quarta-feira, 31 de outubro de 2012
Crianças trabalhando
3,4 milhões crianças trabalhando: ''É inaceitável''. Entrevista especial com Isa Maria de Oliveira
“Quando se fala em trabalho infantil, nós entendemos que sua prevenção e eliminação tem que se dar no contexto da proteção integral dos direitos da criança e do adolescente”, diz a secretaria do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil.
Confira a entrevista.
“Se analisarmos que em uma década pouco mais de meio milhão de crianças foram retiradas do trabalho infantil, e que ainda há um universo de 3,4 milhões crianças trabalhando, isso revela claramente que as políticas e os programas adotados e implementados no Brasil não estão dando conta da gravidade do problema”. A análise é de Isa Maria de Oliveira, secretaria do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, referente aos dados do censo sobre o combate ao trabalho infantil no país. Para ela, esse “resultado é inaceitável”, porque “em comparação ao universo de crianças que ainda estão trabalhando, esse número ainda é pouco expressivo”. E dispara: “É inaceitável que o Brasil, apontado como uma referência para os outros países nessa área de enfrentamento do trabalho infantil, tenha um resultado tão pequeno”.
De acordo com Isa Maria, cerca de 132 mil crianças e adolescentes entre 10 a 14 anos ainda “são responsáveis pelos seus domicílios”. Para ela, a impossibilidade de erradicar o trabalho infantil no país está relacionada à ineficácia das políticas públicas, que não conscientizam as famílias sobre o tema. Na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line, Isa comenta o impacto dos programas de transferência do governo no controle do trabalho infantil. Apesar de terem contribuído para garantir o acesso das crianças à escola, os programas não contribuíram “para que as famílias tivessem uma compreensão sobre o trabalho infantil”. Isa também destaca a omissão dos gestores públicos, que não denunciam casos em que as famílias recebem um valor em dinheiro e mantêm as crianças trabalhando. “O governo municipal não identifica e não reconhece que há trabalho infantil, ou seja, não faz esse cofinanciamento. Enquanto isso, o Programa de Transferência de Renda está aí, cobrindo mais de 14 milhões de famílias”.
Isa Maria de Oliveira é graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Goiás, e pós-graduada na mesma área pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Em dez anos aproximadamente 530 mil crianças e adolescentes brasileiros deixaram de trabalhar no país. O que esse dado significa e representa considerando a trajetória brasileira em relação ao trabalho infantil?
Isa Maria de Oliveira – Se analisarmos que em uma década pouco mais de meio milhão de crianças foram retiradas do trabalho infantil, e que ainda há um universo de 3,4 milhões crianças trabalhando, isso revela claramente que as políticas e os programas adotados e implementados no Brasil não estão dando conta da gravidade do problema. Quando falamos de crianças e adolescentes, nos referimos a uma fase na vida muito breve. Então, se em uma década milhares de crianças não foram retiradas do trabalho infantil, na próxima década elas não serão mais crianças, e legalmente poderão trabalhar e perderão a oportunidade de viver plenamente a infância e de ter assegurado todos os direitos fundamentais para o seu pleno desenvolvimento cognitivo, físico e emocional.
Do ponto de vista da avaliação do Fórum Nacional, esse resultado é inaceitável. É uma redução muito pequena. Claro que felizmente pouco mais de meio milhão de crianças foram retiradas do trabalho infantil, mas em comparação ao universo de crianças que ainda estão trabalhando, esse número ainda é pouco expressivo. É inaceitável que o Brasil, apontado como uma referência para os outros países nessa área, tenha um resultado tão pequeno.
IHU On-Line – Quais foram as políticas públicas de combate ao trabalho infantil que não foram eficazes? Qual é o problema e como o Estado aborda essa questão?
Isa Maria de Oliveira – A primeira observação que faço é a de que o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI foi instituído em 1996, quando trouxe um impacto forte e positivo. Tanto é que a maior redução do trabalho infantil aconteceu até 2001 e 2002. Retiradas as crianças da cadeia formal de trabalho, permaneceram trabalhando as crianças que trabalham com as próprias famílias, tanto na área rural como na área urbana. Essas são formas de trabalho infantil que requerem uma articulação e uma integração das políticas públicas.
Nesses casos, as famílias precisam receber um atendimento especial. O início dessa atenção pode ser a transferência de renda, mas isso não é suficiente. É preciso que as famílias tenham a oportunidade de serem informadas e de compreenderem que a inclusão precoce de crianças e adolescentes no trabalho infantil não é uma solução, mas um fator determinante de reprodução da pobreza e da exclusão social no Brasil.
Quais são as outras políticas que precisam funcionar e estarem articuladas? Sem dúvida nenhuma, a política de educação. As crianças que estão trabalhando têm direito a uma educação de qualidade, que passa necessariamente por aprender no tempo certo e por ter todas essas oportunidades de práticas esportivas, culturais, para que se tenha uma educação, e não somente uma escolarização. É preciso garantir uma escola de qualidade e, preferencialmente, em tempo integral, com foco nas áreas e nos municípios, nos territórios onde há realmente maiores focos de trabalho infantil. Além disso, deve haver, por parte do Estado, seja municipal, estadual ou federal, uma responsabilidade no sentido de informar e sensibilizar a sociedade de que o trabalho infantil traz inúmeros prejuízos e riscos para as crianças, além de comprometer o desenvolvimento humano do país. Isso é importante, porque mudar valores culturais é um dos maiores desafios, ainda mais em um país que tem um legado escravocrata, uma percepção equivocada e desumana de que o trabalho é bom para as crianças pobres. 132 mil crianças e adolescentes entre 10 e 14 anos são responsáveis pelos seus domicílios. Esse é um indicador forte de trabalho infantil.
IHU On-Line – As políticas públicas deveriam ter sido acompanhadas mais de perto ao longo dessa década?
Isa Maria de Oliveira – É importante ressaltar que, quando se fala de direitos de crianças e de adolescentes, de proteção integral, a prioridade tem de estar posta e assumida por todas as políticas públicas – e isso não acontece no Brasil. Por exemplo, ainda não temos a educação básica, aquela que cuida da fase pré-escolar, do ensino fundamental e ensino médio. Da mesma forma, o combate e à prevenção ao trabalho infantil não é uma prioridade. Então, a atuação das políticas públicas ainda está muito ligada à escolarização, e o foco é sempre a taxa de escolarização, ou seja, “o estar matriculado”.
Quando analisamos os indicadores de frequência e de rendimento escolar, vemos que essa taxa tão positiva de matrícula cai drasticamente. Dados do próprio MEC demonstram que, quando a criança ou o adolescente estuda e trabalha, o rendimento escolar é 10 ou 12 pontos percentuais abaixo daqueles que só estudam.
Violações
O trabalho infantil é uma porta aberta para as outras violações. Nós temos registros de que adolescentes privados da liberdade, porque cometeram um ato infracional, trabalharam quando crianças. O trabalho infantil nas ruas é um caminho aberto para que se deem a exploração sexual comercial, o abuso e outras inaceitáveis violações, como o espancamento, o xingamento, humilhações. É preciso refletir sobre isso. O resultado dessa década evidência realmente que o Brasil não está respondendo a todas essas graves questões. Quando falamos em trabalho infantil, entendemos que sua prevenção e eliminação têm que se dar no contexto da proteção integral dos direitos da criança e do adolescente. Tem que proteger a vida dessa criança, a saúde, o direito à educação de qualidade, o direito ao lazer e à convivência escolar.
IHU On-Line – Segundo dados da Organização Internacional do Trabalho – OIT, 40% das crianças que trabalham atualmente não são de famílias que vivem abaixo da linha da pobreza. Dizem que se trata de um novo perfil do trabalho infantil. Essa mudança acompanhou a ascensão econômica do país, e por isso as crianças não pertencem a famílias que estão abaixo da linha da pobreza? Comparando os anos 1990 e início dos anos 2000, como descreve hoje o perfil do trabalho infantil no Brasil?
Isa Maria de Oliveira – Esse dado requer uma maior análise. O perfil apontado pela OIT está aliado muito a que situações de trabalho as crianças estão submetidas. Aí eu aponto o seguinte: o corte de renda para que uma família seja incluída no programa Bolsa Família é de 140 reais per capita, mas uma família que tem uma renda dessas não será atendida pelo programa. Apesar disso, não posso afirmar que essa família não está em uma situação de pobreza. Então, precisaria analisar qual é a faixa de renda desses 40%.
O que esse dado pode trazer é o seguinte: como o maior abandono da escola é na faixa de 15 a 17 anos, na adolescência, e como nós vivemos numa sociedade do consumo, todos os adolescentes, independente de cor e de situação econômica, têm aspirações materiais, e essas aspirações, muitas vezes, motiva os adolescentes a trabalhar, mesmo que a família não esteja precisando daquela renda para sobreviver. É um trabalho que ele realiza para lhe dar direito a uma aspiração de consumo. Então, se tem uma família que não está em situação de extrema pobreza, mas ela não pode realmente dar ao seu adolescente, por exemplo, um celular, um tênis de marca ou algum bem que ele considera importante, ele trabalha para poder comprar. Então, esses 40% podem representar, em parte, esses adolescentes que estão trabalhando e que querem realmente garantir as suas aspirações de consumo e que não necessariamente estão determinados pela extrema pobreza da família. Todavia, avalio que esses 40% ainda estão na faixa da pobreza.
IHU On-Line – As crianças trabalham por necessidade?
Isa Maria de Oliveira – Exatamente! E aí você não pode reduzir a necessidade à sobrevivência somente. Há outros bens que estão disponíveis na sociedade e que são privilégios de poucas crianças e adolescentes. Por um lado, essa questão do consumo é muito forte entre os adolescentes, e eles são os que mais abandonam a escola.
IHU On-Line – É possível constatar se o trabalho infantil é mais recorrente nas cidades ou na zona rural?
Isa Maria de Oliveira – Se dividir por faixas etárias, sim. A faixa etária de 13 e 14 anos tem maior incidência de trabalho infantil na área rural. A faixa etária de 15 a 17 anos tem maior incidência urbana. Não há dúvidas. Isso está se confirmando. Quando se olha, por exemplo, nessa faixa de 15 a 17 anos, no Brasil e em todas as regiões, a maior incidência é urbana. Quando se pega nessa faixa até 14 anos, especialmente nas regiões Norte, Nordeste e Sul, é na área rural.
IHU On-Line – Apesar das suas críticas aos programas de distribuição de renda, é possível fazer uma avaliação de como eles incidiram no sentido de prevenir o trabalho infantil?
Isa Maria de Oliveira – Quando se faz um acompanhamento das famílias que recebem transferência de renda, faz-se o acompanhamento de duas condicionalidades. Entre elas estão a condicionalidade da frequência à escola – e volto a dizer que frequência à escola não é rendimento escolar. Sem dúvida, porém, nenhum programa de transferência de renda contribuiu para a maior frequência escolar, até porque, se a criança não tiver 85% de frequência, a família corre o risco de receber uma advertência e até de perder a bolsa.
De todo modo, não podemos aceitar que 571 mil crianças estejam fora da escola. Percentualmente esse valor é “pequeno”, mas, quando se vê o universo de crianças fora da escola, o número é inaceitável, sobre tudo nessa faixa de 6 a 14 anos. Já é de longa data que está posto na Constituição e no Plano Nacional de Educação que a escola é obrigatória, tem que ser ofertada e tem de se garantir a frequência e o sucesso escolar. Então, é inaceitável que se registrem números tão elevados.
O Programa de Transferência de Renda impactou na frequência escolar e no melhor acompanhamento da saúde da criança. Mas temos muitos depoimentos de quem trabalha nos municípios segundo os quais é comum que famílias recebam o benefício, a criança frequente a escola, a criança cumpre o calendário vacinal, faça o acompanhamento de saúde e, ainda assim, trabalhe. Então, para o trabalho infantil o impacto do programa de distribuição de renda não foi o desejável e nem o esperado. Em nossa avaliação, há uma coisa mais grave: o Programa de Transferência de Renda não contribuiu para que as famílias tivessem uma compreensão sobre o trabalho infantil, e o poder municipal também se omite em relação a ele. A família pode receber a transferência de renda por uma situação de pobreza e manter a criança no trabalho infantil. E o município não precisa cofinanciar, porque existe o financiamento do governo federal para os chamados serviços socioeducativos. Então, o governo municipal não identifica e não reconhece que há trabalho infantil, ou seja, não faz esse cofinanciamento. Enquanto isso, o Programa de Transferência de Renda está aí, cobrindo mais de 14 milhões de famílias. É muito preocupante, porque esse programa deveria impactar diferentemente no dia a dia das crianças.
IHU On-Line – Em que estados é possível perceber o predomínio do trabalho infantil?
Isa Maria de Oliveira – Nos três estados do Sul os percentuais de trabalho infantil são elevados, estão acima da média nacional. As regiões Sul e Norte, de acordo com os dados do último censo, são as que têm maior incidência do trabalho infantil. Então, o Nordeste apresentou realmente resultados positivos, embora a situação ainda seja grave, mas a diferença de percentual da região Norte para a região Sul é de 0,1%.
