segunda-feira, 30 de abril de 2012
Pensamentando
Quem é esse?
Por Renato Prata Biar(*)
Quem é esse outro que me olha no espelho
E que de tão diferente, se parece tanto comigo?
De onde vem tanta indignação a ponto de deformar o seu rosto?
Ele não responde; apenas me encara.
Desse olhar melancólico e inquiridor
Vejo escapar o cansaço esperançoso…
Sujeito teimoso feito uma mula!
Dos conselhos do meu pai
Não segui nenhum. Como posso estar tão parecido com ele então?
Gostaria de seguir rumos diferentes
Mas quando nasci, havia um número muito limitado
de rumos a seguir; decidi forjar o meu.
O rumo que queria tomar
Não será seguido nem por mim mesmo, mas por outros eus…
Se mulas eles também forem (e tomara que sejam)
Não se contentarão com os rumos
escolhidos por mim e criarão outros.
Diabo de bicho doido é o homem!
Lembro dos meus brinquedos e sinto falta deles.
Sinto falta do pensamento descomprometido e vago.
Lembro do cheiro do primeiro beijo
Do pé descalço na terra
Do pedaço do dedo que o paralelepípedo tomou pra ele.
Da inocência que, perdida,
nunca mais se encontra novamente.
Das brincadeiras e das brigas… E foram muitas!
Agora sim reconheço esse aí no espelho: sou eu.
Sou esse que nunca imaginei ser
Sou esse que esconde a criança que ainda é
Para ser respeitado como homem que demonstra ser.
O mundo não respeita a infância.
Que saudade do uniforme da escola
e da hora do recreio!
Que saudade do meu pai!
Pensando bem,
Todas as lutas de todos no mundo
Talvez tenha um único objetivo:
Perpetuar o mundo da criança.
*Renato Prata Biar é historiador. Colabora com o “Quem tem medo da democracia?”, onde mantém a coluna “Mar de Prata“.
Cinema
Herzog, Glauber e 'Cobra Verde'
Humberto Pereira da Silva
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Werner Herzog é sabidamente um cineasta idiossincrático. Seu longa-metragem de estréia, "Sinais de Vida" (1968), anuncia uma visão de cinema da qual se manterá fiel pelo menos até "Cobra Verde" (1987). Entre esses filmes, uma preocupação manifesta de exibir paisagens, ambientes e hábitos incomuns ao espectador habitual de cinema. Com isso, gerar desconforto e afrontá-lo em suas expectativas. Assim, embora seus filmes perfilem ao lado dos de Rainer Fassbinder, Margarette Von Trotta, Alexander Kluge, Volke Schlondörff e Wim Wenders, que encabeçam o movimento de renovação do cinema alemão nos anos 60 e 70, num ambiente de contestação política e social pós 68, o cinema herzoguiano possui características peculiares. Como decorrência, em certa medida ele se afasta de seus colegas de geração no Novo Cinema Alemão.
Esse afastamento é admitido pelo próprio Herzog, que, idiossincrático, expressa em diversas entrevistas apenas simpatia com relação ao Novo Cinema Alemão. E suas declarações, de fato, precisam ser vistas com atenção: ao contrário de Fassbinder, ou Wenders, em Herzog temas de fundo histórico, social, político, não têm como propósito imediato revelar algo como o "espírito" alemão (o Zeitgeist a que se referiam os pensadores românticos). Por isso, ele se desloca frequentemente do ambiente político e social germânico para espaços geográficos distantes (América Latina, África, Austrália), em busca de realidades sociais e históricas marcadas pelo estranhamento, o inabitual, a convivência tensa entre personagens em confronto com a natureza ou ajustamentos culturais.
É o que se vê na tetralogia "Aguirre, a Cólera dos Deuses" (1972), "Fitzcarraldo" (1982), "Onde Sonham as Formigas Verdes "(1984) e "Cobra Verde". Destes, o destaque aqui será para "Cobra Verde" (Distribuição: New Line Home Video), naquilo que assimila do Cinema Novo brasileiro, especificamente de "Deus e o Diabo na Terra do Sol" (1964) e "O Leão de Sete Cabeças" (1970), de Glauber Rocha.
Ecos do cinema glauberiano podem ser encontrados em outros filmes de Herzog. Contudo, "Cobra Verde" não só é o filme herzoguiano em que a assimilação é mais flagrante como exige que se tenha atenção ao momento em que foi concebido. Assim, ao vê-lo é preciso considerar o ano de seu lançamento, 1987; ou seja, época em que o Novo Cinema Alemão - tanto quanto o Cinema Novo - era capítulo de manual de história do cinema. Nesse sentido, "Cobra Verde" é um objeto estranho em sua proposta de gerar estranhamento. Ao ver esse filme é preciso considerar também que nele a radicalização do bizarro, do grotesco: nas sequências finais, um figurante negro com deformação física caminha de quatro na praia. A imagem é indiscernível: sabe-se que é um ser humano, mas enxerga-se um animal. No confronto com o bizarro em Glauber, "Deus e o Diabo" exibe uma figurante que ouve, imersa entre outros figurantes, a prédica do Beato Sebastião com uma pedra na cabeça.
A radicalização em Herzog deve-se ao fato dele isolar o figurante e, com isso, acentuar o choque que a imagem provoca. Mas se as imagens de "Cobra Verde" mimetizam as de Glauber, seu propósito é distinto. Ao contrário do diretor baiano, Herzog não propõe um cinema condicionado por injunções políticas. O confronto que se estabelece entre ambos é principalmente formal, na maneira como captam imagens com o intuito explícito de afrontar o espectador.
"Cobra Verde", "Deus e o Diabo" e "O Leão"
"Deus e o diabo" surpreendeu a crítica européia no Festival de Cannes em 1964, com suas imagens secas e alegóricas do sertão nordestino. Nesse filme, imagens que, mesmo para brasileiros dos grandes centros urbanos, eram inusitadas. Glauber, com seus enquadramentos em forte contraste com a estética cinematográfica dominante, possibilitados pelo recurso da "câmara na mão", trouxe efetivamente uma novidade. Por isso, revistas conceituadas como Cahiers du Cinéma e Positif, na França, foram sensibilizadas por sua estética e expandiram o olhar europeu para o que se fazia no que na época era o chamado Terceiro Mundo. Ou seja, com o Cinema Novo e Glauber a crítica européia passou a ter um viés menos autoreferencial e inseriu na pauta de debates uma maneira de fazer cinema que escapava aos códigos vigentes.
Há, de fato, razões específicas no contexto cultural e político dos anos 60 que explicam a aderência da crítica européia ao projeto de cinema proposto por Glauber. Mas aqui, interessante observar, como o Novo Cinema Alemão assimilou elementos da estética glauberiana, com destaque inequívoco para Werner Herzog. Desde seus primeiros filmes, como se vê em "Sinais de vida", "Os Anões Também Começaram Pequenos" (1970) e "Fata Morgana" (1970), o propósito de mostrar uma realidade dura, impalpável, castigada por um sol escaldante, que torna as imagens chapadas, sem contraste.
Herzog, então, aponta a câmara para lugares inóspitos, culturas, povos e personagens que causam inevitável perda de referência, com respeito ao que se via no cinema. As imagens em seus filmes não só não eram habituais como escapavam a qualquer vínculo com posts turísticos. Essa maneira de conceber o cinema, esse ardor militante, preocupação em romper e instituir um marco (o cineasta se desloca de uma posição confortável em busca do exógeno, de uma realidade que exige acomodação), foi em grande parte mimetizada do Cinema Novo brasileiro.
Tanto quanto Glauber, Herzog mergulha num universo simbólico no qual os códigos são imprecisos, do ponto de vista da racionalidade cinematográfica de então. Ambos transitam numa realidade cuja paisagem, e a ação dos personagens, afronta a expectativa comum. Para ambos o cinema é uma espécie de campo em que as imagens não são cômodas e sim visam tirar o espectador de sua passividade e confrontá-lo com um objeto que, ao mesmo tempo, se presta à apreciação estética e exige uma tomada de posição.
Com isso, Glauber e Herzog propõem um tipo de cinema exasperante, incômodo, no qual o grotesco e o estranhamento se apresentam para revelar que a realidade tem uma dimensão mais ampla que aquela de um olhar compassivo, acostumado a ver o cinema como veículo que visa apenas a agradar. Esse é, então, um caminho que se oferece ao espectador: ver como "Cobra Verde" mimetiza imagens principalmente de "Deus e o Diabo" e "O leão".
"Cobra Verde" narra a trajetória de um temível bandido. Natural do sertão nordestino, Francisco Manuel da Silva, o Cobra Verde, transita no intermezzo entre a proibição do tráfico de escravos e sua abolição. Ele serve a um coronel de engenho, o maior produtor de açúcar em Pernambuco (o roteiro foi extraído do livro "O vice-rei de Vidá", de Bruce Chatwin, mas, vale ressaltar, o auge do ciclo do açúcar no nordeste deu-se no século XVII e não no XIX, época em que a ação se passa), por isso, a justificativa da mão escrava e a manutenção ilegal do tráfico. Neste entrementes, Cobra Verde acaba por engravidar as filhas do coronel e como pena é enviado a Elmina, na costa ocidental africana, no reino de Daomé, com o objetivo de ativar o tráfico, mas numa missão suicida: acreditava-se que, por causa da tensão entre clãs rivais, ele seria morto.
Vejamos, então, como "Cobra Verde" assimila elementos da estética glauberiana. Herzog abre seu filme com um repentista que canta, mediante pagamento, a história de Cobra Verde. Em seguida à cantoria de abertura, a imagem da desolação com a casa paupérrima em que habitava com a mãe, que acabara de morrer. Corte e uma panorâmica da terra seca e calcinada, enquanto os créditos aparecem na tela. Mais um corte e um enquadramento fechado no rosto de Cobra Verde; a câmara faz um zoom invertido e vê-se que ele está ajoelhado e apoiado sobre a cruz colocada na cova de sua mãe; ao fundo, imagens de carcaças de animais espalhados; a câmara, então, gira, em sentido horário e capta toda a vastidão do espaço sem vida até tornar a Cobra Verde, que permanece ajoelhado. Novo corte e uma vaca agoniza no chão. Por fim, a sequência inicial se encerra com a imagem da vegetação seca e contorcida.
Essas imagens de abertura quase se repetem quadro a quadro na abertura de "Deus e o Diabo". Na primeira imagem do filme de Glauber, uma panorâmica em sobrevoo da paisagem sertaneja e sua vegetação típica; a câmera se movimenta da direita para a esquerda e a paisagem se mantém intacta, nenhuma alteração em sua aridez, nenhum contraste, senão dos créditos que aparecem na tela. Corte e um enquadramento fechado no rosto de uma vaca em estado de putrefação; em contraponto, o rosto do vaqueiro Manuel, num enquadramento fechado; seu semblante dá sinais de resignação e preocupação, diante do animal morto. Corte novamente e a câmara, em plongée, acompanha os movimentos de Manuel, que se afasta do animal, monta o cavalo e segue adiante. Por fim, ele encontra o Beato Sebastião e seus seguidores; as imagens, tremidas, se alternam entre Manuel e o séquito em torno do Beato.
Com essa descrição, vê-se praticamente a mesma situação: a paisagem inóspita e um personagem imerso num habitat inclemente. É flagrante a assimilação das imagens iniciais de "Deus e o Diabo" em "Cobra Verde". Mas elas revelam também as diferenças de propósito entre Glauber e Herzog. Cobra Verde permanece parado, enquanto lamuria a morte da mãe; já Manuel se movimenta diante da adversidade. Desse imobilismo decorre uma postura niilista, indiferente, desdenhosa quanto ao que o circunda; já a movimentação de Manuel traz os sinais de sua errância: entre o fanatismo religioso e a violência do cangaço, a esperança de mudar a ordem do mundo e reverter sua condição miserável.
