domingo, 14 de outubro de 2012
Deus
Rui Martins – Censura em nome de Deus
Por Rui Martins(*)
Berna (Suiça) – Deus tem de ser respeitado, nisso todas as religiões, circuncisas ou não, estão de acordo. E, por tabela, têm de ser respeitados aqueles que representam Deus na Terra – podem ser Jesus, Maomé, Buda, o Papa – ou os livros nos quais se acredita estar a Revelação divina, no caso a Bíblia, o Corão, o Talmud.
A questão de se instituir a censura em nome de Deus e das religiões foi o tema mais debatido nos últimos dias, na Comissão de Direitos Humanos, tanto em Genebra como em Nova Iorque, transformada ao que parecia na comissão de defesa dos direitos divinos, e divide principalmente os países ocidentais e os países árabes, surge sempre, nestes últimos doze anos, durante os trabalhos da Comissão de Direitos Humanos.
E este ano, o filme islamófobo e as caricaturas de Maomé na revista Charlie Hebdo, foram o pretexto para a delegação do Egito levantar a necessidade de se criar, a nível internacional da ONU, a proibição de se criticar ou difamar as crenças religiosas.
Para facilitar a digestão do reconhecimento de uma censura mundial, os egípcios, apoiados por países árabes, tentaram assimilar a difamação das religiões com racismo. Aproveitaram para isso um projeto contra o racismo proposto pela África do Sul, no qual tentaram incluir um parágrafo dedicado à discriminação de toda religião, bem como os atos visando os símbolos religiosos e pessoas veneradas .
A jogada foi inteligente e, deixando-se de lado denúncias relacionadas com torturas de pessoas e violações reais de direitos humanos em muitos países, os debates sobre religião prolongaram-se por três dias.
O Egito, desta vez, perdeu a parada, mas conseguiu marcar a exigência dos muçulmanos. Do texto inicial do parágrafo foi retirada a parte relacionada com a difamação de religiões e de pessoas veneradas. E, sem dúvida, voltarão à carga no próximo ano. É de se prever que, se o Ocidente não mantiver uma oposição cerrada, em nome da liberdade da expressão, a ONU acabará por aceitar a criação da censura religiosa.
Para as delegações dos países ocidentais, o que se defende na Comissão de Direitos Humanos é o direito individual de praticar ou não uma religião. A questão dos insultos ou difamação de religiões já existe na legislação nacional de alguns países, e isso se considera como suficiente.
Por exemplo, no caso das caricaturas de Maomé publicadas na revista Charlie Hebdo, algumas associações muçulmanas na França entraram com processo contra a revista. Uma iniciativa legal que caberá a um juiz ou tribunal decidir.
Entretanto, antepor as religiões ao direito individual poderá se transformar num perigoso precedente, pois justificará os excessos já cometidos em muitos países teocráticos e impedirá aos não religiosos qualquer menção contra credos religiosos. E, em pouco tempo, todas as religiões acabarão aproveitando a brecha aberta pelos muçulmanos para sacralizar uma censura religiosa, fatal à liberdade de expressão.
*Rui Martins é jornalista e colabora com o “Quem tem medo da democracia?“, onde mantém a coluna “Estado do Emigrante“.
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