Como se tem uma densidade populacional muito maior no Sul, o percentual fica mais elevado do que no Norte. No Sul essa situação precisa ser ressaltada, porque se têm mais desenvolvimento econômico, mais escolas e os percentuais de trabalho infantil são muito elevados.
IHU On-Line – Como avalia o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA?
Isa Maria de Oliveira – Este Estatuto é um marco, apesar de ainda não estar plenamente implementado. Defendemos que um dos artigos – o de n. 248 – seja imediatamente revogado. Ele trata da vinda de adolescentes de outras comarcas, e a família que busca ou que recebe esse adolescente tem um prazo de cinco dias para informar a autoridade legal sobre a guarda dessa criança, que irá prestar serviços domésticos. Esse artigo é um claro incentivador do trabalho infantil, e isso se agrava mais porque o Brasil, em 2008, aprovou um decreto que define o trabalho infantil doméstico como uma das piores formas de trabalho.
Esse artigo está na contramão, sobretudo porque o trabalho infantil doméstico, como todos sabem, é oculto, de difícil fiscalização. Essa é uma das formas de trabalho que mais traz prejuízos para o rendimento escolar, porque a jornada é atenuante; muitos não têm nenhum descanso semanal; em muitos casos a jornada se estende, porque o trabalho é quase que ininterrupto. Em alguns o adolescente frequenta a escola, mas ele chega exausto para acompanhar as aulas; ele não tem como preparar as tarefas.
(Adital)
Tunísia
O Mundo Amanhã: Marzouki, um rebelde na presidência
17.10.12 Por Agência Pública #WikiLeaks
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Na entrevista desta semana, Julian Assange conversa através de medialink com o presidente da Tunísia, o ex-exilado Moncef Marzouki
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A revolução na Tunísia em 2011 marcou o início da Primavera Árabe, inspirando a população de outos países do Oriente Médio que, até hoje, seguem saindo às ruas contra governos autoritários. Após meses de protestos, a revolução tunisiana derrubou o ditador Ben Ali, abrindo espaço para as primeiras eleições democráticas no país em 23 anos.
Mas, passada a euforia, fica o desafio: como conduzir um governo que realmente capaz de mudar a vida da população tunisiana?
“Você ficou surpreso com a falta de poder ao se tornar presidente?”, pergunta ao presidente eleito no país, Moncef Marzouki. “Eu estou descobrindo que o fato de ser chefe de Estado não significa que você tenha todo poder”, responde o líder tunisiano.
Marzouki é médico e opositor de longa data do ditador Zine El-Abidine Ben Ali, o que o levou à prisão várias na década de 1990. Fundou o Comitê Nacional em Defesa dos Prisioneiros de Consciência e foi presidente da Comissão Árabe de Direitos Humanos. Em 2002, exilou-se na França onde, junto com outros tunisianos na mesma situação, fundou o partido político Congresso pela República.
Desde 2001, ele declarara que pressões externas e revoltas armadas não derrubariam Ben Ali, mas sim um movimento popular que empregasse os métodos da resistência civil. Em janeiro de 2011 a Tunísia mostrou que ele estava certo. Depois da queda de Ben Ali, Marzouki voltou do exílio para anunciar sua candidatura e foi eleito presidente interino pela nova Assembleia Constituinte da Tunísia, em outubro de 2011.
A grande pergunta, nas palavras de Assange, é: “Moncef Marzouki, ativista pelos Direitos Humanos, deve agora liderar o Estado que o aprisionou. Poderá ele transformar o Estado?”.
Assista a entrevista a seguir, ou clique aqui para baixar o texto na íntegra.
(O Mundo Amanhã)
PT
Bolsa Família abre as portas da educação para jovem alagoano
Lula, após ser derrotado pela Globo em 1989, viajou Brasil afora, na caravana da cidadania, para aprofundar o conhecimento sobre a realidade do povo brasileiro . Lula esteve próximo daqueles que o Estado precisava atender entre 1993 e 1996 em 359 municípios
Da pobreza para a universidade
Da infância no interior de Alagoas, Cleiton Pereira da Silva, de 27 anos, ainda carrega recordações de uma vida difícil. Após a escola, as diversas viagens ao açude sob o sol escaldante do sertão eram rotina. Para encher o reservatório da casa de água, trazia consigo na mão um carrinho de mão repleto de baldes. A seca tornava a realidade ainda mais dura, assim como alimentar as seis pessoas da família com apenas um salário mínimo e a plantação de milho e feijão em uma região árida.
As cenas gravadas na memória de Cleiton representam a vida de milhares de outros brasileiros pobres e famintos, principalmente, no nordeste do Brasil. A morte do pai quando ainda criança completou o cenário de adversidades e forçou a mãe a buscar o sustento da família em São Paulo. Mesmo assim, as dificuldades não diminuíram para ele, a irmã, a tia e os avós.
A perspectiva de uma vida melhor surgiu apenas quando a família se tornou beneficiária do programa Bolsa Família, em 2003. À época recebiam 68 reais. “Para muitas famílias que não possuem nada, esse dinheiro é uma fortuna. Não dá para viver apenas disso, mas te ajuda a procurar outros rumos, como pagar a condução para procurar um trabalho”, conta o jovem, que há dois anos deixou voluntariamente de receber o auxílio quando sua renda aumentou.
Desde que foi lançado, há cerca de oito anos, o Bolsa Família ajudou a retirar cerca de 30 milhões de brasileiros da pobreza absoluta. E jovens como Cleiton fizeram com o que o programa superasse uma série de previsões simplificadoras, como a de que estimularia seus beneficiários a manterem-se desempregados para receber ajuda estatal. Conforme mostra a segunda rodada de Avaliação de Impacto do programa, realizada pelo Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) com 11.433 famílias, beneficiárias ou não, em 2009, isso não ocorreu.
Ao considerar uma faixa de 18 a 55 anos de idade, a parcela de pessoas ocupadas ou procurando trabalho em 2009 era de 65,3% entre os beneficiários e 70,7% para os indivíduos fora do programa. Analisando pessoas entre 30 e 55 anos, a porcentagem é de cerca de 70% para ambos os grupos. O índice de desemprego também é semelhante nos dois grupos.
Cleiton superou a pobreza para fazer o caminho inverso: passou de beneficiário a gestor do programa em Minador do Negrão, em Alagoas. Hoje, a família vive com uma receita de dois salários mínimos. Parte dela investida na educação do jovem, estudante do segundo ano de História na Universidade Estadual de Alagoas. “Pretendo me formar, ascender na vida e ter uma profissão. O meu sonho é poder continuar a fazer algo por quem precisa.” Mas para chegar a esse quadro, o auxílio de 68 reais foi fundamental para permitir que a família se alimentasse melhor e que as crianças continuassem na escola.
Os dados mais recentes, de setembro de 2011, indicam que cerca de cinco milhões de famílias deixaram de receber o benefício desde sua criação. Os principais motivos para esses desligamentos foram a falta de atualização cadastral e a renda informada pelo beneficiário acima do permitido, o que ocorre em 1/3 dos casos. Mas, segundo o MDS, desde 2010 a família pode registrar uma alteração de rendimentos desde que dentro do padrão de até ½ salário mínimo para continuar no programa por mais dois anos.
Uma medida adotada porque essa população trabalha com um rendimento instável no mercado informal. “As famílias precisam saber que podem contar com o programa, pois, segundo estudos, o seu rendimento em um mês pode variar de um salário mínimo para 100 reais” explica Leticia Bartholo, secretária nacional adjunta de Renda e Cidadania do MDS.
No segundo semestre de 2011, também foi criado o mecanismo do desligamento voluntário com retorno garantido. A ação visa impulsionar as famílias que acreditam possuir condições de deixar o programa a comunicarem as autoridades que não precisam mais do benefício. Elas podem, porém, voltar a receber caso sua situação piore. “Essa regra permite que se arrisquem no seu engajamento produtivo com um colchão de segurança de renda.”
O recebimento dos repasses do Bolsa Família varia de 32 a 306 reais mensais, segundo critérios como a renda mensal per capita da família e o número de crianças e adolescentes de até 17 anos. O programa, que tem orçamento de 20 bilhões de reais para 2012 – cerca de 0,5% do PIB – e atende mais de 13 milhões de famílias no País-, está condicionado ao cumprimento de diversos fatores pelos beneficiários. Entre eles, a frequência mínima de 85% às aulas para crianças de 6 a 15 anos e 75% para jovens de 16 e 17 anos. Em 2011, 95,52% dos beneficiários cumpriram a cota mínima de presença exigida.
E foram além. No ensino médio público, alcançaram em 2010 o nível de aprovação de 80,8% contra 75,1% da média. A evasão escolar também foi baxia: 7,2% para os beneficiários e 11,5% na média.
O caminho da educação foi trilhado por Cleiton e faz parte dos planos do MDS para os demais auxiliados pelo programa. Em parceria com outra ações do governo, o ministério tem programas para qualificar beneficiários maiores de 18 anos para trabalhar em obras do PAC, por exemplo, por meio de vagas do Sistema Nacional de Emprego (SINE). O PlanSeQ Bolsa Família é uma tentativa de traçar uma ligação entre o auxílio social e o mercado de trabalho, tentando atender à demanda de mão-de-obra qualificada para as vagas criadas pelo crescimento econômico e para as necessidades regionais. Entre os cursos oferecidos estão os de azulejista, pintor e carpinteiro.
Cleiton pulou essa etapa, mas ainda não superou todas as barreiras para vencer a pobreza: a faculdade fica a 40 minutos da cidade onde mora. “Chego tarde e trabalho cedo, mas nada substitui a vontade de vencer.”
Gabriel Bonis / Carta Capital
terça-feira, 30 de outubro de 2012
Mundo Virtual
Resistência ao novo
em Crônica por Giovana Damaceno em 17 de out de 2012 às 15:20
Parece absurdo ainda falar disso, mas acontece
Um jovem me contou dia desses que um dos professores dele, na sala de aula, bastante exasperado, disse que o Facebook é uma m* e que serve pra nada. Este mesmo rapaz tem uma pessoa da família que se recusa radicalmente a se relacionar pela internet, embora tenha duas graduações no currículo e seja profissional liberal, portanto, não se trata de um ignorante. Passei um bocado de tempo pensando nisso. Acabara de chegar de um seminário sobre redes sociais em São Paulo, quando soube desta história, tão igual a tantas outras atualmente. Inclusive, no próprio evento, pelo menos dois jornalistas se manifestaram dizendo-se avessos à comunicação via mídia social.
Onze anos atrás, trabalhava como assessora de imprensa em um hospital que faz parte de uma rede sediada na capital paulista. Era primordial que nos habituássemos aos envios de email para lá e para cá, pois eles facilitariam todo trabalho de troca de documentos anexados, peças de publicidade, apresentação de relatórios e muitas etecéteras. Pois lá naquele início dos anos 2000, com a internet já bombando no mundo inteiro, tivemos muitos impasses por causa dos resistentes, para os quais o diretor da instituição sempre dizia “Hoje em dia quem não é ponto com é ponto morto!”, frase, aliás, que adotei e uso até hoje.
Algum tempo depois experimentei entraves no trabalho diário de assessoria de imprensa, porque no órgão em que prestava serviços não havia conta de email. Ainda enviavam releases por fax. Foi uma demora de quase um ano para um processo que começou no convencimento da direção, passou por todo um planejamento de como seria a absorção da nova realidade, até a implantação da ferramenta, que ainda sofreu muitos ajustes antes de funcionar corretamente.
Cito aqui apenas os recursos de internet que me vêm à memória neste momento, os quais aprendi a fazer uso no dia a dia profissional. Como o MSN, que mantenho permanentemente aberto enquanto estou no computador (ou o bate-papo do Facebook). Além de prático, pois me permite chamar qualquer pessoa conectada a qualquer momento, para sanar dúvidas ou pedir informações, é também um meio de economia de ligações telefônicas. Resolvo uma série de questões por conversas on line; se fosse depender do telefone gastaria uma pequena fortuna por mês. E ainda ouço gente a minha volta a dizer “Não gosto deste troço; prefiro a conversa ao vivo e a cores”. Também prefiro, mas no dia a dia de trabalho é muito mais fácil, rápido e dinâmico.
Hoje temos as mídias sociais e toda a facilidade de relacionamento pessoal e profissional que nos proporcionam. Trabalho com elas diariamente na instituição de ensino superior em que atuo como jornalista e posso afirmar que sem Twitter e Facebook, pelo menos, as campanhas publicitárias e planos de assessoria de imprensa seriam capengas. “Elas oferecem milhares de outras possibilidades que ainda estamos descobrindo, mas ainda teimamos em manter o formato antigo, pois não aceitamos as mudanças, há uma resistência em aceitar o novo. Há muito medo de apostar. É urgente que se pensem nas campanhas exclusivamente focadas nas mídias digitais”, alertou uma das palestrantes do 1° Seminário de Redes Sociais do Comunique-se, em São Paulo, Ana Bertelli.