Mas a assimilação de elementos de "Deus e o Diabo" não se restringe à sequência de abertura. Há igualmente outra sequência na qual podem ser traçados paralelos com "Cobra Verde", a da aparição de Antonio das Mortes. Nas primeiras imagens de Antonio, numa montagem rápida, com diversos saltos, ele desponta atirando e matando. Em seguida, um travelling perscruta seu andar solitário no vilarejo a que chega. Antonio caminha e as pessoas olham-no, assustadas. Herzog inverte a ação violenta de Cobra Verde e a transporta para o final da sequência. De resto, se tem praticamente a mesma situação: um vilarejo com casas simples, animais que dividem espaço com as pessoas, ambos carregam uma arma de cano longo em punho, vestem uma espécie de capa e não deixam dúvida que suas presenças criam um clima de apreensão.
Em relação às sequências iniciais, contudo, não há a quase repetição dos planos. Glauber privilegia o travelling e estende a duração da cena, marcada pela letra cantada por Sergio Ricardo. Em Herzog, por outro lado, uma montagem lenta, com alternância entre o andar de Cobra Verde e, de modo acentuado, o enquadramento fechado em seu rosto. Respeitadas as diferenças, as duas sequências satisfazem ao mesmo objetivo: exibir um personagem solitário, taciturno, que atemoriza e potencializa a força de um batalhão: Antonio das Mortes sozinho dizima os seguidores do Beato Sebastião; Cobra Verde foi enviado para a África porque o coronel temia que tentar matá-lo resultaria no sacrifício de muitos homens.
Pode-se evocar que o espírito dessas cenas foi extraído de Sergio Leone em "Por um Punhado de Dólares" (1964): um pistoleiro solitário chega a uma cidade. Mas basta confrontar as datas de lançamentos e ver que "Deus e o Diabo" antecede ao western de Leone. Glauber exibiu "Deus e o Diabo" no mês de maio de 1964, no Festival de Cannes; já o filme de Leone foi lançado na Itália em setembro do mesmo ano (Fonte: http://www.imdb.com/title/tt0058461/releaseinfo). Ou seja, é praticamente improvável que Glauber soubesse do personagem de Leone para compor Antonio das Mortes. Além disso, ele foi diversas vezes solicitado a responder como havia criado seu personagem. E ele sempre se refere a histórias de jagunços que ouvia na infância. Deve-se considerar, ainda, que Glauber se dizia influenciado pelo western de John Ford e a figura do pistoleiro solitário em Ford é distinta da maneira como Antonio das Mortes é concebido.
Da mesma forma que em "Deus e o Diabo", "Cobra Verde" também assimila elementos de outro filme glauberiano: "O Leão de Sete Cabeças". As semelhanças são encontradas na maneira como, nas ações que passam na costa africana, Herzog aponta a câmara para os rituais e a coreografia dos habitantes de Elmina. Como Glauber, a mesma preocupação em acentuar a dimensão religiosa, a crença numa mitologia de que não se pode racionalizar com padrões ocidentais.
A assimilação de "O Leão" em "Cobra Verde" é flagrante na sequência em que Herzog filma um sacerdote branco que oferece hóstia aos nativos. Num espaço aberto, a presença de uma entidade invisível sentada num trono; o acesso a essa entidade, que paira sobre todos, se dá por meio de um gestual fechado à compreensão ocidental. Na continuidade da cerimônia, com a câmara fixa em plano médio, as pessoas em fila aguardam o recebimento da hóstia. O sacerdote, então, avança e coloca a hóstia na boca dos fiéis, até que, por último, a câmara se movimenta e enquadra a cabeça de um cabrito, que também recebe o Corpo de Cristo. A cerimônia mostra a presença da Igreja entre os nativos, mas, ao mesmo tempo, que essa não ocorre com o total apagamento de suas crenças. Pela hóstia os nativos recebem o Corpo de Cristo; mas, sem qualquer diferença com os humanos, uma besta também O recebe.
Esse sincretismo entre o cerimonial cristão e a sobrevivência de crenças ancestrais também está presente em "O Leão": novamente numa cerimônia religiosa em espaço aberto com os fiéis enfileirados. A câmara realiza um travelling da direita para a esquerda, exibe o tamanho da fila e se retém numa espécie de altar onde, sobre o púlpito, há uma caixa com uma cruz entalhada em sua lateral. Os fiéis (ou convertidos à fé cristã) colocam a mão esquerda sobre a caixa e recebem orientação de um sacerdote negro para que orem (ou evoquem o sagrado por meio de falas e gestos) na direção de um ponto fora do campo. O rito guarda similaridades com o que seria o recebimento do Corpo de Cristo na Eucaristia. Mas a ambiência e os gestos revelam que a presença de símbolos cristãos não apaga as crenças nativas.
Nessas duas situações, filmadas em plano sequência, o mesmo objetivo: exibir uma cerimônia que gera desconforto; em suma, que afronta. Além das situações descritas, vale observar, ainda, que tanto Glauber em "Deus e o Diabo" e "O Leão" quanto Herzog em "Cobra Verde" não exibem matizes psicológicos em seus personagens: Cobra Verde não é propriamente um indivíduo, mas um espectro, uma força para a qual não há identificação com o ambiente em que circunda. Uma força que para nós se acentua com a dicção alemã no meio da caatinga; mas que, justamente pela presença da caatinga, não deve gerar estranhamento menor nos alemães. Antonio das Mortes, Manuel ou Pablo, personagem guerrilheiro de "O Leão", também não são propriamente indivíduos e sim forças que se movem num mundo que opõe opressão e resistência.
A considerar que ambos procuram apagar complexidades psicológicas em seus personagens, também é verdade que, no modo como são concebidos, há acentuada diferença entre Glauber e Herzog. Cobra Verde transita num mundo marcadamente absurdo, surreal; forças sociais ou tensões políticas estão presentes, mas sua relação com elas é marginal, anárquica, indiferente. Não que ele seja passivo ao que acontece, pelo contrário, mas nele principalmente a condensação de uma figura o tempo todo exposta à lei do acaso, às forças da natureza ou injunções de toda ordem. Sujeito às circunstâncias, ele ao mesmo tempo lidera uma rebelião vitoriosa e não consegue, na sequência final do filme, mover uma canoa próxima ao mar e assim se aventurar a retornar ao Brasil, uma vez que a abolição dos escravos torna sua presença na costa africana sem sentido.
Os personagens glauberianos, por outro lado, são arquétipos de forças sociais e políticas que se movem na vastidão do sertão ou nas savanas africanas. O vaqueiro Manuel e Antonio das Mortes em "Deus e o Diabo" ou o guerrilheiro Pablo em "O Leão" carregam signos de sobrevivência ou rebeldia; seus destinos estão amarrados ao movimento da história e suas contradições. Em Glauber a força dos personagens reside na possibilidade de desencadear ou incitar transformações sociais e políticas.
Um projeto estético de afrontamento
A assimilação de elementos da estética glauberiana em "Cobra Verde" possibilita algumas observações. Primeiro, a percepção de que entre as décadas de 1960 e 1970 cineastas de diferentes cantos do mundo se movimentavam em função de projetos com características comuns, num diálogo incessante entre ideias e imagens. Herzog foi para as Ilhas Canárias e fez "Os Anões"; Glauber, praticamente na mesma época, estava no Castelo de Ampúrias, na Catalunha, e fez "Cabeças Cortadas". Ambos se deslocam à procura de paisagens inabituais, de hábitos e práticas culturais que não eram exibidas. Assim, quando Herzog fez "Cobra Verde", não se trata de mera assimilação, mas no fato de que ambos comungavam uma visão similar de cinema: revelar de igual modo as possibilidades de se fazer cinema em condições difíceis, tanto de filmagens quanto financeiras, e apresentá-lo de modo a tirar o espectador da condição passiva. Essa maneira de entender o cinema tinha como pressuposto exibir imagens que afrontassem, numa espécie de pacto que exige pegar ou largar.
Segundo, a repercussão internacional de "Deus e o Diabo", seguida do manifesto "Estética da fome" (1965), inicia a proposta de cinema de afrontamento, que tem em Herzog um grande seguidor. Pode-se evocar que "Pather Panchali" (1955), do indiano Satyajit Ray, antecipa um tipo de cinema no Terceiro Mundo que coloca o espectador diante do inabitual. Respeitado o inequívoco valor e importância de Ray, sua proposta estética é distinta da de Glauber. Ainda que exiba paisagens e personagens inabituais, sua narrativa é conduzida de modo a "explicar" a psique dos personagens. Em termos glauberianos, em Ray o exótico aplaca a má consciência burguesa.
Finalmente, "Cobra Verde", cuja recepção não teve o mesmo impacto junto ao público e à crítica que os filmes anteriores de Herzog, de certo modo é a pá de cal nessa proposta de cinema de afrontamento. O prenúncio do esgotamento dessa maneira de entender o cinema é revelado com a recepção negativa de "A Idade da Terra", de Glauber, no Festival de Veneza de 1980. Nesse sentido, o filme de Herzog é um último suspiro, um ato de resistência. A partir da década de 1980 o cinema segue uma nova trilha. Herzog, ao contrário de Glauber, sobreviveu para ver essa trilha e praticamente abandonou o cinema de ficção; a partir de então, sua filmografia voltou-se quase totalmente para o documentário. De "Cobra Verde" em diante, seu cinema ficcional indaga, antes, se cairá ou não no gosto do público.
O diálogo entre cineastas com o propósito de afrontamento cedeu espaço a projetos individuais, conformados ao mainstream, voltados essencialmente a uma agradabilidade prévia de público e crítica. Sim, é possível encontrar momentos isolados aqui e ali. Mas não deixa de ser sintomático que o cinema do Irã, Abbas Kiarostami, ou mais recentemente o de Taiwan, Wong Kar-wai, desconfortantes e perturbadores no início, logo se ajustaram a acolhida calorosa de público e crítica: "Cópia Fiel" (2010), de Kiarostami, é cópia fiel do gabarito: afasta-se do afrontamento e serve-se à estética burguesa, para concluir com Glauber.
Humberto Pereira da Silva
São Paulo, 18/4/2012
(Digest. Cultural)
domingo, 29 de abril de 2012
Cotas
Aguata py’ýi! (Acelerar os passos!)
...e se mil línguas eu também tivesse
levaria teu sonho entre as estrelas
e lá no centro da terra
eu diria: salve negríndio Ademario!
Assim deve ser, assim será
a cada brilho da noite
a cada chama do dia
bem digo a Ñanderu
Nosso Pai verdadeiro:
recebe meu Pai, a alquimia da palavra
dos filhos e filhas da terra
recebe nossa alegria e os nossos sonhos
recebe também nossos desencantos
porque somos tua herança
assim também ressurgidos
mas não somos um, nem cem, nem mil
somos infinitamente filhos da resistência
somos parte do teu ser
Potiguara, Guarani,
Tukano, Xavante,
Sateré, Nambikuara,
Pataxó, Truká,
Terena, Munduruku,
Payaya, Fulni-ô
Xukuru, Tupi,
Yanomami.... yanomami. ...
todos os povos
todas as nações
somos todos
do abaeté da lagoa do Senhor do Bomfim
das ladeiras de Olinda do canavial
da serra do vento da serra do mar
de Norte a Sul
de Leste a Oeste
do Oiapoque ao Chui
somos teus somos nossos
e como diria Ademario
vamos todos assim
- Aguata py’ýi!
"Acelerar os passos!"
- Aguata py’ýi!
"Acelerar os passos!"
- Aguata py’ýi!
"Acelerar os passos!"
Graça Graúna, Nordeste do Brasil, abril indígena 2009
Nota: Aguata py'ýi (Acelerar os passos, em guarani)
2009/4/15 Heitor Karaí Kaiowá
(Literatura Indígena)
Índioa
Aguata py’ýi! (Acelerar os passos!)
...e se mil línguas eu também tivesse
levaria teu sonho entre as estrelas
e lá no centro da terra
eu diria: salve negríndio Ademario!
