos no teclado e eu me sinto melhor... Escrever é meu Prozac, às vezes, e mesmo assim minha escrita foi feita para se dizer tudo o que não corresponde aos meus conceitos.

Hoje não são as nossas ideias que nos fazem otimistas ou pessimistas, mas o otimismo e o pessimismo de origem fisiológica que fazem as nossas ideias, e não falo só de Prozac, falo da escrita, falo da fala, falo da linguagem, falo...

marcelovinicius
Artigo da autoria de Marcelo Vinicius.
Escritor e agitador cultural. Estudante de Psicologia. Faz parte do projeto de pesquisa e extensão sobre cinema e produção de subjetividade (Sala de Cinema) e do projeto de pesquisa em Psicologia Social na Universidade Estadual de Feira de Santana - UEFS..
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