Faz-se e fala-se muita bobagem nas redes sociais, sim, claro! Só que ocorre o mesmo – ainda – com os envios de emails. Abra sua caixa de entrada agora e verifique a quantidade de lixo que você recebeu só hoje de manhã. E você continua usando, porque precisa, porque é prático, porque necessita desta ferramenta pessoal e profissionalmente (e também manda um monte de lixo para seus contatos, como aquelas apresentações em PPS). Porém, que não se enganem novamente os resistentes: não há retorno. É uma nova realidade, um novo meio de comunicação que caiu em nossas vidas e do qual não há como escapar. Ou você tem perfil, ou você não existe. “O Facebook é uma internet dentro da internet. Temos acesso a tudo dentro dele, trocamos mensagens, nos relacionamos socialmente. Não dá para não prestar a atenção nisso”, disse o jornalista Thiago Cordeiro, num curso de redes sociais do qual participei.
E, cá pra nós, bem ao pé do ouvido: o que quer um professor que fala tamanha besteira para dezenas de jovens que utilizam as redes sociais e se beneficiam delas? Como um profissional de ensino está numa sala de aula falando pra jovens alunos, se não se atualiza, não se adapta ao novo? O quê e como pretende ensinar, passar informações?
Alguns dias atrás meu filho me comunicou que sua sessão com a terapeuta seria antecipada para um dia antes. “Tudo bem, filho, você foi avisado disso na consulta da semana passada?”. “Não, mãe, a terapeuta falou comigo há pouco pelo Facebook”.
É. O tal professor está precisando mesmo de uma reciclagem urgente. Se já não for ponto morto.
giovanadamaceno
Artigo da autoria de Giovana Damaceno.
Jornalista e cronista..
Saiba como fazer parte da obvious.
Palestinos
Uma palestina no Parlamento de Israel
10/10/2012 | ICArabe
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Haneen nasceu em 1969, em Nazaré, logo depois do segundo grande conflito árabe-israelense conhecido como Guerra dos Seis Dias, em 1967. Ela representa a terceira geração depois da Nakba, catástrofe palestina de 1948, que culminou na expulsão de 800 mil árabes não judeus de suas terras; e faz parte das centenas de milhares de novas mulheres árabes que participam das lutas emancipatórias dos povos naquela parte do planeta. Filiada ao partido Baladi (Aliança Nacional Democrática), que se opõe à ideia de Israel como “Estado judeu”, Haneen é a primeira palestina com assento no Knesset, o Parlamento israelense, desde 2009. É também a primeira cidadã árabe de Israel a graduar-se em estudos sobre a mídia (pós-graduação pela Universidade Hebraica de Jerusalém) e desenvolver aulas sobre mídia nas escolas árabes.
Como muitas das mulheres palestinas, que estudam bem mais que os homens palestinos, Haneen é graduada em filosofia e psicologia pela Universidade de Haifa. Vem de uma família com tradição política. Tem sido atacada fortemente pelos parlamentares israelenses, recebeu até ameaças de morte, por ter participado da Flotilha da Liberdade I, a bordo do navio que foi atacado ilegalmente – em águas internacionais – pela marinha israelense, em 31 de maio de 2010, matando nove pacifistas e ferindo dezenas.
“A defasagem a favor da mulher é das maiores do mundo, dois terços dos estudantes são meninas”, informa Haneen. As mulheres são mais presentes nas manifestações, maioria das organizações de direitos humanos, além de maioria nas universidades, mas não conseguem trabalho. “As mulheres estudamos e ficamos em casa”, diz, “porque há bem mais oportunidadeds de trabalho para homens, que podem ir trabalhar em outras cidades.”
Um dos principais motivos é que os sistemas de comunicação e transportes não chegam às cidades árabes. Como diz a deputada, o trabalho da mulher está muito relacionado ao ambiente e ao desenvolvimento das cidades, culturalmente ela precisa trabalhar próxima de casa e o Estado não desenvolve políticas para garantir isso. “Se a mulher não tem acesso ao desenvolvimento industrial de uma região, tem que ficar em casa”, fala Haneen, dizendo existirem pesquisas indicando que “se a mulher árabe consegue participar na vida pública, o nível de pobreza pode diminuir”. A família judia tem renda três vezes superior à da família árabe em Israel. Metade dos palestinos vive abaixo do nível de pobreza, tem participação de 1% no setor privado, 0,5% na tecnologia avançada.
Apartheid de Estado
Haneen faz parte dos 18% de palestinos que restam no território dito israelense, depois da expulsão de 85% desse povo originário, por sucessivas e cada vez mais militarizadas invasões de suas terras, desde 1948. “O Estado pode confiscar terras palestinas sem pagar ao povo palestino”, diz a deputada. “Desenvolveram mil cidades e povoados nesse território ocupado, 0% para os palestinos.” Existem 7 milhões de refugiados palestinos vivendo precariamente em vários países do mundo, como Líbano, Jordânia, Síria, Iraque, Chile, Suíça e Brasil. As violações aumentam progressivamente nos últimos anos.
“A democracia de verdade é uma ameaça para o Estado de Israel”, afirma Haneen. “A colonização israelense desde 1967 é exercida contra todos os palestinos, onde quer que estejam, não só em Israel. Os cidadãos expulsos a partir de 1967 não são mais cidadãos nesse Estado. Sou parte do povo palestino e consigo questionar essa democracia, pois somos cidadãos desse Estado.” Ela chama a atenção para a natureza do Estado hebraico, que não tem constituição nem fronteiras, algo pouco abordado pela diplomacia internacional. “Existem 30 leis que legitimam o racismo contra os cidadãos palestinos”, denuncia. Elas tratam do uso das terras, construção e delimitação estrutural das cidades, mas também são leis para a educação, para a construção de partidos e de organizações civis. “Essa legislação de apartheid não tem igual no mundo!”
Também as leis de reunião de família e de naturalização são únicas no mundo, segundo Haneen. Ela não pode casar com nenhum palestino, seja da Síria, da região de Gaza ou do Brasil, pois terá que sair de Israel. E as leis são todas recentes, numa estratégia de guerra contra os palestinos que, segundo a deputada, inclui não somente a perda de terras (lei do confisco é de 2011), mas a colonização, a derrubada de suas casas pelo Ministério do Interior. “Temos 60 mil casas construídas sem autorização, verticalmente, pois eles não permitem a extensão de casas árabes no território. Ocupamos apenas 3% do território embora tenhamos crescido nove vezes desde a ocupação.”
Identidade violentada
Além dos conflitos materiais, existe forte conflito pela identidade palestina, proibida de se manifestar. Segundo a parlamentar, “pela concepção israelense, os palestinos na Cisjordânia e em Gaza são palestinos e nós não. Se falamos que temos identidade palestina, não estamos sendo leais ao Estado de Israel. Em todos os documentos oficiais, somos identificados como ‘não judeus’, não temos identidade”. O que aconteceu em 1948 está proibido de ser ensinado nas escolas pelas leis sionistas desse Estado que se diz democrático. “Normalmente, o imigrante é quem pede igualdade”, explica a deputada, “aqui a situação é inversa, os nativos pedem igualdade com o imigrante, pois a civilização árabe islâmica acolheu os judeus.”
O papel do Ministério da Educação é fazer desaparecer a identidade palestina. “Um dos seus objetivos é vincular o judeu ao território de Israel”, explica Haneen, “e vincular o israelense com a diáspora judaica no mundo, fortalecer a língua hebraica e desenvolver sua cultura. A literatura palestina de resistência é proibida, enquanto todos os livros didáticos da sexta série são sobre o holocausto, tido como catástrofe humana única. Se um professor resolver falar da catástrofe palestina no dia do Nakba, por exemplo, pode perder seus direitos.”
Também os meios de comunicação difundem a visão sionista, segundo a parlamentar, construindo uma cultura de medo dos árabes. “Antes de 1967, quando os tanques israelenses entraram em nosso território – queríamos somente viver, estávamos muito longe do Estado”, diz Haneen. “Agora, a maioria do nosso povo vota nos árabes, nossa juventude é a maior força, identificada com os palestinos.” Para isso, os meios de comunicação árabes têm tido muita importância. “Estamos vinculados à cultura árabe, o projeto de um estado de cidadania é novo, tem apenas 16 anos, numa repressão que já dura 60. Temos amadurecido e somos hoje mais corajosos e ativos, as revoluções árabes demonstram que o componente subjetivo dos povos é muito importante.”
A luta no Parlamento
Três partidos árabes e oito judeus compõem o Parlamento em Israel. O Baladi, de Haneen, tem três assentos no parlamento, o PC, quatro e o “massa islâmica”, outros quatro. A Aliança Nacional Democrática, fundada em 1995, tem projeto de secularização do Estado de Israel, quer um Estado laico e único para todos os cidadãos. Haneen Zoabi teve que enfrentar os tribunais para tornar-se parlamentar e, depois de algumas derrotas, conseguiu em 2006 por um voto (sete a seis) que os juízes permitissem sua participação na eleição. “Respeitando as leis israelenses e reivindicando como cidadã de Israel a solução desse contraste entre o Estado religioso e o cidadão, eu sou perigosa para Israel.”
A deputada acredita que irão proibir novamente a sua candidatura e a de outros parlamentares de seu partido nas próximas eleições, sobretudo pela participação na Flotilha da Liberdade. O projeto democrático quer a igualdade de direitos para todos e que os refugiados voltem para suas terras. “Os judeus sofreram holocausto não no mundo árabe e, antes do projeto sionista, viviam em igualdade com os palestinos. Virou uma obsessão a ‘judaicidade’ do Estado, eles passaram das fronteiras geográficas para as simbólicas, as culturais. Precisamos unificar e reconstruir o projeto nacional palestino, isso significa que precisamos do apoio internacional para o Estado palestino.”
Solidariedade internacional rumo ao FSMPL
É neste contexto histórico que se organiza o Fórum Social Mundial Palestina Livre, que acontecerá em novembro, no Brasil, na cidade de Porto Alegre. É preciso que o mundo ouça a voz dos palestinos, saiba o que acontece naquele território, descubra a farsa que é a democracia no Estado de Israel. “Quando Israel tenta justificar ocupação, repressão e massacres, levanta a bandeira de que é um Estado democrático”, comenta Haneen, “mas é uma falsa propaganda.” O fato é que Israel vem ampliando o comércio com todo o mundo, uma maneira de ganhar o apoio global para sua expansão geográfica e cultural.
“A crise econômica não afetou a venda de armas de Israel para o mundo”, diz a palestina. Israel tem 60 acordos com a comunidade europeia e voltou-se para outras regiões, como a América Latina, tem acordos de segurança e de armamento com o Estado brasileiro. “Os acordos comerciais com o Brasil são favoráveis a Israel, que tem um mercado de apenas 6 milhões, frente ao mercado brasileiro”, analisa Haneen. “Israel vê no Brasil e na América Latina um tesouro para expandir sua economia, as empresas israelenses estão alcançando 200 milhões de consumidores”.
A militante antissionista lamentou não ter visto nos supermercados daqui nenhuma alusão ao boicote que vem sendo desenvolvido contra produtos israelenses. “Cada vez que Israel se expande, ocupa terras e melhora suas relações com países do mundo, isto é lido como apoio ao projeto sionista.” Ela vê a campanha por BDS (boicotes, desinvestimento e sanções) aoapartheid promovido por Israel, aos moldes do que foi feito em relação à África do Sul, como o caminho efetivo rumo à Palestina livre.
Haneen contou que um mês antes do FSMPL, visitará o Brasil um Ministro da Suprema Corte de Israel, Salim Joubran, de origem árabe. “Tenho medo que seja usado para propaganda gratuita”, lamenta a deputada. “Ele vai falar sobre leis de direitos humanos israelenses, mas aceitou todas as leis racistas. E eles falarão que temos árabes no Judiciário, no comércio, em todos os lugares, mas um árabe é bom se aceita todas as regras do jogo.”
Haneen está apoiando o fórum que pretende dar voz aos palestinos para o mundo, e esteve em Porto Alegre e em São Paulo. O FSMPL “representa um passo para saltar do apoio moral ao prático, temos muitas esperanças no Brasil, como um estado com peso em nível internacional”. O Fórum Social Mundial Palestina Livre acontece entre os dias 28 de novembro e 1º de dezembro de 2012, e as inscrições estão abertas a partir deste 1º de outubro para organizações e atividades e, a partir do dia 15, para indivíduos e imprensa. O comitê preparatório no Brasil constitui-se de uma coalizão de 36 movimentos, sindicatos e ONGs, além das comunidades palestinas no Brasil. O Comitê Nacional Palestino une forças políticas da Palestina, em maioria da sociedade civil. O Comitê Internacional foi articulado no Conselho Internacional do FSM, reunindo organizações de várias partes do mundo.
Texto publicado origianalmente no site www.ciranda.net, em 30/09/2012.
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ICArabeInstituto da Cultura árabe (da redação)
segunda-feira, 29 de outubro de 2012
Imprensa - EUA
EUA, eleições 2012: Nas TVs comerciais, o jornalismo já naufragou em dinheiro!
24/10/2012, Jack Mirkinson,The Huffington Post
“How Television Stations Are Handling The Flood Of Political Ads”
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Entreouvido na Vila Vudu: Sorte dos EUA, que, lá, ainda haja jornais que noticiam O QUE AÍ SE LÊ. No Brasil é MUITO PIOR.