Assim deve ser, assim será
a cada brilho da noite
a cada chama do dia
bem digo a Ñanderu
Nosso Pai verdadeiro:
recebe meu Pai, a alquimia da palavra
dos filhos e filhas da terra
recebe nossa alegria e os nossos sonhos
recebe também nossos desencantos
porque somos tua herança
assim também ressurgidos
mas não somos um, nem cem, nem mil
somos infinitamente filhos da resistência
somos parte do teu ser
Potiguara, Guarani,
Tukano, Xavante,
Sateré, Nambikuara,
Pataxó, Truká,
Terena, Munduruku,
Payaya, Fulni-ô
Xukuru, Tupi,
Yanomami.... yanomami. ...
todos os povos
todas as nações
somos todos
do abaeté da lagoa do Senhor do Bomfim
das ladeiras de Olinda do canavial
da serra do vento da serra do mar
de Norte a Sul
de Leste a Oeste
do Oiapoque ao Chui
somos teus somos nossos
e como diria Ademario
vamos todos assim
- Aguata py’ýi!
"Acelerar os passos!"
- Aguata py’ýi!
"Acelerar os passos!"
- Aguata py’ýi!
"Acelerar os passos!"
Graça Graúna, Nordeste do Brasil, abril indígena 2009
Nota: Aguata py'ýi (Acelerar os passos, em guarani)
2009/4/15 Heitor Karaí Kaiowá
(Literatura Indígena)
Leninha
Pobre Leninha
Posted: 26 Apr 2012 04:10 PM PDT
Pow Pow Pow Pow Pow
Leninha olhou rapidamente de um lado ao outro. Ela sabia que não eram fogos de artifício, nem crianças estourando bolas velhas catadas na frente de um prédio classe A – antes fosse.
- Corre João, corre! Foram as últimas palavras de Leninha.
A menina de 16 anos morreu imaginando bolas coloridas sendo pisoteadas por crianças. Nos cadernos de Leninha, jogados no chão, muitos corações vermelhos desenhados. E um lembrete em letras garrafais: “DIA 20, DENTISTA. DENTES ENTRAMELADOS NUNCA MAIS. EBAAA!” Toninho, seu irmão mais velho, havia dividido em 12 vezes o aparelho que parecia mudar a vida da menina.
João não quer mais ir à escola. Não quer comer, sair para brincar na rua, nem aquele big sorvete o atrai. Dona Zuleide não tem dinheiro para pagar um tratamento psicológico para o pequeno que viu a irmã caindo ensanguentada. João está em choque.
Além de Leninha, mais três homens foram mortos por “balas perdidas” da polícia; que fazia uma ação contra traficantes no Morro dos Macacos. Três trabalhadores assassinados e considerados criminosos, sempre as mesmas desculpas. O filho de um deles não cansa de chamar pelo pai. Sua avó conta uma história bonita, diz que papai está no céu, com santos e anjos, em paz. Mais tarde ele irá descobrir quem matou o pai: o Estado, a Polícia. Talvez se torne um traficante, daqueles que amam matar policiais, afinal, ele já não tem quem coloque o pão na mesa, já não tem bom estudo, nem perspectivas de um futuro promissor.
Leninha é enterrada; João ficou em casa deitado no chão, segurando uma flor arrancada da coroa. As amigas choram, a comunidade faz uma homenagem linda. E lá no meio, um cartaz de cartolina, com a frase: “Queremos vingança”.
(Revista zena )
sábado, 28 de abril de 2012
Literatura
Entrevista con Dulce María Loynaz, Premio Cervantes 1992
La Casa del Alma
Milena Recio • La Habana
Foto: Archivo
Cerca del mar, en la esquina de Línea y 14, en el Vedado, una casona agoniza tras el paso de los años, pero aún retiene entre sus muros húmedos y desfigurados la huella de una familia de poetas.
A sus 91 años, Dulce María Loynaz, Premio Miguel de Cervantes 1992 y una de las más altas voces femeninas de la lírica hispanoamericana, se conmueve inesperadamente cuando le digo que quiero hablar de esa casa.
Esta mujer ha resistido los embates del tiempo, viene de vuelta de muchos caminos, ha disfrutado de grandes honores y también padecido grandes olvidos; sin embargo, yo he visto cómo discretamente vibra, tiembla, llora ante el recuerdo.
Dulce María y sus hermanos construyeron allí su propio mundo, allí escribieron sus versos y recibieron a distinguidas personalidades literarias como Gabriela Mistral, Federico García Lorca y Juan Ramón Jiménez.
Fueron los árboles y flores de esa casa los que le inspiraron su novela lírica Jardín, obra en la que, al decir de Cintio Vitier, Dulce María despliega “el sentido último de su intuición y su experiencia de lo femenino”.
Su poema “Últimos días de una casa”, publicado en 1958, cierra el ciclo de producción lírica de esta poetisa y sugiere definitivamente la estrechísima relación que entre ambiente, artista y arte se establece.
Su casa era muy concurrida. ¿Había algo especial en ella?
No, los especiales éramos nosotros mismos, no había ninguna otra cosa. Claro, teníamos adornos, curiosidades, como habíamos viajado mucho teníamos cosas muy bellas. Pero no creo que fuera eso lo que atraía a los que nos visitaban. No eran coleccionistas. Eran escritores, artistas, pintores, un grupo que siempre estuvo muy cerca de nosotros.
¿Qué tenían ustedes de especial?
¡Imagínese usted! ¿Qué teníamos de especial? Nada. Hacíamos versos, escribíamos, nos burlábamos un poco de la gente. Como éramos jóvenes podíamos hacerlo con bastante impunidad. No sé que tuviéramos nada más.
¿Habría podido escribir su novela Jardín con otro paisaje ante los ojos?
Bueno, yo la escribí en esa casa de que hablábamos, donde había un gran jardín. Claro, no es el que describo en la novela; ahí aparece desmesurado, desnaturalizado. El jardín es como el espíritu maléfico del libro.
De haber vivido su juventud en otro lugar, de haber tenido otra familia, ¿hubiera podido usted ser poeta?
El ambiente hace que el poeta se desarrolle o no, pero el ambiente hace poeta al que ya nació poeta.
De Línea y 14, ¿cuál era el lugar que más le gustaba?
Hace tanto tiempo que perdí de vista esa casa que ya apenas la recuerdo. Además, ha sido tan desfigurada, tan cambiada... tan mancillada, que prefiero no hablar de ella.
¿Qué expresa el hecho de que usted haya cerrado su tiempo de creación poética inspirada precisamente en aquella casona?
Quizá exprese la nostalgia, porque esta casa donde estamos ahora es muy bella, no hay duda. Es arquitectónicamente correcta, tiene muebles y adornos bellos, pero no tiene alma, no tiene personalidad, tendría yo que darle la mía y ya de la mía me queda poco.
¿Aquella sí tenía alma?
Aquella sí, sin que nadie se la diera la tenía por sí misma.
Cuando salió de allí, definitivamente, ¿qué dejó de su espíritu en ella y qué trajo hacia acá consigo?
En realidad traje muy poco, porque aquí no recuerdo haber escrito nada poético. Allá lo escribí todo. En esta casa mi vida cambió radicalmente. Vine cuando ya había contraído matrimonio. Mi esposo, que me quería mucho y era, como decía él, mi primer admirador, no me daba tiempo para escribir porque su vida era muy distinta y, si yo me había casado con él, tenía que compartirla en tiempo y en todo.
A pesar de no haber hecho usted poesía desde hace muchos años, ¿se siente poeta aún?
Puede que sí puede que no. No me he hecho la pregunta. Lo que sé es que ya no podría escribir nada poético. La poesía que tiene su base en el amor no puede hacerse después de los 50 años. Eso es imposible. La poesía también depende de cosas que no son puramente anímicas, casi diría yo que depende de las hormonas.
Dulce María, ¿en su casa de Línea y 14 solo había alegrías, o también tristezas?
Había de todo. En las casas siempre hay alegrías y tristezas, claro, también depende de sus habitantes. Cuando uno es joven, las tristezas pasan pronto, las alegrías permanecen más. En aquella casa donde éramos cuatro muchachos jóvenes, muy imaginativos, muy capacitados para tener todo lo que era necesario a una juventud inquieta, se respiraba mucha vida, nosotros mismos la llenamos de vida. Cuando nos fuimos, la casa languideció.
¿Cómo eran los domingos?
Muy agradables, porque era cuando recibíamos más visitas; como entre los que iban a vernos no todos tenían libre el resto de la semana, aprovechaban los domingos. Así que era un día muy animado, muy grato. A mí siempre me gustaron las visitas, no fui huraña. Me gustaba recibir personas, atenderlas, sobre todo si eran poetas buenos, porque a los malos era un martirio oírles. Pero, generalmente, eran buenos los que nos visitaban.
En su poema “Últimos días de una casa”, usted menciona las Nochebuenas...
Eso puede aplicarse tanto a mi casa, como a todas las de mi época. El poema no se refiere exactamente a la mía, es algo con sentido general. Pues en Cuba se celebraban siempre, era una fiesta familiar muy tradicional, incluso había platos tradicionales, oraciones tradicionales; en fin, todas esas cosas que se van perdiendo con el avance de los años y de la civilización.
¿Las viviendas de hoy son diferentes a las de su época?
Son distintas en todo, yo creo que hasta en sus habitantes. Las casas de hoy no sujetan, se dejan como quien deja un par de zapatos.
¿Las casas mueren, Dulce María?
A veces sí, aunque tardan más en morir que los hombres. Pero al fin todo muere...
La falta de calor humano. Porque las casas necesitan del hombre. Si usted cierra una casa y ya no viene nadie más a ella, entonces la casa se muere. Es como si a una planta le quitaran la tierra o le quitaran el agua.
¿Su casa de Línea y 14 podría vivir cuando ya no quedara nada de lo que usted amó allí?
Usted me hace una pregunta que yo me he hecho muchas veces y como yo misma no me la puedo contestar será difícil que se la conteste a usted.
¿Le gustaría que se le recordara en relación con aquel lugar, que los jóvenes digan: aquí vivió Dulce María Loynaz?
Esa es una pregunta inocente. ¿Por qué no se le ocurre algo más interesante?
Publicado en Alma Mater 327. Edición especial, 1994.
Uruguai
O Uruguai, por Eduardo Galeano
Até um certo momento o Uruguai só era mencionado no Brasil por duas coisas: ricos iam se divorciar e/ou casar e ter lua-de-mel em Punta del Este e pela derrota no fatídico dia 16 de julho de 1950 para a seleção Uruguai no Maracanã, de virada, na Copa do Mundo feita para o Brasil ser campeão. Alguns haviam passado por Montevidéu e diziam que ficava a meio caminho entre Porto Alegre e Buenos Aires.
“Os uruguaios temos certa tendência a crer que nosso país existe, embora o mundo não o perceba”, diz Galeano. “Os grandes meios de comunicação, aqueles que têm influência universal, jamais mencionam esta nação pequenina e perdida ao sul do mapa.”
Um país de poucos milhões de habitantes que, como diz ele, tem população similar a alguns bairros das grandes cidades do mundo, mas que provocaria algumas surpresas para quem se arriscasse a chegar por ali.
Um país que aboliu os castigos corporais nas escolas 120 anos antes da Grã-Bretanha. O Uruguai adotou a jornada de trabalho de oito horas um ano antes dos Estados Unidos e quatro anos antes da França. Teve lei do divórcio setenta anos antes da Espanha e voto feminino quatorze anos antes da França.
O Uruguai teve proporcionalmente o maior exílio durante a ditadura militar, em comparação com sua população. Assim, tem cinco vezes mais terra do que a Holanda e cinco vezes menos habitantes. Tem mais terra cultivável que o Japão e uma população quarenta vezes menor.
O país ficou relegado a uma população escassa e envelhecida. Tristemente Galeano diz que “poucas crianças nascem, nas ruas vêem-se mais cadeiras de rodas do que carrinhos de nenês”.