No Brasil, o Partido da Imprensa Golpista (PIG) age SEMPRE como uma espécie de Super Comitê de Ação Política Midiática (SCAPoM) absolutamente golpista.
Todos os veículos do Grupo GAFE (Globo-Abril-FSP-Estadinho) operam como quadrilha mafiosa golpista.
No Brasil, no caso de os anúncios pagos não mentirem suficientemente, também o “jornalismo”, os “jornalistas” e todas as redes comerciais (em SP, também a TV estatal!) são postos a serviço de um dos candidatos e autorizados a mentir desbragadamente, também nos noticiários!
Dado que, no Brasil, toda a quadrilha “midiática” age do mesmo modo, todos se protegem... e nenhum veículo quadrilheiro dá sinal de qualquer incômodo.
Que fique aí, pelo menos, o alerta: o que é bom para a mídia norte-americana é bom para a mídia brasileira. Por aqui, muito provavelmente, a grana já está se organizando HOJE, para as próximas eleições.
De jornalismo de democratização, é claro, por aqui, nenhuma rede comercial de televisão jamais cogitou. E todas continuam a beneficiar-se, para esse trabalho sujo de desdemocratização do Brasil, impunemente, de concessões que o Estado brasileiro assegura a todas elas. Até quando?!
As empresas de TV nos EUA jamais viram nada semelhante à enchente de anúncios de campanhas eleitorais que as está afogando na campanha eleitoral de 2012. São tantos anúncios, e aportam tal quantidade de dinheiro, que as redes locais têm tomado decisões sem precedentes para lidar com a situação.
O Twitter explodiu na 4ª-feira, em torno de matéria publicada no Washington Post [1] sobre o que o influxo de anúncios pagos está fazendo às empresas de TV que operam em Washington. Um dos canais retirou do ar episódios de “The Simpsons”, substituindo-os por edição expandida de noticiários – exclusivamente para conseguir pôr no ar a maior quantidade possível dos super lucrativos spots das campanhas eleitorais. A receita que chega da venda de tempo para anúncios dos candidatos sextuplicou, em relação a 2008.
Não é difícil ver por que as redes comerciais estão de ponta-cabeça, para conseguir pôr no ar os anúncios. Se se soma tudo que os comitês eleitorais das campanhas para o Congresso, campanhas locais e os Super PAC [Super Comitês de Ação Política] estão gastando em anúncios eleitorais, vê-se que é estratosférica a quantidade de dinheiro que está entrando nos cofres das redes comerciais de TV. Estima-se que estejam sendo gastos, em todo o país, algo em torno de $3,3 bilhões, só em tempo de televisão para exibição dos spots das campanhas eleitorais. Em Las Vegas, segundo matéria publicada no New York Times [2], as redes estão reduzindo o tempo dos noticiários para exibir spots de propaganda eleitoral – situação que o país jamais viu antes.
As redes, não raras vezes, veem-se envolvidas em situações anômalas, o que não parece perturbar nenhuma delas, desde que o dinheiro não pare de jorrar. Em Roanoke, Virginia, uma rede local já utilizou o “dinheiro novo” [3] para reabrir um escritório que havia sido extinto e promoveu inúmeras outras mudanças para conseguir mais tempo para mais anúncios de propaganda eleitoral.
Mas as editorias de notícias estão postas na estranha situação de ver as redes reproduzirem anúncios de campanha em que se repetem, infinitamente, declarações e frases que os próprios noticiários desmentem, em alguns casos completamente [4], sem que, por isso, os spots de propaganda deixem de repetir e repetir, bem feitas as contas, em vários casos, exclusivamente mentiras, 24 horas por dia. Já se ouvem críticas indignadas a esse procedimento. [5]
Mesmo no caso de spots de propaganda de candidatos cujas falas já tenham sido exaustivamente desmentidas pelas editorias de notícias, os anúncios continuam no ar.
Assim se gera a real possibilidade de um consumidor que paga para receber notícias de um ou outro canal pago, ouvir jornalistas que dizem que o anúncio anuncia mentiras e, em seguida, repetidas incansavelmente, as mesmas mentiras. Para piorar, as empresas de televisão só em casos raríssimos recusam-se a por no ar algum spot de propaganda eleitoral, por mentiroso que seja. Matéria do blog Free Press estima que, para cada minuto de serviço jornalístico, as redes comerciais estejam exibindo 162 minutos de material pago.
Aos residentes nos estados indecisos, resta o consolo de saber que, domingo, 7/11, tudo isso será passado [até as próximas eleições].
Notas de rodapé
[1] 22/10/2012, Washington Post, Paul Farhi em: “Dilemma for D.C. stations: So many political ads, so little airtime”
[2] 15/10/2012, New York Times, Jeremy W.Peters em: “73,000 Political Ads Test Even a City of Excess”
[3] 19/10/2012, Columbia Journalism Review, Tharon Giddens em: “Awash in ads in Roanoke”
[4] 16/10/2012, Poynter.org, Craig Silverman em: “Denver TV stations debunk political ads they air, says Factcheck.org’s Jamieson”
[5] 3/10/2012, NPR.org, Scott Finn em: “Should TV Stations Refuse To Air Political Ads That Make False Claims?”
(Redecastor)
Ilhas
O Pensador Selvagem
Nem sempre o mar ensina a navegar quando a ilha é desconhecida
Posted: 16 Oct 2012 05:20 PM PDT
"... Disparate, já não há ilhas desconhecidas. Quem foi que te disse, rei, que já não há ilhas desconhecidas. Estão todas nos mapas. Nos mapas só estão as ilhas conhecidas. E que ilha desconhecida é essa de que queres ir à procura? Se eu te pudesse dizer, então não seria desconhecida. Nesse caso, por que teimas em dizer que ela existe? Simplesmente porque é impossível que não exista uma ilha desconhecida....Que é necessário sair da ilha para ver a ilha, que não vemos se não saímos de nós... “(José Saramago in Conto da Ilha Desconhecida. Companhia das Letras. São Paulo, 1998)
Por trás dessa aparente inquietação da navegação a deriva, penso que Saramago desejava muito mais que apresentar uma parábola do sonho do porto seguro. Talvez, aperfeiçoar a resistência à consolidação das coisas visíveis; como se dos embates que não enxergamos, auferisse-se a negação fulcral à concretização do sonho em si mesmo.
De um lado, devia acreditar que cada um sonha sem considerar a invisibilidade da ilha. Ou mesmo acreditar que não havia ilha desconhecida ou aventuras oceânicas que não se atemorizassem frente ao mar tenebroso.
Por outro lado, sempre é necessário ultrapassar o sonho para ver a ilha e quem sabe compreender a vontade de abrir todas as janelas da embarcação, independente da visão do sol em terra à vista. Acho que não poderia ser a certeza de um naufrágio sem a culpa da humanidade, mas, apenas a morte de todos os presságios da rota traçada. Seria apenas o caminhar da caravela solitária ao seu destino. Seria acreditar que há sonhos impossíveis e que só descobrimos com o passar dos dias.
De forma geral, sonho morre quando deixamos morrer. Morre sufocado pelo incerto. Morre sem cremação ou missa de sétimo dia. Morre talvez por tentar extravasar-se pelos seus olhos contidos. Morre porque o deixamos sem os óculos ou mesmo sem o remédio de pressão. Morre porque deixamos a porta aberta para a despedida. Morre porque insistimos no elevador que desce sem a noção dos andares. Morre porque justamente não suporta a indiferença do espirar do horário. Morre porque faz a devolutiva da fé e arruma a cama sem pensar na recompensa do cobertor.
Penso que sonho nasceu para ser guardado e não se desfalecer em recuo, deveria, assim, morar no melhor quarto da casa com vidraças de cristal. Deveria não incomodar e não ter direito as testemunhas. Todo sonho tem seu mundo simbólico. E talvez seja mais próximo do amor, pois não sabe conviver com o inacabado.
E assim é o sonho do outro, às vezes já nasce em um santo sudário. Penso que bastaria que abríssemos as nossas recordações para não fazer túmulos dos sonhos alheios. Bastaria entendermos que não há como sonhar sem tocar no sonho ou acreditar na realidade do outro. Bastaria rejeitar a frase de Renato Russo em que declama que a humanidade está ficando desumana.
Demorei um pouco para entender que não há cúmplices para desbravar a ilha desconhecida. Assim, quase não conclui, persisti ou cheguei à nau. É difícil falar em prolongar sonho quando o consideramos findado. Penso que um sonho nunca deveria ter pontos finais, apenas reticências. Seria como a queda lenta dos brincos de viúva contra o chão em mil gotas vermelhas que não permitem o resgate na areia.
Não é fácil ultrapassar a linha tênue das ilhas conhecidas e não basta desejar um barco para depois partir, precisa-se da vocação verdadeira da caravela. Ao pensar no sentido dessa frase penso na rendição à acomodação frente a uma ilha desconhecida. Às vezes naufraga-se pelo caminho ou se transforma várias vezes sem nenhuma emoção, nenhuma vontade de continuar. Transforma-se no orfanato involuntário dos cardumes.
Não diria que o tempo das marés não resolve nada ou muito menos amplia os limites da realidade, mas com certeza amortece e acalma a sensação de perder a senha do banco. A questão não é que a ilha desconhecida permite a debandada em silêncio, mas a escolha de se dividir o sonho pode ser apenas obra de ficção científica ou uma vida de procura sem recompensa na estadia. Às vezes não conta com a cumplicidade de estranhos e é tão desalentadora como a espera do chuveiro quente no inverno.
Não existe apogeu no olhar indiferente, na busca contrária a normalidade do estibordo. Pensando na mais fiel definição da procura da ilha desconhecida, tenho que concordar com o gato de Lewis Carroll, quando ele fala que quando não se sabe para onde vai, qualquer caminho serve.
Quem nunca se sentiu assim, afastando, indo embora e destoando o entendimento que a embarcação estava sem velocidade. Dia após dia, sem perceber que as velas estavam amarradas ou sem se atrever a levar o barco à doca. Acho que parando e não olhando, além da proa. Do interior, sem verificar a paisagem fixa e adiantando a ressaca para voltar ao porto. Acho que perdendo o romantismo da partida ou sem a certeza se algum dia fechou os olhos a espera da ilha. Antecipando a crise perto da data do despacho e até do repertório de fazer as malas.
Acho que o provisório do mar com intensas tempestades amplia as nossas invencibilidades. Gosto de me recordar na estranha obviedade de Fernando Pessoa quando ele colocava que navegadores antigos tinham uma frase gloriosa: "Navegar é preciso, viver não é preciso." Imagino que sonhar seja preciso e passa a ser um delírio inútil se os caminhos foram feitos pelos que passam cegos às ilhas desconhecidas face ao perigo.
Li em certa ocasião que Michelangelo um dia respondeu a respeito de como tinha feito a escultura de Davi com cerca de 4,5 metros de mármore. Sua resposta foi: fácil fiquei horas olhando o mármore e enxergando o Davi, ai peguei o martelo e o cinzel e tirei tudo aquilo que não era Davi. Acho que ele percebia alguma espécie de sentido ou o que viria depois.
Ao näo sepultar a esperança é possível aceitar sem resistência e desalento a possibilidade do futuro com a ilha. Basta apenas vingar as palavras do poeta português Fernando Pessoa:"Matar o sonho é matarmo-nos. É mutilar a nossa alma. O sonho é o que temos de realmente nosso, de impenetravelmente e inexpugnavelmente nosso".
É preciso dispensar os mapas ou as bússolas que não se sustentam em mar aberto e enfim encontrar a ilha. "A Ilha Desconhecida fez-se enfim ao mar, à procura de si mesma."
(Pensador Selvagem)
Igreja
Concílio Vaticano II. “A primavera chegou”
“É assim que em um 11 de outubro de 1962, no meio do outono, para a Igreja nasceu uma nova e inesperada primavera. O sol que brilha nas alturas no momento de escrever estas linhas, o belo céu romano que acolheu pela primeira vez sob a sua cúpula 2.500 bispos de todo o mundo, são testemunhas: a primavera chegou. A nave do Concílio começou a singrar”, escreve José Luis Martín Descalzo, em sua crônica sobre o significado do Concílio Vaticano II. A crônica está publicada no sítio espanhol Religión Digital, 13-10-2012. A tradução é do Cepat.
Eis a crônica.
São 8h35: começa a aventura mais solene do século.
O Concílio Vaticano I terminou com uma impressionante tempestade. O Vaticano II teve como prólogo um aguaceiro sem fim. Toda a tarde de ontem – depois de alguns belos dias de outono – o céu de Roma se viu obscurecido por uma forte chuva. Como se a Providência tratasse de encadear este Concílio com o precedente.
- Se continuar assim, amanhã a chuva vai “estragar” o cortejo da praça – comenta alguém.
- Bah! – respondem ao meu lado: isto João XXIII resolve com 10 minutos de oração.
Não sei se o Papa rezaria ou não por este assunto. O certo é que esta manhã, ao abrir a janela do meu quarto, às 7h, o solo ainda estava úmido, da recente chuva; mas já no céu um sol tímido lutava com a branda neblina da manhã.
Meia hora depois, todas as ruas adjacentes à Praça São Pedro vomitavam caravanas de peregrinos. E, entre eles, andando, de carro, com sobrepelizes brancas, com capas vermelhas, com simples batinas e os ornamentos debaixo do braço, bispos, cardeais, patriarcas, meninos e embaixadores se encaminhavam para a basílica.
Diante de mim cruzam as sandálias de algumas Irmãs de Foucauld e a resplandecente púrpura do cardeal Quiroga, uma moça arrastada por sua mãe e uma velha jornalista americana, a quem empurram em um carrinho de rodas. Há em todos os olhos uma cintilante alegria, no qual se misturam o gozo de assistir a um inesquecível acontecimento sobrenatural com a pressa de conseguir um bom lugar na basílica.
Quando os nossos crachás de Imprensa nos abrem passagem para o interior, aqueles que deverão permanecer na praça nos olham com inveja. Falta uma hora para o início da cerimônia e há diante da basílica cerca de 100 mil pessoas.
O interior da Praça São Pedro era um prodígio de luz e cor. Excessivo? Sim, um pouco excessivo; mas não íamos apenas para celebrar uma liturgia, mas também para uma festa. Um quê de decoração teatral quase lhe ia bem.
Na Aula Conciliar alguns monsenhores revisavam os últimos detalhes. Os membros das 85 missões iam chegando com suas faixas nacionais, com suas franjas levemente fora do lugar. E, diante da tribuna das Embaixadas, os 28 observadores, sobre os quais se voltam todos os olhares neste momento. O que estariam estes homens pensando agora? O que sentirão diante deste prodigioso espetáculo de unidade? Saberão adivinhar, por trás do esplendor das cortinas, a simplicidade do Pescador, a de todos os verdadeiros católicos?
Por meio de um pequeno transmissor tentamos acompanhar a cerimônia que está sendo celebrada neste momento na Capela Sistina. Mal o conseguimos. A basílica está materialmente coberta de cabos elétricos e telefônicos que convertem em som as emissões da Rádio Vaticana. Conseguimos por fim ouvir o “Ave Maris Stella”, com o qual começa a cerimônia. São 8h35. Sob a invocação de Maria, a esposa do carpinteiro, começa a mais solene aventura do século. Boa estrela do mar vai nos conduzir.
Um rio de mitras brancas começou a entrar na basílica. Uma procissão de um quilômetro, semelhante a um desfile de barcos no mar. Vistas da cúpula nos dariam, depois, uma impressão de tochas oscilantes.
E, finalmente – são 9h30 –, o Papa chega. Todos o vimos: entrou chorando. Seus olhos alegres brilhavam hoje mais do que nunca entre as lágrimas de felicidade.
Toda a basílica se pôs, então, de pé. Um cardeal pediu os binóculos ao seu secretário e os dirigiu para a figura do Papa. Quatro dos observadores foram tomados pela curiosidade, abandonaram seus lugares e se precipitaram materialmente para o centro para ver a chegada do Papa. E os inflexíveis guardas suíços, talvez pela primeira vez, quebraram o protocolo deixando-os passar.
Os bispos estavam em dúvidas se aplaudiam o Papa no momento em que passasse diante deles; um ou outro o fazia como com medo de faltar ao respeito à mitra que tinha entre as mãos. Os prelados se entreolhavam um pouco indecisos, sem saber o que fazer. “Na hora da verdade, em relação aos Concílios somos todos novatos”, me dizia ontem um deles. Centenas de fotógrafos improvisados disparavam suas máquinas. E os profissionais, com suas teleobjetivas, longas como canhões, apontavam sem cessar para todos como se de um momento para o outro o Concílio fosse terminar.
Depois voltou a calma à basílica e começou a mais solene missa que recorde a História. Só a presença de Jesus fez mais soberanamente solene a da primeira Quinta-feira Santa. Ou talvez era simplesmente a mesma cerimônia que se prolongava 20 séculos depois? Sim, isto era o mais belo que ali estava acontecendo. Não o esplendor, não o número, nem as luzes, nem as cores.
Sentia-se que o mais importante da cerimônia era o calor que nos unia a todos, uns aos outros, os vivos e os mortos, subindo ao longo da história dos 20 Concílios até chegar ao dia em que Jesus enviou os seus apóstolos a pregar.
Sentia-se ali, viva como nunca, a alegria de ser filho da Igreja. E via esta Mãe, mais bela que nunca, adornada, não com ouro, nem tapetes, mas com as quatro joias únicas de sua unidade, de sua santidade, de sua catolicidade e de sua conexão direta com os apóstolos.
A procissão dos bispos e a oração unânime do Credo cantavam a unidade da Igreja; todos irmanados em uma mesma fé, em uma inalterável devoção ao Romano Pontífice, ao ancião que, sob o baldaquino, ria entre lágrimas. O que pensariam, ao contemplar isso, os 28 observadores? Não cruzaria por seu coração a mais viva nostalgia da unidade perdida? Que sentiram no momento em que João XXIII se deteve diante deles e, inclinando-se, os saudou com os braços abertos, com o coração muito mais aberto que os braços?
Ali estava a santa Igreja. Ao longo da missa observei tenaz, curiosa, quase inquisitorialmente, os rostos dos bispos. Eram homens que sabiam rezar, lhes garanto. Mas oravam sem tensão, sem posturas falsamente ascéticas, naturais, humildes. Uma santidade feliz, tanto que, quando durante a oração da ladainha os nomes dos santos ecoaram pela basílica, subiram ao longo dos muros, lamiendo as estátuas dos santos fundadores, sentia-se a divisão entre a Igreja militante que nós formamos e a Igreja triunfante que eles constituem. Eram ambas duas Igrejas triunfantes, uma, que já descansa no triunfo definitivo, e a outra que, dia a dia, constrói o humilde triunfo de Deus sobre a terra.
Ali também estava a Igreja católica, a que não distingue raças, nações, cores, povos, idades, modos de ser nem de pensar. Durante o desfile íamos reconhecendo as figuras mais egrégias ou conhecidas do Episcopado: “Aquele é o bispo de Hiroshima”. “Aquele é da Argélia”. “Aquele, o de Nova Orleans, que há pouco condenou os racistas”. “Aquele é dom Mendoza, o bispo peruano, benjamim do Concílio com seus 34 anos”. “Aquele, dom Carinci, que no dia 09 de novembro fará 100 anos”.
Ali estavam todos, muitos jovens, nascidos mais da metade em nosso século, outros com uma longa ancianidade; muitos com muitos anos de episcopado, dois nomeados há apenas quatro dias. Todos ali: os bispos da cúria romana e o bispo da Nova Zelândia, que percorreu milhares de quilômetros para chegar até aí, mas que não precisou trazer seu coração, que sempre esteve junto ao de Pedro.
Ali estava a Igreja apostólica. No lugar de honra da basílica, a estátua de bronze do apóstolo-pedra, coroada com a tríplice coroa e o anel do Pescador no dedo. Ali seu pé, gastado pelos beijos dos católicos há oito séculos, unidos, empalmados todos os velhos apóstolos, os doze pescadores que um dia abandonaram as redes e começaram a loucura de pregar as bem-aventuranças pelo mundo e que tiveram desde então milhares e milhares de filhos loucos na fé. Ali as tumbas dos Papas contemplariam com gozo esta Igreja pela qual eles lutaram, mas esplendorosa, mais crescida do que nunca, na figura dos 2.488 prelados que participaram da abertura esta manhã.
Sim, sentia-se como nunca, a alegria de ser católico, a felicidade, jamais merecida, de ter sido chamado a esta casa de todos que é Roma.
E na verdade Roma nunca foi tão casa de todos como hoje, às 11h05, enquanto os cardeais, bispos, abades e patriarcas prestavam a obediência a João XXIII. Mas, por acaso era aquilo uma cerimônia de “obediência”? O Papa abraçava a todos, dava-lhes palmadinhas nas costas, falava-lhes um a um, contava-lhes quem sabe quais coisas divertidas, víamos brilhar os dentes brancos de dom Rugamwa entre o sorriso, e as lágrimas correndo pelas bochechas do cardeal Wyszynski, lágrimas de alegria, como as que dissimuladamente o Papa secou pela segunda vez. E isto é a “obediência” entre os católicos? Não há nenhuma soleníssima, séria, adusta inclinação? Não, nada disso, até o beijo dos pés se fazia gesto caseiro, graciosamente filial diante da impressionante humanidade do homem que Deus colocou à frente da sua Igreja.
Em seguida, começaram as ladainhas. Enquanto isso, dei uma volta pelas naves laterais da basílica. Em um dos lugares havia um cavalheiro que parecia uma estampa arrancada do século XVI, com seu vestido barroco, com sua gorjeira branca. Acreditava não ser visto por ninguém. Rezava. Ali, longe da solenidade, do colorido da nave central, em uma pequena capela esquecida, um cristão simplesmente rezava. Nele senti representados os milhares e milhões de cristãos que terão vivido esta manhã “seu” concílio desde “seu” rincão. As monjas de clausura, os missionários que na África ainda sonham em conhecer a televisão, o lavrador que esta manhã teve que sair para arar os campos.
Depois, saí da praça.
Já são passados das 12h e ainda há cerca de 50.000 pessoas que aguardam a saída dos Padres. O céu está aberto, claríssimo, em um destes dias de outono que justamente tornaram famosos os outonos romanos quando o sol é alegre e todas as coisas tomam “uma cor de folha seca”.
A Sala de Imprensa está cheia de jornalistas que não puderam entrar na basílica e acompanham pela televisão a cerimônia. Muitos deles – que escrevem para jornais da tarde – a assistem diante da máquina de escrever, redigindo suas crônicas ao mesmo ritmo em que os acontecimentos se produzem. Ao fundo soam os telex, já comunicando-se com todas as redações do mundo. Há um jornalista que ouço redigindo sua crônica para Genebra por telefone. Outros folheam o discurso do Papa, que acabam de receber já traduzido, antes mesmo de o Papa pronunciá-lo, com o compromisso de honra de não transmiti-lo aos seus jornais antes que o Papa o tenha pronunciado.
Com o discurso em uma mão e um pequeno rádio na outra, me afasto da basílica e me interno nas ruas de Roma. O centro da cidade segue sua vida cotidiana. Os comércios abertos, pessoas sentadas às portas dos bares. “Os romanos – dizem – já viram de tudo”. E são muitos os filhos da Igreja que ainda não descobriram o que está acontecendo.
Ouço as palavras do Papa sobre este transfundo de ônibus, de homens precipitados que vão aos seus negócios, passando na frente de um bar no qual troa a última música da moda. E penso que nunca compreendi melhor a necessidade deste Concílio. Uma injeção de fé é necessária. Sorrio ao ver uma velhinha que vende loteria em um lugar e que está escutando, assim como eu, o discurso em seu rádio. “Você não vai à Praça São Pedro, reverendo” – me pergunta. Eu –acrescento – já teria gostado de ir, mas... é preciso ganhar para comer”.
Volto a me encaminhar na direção da Praça São Pedro, agora mais feliz. Talvez muitos dos que estão longe têm o coração mais próximo do que pensamos. E o discurso do Papa me vai calando fundo. Estou quase pálido de alegria com as coisas maravilhosas que ouço. Sim, isto deverá ser relido com calma, minuciosamente. Porque não é um discurso que se lê apressadamente; é todo o programa para um mundo diferente, um século no qual o mundo e a Igreja não voltarão a ser inimigos. Deverá ser relido, estudado novamente, saboreado, sim.
E eis-me aqui novamente na basílica, a tempo de receber a última bênção do Papa. É 1h20 da tarde. O Papa, traça sobre o mundo a sua bênção, e depois suas mãos fazem um gesto curiosíssimo: joga-as para frente, como se tratasse de empurrar a sua bênção para que chegasse mais longe.
Depois, se afasta, abençoando ainda mais, integralmente feliz, com os olhos luminosos, agora sem lágrimas.
O Concílio começou. Releio agora a preciosa oração que Santo Isidoro de Sevilha escreveu para os Concílios de Toledo e que esta manhã o Papa rezou como abertura deste Vaticano II: “Eis-nos aqui, Senhor, Espírito de Santidade, curvados pelo peso do pecado, mas reunidos em vosso nome. Vinde e permanecei conosco. Purificai os nossos corações; inspirai nossas ações e nossa conduta; mostrai-nos o que devemos fazer para, com a vossa ajuda, fazer inteiramente o que vós queirais. Não permitais que faltemos à justiça, vós que sois a própria equidade. Que a ignorância não nos faça errar, nem a simpatia nos desvie. Que nem o interesse nem o favoritismo nos conduzam ao mal. Ata-nos com eficácia da vossa Graça para que em nada nos afastemos da verdade”.
Poderá Deus não escutar esta humilde oração que toda a Igreja levantou a Ele há algumas horas? Seu Evangelho, como único guia, foi o centro desta assembleia, colocado em um belo trono, mais solene, mais central que o do próprio Pontífice. Porque o Evangelho dará ao mundo a luz que o mundo necessita agora que a Igreja se dispõe a olhar-se n’Ele como um espelho. “Diz-se que o mundo envelhece – dizia um tempo atrás o Papa. Não é absolutamente verdade, não envelhece. Cristo o rejuvenesce todas as manhãs”.