Ainda assim, Galeano consigna bons motivos para gostar do seu país: “Durante a ditadura militar, não houve no Uruguai nem um só intelectual importante, nem um só cientista relevante, nem um só artista representativo, único que fosse, disposto a aplaudir os mandões. E nos tempos que correm, já na democracia, o Uruguai foi o único país do mundo que derrotou as privatizações em consulta popular: no plebiscito de fins de 92, 72% dos uruguaios decidiram que os serviços essenciais continuaram sendo públicos. A notícia não mereceu sequer uma linha na imprensa mundial, embora se constituísse numa insólita prova de senso comum.” Talvez por esses “maus exemplos” tentam desconhecer o Uruguai, apesar da insistência dos uruguaios de afirmar que seu país existe.
Por tudo isso, Galeno se orgulha do seu “paisito”, “este paradoxal país onde nasci e tornaria a nascer”.
Postado por Emir Sader às 23:07
W. Allen
Woody Allen: 10 Top 5
em geral por Eduardo Ferreira Moura em 27 de abr de 2012 às 05:51 | 2 comentários
Gostar do cinema do Woody Allen é como torcer para o América: uma questão de afetividade, não de racionalismo. Esse foi o único pré-requisito na elaboração de todas as listas.
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Top Five Diretores de Cinema Vivos
5) Coppola - Ele tá vivo, não tá?
4) Roman Polanski - Ele também, não é?
3) Almodóvar - Errar é um estilo.
2) Lars Von Trier - Podem rir. Vou rir de vocês, daqui cinqüenta anos, quando reconhecerem que ele se tornou o novo Bergman.
1) Woody Allen - Pelo conjunto da obra.
Mas não me jogue pedras ainda...!
Top Five Filmes de Woody Allen
5) Tudo Pode dar Certo - Pra provar que os filmes mais novos são igualmente bons.
4) Zelig - Por estar 30 anos na frente (e ao mesmo tempo atrás) do seu tempo.
3) Era do Rádio - Por ser acessível a todos os públicos, mesmo aos americanos mais idiotas.
2) Desconstruindo Harry - Por razões pessoais.
2.2) Hannah e Suas Irmãs - Eu sei que agora não serão cinco mais itens, mas a lista é minha.
2.1) Manhattan - Uma aula de cinema!
1) Noivo Neurótico, Noiva Nervosa - Pelas inovações simples e revolucionárias naquele momento.
Top Five Dramas de Woody Allen
5) Sonho de Cassandra - A tragédia é tanta que aqui Woody troca o Jazz pela Ópera.
4) A Rosa Púrpura do Cairo - O final é o único possível. Essencialmente humano, por isso triste.
3) Setembro - Mais melancólico do que a melancolia.
2) Match Point - Se fosse um livro, seria de Dostoiévski.
1) Interiores - Se me dissessem que é do Bergman, eu acreditaria.
Top Five Filmes em P/B de Woody Allen (Lista criada só pra dar espaço a mais algumas obras primas)
5) Neblinas e Sombras - Comédia rasa, mas o conto original escrito pelo Woody é genial (no livro Sem Plumas). No mais, ele só fez cinco filmes em preto e branco mesmo...
4) Celebridades - Muita gente implica com a atuação do Kenneth Branagh, mas o filme não se restringe a ele.
3) Memórias - Talvez seu filme mais subestimado. Belíssimo!
2) Zelig - Talvez o primeiro mockumentário da história.
1) Manhattan - Uma aula de cinema!
Top Five Piores Traduções de Filmes de Woody Allen*
5) A Última Noite de Bóris Grushenko, Love and Death (br/en) - Não que eu não goste do resultado final, mas há uma distância enorme entre os dois títulos.
4) Um Assaltante Bem Trapalhão, Take The Money and Run (br/en) - Típica tradução para Sessão da Tarde
3) Crimes e Escapadelas, Crimes and Misdemeanors (pt/en) - Escapadelas é um horror...
2) Noivo Neurótico, Noiva Nervosa, Annie Hall (br/en) - É um anti-título. Woody Allen e Diane Keaton nunca foram casados, nem noivos. Nem mesmo seus personagens nesse filme.
1) Woody et les Robots, Sleeper (fr/en) - Tão ruim que, quando tomou conhecimento, Woody Allen passou a sempre conferir as traduções que faziam de seus títulos.
*Por uma questão de critério, apenas nessa lista os títulos originais estão sendo usados. Nas demais, títulos em português do Brasil.
Top Five Atrizes Coadjuvantes
5) Diane Wiest, Tiros na Broadway - Chama mais atenção do que todos os demais atores.
4) Diane Wiest, A Era do Rádio - Nasceu para o papel!
3) Diane Wiest, Setembro - É de cortar os pulsos, excelente.
2) Diane Wiest, A Rosa Púrpura do Cairo - Discreta, mas na medida exata.
1) Diane Wiest, Hannah e Suas Irmãs - Dá pra chamar isso de coadjuvante?
Top Five Atores no Papel de Woody Allen* (desculpa pela heresia, mestre!)
5) Owen Wilson, Meia-Noite em Paris - Muito bem dirigido.
4) Kenneth Branagh, Celebridades - Insuportável, mas essa era a idéia, não?
3) John Cusack, Tiros na Rroadway - O personagem o amadureceu para fazer Alta Fidelidade seis anos depois, que só não é melhor porque não é do Woody.
2) Scarlett Johansson, Vicky, Cristina, Barcelona - É uma interpretação pessoal...
1) Larry David, Tudo Pode Dar Certo - Nasceu para o papel.
*Escolhas óbvias como Michael Caine em Hannah e Suas Irmãs não valem, porque o Woody atua nesse filme, então quem faz o papel de Woody Allen é o próprio Woody Allen.
Top Five “Esposas” de Woody Allen*
5) Mia Farrow - Bitch!
4) Harlene Rosen - Indiferente.
3) Louise Lasser - Engraçadinha, vide Tudo o que Você Sempre Quis Saber Sobre Sexo (Mas Tinha Medo de Perguntar).
2) Diane Keaton - A mais inteligente, mais engraçada e mais bonita. Pelo menos era há trinta anos.
1) Soon-Yi - Por ser a que mais o ama...
*As aspas justificam-se porque, como foi dito em outra lista, ele nunca foi casado de verdade com a Diane Keaton...
Top Five Filmes de Woody Allen Não Citados Aqui
5) Meetin' WA - Nada demais, mas é interessante. Dirigido por Godard, sobre o Woody Allen, disponível no Youtube.
4) Broadway Danny Rose - Ele chegou a conseguir extrair sensualidade da Mia Farrou nesse filme...
3) Bananas - Comédia leve, da primeira fase da sua filmografia, mas primorosa.
2) Poderosa Afrodite - Atuações poderosas (Mira Sorvino e Helena Bonham Carter...). Algo baseado na realidade dos filhos do Woody. E os créditos não são formados pela tradicional fonte Windsor branca em fundo preto. Assiste pra saber!
1) Crimes e Pecados - Atuações impecáveis! Dramédia bem melhor do que Match Point, diga-se...
Gostar do cinema do Woody Allen é como torcer para o América: uma questão de afetividade, não de racionalismo. Esse foi o único pré-requisito na elaboração de todas as listas. Espero que compreendam!
Bônus:
Top Five Diretores de Cinema Mortos
5) Akira Kurosawa - E se me encher muito o saco perde o lugar para o Hitchcock.
4) Luis Buñuel - Estaria mais bem colocado, não fosse aquela cena com a pobre da vaca.
3) Kubrick - Daqui pra frente há um empate técnico.
2) Fellini - Pela pouca vergonha.
1) Bergman - Pela técnica, pela sutileza, pela unanimidade.
Agora pode jogar pedras!
Só pra não dizer que esse artigo não acrescentou nada na sua vida, aí vai a tabela que fiz com a filmografia realmente completa do Woody, que serviu de base para essas listas. Sirvam-se! E sintam-se à vontade para sugerir eventuais correções ou acrescentar dados. Comentários e e-mails estão aí pra isso!
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eduardomoura
Artigo da autoria de Eduardo Ferreira Moura.
Eduardo Ferreira Moura é carioca. Tipicamente, escreve contos e crônicas, mas tenta não parar por aí. Mais sobre o autor em: http://lifeonmarx.blogspot.com/search/label/bio.
Saiba como fazer parte da obvious.
mais artigos
Desfile das Escolas de Samba do Rio de Janeiro
Notas de um Velho Sem Câncer
Leia mais: http://lounge.obviousmag.org/life_on_marx/2012/04/woody-allen-10-top-5.html#ixzz1tHoZXp2o
sexta-feira, 27 de abril de 2012
Ditadura
A ditadura e o ovo da serpente
By
admin
– 23/04/2012Posted in: Brasil, Destaques, Políticas
Jovens que enfrentaram comemorações da ditadura, no Clube Militar, estão utilizando suas liberdades democráticas. Onde está a Comissão da Verdade?
Por Arlindenor Pedro
Embora ainda não tenha sido instalada, a Comissão da Verdade já tem causado muita polêmica. Aguardada com ansiedade por expressivos setores da sociedade, ela pode fechar uma chaga que já se arrasta desde o início do processo de redemocratização do país.
Vivemos num compasso de espera, pois dezenas de famílias ainda não tiveram acesso à verdade, e muitas nem puderam enterrar seus mortos. Foi dentro desse espírito que dezenas de manifestantes se postaram no último dia 29 de março defronte ao Clube Militar, no Rio de Janeiro, para protestar contra a comemoração do aniversário do Golpe de 1964, convocada por militares reformados que tiveram algum papel nesse triste momento da nossa história.
Centenas de jovens e antigos militantes da luta contra a ditadura reuniram-se nesse ato de repúdio, convocados por um video postado nas redes sociais pelo cineasta Silvio Tendler. Como ficar calado com tal afronta? Na verdade, esta história ainda não se encerrou e democraticamente o protesto é uma medida válida.
Os manifestantes expuseram a necessidade de remendar o prejuízo causado à vida de parentes e amigos. Deixaram claro, também, que a sociedade não mais aceitaria a repetição do que houve: um golpe de mão, perpetrado em nome das Forças Armadas, por um minoria de militares que sujou a honra dessas instituições que pertencem ao povo brasileiro.
Arvorar-se como porta voz dos nossos militares é um escárnio que tem que ser rechaçado. Os que tiveram algum papel no golpe de 1964 se colocaram frontalmente contra o povo, pois rasgaram a constituição vigente e instituíram um governo ilegal, sem o aval dos brasileiros. Se havia discordância em relação ao governo, cabia aos opositores se organizarem através das instituições democráticas e conquistar a maioria através do voto. Nossas instituições militares são formadas com os filhos do povo brasileiro e eles são democráticos na sua formação.
Nunca poderemos apoiar golpes de estado, e o movimento de 31 de março não passou disso — uma quartelada instigada e apoiada pelo goveno americano. Mais do que isso: após derrubar o governo, esses maus brasileiros instauraram um período de terror e sangue como nunca se tinha visto na nossa história, arrastando o nome de nossas Forças Armadas para situações de ilegalidade e afronta aos mais elementares direitos humanos, com assassinatos, torturas e sequestros.
Nesse sentido, a Presidente Dilma agiu corretamente ao impedir que o Golpe de 1964 fosse comemorado nos quartéis. Ele nada tem a ver com nossas Forças Armadas, que lutan para se reconciliar com o Brasil e o seu povo. Desta forma, aqueles jovens que protestavam não eram baderneiros e sim patriotas, vigilantes dos valores democráticos.
Seu protesto repercutiu amplamente, tanto nas redes sociais quanto na chamada grande midia, que, como sempre, desqualificou o ato e classificou-o como uma ação de baderneiros. Atitude, aliás, dentro das suas tradições, pois não podemos esquecer que esses jornais instigaram os militares para quem quebrassem a ordem democrática — coisa que lamentaram mais adiante quando eles invadiram suas redações com censores e policiais.
Nas redes sociais foi interessante ver alguns militares adeptos do regime ditadorial divulgarem nomes de colegas seus que estavam no Clube e que foram hostilizados pelos jovens. Usaram como argumento o fato alguns serem reconhecidos como heróis militares, obtendo inclusive comendas de bravura. Desta forma estariam acima dos que os criticavam.