É assim que em um 11 de outubro de 1962, no meio do outono, para a Igreja nasceu uma nova e inesperada primavera. O sol que brilha nas alturas no momento de escrever estas linhas, o belo céu romano que acolheu pela primeira vez sob a sua cúpula 2.500 bispos de todo o mundo, são testemunhas: a primavera chegou. A nave do Concílio começou a singrar.
(I.H.U.)
quinta-feira, 25 de outubro de 2012
Cinema
O pai da melancolia
por Rafael Lobato em 20 de out de 2012 às 23:51
"Violeta foi para o céu" (Violeta se fue a los cielos), filme de direção de Andrés Wood em coprodução de Chile/Brasil/Argentina. O filme é uma biografia extremamente psicológica de Violeta Parra, artista chilena que compôs fortes canções como a celebrada “Gracias a la vida”.
Recentemente tive o prazer de assisti "Violeta foi para o céu" (Violeta se fue a los cielos), filme de direção de Andrés Wood em coprodução de Chile/Brasil/Argentina. O filme é uma biografia extremamente psicológica de Violeta Parra, artista chilena que compôs fortes canções como a celebrada “Gracias a la vida”.
O filme imediatamente me remeteu a dois filmes: “Piaf” e “Melancolia”. Duas obras de referência que tratam de um tema tão pesado como a melancolia e o peso de ser e existir. Violeta, como tantas outras mulheres, não suportou o peso de ser e sucumbiu ao suicídio aos 50 anos. Uma terrível decisão que há tempos já perdeu seu glamour para mim. A tristeza hoje é algo que me causa mais indignação do que a compaixão apressada. Ainda não sei exatamente por que, mas pressinto que há algo no sofrimento melancólico de extremamente narcísico que, se antes me atraia, hoje me repele. Violeta, tal como Justine em “Melancolia” é uma personagem que ao mesmo tempo em que produz simpatia e compaixão provoca também uma justa revolta; uma ira contra esse tipo de resolução para a vida. Não que o suicídio não possa ser, em certas circunstância uma saída, mas sua aura de glamour e coragem existencial não convence. Saí do filme me questionando se para algumas mulheres as únicas saídas devem ser sempre por amor ou a morte.
Violeta amou desde cedo; amou seu pai, um homem débil e violento a quem jamais superou. Piaf também teve um pai pífio que cedo a abandonou. Sua voz, porém, cantou sua falta até o último dia. Justine até o último momento de sua fracassada festa de casamento pediu auxílio ao pai. Inutilmente. Ele foge covardemente do castelo deixando-a sozinha e sem esperanças.
É difícil entender o que ocorre com os melancólicos. Assim como Violeta Parra, eles tem um peso de vida de quem desconhece tanto a natureza de sua nostalgia como a origem dela. Um " Ser" pesado que eles carregam como se fosse eles mesmos ou a própria vida, sempre dura e insuporável. Mesmo quando conseguem saber de quem sentem falta, eles não sabem o que foi perdido. A psicanálise nos ensina que uma posição da pulsão nos primórdios da vida psíquica do melancólico foi perdida; não por acaso tanto na vida de Piaf quanto de Violeta perdas profundas marcam suas infâncias.
Mesmo sabendo disso tudo, algo me impediu de sentir somente compaixão por Violeta. Talvez o impacto do filme tenha sido tão forte que embaçou minha visão, mas há também a possibilidade de que algo em seu sofrimento não me seduza e, portanto, não teve o poder de me emocionar. Violeta e Piaf foram mulheres que cantaram seu sofrimento, sua vida dura e suas perdas constantes; ambas com vozes fortes e cortantes foram até o último dia de suas vidas apegadas a tudo que perderam. Um apego tão forte que as conduziu, sem esperança, à morte certa e prematura. Tentando descobri o que há de tão peculiar no sofrimento de Violeta encontrei este trecho de um texto da psicanalista Maria Rita Kelh sobre o sofrimento melancólico:
“ Freud estranha também que falta ao melancólico o sentimento de vergonha comum aos arrependidos, aos que de fato se consideram indignos e sem valor. Se estes se escondem e tentam fazer calar sua culpa e seu crime, os melancólicos parecem sentir necessidade de alardear suas baixezas e sua indignidade. Debatem-se em autoacusações delirantes sem saber que os insultos furiosos voltados contra si próprios em verdade correspondem às características de alguma outra pessoa”.
Exatamente por isso que Freud, em Luto e Melancolia, diz que queixar-se para o melancólico é dar queixa. Dar queixa de alguém. É carregar o peso de um cadáver putrefato em suas costas. É morrer pelos crimes de outra pessoa. Talvez seja isso que eu não aceite no sofrimento melancólico – certa farsa; uma mentira verdadeira que não me convence.O sofrimento é autêntico, mas seu objeto é indigno de tamanho sacrifício.
Ver Violeta e Piaf morrerem pelos crimes e vilezas de seus pais, para mim é inquietante e causa mais indignação do que compaixão. A vergonha de Ser do melancólico me incomoda porque esconde e protege uma culpa verdadeira, uma expiação sagrada que não lhes pertence.
Se como nos diz Freud, a sombra do objeto cai sobre o eu, isso indica a base narcísica do investimento pulsional e a identificação precoce do eu com o objeto perdido. O filme confirma minha hipótese quando faz Violeta dizer: “Eu preferia que ele ( o pai) estivesse vivo, mesmo que ele dormisse pra sempre, mas vivo”. Não há dúvidas de que o pai permaneceu vivo nessa superposição de identificações que é a ambiguidade amorosa experimentada tão intensamente pelo melancólico. O deleite em atormentar-se da melancolia tem a natureza de uma satisfação sádica em insultar e humilhar o objeto de sua perda; o problema é que esse tipo de masoquismo moral se manifesta em crueldade contra a própria pessoa e não contra quem de direito. Em poucas palavras: a crueldade do pai está sempre presente no sofrimento melancólico, tenha sido este pai cruelmente passivo ou ativamente cruel. O sujeito melancólico então, ao tentar destruir o objeto odiado de sua identificação inconsciente, pode chegar ao cúmulo de destruir a própria vida.
rafaellobato
Artigo da autoria de Rafael Lobato.
Psicólogo e psicanalista interessado em trazer a psicanálise para o cotidiano da vida comum. .
Saiba como fazer parte da obvious.
Chico
A Paris de Chico Buarque
Marta Barcellos
Sou vizinha de Chico Buarque, mas raramente o vejo. Nas poucas ocasiões, está andando na praia do Leblon ou descendo a pé a rua Igarapava. Sempre apressado. Já li que esse é o seu truque para não ser importunado, assim como usar roupas com as mesmas cores, que desvalorizam eventuais flagrantes dos paparazzi - vá provar que a foto não é antiga... Já em Paris, Chico caminha e caminha, frequenta cafés e se deixa ficar em livrarias, tranquilamente.
Pelo menos essa é a imagem que guardei dele depois de assistir algumas vezes ao DVD À flor da pele, de uma série retrospectiva sobre sua obra, no qual ele discorre sobre a temática feminina. Pois é: entre uma música e outra, entre uma "Tatuagem" e uma "Esse cara", Chico fala de seu fascínio pela figura feminina, tendo Paris como cenário. Suspirem, mulheres, suspirem...
Dado esse primeiro contexto, entendam a minha decisão de, pela primeira vez na vida, abandonar a postura blasé de não-tiete, fruto talvez da dupla condição de jornalista e carioca. Eu já estava com a viagem marcada para Paris quando o caderno de turismo do Globo, com estranha discrição, publicou um breve roteiro com dicas do artista sobre os lugares que frequenta na cidade, onde mantém apartamento. Consta que o correspondente Fernando Eichenberg, que assina a coluna, é amigo de Chico, o que explicaria a inconfidência e também o pouco destaque para conteúdo tão precioso.
Arranquei a página. Coloquei dentro do guia amarelado. Eu já tinha feito algumas viagens a Paris, e, dessa vez, queria fugir de roteiros que incluíssem torre Eiffel e Louvre. Sem dúvida, estava diante de uma oportunidade: ia conhecer a Paris de Chico Buarque. Por sorte, o hotel reservado ficava no bairro do Marais, onde boa parte das dicas se concentrava, bem como na região de St-Germain des Prés. Em destaque, o rio Sena, às margens do qual Chico passara alguns dias do último verão parisiense flanando - não solitariamente, como no DVD, mas ao lado da namorada Thaís Gulin, segundo o colunista/amigo que priva de sua intimidade (ou pelo menos privava, antes da exposição de seus lugares preferidos).
Tudo certo, roteiro e hotel escolhidos, faltava só acertar a estratégia com o adversário, digo, com o marido. Achei melhor deixar essa parte para depois das primeiras taças de vinho (da Borgonha, uma indicação reiterada de Chico) já em Paris, e comentei apenas ter comigo uma lista de pequenos museus e restaurantes próximos ao hotel. O plano deu certo: ele fez alguma "cara de marido", mas acabou aceitando, com resignação bem humorada (chegou a pedir mesa para três em um bistrô) a companhia de Chico Buarque durante nossa curta estadia.
A Paris de Chico se limita, basicamente, a um quadrilátero envolvendo as ilhas de la Cité e St-Louis e os primeiros quarteirões próximos às duas margens do Sena. Tendo como base algum ponto central deste polígono, e sendo bom andarilho, dá para fazer tudo a pé, com chapéu e cachecol, dependendo da época do ano. Só que estar hospedado neste miolo significa estar em um dos metros quadrados mais caros da cidade, ou seja, do mundo. O hotel, por mais modesto, será caro.
Graças ao onipresente metrô parisiense (que inveja), pode-se optar por hospedagem mais distante, com mais conforto. Particularmente, acredito que a boa localização vale cada euro em Paris. Além disso, para apreciar a gastronomia francesa à la Chico, há preços para todos os bolsos. O compositor/escritor sugere opções baratas e divertidas, como comer crepe na Rue du Temple, andando, ou quiche em um dos cafés da Place des Vosges e da Ile Saint-Louis. No almoço, ele costuma ir ao simpático La Tartine, na Rue de Rivoli 24, também com preços razoáveis, e esse o primeiro restaurante onde aportei, preferindo a fórmula do dia (fui de camarão e meu marido preferiu a carne) ao tartare de salmão recomendado por Chico (seu prato francês preferido são as entradas). Saímos satisfeitos, com a comida, o atendimento e a vizinhança.
O ritual do jantar pede um lugar mais sofisticado, soprou-me Chico ao ouvido. Mas já era tarde demais quando adentrei o La Méditerranée, na Place de l'Odeon - eu de tênis e Zé com casaco acolchoado recém adquirido na H&M para enfrentar o frio inesperado. Apesar do horário antecipado e das muitas mesas vazias, fomos acomodados em um canto bem escondido, sem vista para a praça, sob olhares frios dos garçons. Resolvemos vestir a carapuça e economizar: pedimos o prato (peixe) e a taça de vinho mais baratos do cardápio, depois de recusar a entrada. E ainda dividimos a sobremesa. Fazer o quê: estava tudo delicioso e, pasme, farto.
Mas se você for ao outro restaurante indicado por Chico para o jantar, o aconchegante Le Petit Pontoise, não se preocupe com a indumentária. Trata-se daquele típico bistrô parisiense servido pelos donos, apertado e barulhento, com comida caprichada e sem maiores frescuras. Não é barato, dessa vez chegamos tarde e enfrentamos uma pequena fila, mas mesmo assim valeu a pena. Na volta, atravessando a Pont de la Tournelle, com a Notre Dame iluminada ao fundo, e aquecida pelo vinho da Borgonha, pensei: valeu, Chico!
A Place des Vosges, no Marais, recomendada para uma breve quiche, era pertinho do meu hotel, por isso tive a oportunidade de explorá-la mais de uma vez. Com certeza Chico não vai àquele recanto adorável apenas para comer quiche: no calor, é irresistível espalhar-se pelos gramados ou bancos da praça, só para apreciar a arquitetura simétrica dos prédios ao redor, com arcadas intactas há 400 anos. Debaixo delas, que formam um quadrado perfeito, estão escondidos não só cafés e restaurantes como galerias de arte maravilhosas. É caminhar e caminhar.
No passeio completo pelas arcadas descobrimos a Maison de Victor Hugo, museu instalado em um dos apartamentos onde o escritor morou, em frente à praça. Um bom pequeno museu, e de graça. Mas o autor de Os miseráveis não está entre os escritores franceses de Chico. No bate-bola com o correspondente do Globo, ele destaca como leituras preferidas as duas primeiras obras de Céline (que, pressuponho, sejam os livros Viagem ao fundo da noite e A igreja), O estrangeiro, de Albert Camus, e A espuma dos dias, de Boris Vian.