Ora, o fato de ser um herói militar não coloca ninguém acima da cidadania. No caso, estamos falando da atitude política desse militar que apoiou e apoia um regime discricionário que envegonhou a nação brasileira. Como herói militar, ele tem todo o nosso reconhecimento e honra pelas atitudes que tomou na sua carreira. Porém, aqueles jovens o hostlizaram pelo papel que teve — e que quer continuar a ter — na defesa da Ditadura de 1964.
É preciso entender que o Regime Militar de 1964 foi derrotado politicamente pelo conjunto da nação brasileira após anos de resistência e luta em todos os níveis. Na história mundial existem muitos casos de heróis militares que acabaram envergonhando os seus países. O caso mais emblemático é o do Marechal Pentain, heroi do exército francês, que entregou a França nas mãos dos nazistas. O que prevaleceu na história? O herói ou o traidor?
Caberá à história julgar esses vultos. Esse é, portanto, o papel que esperamos da Comissão da Verdade. Nada existe de revanchismo nisso. Aguardamos sua nomeação e gostaríamos que sua composição não fruste os anseios de um povo que não quer esquecer e exige saber a verdade. Cada um deve ocupar seu verdadeiro papel na história. É preciso acabar com essa feia tradição de sempre colocar o lixo embaixo do tapete. A verdade tem quer vir à tona, doa a quem doer.
Sabemos que, quando esses maus militares tomam a ofensiva, é porque temem o alcance dessa Comissão. Chocam, então, o ovo da serpente, pois querem ressuscitar o dragão da ditadura. Tentam nos lançar em uma situação semelhante à que foi retratada por Ingmar Bergman no seu genial filme “O Ovo da Serpente”, lançado em 1977.
Para isso, escudam-se nas nossas instituições militares querendo fazer crer que seus integrantes pensam como eles. Mas tenho certeza que elas os rechaçarão, fazendo o reecontro dos militares com o nosso povo.
Ja vivemos a falta de liberdade e a tragédia da ditadura e, ao contrario do filme de Bergman, não precisamos antever pela fina membrana do ovo da serpente o que se vai passar adiante, pois, infelizmente, já passamos por isso. Vem daí a postura de não deixarmos espaço para que se articulem idéeias de que esse período possa ser revivido.
–
Arlindenor Pedro é professor de história e especialista em projetos educacionais. Anistiado por sua oposição ao regime militar, dedica-se atualmente à produção de flores tropicais na região das Agulhas Negras. Contato: arlindenor@newageconsultores.com.br
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(Outra Palavras)
Mafalda
Mafalda: 60 em 6
por Andréa Mota em 25 de abr de 2012 às 03:10
Graciosa, divertida, Mafalda. Quem não se encanta com essa menina que parece ter mais e saber mais que muita gente perdida nesse mundo? A tira de Quino ganhou vida, demarcou seu espaço e nunca deixou de ser atual. Ainda protestamos diante da obviedade das injustiças e ainda odiamos sopa.
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Era década de 1960. Um desses anos que marcam os passos apressados de uma humanidade em retalhos. Após as guerras que mostraram ao homem sua face mais dominadora, a contracultura preencheu de novos ares os campos tomados e impulsionou uma geração embasbacada com o sangue que escorria das portas, das ruelas, dos palácios, manchando o sorriso e a esperança das pessoas. Ninguém aguentava mais aquilo. Mas, como dizer? Era atribulado o fluxo de vozes e argumentos. Até que alguém teve uma ideia: a criança fala.
O símbolo da infância, sua “pureza” e lugar no mundo são motores ideológicos que movem centenas de obstáculos e criam uma espécie de aura renovada. Seu contrário, igualmente impactante, transforma o observador em sujeito descrente, afinal, “onde está o futuro dos homens se até as crianças foram corrompidas”.
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Quando Joaquín Salvador Lavado, mais conhecido como Quino, criou a menina de seis anos, ele sabia o que estava fazendo. Para contestar erguendo uma voz destoante da harmonia costumeira, era preciso tratá-la de outra forma. Malfada Quino não pediu para nascer e tinha todos os argumentos para considerar aquele mundo difícil, irregular e, sobretudo, injusto.
Seu primeiro esboço foi criado em 1962 como um cartoon de propaganda do Diário Clarín, na Argentina, que não vingou. Naquele período, os argentinos assistiam a iminente ditadura que lhes consumiria direitos e um bom descanso no fim do dia. De 1966 a 1973, a “revolução argentina” liberou a porteira para multinacionais e trouxe aos trabalhadores argentinos rombos constitucionais expressivos. Condenou as universidades por subversão e ideias comunistas, destruiu bibliotecas e engatilhou as armas que seriam usadas em chacinas como o Massacre de Trelew – fuzilamento de guerrilheiros rendidos.
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Mafalda nasceria mesmo em 1964, quando foi publicada pelo semanário Primeira Plana. Nos primeiros esboços, era apenas ela e seus pais. Filipe apareceu em janeiro do ano seguinte. Com uma notoriedade em ascensão, Mafalda começou a aparecer no El Mundo, de Buenos Aires, e trouxe consigo mais dois personagens: Manolito e Susanita. Em 1967, quando a mãe da menina estava grávida, o El Mundo fecha suas portas e as janelas de Mafalda, que ficou seis meses no escuro.
No novo espaço, Siete Días Ilustrados, Quino não conseguia acompanhar as notícias em consonância com suas tiras, já que tinha que entregar o material duas semanas antes da publicação. Resultado: Mafalda deixa seu espaço vazio em 1973. A justificativa do cartunista, na realidade, era a preocupação de se repetir. Segundo o próprio Quino, ele já havia conseguido falar o que queria.
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E assim, Mafalda se foi. Na verdade, não. A expressividade da menina foi tanta que ela ganhou vida própria. Em 1982, Carlos Márquez colocou em prática a Mafalda em desenho animado, para pouco gosto de Quino. Mas, diferente de seu nascimento, o novo formato não ficou tão conhecido.
Histórias
A universalidade e, porque não dizer, atemporalidade dos pensamentos de Mafalda é evidente. O que move a menina de cabelos cheios e vestido vermelho é o questionamento de coisas óbvias, mas tão esquecidas pela sociedade preocupada com sua econômica forma de vida. Para auxiliar Mafalda em seus porquês, Quino criou personagens memoráveis:
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Papá: o pai de Mafalda. Ele trabalha em uma companhia de seguros, cultiva plantas no quintal e tem crise de idade.
Mamã: a mãe de Mafalda. Sem completar os estudos, ela é considerada a típica dona de casa e, muitas vezes, considerada medíocre pela menina. Seus principais embates são, sobretudo, pelo ódio de Mafalda por sopa e macarrão.
Filipe: Inspirado no jornalista e amigo de Quino, Jorge Timossi, Filipe é um garoto em conflito. Ao mesmo tempo em que odeia a escola, ele não consegue tirar de si o senso de responsabilidade e, por isso, tem crises de consciência constantes.
Manolito: Este personagem representa o conservadorismo capitalista. Filho de comerciante, ele vive preocupado com os negócios, os juros e lucros. Só se dá bem em matemática na escola e odeia os Beatles.
Susanita: É aquela amiguinha que a gente não larga, mas podia algumas vezes ficar calada. Seu sonho é casar com um cara rico e ter muitos, muitos filhos. Além disso, ela adora se ocupar da vida dos outros.
Guille “Gui”: Irmão mais novo de Mafalda, é curioso e está começando a conhecer o mundo.
Miguelito Pitt: Um garoto meigo, de coração bom, mas demora em entrar nas ligas da menina. É um pouco egoísta e, muitas vezes, acha que a vida gira em torno de si.
Libertad: Uma menina com pais idealistas e simples. Vive ouvido comentários sobre seu nome.
Burocracia: Nada mais bem adequado que esse nome, afinal, é uma tartaruga. Mafalda batizou tartaruguinha por achá-la vagarosa. Que coisa.
Sopa: Brincadeirinha. A sopa pode ser apenas um alimento, mas sempre irritou Mafalda. Portanto, estamos diante de seu arqui-inimigo.
Quino
Não se pode deixar de registrar a genialidade de Quino em outros trabalhos pós-mafalda. De um humor preciso em fazer rir e pensar, o cartunista perdeu a mãe muito cedo e foi cuidado pelo pai. Joaquín Salvador tem o apelido de Quino desde a infância, para diferenciar-se do tio homônimo. Entrou para a Faculdade de Belas Artes e, desde então, começou a vender seus desenhos até chegar à personagem de maior sucesso. Mafalda chegou ao Brasil em plena ditadura, em 1973, pela revista Patota, da editora Artenova.
Alguns trabalhos:
liberdade.jpg
Quino_-_ediciones_de_la_flor.jpg
Quino 3.jpg
Mais Mafalda...
mafalda.png
andreamota
Artigo da autoria de Andréa Mota.
Jornalista por formação e comunicóloga sem estante. Paraense de sangue, carne e saudade. Comendo o próprio
Leia mais: http://lounge.obviousmag.org/relatos_miopes_de_uma_jornalista_cega/2012/04/mafalda-60-em-6.html?utm_source=feedburner&utm_medium=email&utm_campaign=Feed%3A+OBVIOUS+%28obvious+magazine%29&utm_content=Yahoo%21+Mail#ixzz1t7hoPCOs
Pensar
Acho natural que não se pense
Acho tão natural que não se pense
Que me ponho a rir às vezes, sozinho,
Não sei bem de quê, mas é de qualquer coisa
Que tem que ver com haver gente que pensa...
Que pensará o meu muro da minha sombra?
Pergunto-me às vezes isto até dar por mim
A perguntar-me coisas. . .
E então desagrado-me, e incomodo-me
Como se desse por mim com um pé dormente. . .
Que pensará isto de aquilo?
Nada pensa nada.
Terá a terra consciência das pedras e plantas que tem?
Se ela a tiver, que a tenha...
Que me importa isso a mim?
Se eu pensasse nessas coisas,
Deixaria de ver as árvores e as plantas
E deixava de ver a Terra,
Para ver só os meus pensamentos ...
Entristecia e ficava às escuras.
E assim, sem pensar tenho a Terra e o Céu.
Alberto Caeiro, um dos heterônimos de
Fernando Pessoa
(1888-1935)
(Poemblog)
quarta-feira, 25 de abril de 2012
Poesia
Acho natural que não se pense
Acho tão natural que não se pense
Que me ponho a rir às vezes, sozinho,
Não sei bem de quê, mas é de qualquer coisa
Que tem que ver com haver gente que pensa...
Que pensará o meu muro da minha sombra?
Pergunto-me às vezes isto até dar por mim
A perguntar-me coisas. . .
E então desagrado-me, e incomodo-me
Como se desse por mim com um pé dormente. . .
Que pensará isto de aquilo?
Nada pensa nada.
Terá a terra consciência das pedras e plantas que tem?
Se ela a tiver, que a tenha...
Que me importa isso a mim?
Se eu pensasse nessas coisas,
Deixaria de ver as árvores e as plantas
E deixava de ver a Terra,
Para ver só os meus pensamentos ...
Entristecia e ficava às escuras.
E assim, sem pensar tenho a Terra e o Céu.
Alberto Caeiro, um dos heterônimos de
Fernando Pessoa
(1888-1935)
(Poemblog)
Arte
Quando Rubem Braga se encontra com Manuel Bandeira
em Crônicas por Rodrigo Della Santina em 21 de abr de 2012 às 19:07
Dois homens: um cronista e um poeta. Dois gigantes da literatura brasileira.
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“(...) e naquele instante se achava sozinho no salão dos doces, perante o Grande Bolo Iluminado.
Então tivemos a consciência de que estávamos sendo televisionados e minha namorada se disfarçou numa jovem casuarina; sentei-me no chão, apoiei a cabeça no seu tronco e adormeci.