Como não tinha tempo para explorar vestígios dos escritores preferidos de Chico em Paris, acabei me contentando, no campo da tietagem literária, com o passeio pelos aposentos de Victor Hugo (que escrevia em pé, em uma escrivaninha alta) encontrados ao acaso, e também os de Marcel Proust. Mais que isso, confesso ter tirado um exagero de fotos da mobília e dos objetos do quarto onde Proust se trancafiou para escrever Em busca do tempo perdido. Como assim Chico não gosta de Proust?
O quarto de Proust, na verdade, está reconstituído no Museu Carnavalet, que mostra a história de Paris e não foi lembrado por Chico nas indicações. Precisei incluí-lo no passeio por minha conta, diante da dificuldade de me ater à sua lista. O seu museu preferido (aonde vai "sempre") é o Picasso, que estava fechado para reforma. Para levar as netas, ele gosta do Museu da Mágica e da Fechadura, que não me pareceram atraentes sem criança a tiracolo. Por fim, havia suas sugestões de museus para serem apreciados pela arquitetura. As dicas estavam um tanto cifradas, talvez por conta de sua intimidade com os locais. Por exemplo: museu Beaubourg é como os parisienses chamam o Georges Pompidou, meu velho conhecido mas que imaginei ser outro, menos turístico. Quando ele se referiu a um museu do Mundo Árabe, falava do prédio do instituto, um projeto do arquiteto Jean Nouvel realmente muito interessante.
Mas eu não queria só apreciar fachadas. Além das dicas buarquianas, a ideia era seguir a rota dos pequenos museus de Paris, discretos e sem multidões de turistas; e indiretamente Chico acabou me apresentando um deles. Ao destacar como seu local preferido a Place de Furstenberg, em Saint-Germain, me fez descobrir o museu Delacroix, situado no número 6. A praça é na verdade um pequeno largo, sem jardins ou bancos, mas faz parte de um conjunto de ruelas adoráveis do bairro, e costuma abrigar filmagens por causa da discreta localização.
Que maravilha é conhecer o trabalho de um artista na intimidade de sua casa, de seus móveis e objetos, como se fosse um convidado, e não um turista no meio de uma multidão (como é comum na Europa). Com certeza, Chico já visitou a casa de Eugène Delacroix, mas compreensivelmente prefere Picasso... No roteiro, ele destaca também, entre suas referências francesas, a atriz Jeanne Moreau, o filme Acossado e o cantor Jacques Brel, que na verdade era belga.
Talvez Chico converse sobre Jean-Luc Godard e Picasso com a namorada de cabelos cor de abóbora, sem idade suficiente para tanta Paris, no fim de noite na Bastilha - outro lugar citado. Ou talvez tenha guardado seus verdadeiros tesouros parisienses só para ela, enquanto despista as fãs por outras trilhas. Não importa. O blues, ou melhor, a crônica, já valeu a pena.
Marta Barcellos
Rio de Janeiro, 19/10/2012
(Digest. Cultural)
quarta-feira, 24 de outubro de 2012
Qualidade de Vida
As oportunidades da crise econômica em San Francisco
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admin
– 16 de outubro de 2012Posted in: Geral
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Em cidade da Califórina (EUA), alguns exemplos parecem indicar um caminho que combina crescimento econômico e qualidade de vida
Texto e fotos por Natália Garcia, no Planeta Sustentável
É impressionante a euforia com que os gringos recebem brasileiros. Mais impressionante ainda é a imagem de potência econômica que o Brasil parece estar consolidando no imaginário dos americanos – ao menos aqui em São Francisco. Em especial depois da crise financeira de 2008 e posterior recessão dos Estados Unidos, o Brasil passou a ser apontado como um gigante no atual cenário econômico mundial.
Eu particularmente tenho algumas ressalvas em relação aos tais progresso e crescimento brasileiros. Se a ascendência econômica nos desse acesso a educação mais qualificada, por exemplo, seria lindo. Mas simplesmente garantir que cada brasileiro possa ter seu carro, sua televisão a cabo e renda suficiente para comprar compulsivamente em lojas de departamento não me parece a melhor ideia de progresso e desenvolvimento. E, como o a própria revista The Economist publicou em seu editorial, o PIB – Produto Interno Bruto, índice usado para apontar o crescimento econômico de um país – tem a capacidade de medir tudo, menos o que faz a vida valer a pena.
Também não quero recorrer ao radicalismo dos franceses de Lyon que criaram o movimento do Descrescimento, pois acreditam que crescimento econômico só piora as coisas e que a única solução para as cidades terem mais qualidade de vida é descrescerem economicamente.
Mas em São Francisco encontrei alguns exemplos que parecem indicar um caminho do meio entre crescimento econômico e qualidade de vida.
Depois da crise, o mercado imobiliário reduziu dramaticamente sua ação – não só em São Francisco, mas em todo o país. Com isso, alguns terrenos ficaram ociosos na cidade. Como São Francisco tem uma enorme efervescência de movimentos de engajamento cívico, esses terrenos passaram rapidamente a ser ocupados – muitos com iniciativas de agricultura urbana.
Em São Francisco já é comum o acesso a alimentos frescos, orgânicos e produzidos localmente nos Farmers’ Markets, feiras de rua em que fazendeiros da Bay Area vendem legumes, frutas e verduras a preços bastante acessíveis. Mas o ativista Tree foi mais longe ao criar o Free Farm: um espaço de plantio de alimentos orgânicos em que todos os que trabalham são voluntários e toda comida produzida é distribuída de graça a quem precisa. Os cuidados com o jardim, os alimentos cultivados e os almoços são abertos e gratuitos para qualquer um que queira aparecer. O terreno do Free Farm pertence a uma igreja luterana, que emprestou o espaço a Tree.
Outro exemplo interessante é o Hayes Valley Farm, que fica em uma região mais central de São Francisco. Há 20 anos, esse terreno era a parte de baixo de um viaduto – o mesmo que já citei aqui. Com o terremoto de 1989, o viaduto ficou danificado e, depois de anos de debates sobre o que seria feito, em 2003, foi demolido. O terreno ficou abandonado até 2009, quando ativistas fizeram a proposta de ocupá-lo com o Hayes Valley Farm. A prefeitura emprestou o terreno com a condição de que o foco de agricultura urbana fosse temporário – quando a crise terminasse, seria vantajoso lotear e vender esse terreno às empreendedoras. “Tudo bem ser provisório, a gente não quer ficar aqui para sempre, isso é um laboratório sobre como podemos recuperar o solo contaminado e empobrecido das cidades, ocupar terrenos abandonados com a natureza de que tanto sentimos falta e criar um centro de trabalho e diversão que fortaleça o senso de comunidade local em uma grande cidade”, explica J., um dos líderes do Hayes Valley Farm.
Outro terreno emprestado pela prefeitura foi ocupado com o projeto Please Touch. O artista G.K. conseguiu uma bolsa do San Francisco Arts Commission e criou um jardim interativo para deficientes físicos. Com rampa de acessibilidade para cadeirantes e esculturas táteis para cegos, o Please Touch também tem um canteiro onde crescem legumes e hortaliças. Outro projeto com caráter provisório, mas que tem funcionado como laboratório.
“Com a recessão, percebemos que era importante fortalecer a economia local”, explica a administadora e sócia da ONG San Francisco Made Janet Lee. “Para fazer isso, tínhamos que mapear as habilidades da cidade. Uma delas já era óbvia: a produção de alimentos”, conta. “Outras duas que se mostraram bem importantes em nossa pesquisa foram a produção de artigos de moda e tecnologia”, conclui. A San Francisco Made é uma espécie de incubadora de pequenos empreendedores que queiram abrir seus próprios negócios dentro dessas três áreas. A ONG foi financiada pela prefeitura em 2010, com a visão estratégica de fortalecer a economia local como resposta à crise. Em pouco tempo o selo “San Francico Made” se popularizou na cidade – e a demanda dos consumidores por ele também. “Com isso, fortalecemos a economia local com base nas habilidades dos moradores da nossa cidade, temos produtos de qualidade a preços acessíveis e geramos mais empregos”, explica Janet.
Essa produção de manufaturados local acabou atraindo inclusive a atenção de grandes empresas. A Banana Boat, por exemplo, abriu uma pequena fábrica em São Francisco e hoje todas as lojas da cidade possuem uma sessão com o selo “San Francisco Made”, com as mesmas peças produzidas em série pela marca, mas com estampas custimozadas aqui.
Essas iniciativas de agricultura urbana e esse fortalecimento da economia local só foram possíveis graças à recessão econômica americana. Aí eu te pergunto: o que é progresso?
(Outras Palavras)
Teologia
Teologia em Congresso
Escrito por Frei Betto
Quarta, 17 de Outubro de 2012
Na segunda semana de outubro, a Unisinos, em São Leopoldo (RS), abrigou o congresso teológico que comemora 50 anos do Concílio Vaticano II (1962-1965) e 40 anos da Teologia da Libertação (TdL).
Convocado pelo papa João XXIII, o Concílio reuniu em Roma quase todos os bispos católicos do mundo. Os documentos ali aprovados representam uma profunda renovação na doutrina e na prática da Igreja Católica.
À luz do Concílio, a Igreja deixa de ser uma instituição triunfalista e clerical para ser compreendida segundo o conceito dinâmico de povo de Deus a caminho na história. A missa em latim dá lugar à liturgia em língua vernácula. A confissão auricular entra em desuso e a comunitária passa a ser valorizada. As Igrejas protestantes deixam de ser encaradas como inimigas ou concorrentes para serem acolhidas no diálogo ecumênico.
Os judeus não são mais acusados de deicídio, e tanto eles quanto os muçulmanos se tornam parceiros dos católicos no diálogo interreligioso. O papel dos leigos ganha destaque na missão da Igreja. Teilhard de Chardin é reabilitado e a ciência é vista como complemento à fé e não adversária.
A versão latino-americana do Concílio foi a reunião dos bispos da América Latina em Medellín, Colômbia, em 1968. Inaugurada com a presença do papa Paulo VI, a conferência de Medellín aprovou documentos pastorais tidos como os mais avançados na história da Igreja em nosso continente.
Algo de novo já vinha brotando no seio da Igreja antes mesmo do Concílio: as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Devido à carência de sacerdotes, o povo simples da periferia e da roça, na ânsia de adubar sua vida cristã, começou a se organizar em CEBs, ativadas pelo método Ver-Julgar-Agir e pela contribuição pedagógica de Paulo Freire.
Em suas reuniões e celebrações, os militantes das CEBs cotejavam fé e vida, Bíblia e realidade social, prática de Jesus e desafios atuais aos cristãos. Dessa reflexão, colhida por teólogos, nasceu a Teologia da Libertação.
A TdL não é, portanto, um sumário de conceitos surgidos da cabeça de teólogos progressistas. É a sistematização teológica da vivência de fé de militantes inseridos em movimentos populares, sindicatos e partidos. Vivência de fé no interior de lutas guerrilheiras das décadas de 1960 e 1970, e do martírio de padres revolucionários como Camilo Torres, na Colômbia, e Henrique Pereira Neto, no Brasil. A TdL é fruto do diálogo frutífero entre cristãos e marxistas engajados em lutas libertadoras.
Ora, todo esse processo, tão vigoroso na Igreja Católica latino-americana entre 1960 e 1990, entrou em retrocesso a partir do pontificado de João Paulo II. Anticomunista ferrenho, o papa polonês, instigado pelo cardeal Ratzinger, teve o cuidado de não nomear bispos, padres progressistas e não valorizar as CEBs como alternativa pastoral.
Embora jamais tenha condenado a TdL, como sugere certa mídia, João Paulo II apoiou as duas Instruções do cardeal Ratzinger, então presidente da Congregação para a Doutrina da Fé, contendo reservas e censuras a essa linha teológica. Iniciou-se um acelerado processo de “vaticanização” da Igreja Católica latino-americana. Aos poucos, ela perdeu seu caráter profético de “voz dos que não têm voz”.
Morto João Paulo II, assumiu o papado, sob o nome de Bento XVI, o próprio cardeal Ratzinger. Terminada a Guerra Fria e desabado o Muro de Berlim, a conjuntura da América Latina também sofrera substanciais mudanças, como o fim dos movimentos guerrilheiros, das ditaduras militares e da militância revolucionária em prol do socialismo.
A Teologia da Libertação, apregoaram seus críticos, morreu! Nem ela nem as CEBs morreram, apenas refluíram – na Igreja, por falta de apoio da hierarquia; no noticiário, pelo desinteresse da mídia.
Agora o congresso de São Leopoldo faz o balanço dos frutos do Concílio e dos 40 anos de TdL. Hoje, essa reflexão teológica abrange também os temas candentes neste início de século XXI, como a questão ambiental, a astrofísica e a física quântica, as relações de gênero, a leitura feminina da Bíblia etc.
O congresso na Unisinos quer, em suma, apenas encontrar respostas a esta pergunta: em um continente com tanta opressão, o que significa, hoje, ser discípulo de Jesus libertador e fazer teologia em meio a uma população cuja maioria padece pobreza e falta de direitos humanos elementares?
Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Marcelo Gleiser, de “Conversa sobre a fé e a ciência” (Agir), entre outros livros.
Website: http://www.freibetto.org
Twitter: @freibetto.
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Venezuela
A Venezuela pelos olhos de alguns jovens
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admin
– 15 de outubro de 2012Posted in: Geral
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Integrantes da geração que cresceu sob o bolivarianismo, analisam o longo governo de Hugo Chávez, suas conquistas, defeitos e contradições.
Por Marina Terra, no Opera Mundi
“Uma geração de ouro”, como define em seus discursos Hugo Chávez. Mais da metade dos venezuelanos cresceu sob o comando da “revolução bolivariana”. A maioria não viveu na pele os sucessivos governos neoliberais da chamada IV República, mas foi fundamental para a reeleição do presidente, há exatamente uma semana. Agora, os militantes chavistas dessa nova geração – um total de 35% do eleitorado –, debatem quais foram as principais conquistas e falhas do processo revolucionário até agora. E como deve ser o futuro.
“É uma grande responsabilidade”, analisa Andrés Rodríguez, de 22 anos, estudante da UCV (Universidade Central da Venezuela). “Ao contrário das gerações anteriores, temos espaço político pleno. Não podemos deixar essa oportunidade passar”. Andrés lembra que tinha quase oito anos quando Chávez assumiu o primeiro mandato, em 1998, e descreve o sentimento que predominou no país. “Era um alívio generalizado. Parecia Carnaval”, conta, sorrindo.
Jonatas Campos/Opera Mundi
Sua colega Maira Albornoz (à esquerda), de 24 anos, também estudante da UCV, diz que a insatisfação naqueles anos anteriores à chegada de Chávez ao poder era enorme, atingindo até as classes médias. Nesses 14 anos “houve um despertar, em muitos sentidos. De consciência, principalmente”, explica.
Desde então, o caminho para uma maior participação da juventude na política se ampliou. Seja por meio de missões sociais voltadas à educação, como a Ribas, dedicada aos venezuelanos secundaristas, ou ao Esporte, chamada “Bairro Adentro Deportivo”, a juventude tem cada vez mais espaço.
“Houve uma primeira tentativa de política juvenil, mas muito fetichista, com alguns valores desatualizados, clichês narrativos das juventudes politizadas de décadas passadas, que não conseguem abordar com profundidade a espiritualidade atual”, critica o jornalista Diego Sequera, de 29 anos.
Para ele, porém, houve exemplos de movimentos autênticos, como o denominado “Chávez es otro beta”, que surgiu antes da eleição presidencial. “Beta” seria ser diferente, ou ser “o cara”. Na campanha, desvinculada da oficial, Chávez aparecia em murais e cartazes carregando códigos visuais da juventude, como brinco e jeans apertado, cabelo raspado, ou jogando basquete. “A campanha queria aproximar os jovens da imagem do presidente”, explicou o coletivo Miranda es Otro Beta na época.
“Ajustes”
Para Maira , o papel fundamental da juventude nesse momento é trabalhar para que o processo revolucionário seja aprimorado. “Somos um Estado burguês. Ainda estamos construindo um projeto socialista, gerando mudanças, mas há muita ‘limpeza’ a ser feita”, destaca. Maira se refere principalmente às decisões “impostas de cima”, como a escolha de candidatos às eleições regionais, feita sem prévias dentro do PSUV (Partidos Socialista Unido da Venezuela), partido do presidente.
Jonatas Campos/Opera Mundi
Andrés concorda com a amiga: “Ainda estamos construindo o socialismo, ele ainda não existe aqui. Mas vimos como muitos pilares que antes sustentavam nossa sociedade foram quebrados. Sempre nos foi negada a possibilidade de participar e tomar decisões”, contemporiza. “Não temos a melhor democracia do mundo, mas estamos bastante avançados, principalmente com relação a países como Espanha e Portugal, atualmente passando por uma crise não só econômica, mas social. A consciência política foi uma das conquistas mais importantes dessa geração”, diz.
Diego sustenta que ainda restam elementos de conservadorismo e burocracia no atual governo, que se refletem em políticas atrasadas sobre temas fundamentais, como o da comunicação e da descriminalização das drogas. “Caímos na mesma profilaxia. Se não são criminosos, no melhor dos casos, são doentes”, diz. “Um comportamento maniqueísta, mas que não exclui grandes processos de exclusão, como alimentício e educacional.”
Educação
De acordo com o instituto de pesquisa GIS XXI (Grupo de Pesquisa Social Siglo XXI), 67,7% dos jovens qualificaram como “muito bom” ou “bom” o desempenho do presidente no último ano. O aumento do acesso à educação é a chave para compreender parte desse apoio.
Partindo da chamada educação “inicial”, de 3 a 5 anos, a mudança foi grande. Entre 1998 e 1999, 43% das crianças estavam matriculadas, enquanto entre 2010 e 2011 foram 71%, um salto de 28 pontos percentuais. No ensino médio, a porcentagem é parecida: 48% em 1998-99 e 73% em 2010-11, um aumento de 25 pontos.
Entre 1998 e 2011, a matrícula universitária cresceu 298%, tornando-se 2,4 vezes maior do que a média latino-americana. Segundo o GIS XXI, antes de 1998, entre 70% e 99% dos estudantes vinham das classes A e B e parte da C, ou 20% da população. Hoje, 15,3% vêm das classes A e B, 32,2% da C e 52,2% da D e E. “Qualquer um pode estudar na Venezuela hoje. É onde enxergamos uma sensível inclusão social”, pontua Maira.
(Outras Palavras)
terça-feira, 23 de outubro de 2012
Nobel
Otro Nobel de la Paz vergonzoso: las políticas de Europa matan
Juan Torres López
Rebelión
Si fuera la primera vez que se concede un Premio Nobel de la Paz a quienes lejos de impulsarla instrumentan la división social y la violencia, me sentiría sorprendido. No lo estoy por eso ahora, cuando se concede a la Unión Europea.
Por supuesto creo que contribuir “al progreso de la paz y la reconciliación, de la democracia y los derechos humanos”, que es lo que justifica el galardón, es un empeño político que en el mundo en el que estamos merecería los reconocimientos más elevados. Y me alegraría mucho que los recibiese la Unión Europea si de verdad ese fuese el empeño que persigue. Pero creo que no lo es.
A mi juicio, la Unión Europea no ha contribuido como debiera y como es necesario a la conquista de la paz, de la democracia y los derechos humanos, ni en su propio territorio ni a escala internacional. Por el contrario, la Unión Europea forma parte del club de fuerzas más poderosas del planeta que imponen las políticas y normas que vienen empobreciendo a millones de personas e impidiendo que disfruten de forma efectiva de los derechos humanos y de la democracia.
La política comercial europea ha sido egoísta y ha llevado consigo la ruina de países enteros. Sus subsidios agrarios y a la exportación han hundido la producción en los países más atrasados, disminuyendo allí los ingresos de sus productores de forma artificial y violentando en provecho propio las reglas del “libre mercado” que luego dicen defender sus dirigentes.
No creo que se contribuya mucho a la paz concediendo protección a las grandes empresas y productores europeos mientras que se obliga a los países más pobres y débiles a que se abran de par en par y a que renuncien a proteger sus intereses comerciales, haciendo así que aumente la desigualdad y la pobreza que producen dolor y muertes. Ni tampoco imponiéndoles la liberalización más absoluta mientras que les cierra las puertas de sus mercados o establece cuotas a la exportación de los productos de los países más pobres.
La Unión Europea ha basado el bienestar de sus productores más privilegiados en las ayudas que puede concederles gracias a su riqueza, mientras que persigue y hace que se impongan condenas severas a los países que simplemente han tratado de protegerse de esas prácticas desiguales. Y ha hecho todo lo posible para conseguir que las normas internacionales amparen ese comportamiento asimétrico e inmoral.
Las consecuencias de la política comercial europea (unida a la de Estados Unidos y Japón) han sido el abandono de la producción autóctona en multitud de países de África, América Latina o Asia, la pérdida de millones de empleos, la sustitución de cultivos que satisfacían necesidades básicas de su población por los que mejor convienen a las cadenas de producción o distribución europeas, todo lo cual ha traído consigo desarraigo, miseria e incluso hambrunas. Y todo ello lo ha hecho, además, promoviendo en muchos casos gobiernos corruptos que facilitaran la salvaguarda de sus intereses comerciales (Ver el informe de Oxfam, La hipocresía de Europa. Por qué la UE debe reformar sus políticas comerciales con el mundo en desarrollo ).
No se favorece la paz en el mundo cuando lo que se está haciendo es crear hambre.
Como ha denunciado la organización Oxfam, la Unión Europea no ha querido regular los mercados financieros europeos para evitar que los inversores que especulen haciendo subir el precio de los alimentos y enriqueciéndose cada vez más pero dando lugar a que millones de personas no puedan alimentarse. Su política de biocombustibles produce la expulsión de miles de agricultores de sus tierras y el acaparamiento por parte de los grandes propietarios (normalmente empresas o bancos multinacionales), que además desvía el cultivo desde los productos que alimentan a la población hacia los que se destinan a producir combustible. Y la falta de convicción y decisión de sus dirigentes (o su complicidad con los grandes poderes insensibles al destrozo que provocan a nuestro planeta) en las negociaciones internacionales sobre el cambio climático impide resolver la principal amenaza que tiene la seguridad alimentaria en el mundo (Oxfam, Evitar la próxima crisis alimentaria mundial. El papel de la Unión Europea para alcanzar justicia alimentaria en un mundo con recursos limitados ).
Por otro lado, la forma en que la Unión Europa se empeña en hacer frente a la crisis, solo con el fin de salvar así los intereses de las grandes empresas y de los bancos, tampoco contribuye ni mucho menos a la paz.
Todos los estudios y evidencias científicas muestran que las políticas de recortes sociales como las que se vienen aplicando producen muertes y el aumento de enfermedades de todo tipo, como hemos mostrado Vicenç Navarro y yo en nuestro último libro Los amos del mundo. Las armas del terrorismo financiero .
Ya se ha empezado a comprobar que el ajuste impuesto a Grecia ha ido acompañado de un aumento de los suicidios (un 40% más en el primer semestre de 2011 respecto al mismo periodo de 2010), de los homicidios, de problemas de salud mental y de las infecciones por VIH. Y también es posible prever ya los efectos que tendrá sobre la mortalidad y la aparición de enfermedades en Europa la reducción del gasto social que ya han empezado a llevar a cabo los gobiernos, como el español. Varios estudios empíricos de David Stuckler y colaboradores estiman que por cada 80 euros recortados por persona en ayudas a desempleados, discapacitados, jubilados, familias y niños, la mortalidad general puede incrementarse casi un 1% (0,99%), la debida a problemas relacionados con el alcohol un 2,8%, la ocasionada por tuberculosis un 4,3% y la cardiovascular un 1,2% (David Stuckle, et al. The public health effect of economic crises and alternative policy responses in Europe: An empirical analysis. Lancet 374 (9686), 2009).
Los ajustes de la Unión Europea no traen la paz sino que matan, literalmente hablando, y van a seguir matando a millones de personas al detraer recursos de los servicios públicos para dárselos a la banca y a las grandes corporaciones, y eso no es precisamente contribuir al disfrute por todos de los derechos humanos y la democracia.
Estamos viendo día a día que la Unión Europea impone constantes renuncias a la participación democrática de la ciudadanía para permitir que los gobiernos apliquen las medidas que le reclaman los financieros y las grandes patronales. Tampoco creo yo que se contribuya a la democracia acabando con los gobiernos representativos y elegidos por la voluntad popular para sustituirlos por otros de tecnócratas, llevando a las más altas instancias de decisión a quienes tuvieron la más directa responsabilidad en las estafas que han dado lugar a la crisis, o amparando y justificando a los gobiernos que traicionan lo prometido a sus electores. De hecho, en lugar de desarrollar la democracia y fomentar el ejercicio de los derechos humanos la Unión Europea los está limitando por doquier, o es la excusa para que ese trabajo sucio lo hagan los gobiernos nacionales. Hasta una europeísta tan poco sospechoso como el ex canciller alemán Helmut Schmidt da la razón a Habermas cuando éste afirma que en Europea se está desmantelando la democracia (ver mi artículo Al capitalismo no le sienta bien la democracia ).
Que den un Premio Nobel de la Paz a la Unión Europea en estos precisos momentos, cuando se empeña en aplicar recortes dramáticos y cuando la torpeza y la incapacidad de sus dirigentes para sacar a flote el proyecto europeo sin lesionar la democracia y los derechos humanos es tan evidente, no es solo un sarcasmo vergonzoso. Muestra también que los grandes poderes en la sombra saben lo que hacen, que trabajan al unísono y perfectamente orquestados, sin dar una puntada sin hilo. Por eso, desde luego que sí que merecen un buen premio. Por cierto, justo lo contrario de lo que sucede con las fuerzas políticas, sindicales y sociales que se le oponen, y que a pesar de estar en situación de emergencia siguen con disputas entre ellas y no logran ponerse de acuerdo para darles la batalla de la única manera en que sería eficaz, todas unidas.
Juan Torres López (www.juantorreslopez.com)
Rebelión ha publicado este artículo con el permiso del autor mediante una licencia de Creative Commons, respetando su libertad para publicarlo en otras fuentes.
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