Quando acordei, ela era outra mulher e passava a mão na minha cabeça e me dizia: ‘agora eu me chamo Teresa’. Eu não quis perguntar por quê; tive receio de que ela me contasse alguma coisa triste e então me ergui dizendo rapidamente: ‘vamos ao Pavilhão La Fiesta onde há gôndolas de cristal na água azul e distribuição de laranja-cravo; vamos assistir à corrida das Zebras Imperiais e ver a Girafa que planta bananeira, dizem que é uma coisa louca’.
Ela, porém, fez um sorriso de dúvida, ou de pena, e partiu. Quando olhei em torno vi que não havia mais ninguém.
Eu estava sozinho na penumbra e no silêncio; sentei-me em um banco de pedra e fiquei apenas olhando uma parede cinzenta, uma parede fria, uma parede lisa, triste. Uma parede”.
(Fragmento de “Quermesse” de Rubem Braga)
manuelbandeira[1].jpg
Madrigal tão engraçadinho
Teresa, você é a coisa mais bonita que eu vi até hoje na minha vida, inclusive o porquinho-da-índia que me deram quando eu tinha seis anos.
(Manuel Bandeira)
Profundamente
Quando ontem adormeci
Na noite de São João
Havia alegria e rumor
Estrondos de bombas luzes de Bengala
Vozes cantigas e risos
Ao pé das fogueiras acesas.
No meio da noite despertei
Não ouvi mais vozes nem risos
Apenas balões
Passavam errantes
Silenciosamente
Apenas de vez em quando
O ruído do bonde
Cortava o silêncio
Como um túnel.
Onde estavam os que há pouco
Dançavam
Cantavam
E riam
Ao pé das fogueiras acesas?
— Estavam todos dormindo
Estavam todos deitados
Dormindo
Profundamente
*
Quando eu tinha seis anos
Não pude ver o fim da festa de São João
Porque adormeci
Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo
Minha avó
Meu avô
Totônio Rodrigues
Tomásia
Rosa
Onde estão todos eles?
— Estão todos dormindo
Estão todos deitados
Dormindo
Profundamente.
(Manuel Bandeira)
***
Note que, além do cenário e do "adormecer" e "despertar" de ambas as obras, na crônica Rubem Braga escreve que "então me ergui dizendo rapidamente...", bem ao ritmo, ao fôlego de "Madrigal...".
rodrigosantina
Artigo da autoria de Rodrigo Della Santina.
Poeta, cronista e contista formado em Letras pela UNIMESP. Tem dois livros de poesia publicados sob os títulos “Intertrigem” e “O Limiar do Surto”..
Saiba como fazer parte da obvious.
Leia mais: http://lounge.obviousmag.org/o_limiar_da_lucidez/2012/04/quando-rubem-braga-se-encontrou-com-manuel-bandeira.html#ixzz1suhdUp9t
(Obvious)
Censura
Contra a censura, pela cultura: A grande trilha sonora da ditadura militar
por Isabel Nobre em 22 de abr de 2012 às 17:50 | 2 comentários
“Este é tempo de divisas, tempo de gente cortada... É tempo de meio silêncio, de boca gelada e murmúrio, palavra indireta, aviso na esquina.” CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
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Recentemente em novembro de 2011, a presidente Dilma Rouseff aprovou duas novas leis que poderão ser usadas para passar a limpo um dos momentos mais violentos da história recente do Brasil, a ditadura militar (1964-1985). Essas leis determinam o fim do sigilo de documentos do governo e a permissão para apuração de crimes cometidos por agentes públicos.
E nesse clima de procura pela verdade e pela justiça nada mais justo do que homenagear os grandes compositores que transformaram seus violões em armas potentes contra o regime de a favor da liberdade usando de metáforas e camuflagens em suas letras para que não fossem vítimas da censura e pudessem espalhar sua mensagem pelo Brasil afora, se fazer ouvir e provocar um sentimento de revolta nos jovens, o que eles conseguiram.
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Caetano Veloso é um exemplo digno de grande admiração, por suas letras, que além de muito harmoniosas, eram um exemplo clássico de luta contra a ditadura. Desde o início da carreira, Caetano sempre demonstrou uma posição política ativa e esquerdista, ganhando por isso a inimizade do regime militar. Por esse motivo, as canções foram frequentemente censuradas neste período, e algumas até banidas.Em 27 de dezembro de 1968, Caetano e o parceiro Gilberto Gil foram presos, acusados de terem desrespeitado o hino nacional e a bandeira brasileira. Foram levados para o quartel do exército de Marechal Deodoro, no Rio, e tiveram suas cabeças raspadas. Ambos foram soltos em 19 de fevereiro de 1969, quarta feira de cinzas, e seguiram para salvador, onde tiveram de se manter em regime de confinamento, sem aparecer nem dar declaracoes em público. Em julho de 1969, após dois shows de despedida no teatro Castro Alves, no dia 20 e 21, Caetano e Gil partiram com suas mulheres, para o exílio na Inglaterra. O espetáculo, precariamente gravado, se transformou no disco Barra 69, de três anos mais tardes.
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Geraldo Vandré tornou-se o inimigo número um do regime militar. A sua canção “Caminhando (Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores)”, que ficou com o polêmico segundo lugar no Festival Internacional da Canção, em 1968, tornou-se um hino contra a ditadura militar, cantado por toda a juventude engajada do Brasil de 1968. Esta canção, afirmam alguns analistas de história, foi uma das responsáveis pela promulgação do AI-5. Ficou proibida de ser cantada e executada em todo país. Só voltaria a ser ressuscitada em 1979, após a abertura política e a anistia, quando a cantora Simone a cantou em um show, no Canecão. Perseguido pelo regime, Geraldo Vandré esteve exilado de 1969 a 1973. Após o exílio, jamais conseguiu recuperar a carreira interrompida pela censura da ditadura militar. Calava-se uma expressiva carreira emprestada ao combate à ditadura. A cnção "pra não dizer que não falei das flores" foi gravada tambem pelo grupo Charlie Bronw Jr, e infelizmente, não deixou de ser uma música atual.
Taiguara, uma das mais belas vozes masculinas da MPB, interpretou com maestria diversos gêneros musicais. Foi um dos cantores que mais se opôs contra a repressão da ditadura militar. Sua obra pagou o preço da perseguição e da censura. Deparou-se com a atenção da censura em 1971, que esteve atenta às canções do álbum “Carne e Osso”. Em 1973 teve 11 músicas proibidas. Perseguido pela censura, Taiguara teve muitas das suas músicas assinadas por Ge Chalar da Silva, sua esposa na época. Exilado em Londres, Taiguara gravou o álbum “Let the Children Hear the Music“, em inglês. O disco foi proibido de ser lançado, pela EMI, por decisão da polícia federal brasileira. O compositor recorreu ao Conselho Superior de Censura, em 1982, tendo o disco finalmente liberado.
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Outro compositor que também fez diferença foi Chico Buarque (cantor pelo qual eu, e todas as mulheres brasileiras, mantemos uma paixão platônica). Tendo silenciado e asfixiado Geraldo Vandré, os militares elegeram o seu novo inimigo do regime: Chico Buarque de Hollanda. No período que durou a censura e o regime militar, Chico Buarque foi o compositor e cantor mais censurado. A sua obra sofreu respingos da censura em todas as vertentes, tanto nas canções de protesto, quanto nas que feriam os costumes morais da época.
Os problemas de Chico Buarque com a censura começaram junto com a sua carreira. Em 1966, a música “Tamandaré”, incluída no repertório do show “Meu Refrão”, com Odete Lara e MPB-4, é proibida após seis meses em cartaz, por conter frases consideradas ofensivas ao patrono da marinha. Era o começo de um longo namoro entre a censura e a obra de Chico Buarque.
Exilado na Itália, de 1969 a 1970, Chico Buarque sofreria com a perseguição da censura após o retorno ao Brasil. Em 1970, recém chegado do exílio, o compositor enviou a música “Apesar de Você” para a aprovação da censura, tendo a certeza que a música seria vetada. Inesperadamente a canção foi aprovada, sendo gravada imediatamente em compacto, tornando-se um sucesso instantâneo. Já se tinha vendido mais de 100 mil cópias, quando um jornal comentou que a música referia-se ao presidente Médici. Revelado o ardil, o exército brasileiro invadiu a fábrica da Philips, apreendendo todos os discos, destruindo-os. Na confusão, esqueceram de destruir a matriz.
Em 1973 Chico Buarque sofreria todas as censuras possíveis. A peça “Calabar, ou o Elogio à Traição”, escrita em parceria com Ruy Guerra, foi vetada pela censura. As conseqüências da proibição viriam no seu álbum, “Calabar”, também daquele ano. A capa do disco trazia a palavra “Calabar” pichada num muro. Os censores concluíram que aquela palavra pichada tinha um significado subversivo, o que resultou na proibição da capa. A resposta de Chico Buarque foi lançar o álbum com uma capa totalmente branca e sem título. O disco trazia o registro das canções da peça vetada, por isto teve várias músicas (todas elas em parceria com Ruy Guerra) que amargaram nas malhas da censura. “Vence na Vida Quem Diz Sim” teve a letra totalmente censurada, sendo gravada no disco uma versão instrumental; “Ana de Amsterdam” teve vários trechos censurados. “Não Existe Pecado ao Sul do Equador”, que fazia parte deste disco, alcançaria grande sucesso quando gravada por Ney Matogrosso, em 1978, quando foi escolhida como tema de abertura da novela da tevê Globo “Pecado Rasgado”, na versão original da música o verso “Vamos fazer um pecado safado debaixo do meu cobertor“, foi substituído por “Vamos fazer um pecado rasgado, suado, a todo vapor“. “Fado Tropical” teve proibido parte de um texto declamado por Ruy Guerra, além da frase “além da sífilis, é claro”, herança portuguesa, segundo a personagem Mathias, no sangue brasileiro.
“Bárbara”, um dueto entre as personagens Ana de Amsterdam e Bárbara, teve cortada a palavra “duas”, por sugerir um relacionamento homossexual entre elas. Tanto “Ana de Amsterdam” quanto “Bárbara”, já tinham sofrido os mesmos cortes no álbum “Caetano e Chico Juntos Ao Vivo”, ali substituídos por palmas. Ainda no registro do encontro de Chico Buarque e Caetano Veloso, além da censura às duas canções citadas, “Partido Alto” (Chico Buarque), interpretada por Caetano Veloso, sofreu alterações na letra, sendo substituídas as palavras “brasileiro” por “batuqueiro” e “pouca titica” por “pobre coisica”.
Naquele ano de 1973, a música “Cálice” (Chico Buarque – Gilberto Gil), foi proibida de ser gravada e cantada. Gilberto Gil desafiou a censura e cantou a música em um show para os estudantes, na Politécnica, em homenagem ao estudante de geologia da USP Alexandre Vanucchi Leme (o Minhoca), morto pela ditadura. Ainda naquele ano, no evento “Phono 73”, festival promovido pela Polygram, Chico Buarque e Gilberto Gil tiveram os microfones desligados quando iriam cantar “Cálice”, por decisão da própria produção do show, que não quis criar problemas com a ditadura.
Depois de tanta perseguição, Chico Buarque cria os pseudônimos de Julinho da Adelaide e Leonel Paiva. É sob o heterônimo do Julinho da Adelaide que a censura deixa passar canções de críticas inteligentes à ditadura, lidas nas entrelinhas: “Jorge Maravilha”, que trazia o verso “Você não gosta de mim mas sua filha gosta”, que era lida como uma referência ao então presidente Geisel, cuja filha Amália Lucy, teria dito em entrevista, que admirava as canções do Chico Buarque. “Acorda Amor”, outra canção liberada do Julinho da Adelaide, era uma referência clara aos órgãos da repressão, que vinham buscar cidadãos suspeitos de subversivos em suas casas, levando-os em uma viatura, desaparecendo com eles. Diante da polícia repressiva, ele chamava pelo ladrão. “Milagre Brasileiro” também levou a assinatura de Julinho da Adelaide.
Outro clássico da MPB que sofreu uma censura moralista foi “Atrás da Porta” (Chico Buarque – Francis Hime), o verso original “E me agarrei nos teus cabelos, nos teus pêlos”, seria substituído por “E me agarrei nos teus cabelos, no teu peito”, a censura achava a palavra “pêlos” de caráter indecente.
Outra canção vetada de Chico Buarque foi “Tanto Mar”, uma homenagem do artista à Revolução dos Cravos em Portugal. Por ter sido uma revolução considerada socialista, a canção foi proibida. Seria gravada no álbum “Chico Buarque & Maria Bethânia Ao Vivo” (1975), numa versão instrumental. Mais tarde, em 1978, seria liberada com uma outra letra. Curiosamente, a versão original, sem cortes e cantada de “Tanto Mar”, consta no mesmo álbum “Chico Buarque & Maria Bethânia Ao Vivo” lançado em Portugal.
Quando o AI-5 (órgão responsável pela censura) foi extinto, em 1978, Chico Buarque vingou-se dos anos de censura, gravou “Cálice”, regravou “Apesar de Você”, além de criar músicas provocantes, que afrontavam à moral da época, como “Folhetim“, que descrevia uma prostituta, ou “Geni e o Zepelim” e “Não Sonho Mais”, temas de dois travestis, Genivaldo da peça “A Ópera do Malandro” e Eloína, do filme “A República dos Assassinos”, respectivamente.
Na ignorância cega da censura, sem uma lógica que a sustentasse, até o poeta Mário de Andrade foi vetado. O fato inusitado aconteceu em 1970, quando a gravadora Festa decidiu homenagear os 25 anos da morte do poeta, preparando um disco com alguns dos seus mais conhecidos poemas. Após ser submetido à censura, o projeto teve seis poemas proibidos, entre eles “Ode ao Burguês” e “Lira Paulistana”. Os vetos foram justificados pelos censores como estéticos, “falta de gosto”. O que se concluía era que, os censores jamais tinham ouvido falar em Mário de Andrade, confundindo-o com um autor vulgar do Brasil da época.
"Minha obra toda badala assim: Brasileiros, chegou a hora de realizar o Brasil."
"Passado é lição para refletir, não para repetir."
Frases de Mário de Andrade.
isabelnobre
Artigo da autoria de Isabel Nobre.
Vejo vida imitando o vídeo, garotos inventando um novo inglês, um futuro previsível e um museu repleto de novidades..
Saiba como fazer parte da obvious.
Leia mais: http://lounge.obviousmag.org/pra_nao_dizer_que_nao_falei_das_flores/2012/04/contra-a-censura-pela-cultura-a-grande-trilha-sonora-da-ditadura-militar.html#ixzz1supo0zjt
terça-feira, 24 de abril de 2012
Pensamentando
TIA SUZANA, MEU AMOR
José Ribamar Bessa Freire
22/04/2012 - Diário do Amazonas
"Aquilo que vivemos não está no mundo, está na maneira como olhamos para ele". É o que nos diz o romancista português Antônio Alçada Baptista, autor de uma vasta obra. Tudo depende, então, dos significados que cada um atribui àquilo que viveu. Quem concorda com essa definição é Gabriel Garcia Márquez, que acrescenta, no entanto, mais duas dimensões, além do olhar: a memória e a capacidade de narrar.
- A vida não é aquela que uma pessoa viveu, mas a que ela recorda e como recorda para contá-la - escreveu o escritor colombiano.
Pensando bem, parece que os dois têm razão. Nossa vida acaba sendo isso mesmo: o que olhamos, o que lembramos e o que narramos. No frigir dos ovos, é a isso que a vida se reduz. Se não lembramos, se não narramos, não existiu. Se lembramos e narramos de uma determinada forma, é essa forma que prevalece. "The rest is silence", nas últimas palavras de Hamlet, antes de morrer. Ou "o resto é farofa de abobrinha", na tradução do meu sobrinho Pão Molhado, que gosta de filosofar.
Lembrei do Antonio Alçada agora, nesta semana em que celebramos a presença dos índios no Brasil, por causa de uma história que ele me contou, em 1982, a mim e ao escritor amazonense Márcio Souza, quando juntos o visitamos, em Lisboa, no Instituto Português do Livro do qual ele era, então, presidente.
Alçada, falecido há três anos, era um grande contador de história, divertido e sedutor. Escrevia, ainda, crônicas saborosas no jornal O Dia, do qual foi redator-chefe. O fato que nos contou ocorreu em uma viagem de turismo de barco que ele fez pelo sul do Mar Egeu com um grupo de amigos portugueses.
Numa das ilhas gregas, acho que era Creta, mas não tenho certeza, ele estava de pé, diante das ruínas de um palácio, conversando sobre o passado glorioso da Grécia com seus amigos. Foi aí que passaram vários turistas japoneses, disciplinados e em fila, ostentando suas filmadoras e máquinas fotográficas. Um deles parou, ficou escutando, olhava com insistência, fixamente, não desgrudava os olhos de Alçada. Os olhares dos dois se cruzaram. O japonesinho se aproximou e, demonstrando que havia entendido a língua que falavam, perguntou:
- Desculpa. Vocês são portugueses?
Diante da resposta afirmativa, o japonesinho colocou o polegar e o indicador na boca, emitindo um longo e estridente assobio para seus amigos que haviam se distanciado. Quando todo mundo virou a cabeça, ele gritou em português, com um sotaque do interior de São Paulo,
- Ei, pessoal! Voltem aqui! Encontrei um grupo dos nossos antepassados.
O escritor contou que os portugueses explodiram em uma gargalhada generalizada, só em imaginar que eram avós daqueles "japoneses", de olhos puxados e pálpebras lisas. Logo depois, porém, os dois grupos se confraternizaram e a ficha caiu. Os "japoneses" eram todos brasileiros.
A ascendência reivindicada ali não se devia às características fenotípicas ou genéticas, mas à cultura, à língua. Aqueles filhos de imigrantes nipônicos que nasceram no Brasil acabaram assumindo plenamente a história do país, um passado que, embora não sendo deles, individualmente, nem de suas famílias, é da nação a qual eles pertencem.
Assumiram plenamente? Será? O que sobrou dessa história foi a pergunta: e se os brasileiros de origem japonesa tivessem encontrado um grupo guarani falando português, será que reivindicariam, igualmente, a descendência histórica? Provavelmente não, porque embora índios e africanos façam parte das matrizes formadoras da nacionalidade brasileira, nós fomos treinados, adestrados, para nos identificarmos exclusivamente com a matriz europeia.
A exclusão da herança indígena na formação da brasilidade é um equívoco comumente reforçado pela escola, pelo livro didático e pela própria mídia. Esta visão eurocêntrica e preconceituosa foi reafirmada em vários momentos significativos de nossa história, como nas comemorações do Quarto Centenário do Descobrimento do Brasil, em 1900, quando no discurso de abertura, Paulo de Frontin disse com todas as letras que o Brasil nada tinha a ver com os índios.
- Os selvícolas não são nem podem ser considerados parte integrante da nossa nacionalidade; a esta cabe assimilá-los e, não o conseguindo, eliminá-los.
Depois disso, se reforçou ainda mais esse obscurantismo intelectual, que elimina o índio na representação que o Brasil faz de si mesmo. Esta imagem está baseada em outros preconceitos, como aquele que considera as culturas indígenas como atrasadas e primitivas, desconhecendo que os índios produziram e continuam produzindo saberes, ciências, arte refinada, literatura, poesia, música, religião.
Os colonizadores acreditaram nessa falácia, ignorando completamente a complexidade das culturas indígenas, o que foi internalizado pelos brasileiros que continuam se pautando em estereótipos e no senso-comum, sem levar em conta a contribuição dada no campo da antropologia.
Quando se aceita que os índios fazem parte de nossa história, se cultiva outro equívoco, achando que eles pertencem exclusivamente ao passado. É o índio de papel, dos arquivos e não o índio de carne e osso. Ora, os dados do Censo de 2010, divulgados no dia 19 de abril - dia do índio - pelo IBGE, mostram que em relação aos dois censos anteriores, a população indígena cresceu extraordinariamente, totalizando 817.630 indivíduos, que vivem em 4.480 municípios dos 5.565 existentes no Brasil.
Sobre esses equívocos é que estarei falando na próxima quinta-feira, na Academia Brasileira de Letras (ABL), no Rio, no Seminário Brasil, brasis, coordenado por Domício Proença Filho, numa mesa redonda intitulada "O índio no Brasil contemporâneo", com a doutora Graça Graúna, professora da Universidade de Pernambuco. Trata-se de uma programação da ABL, iniciada em 2006, com encontros mensais que discutem os mais variados temas. Desta vez, são os índios.
E o que tudo isso tem a ver com a Tia Suzana, Meu Amor? Ah, esse é o título de um romance do Antônio Alçada sobre o qual eu queria comentar, mas o espaço se esgotou. Ele fala de Deus, da morte, do suicídio, do corpo, da mulher, do provincianismo, dos preconceitos de uma sociedade conservadora. Mas fica para outra vez. Prometo.
(Taqui pra ti)
Tárik de Souza: Ouro de breque
Moreira da Silva encontrou no samba de breque seu modo de fazer música
Moreira da Silva
CD de Moreira da Silva
O sonho do motorista de ambulância Antonio Moreira da Silva (1902-2000) era disputar espaço, com canções e serestas, entre os grandes ases do dó de peito de sua época, Vicente Celestino, Francisco Alves e Orlando Silva. Mas encontrou “petróleo” no samba de breque, a que acrescentou improvisos e declamações.
Um violonista surpreendido pela novidade, inaugurada numa apresentação de Jogo Proibido, em 1936, reclamou: “Não estou acostumado a acompanhar conversa”. O traje malandro de terno branco e chapéu completou o estilo praticado por quase 70 anos, em meio a tentativas de soltar o inesperado vozeirão em canções românticas.
Algumas dessas recaídas (Aquele Adeus, Meu Pecado, Cigano, Hilda, Reconciliação, Fingida) podem ser pescadas nos oito CDs das duas caixas com reedições de seus álbuns gravados entre 1958 e 1966, sua fase de maior sucesso. Mas são exceções nas aulas de picardia e humor de Na Subida do Morro, Acertei no Milhar, Amigo Urso, Esta Noite Eu Tive um Sonho, Dormi no Molhado e Mil e Uma Trapalhadas, da inesperada dupla autoral Sinhô e Wilson Batista.
Discutível autor de boa parte do repertório, Kid Morengueira, como se alcunhava, antecipou o sambandido de Bezerra da Silva em temas como Vara Criminal, Olha o Padilha, Averiguações, Chave de Cadeia, Minha Sentença e Patrulha da Cidade. E protagonizou paródias de filmes de caricata sonoplastia (O Rei do Gatilho, Morengueira contra 007, O Último dos Moicanos), de Miguel Gustavo. Personagem de si mesmo, definiu-se em Sou o Primeiro: O rei do breque no Brasil sou eu/ pois foi um dom que Deus me deu.
Fonte: Carta Capital
Austrália
Os animais únicos da Austrália
publicado em outros por helena resende
Austrália, do latim Australis (“do sul”), terra de contrastes… por exemplo, o do mundo civilizado a par do mundo selvagem. A Austrália, que é cosmopolita e agreste, terra dos cangurus e do surf e terra dos tons castanhos do interior e dos tons azuis do litoral, é também a Austrália de animais únicos no mundo, alguns já extintos e outros que sobrevivem, contra todas as contrariedades.
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© Grande Barreira de Coral, Austrália (Wikicommons, Nasa).
A Austrália fazia parte do supercontinente Gondwana (América do Sul, África, Índia, Antárctida), que se desagregou há cerca de 140 milhões de anos, tendo-se separado da Antárctida mais ou menos há 50 milhões de anos. O território de que falamos compreende quase 8.000.000 km2, sobre a placa indo-australiana, ocupando uma área total igual aos EUA (excluindo o Alasca). Este “continente-ilha” é o menor de todos, o mais plano, o mais seco, o que contém os solos mais antigos e menos férteis do mundo (só cerca de 6% é terra apropriada para a agricultura). A Austrália compreende o continente australiano, a ilha da Tasmânia e diversas outras ilhas dos Oceanos Pacífico e Indico. Tem 34.000 km de costa e inclui a Grande Barreira de Coral, o maior recife de corais do mundo (mais de 2.000km). Na Austrália, tudo é grande, tudo é extenso e o outback (o deserto) ocupa a maior parte do território. Os seus 21 milhões de habitantes partilham o espaço com uma variada gama de espécies animais, algumas únicas no mundo.
A singularidade da fauna australiana pode ter causas geológicas e climatológicas: o isolamento do continente levou a que o território escapasse a parte das mudanças climáticas globais e a estabilidade tectónica possibilitou uma sobrevivência de espécies superior à verificada noutras zonas do planeta.
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© Aranha Tent (Wikicommons, Bignoter).
A fauna australiana contempla mais de 800 espécies de aves (cerca de 300 endémicas da Australásia – Austrália, Nova Zelândia e Nova Guiné), 46 espécies de mamíferos marinhos e inúmeras espécies venenosas (ornitorrinco, aranhas, escorpiões, polvos, medusas, serpentes), mais de 4000 espécies de peixes. No que respeita a animais endémicos deste território, encontramos 83% dos mamíferos, 89% dos répteis, 90% dos peixes e insectos, e 93% dos anfíbios. Salientam-se ainda duas características únicas: escassez de mamíferos placentários e abundância de marsupiais (animais-fêmeas com bolsa abdominal onde se desenvolvem as crias, como é o caso dos cangurus).
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© Escorpião do Bosque (Wikicommons, Ozeye).
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© Polvo de Anéis Azuis (Wikicommons, David Breneman).
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© Medusa Pontilhada (Wikicommons, Monterey Aquarium).
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© Serpente Tigre (Wikicommons, Eijingoh).
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© Canguru (Wikicommons, nachbarnebenan).
Animais como o coala - um dos marsúpios mais conhecidos e acarinhados e que não é assim tão dócil como parece (em situações de stress ou perigo, pode emitir um odor desagradável, muito semelhante ao da doninha fedorenta). Ou o canguru - 50 espécies diferentes que exigem um controlo criterioso, dado o rápido crescimento e disseminação da população, e que nunca foi oficialmente declarado como emblema nacional da Austrália, embora todos o vejam dessa forma. Ou ainda o digno, o cão selvagem australiano ; o crocodilo-de-água-salgada - o maior crocodilo do mundo, que pode alcançar 7 metros de comprimento ; o pássaro-lira, o gato-tigre, a taipan-costeira - a cobra mais venenosa do mundo. Aliás, a Austrália é o único continente do mundo onde o número de répteis venenosos é superior ao dos inócuos. Ou o curioso ornitorrinco - mamífero cujo veneno nem sempre é mortal mas causa dores imensas por longo tempo, e é uma das mais estranhas criaturas do mundo animal; todos eles se passeiam pelos desertos do interior australiano, pelas zonas costeiras, pelos rios e, alguns, até pelas cidades.
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© Coala (Wikicommons, David Iliff).
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© Crocodilo de Água Salgada (Wikicommons).
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© Serpente Taipan (Wikicommons, F. Delventhal).
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© Ornitorrinco (Wikicommons, Stefan Kraft).
É também na Austrália que encontramos a Aranha de Costas Vermelhas, a mais letal deste território, da família da Viúva Negra. Preta, com uma linha vermelha nas costas, é igual à que morde Peter Parker no filme Homem Aranha (aqui, apresenta-se azul) e tão frequente que o seu antídoto se pode comprar em diversos estabelecimentos comerciais (e não exclusivamente em hospitais ou farmácias).
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© Aranha de Costas Vermelhas (Wikicommons, Chuck Evans).
Outra espécie perigosa, a jellyfish ou Vespa-do-Mar, é o ser vivo mais venenoso do mundo: corpo em forma de bola de basquetebol, com tentáculos que chegam aos 5 metros. O seu veneno mata em 2 minutos e uma única descarga pode vitimar 60 homens. Mesmo morta, o veneno continua activo por cerca de 24 horas.
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© Vespa do Mar (Wikicommons, Chironex Fleckeri).
Outro animal emblemático da Austrália é o Demónio da Tasmânia, herdeiro do extinto Lobo da Tasmânia (o último exemplar morreu em cativeiro, em 1936), nome derivado da forma como a espécie comunica entre si: com guinchos (“gritos”), que os aborígenes consideram ser a “fala” dos demónios, e por apresentar as orelhas vermelhas quando irritado ou prestes a atacar. É o maior marsupial carnívoro que existe hoje neste território.
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© Diabo da Tasmânia (Wikicommons, Wayne Mclean).
O isolamento de que a Austrália beneficiou durante séculos foi alterado a partir dos séculos XVII e XVIII, com a chegada de colonos, sobretudo europeus, com a caça desenfreada, com a introdução de espécies não nativas, com a destruição de habitats naturais e o uso não sustentável do solo, que provocou a extinção de algumas espécies animais. O impacto humano foi fortemente negativo e levou ao desaparecimento de 27 espécies de mamíferos e 23 de aves, e à necessidade de se recorrer à criação de áreas protegidas por leis muito rigorosas. Nos últimos dois séculos, como resultado directo da actividade humana, 10 espécies e 6 subespécies de marsúpios desapareceram deste território.
A Austrália assinou a Convenção sobre a Diversidade Biológica, em 1992, que levou ao Acto de Protecção do Meio Ambiente e da Conservação da Biodiversidade (1999), legislação que protege toda a fauna nativa e veio regulamentar a investigação científica sobre as espécies ameaçadas, criando um catálogo das mesmas, para cada zona do continente. Actualmente, estão classificadas como “em perigo” ou “sob ameaça” cerca de 380 espécies.
Sendo habitat de algumas das espécies animais mais mortíferas do mundo, não deixa de ser significativo reconhecer o esforço que tem sido feito no sentido de proteger todos os animais em perigo de extinção, venenosos ou não, uma vez que todos têm um lugar no ecosistema e quando uma espécie desaparece, é todo um conjunto de habitats (incluindo o humano) que é afectado. O respeito e a coexistência”pacífica” estão assim no primeiro lugar das prioridades dos governos australianos no que concerne à vida animal.
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© "Australian Animals From The New Student's Reference Work" - Vol. 1 (1914)(Wikicommons).
Nota: dado o elevado número de espécies existentes no continente australiano, e não pretendendo este artigo ser demasiado científico ou exaustivo, indicamos links para melhor (e mais pormenorizada) informação: Australian Biological Resources Study, Australian Museum, Fauna of Australia (conteúdos em pdf sobre mamíferos, anfíbios e répteis).
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Leia mais: http://obviousmag.org/archives/2012/04/os_animais_unicos_da_australia.html?utm_source=feedburner&utm_medium=email&utm_campaign=Feed%3A+OBVIOUS+%28obvious+magazine%29#ixzz1sliVH0nC
(Obvious)
segunda-feira, 23 de abril de 2012
Línguas
Sobre a (não) liberdade artística e outros demônios
em literatura por Michael Pantaleão em 20 de abr de 2012 às 18:06
Sobre tentativa de calar as letras e aprisionar aquilo que, pela norma culta, chamamos de liberdade (artístico-literária ou não).
Norma culta: termo utilizado, em grande escala, pelos estudantes da língua portuguesa (e suas literaturas) para designar a maneira de escrever que está presente em todos os dicionários e que nos é ensinada, desde sempre, na escola, como a maneira “correta” de escrever.
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Apesar do visivelmente simples conceito que este termo carrega, há de se ter em conta que a língua é viva e sua oralidade é mais veloz do que sua escrita, o que acarreta em diferentes maneiras de expressar o que se sente, através do fenômeno que nomeamos como “variantes linguísticas”.
A introdução deste texto, com cara de ter sido retirado de um livro didático, tem o intuito de chamar a atenção de estudantes, professores, leitores e “simpatizantes” da literatura para o projeto de lei nº 1.983/2011, protocolado na Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais pelo deputado estadual Bruno Siqueira (PMDB), “que proíbe a distribuição na rede de ensino pública e privada do Estado de Minas Gerais de qualquer livro didático, paradidático ou literário com conteúdo contrário à norma culta da língua portuguesa ou que viole de alguma forma o ensino correto da gramática de nosso idioma nacional, bem como conteúdo que apresenta elevado teor sexual, com descrições de atos obscenos, erotismo e referências a incestos ou apologias e incentivos diretos ou indiretos à prática de atos criminosos”.
Com a aprovação de tal ideia, os alunos de escolas públicas mineiras não estudarão obras de autores imprescindíveis da literatura brasileira como Guimarães Rosa e Clarice Lispector, apenas para citar dois grandes nomes. Logo, praticamente todo o movimento modernista será banido, já que uma das principais características de seus autores era a rebeldia contra o que chamamos de “normal culta”, explicado logo no início. Além de obras modernistas, outras que foram escritas em épocas onde o português diferia do que conhecemos atualmente também podem ser esquecidas, fazendo com que a sociedade perca, assim, um enorme e riquíssimo patrimônio histórico-cultural. Será a língua algo tão reciclável, onde a cada novo acordo firmado toda a produção anterior é esquecida?
A literatura, como um dos mais antigos e sublimes meios de expressão artística, usa da liberdade como uma das principais armas para a construção de seu material. “Erros” gramaticais (normativamente falando), que muitas vezes procuram dar um novo sentido àquela palavra, (des)construções em diversos níveis e até criações de palavras novas são algumas das grandes armas usadas pelos escritores para garantir novos sentidos e originalidade às suas obras. Inspiração, sentimentos e a fome por traduzi-los em palavras não pode ser detido, não se limita por regras. Pelo contrário, se rebela contra elas.
Não se trata apenas do descaso com obras clássicas, mas com toda e qualquer forma de expressão literária contemporânea e a que ainda está por vir. Semelhante ao tempo em que se lutava para ter voz, agora é preciso o mesmo esforço para que tenhamos o direito de produzir (e consumir) literatura – seja clássica, paraliteratura ou amadora – com a segurança de podermos deixar voar esse sentimento que é como um pássaro selvagem e que, de acordo com a norma culta, chamamos de liberdade.
michaelpantaleao
Artigo da autoria de Michael Pantaleão.
Estudante de Letras, adora literatura, música, cinema e cultura asiática..
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Pensamentando
O LIVRO URBANO DE GENTILEZA
por Anabê em 20 de abr de 2012 às 15:15 | 5 comentários
O profeta Gentileza perambulou pelas ruas do Rio de Janeiro por 35 anos. Ficou conhecido por suas mensagens e deixou sua marca em 56 pilastras do Viaduto do Caju, num grande livro urbano que clama por paz, amor, e é claro, gentileza.
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Barba longa, estandarte e túnica branca: ele era paulista, mas foi nas ruas do Rio de Janeiro que José Datrino virou figura conhecida. Até os anos 1960 era gente comum, trabalhador, casado e pai de cinco filhos. Mas a história do Gran Circus Norte Americano o impulsionaria a virar profeta, pregador e por que não dizer, artista.
Em dezembro de 1961, o Gran Circus chegava na cidade de Niterói, prometendo apresentações memoráveis. Era uma sensação: crianças ou adultos, todo mundo queria ver o circo. Mas antes de completar seus dez espetáculos suas lonas de nylon coloridas arderam em chamas, num incêndio criminoso. Contabilizaram mais de 500 mortos, já que muitos feridos não resistiram no hospital. A notícia ganhou as páginas de todos os jornais brasileiros, e o episódio ficou conhecido como a maior tragédia circense do mundo.
Cartaz do Gran Circus Norte Americano. Dezembro, 1961.
Alguns dias depois do ocorrido, José Datrino teve uma visão, abandonou tudo o que tinha e se encaminhou para o local do incêndio. Começaria aí a dedicar a vida à pregar bondade, respeito e agradecimento: nascia o Profeta Gentileza.
Sobre as cinzas do circo fez um jardim de flores e hortaliças, e permaneceu trabalhando no que ficou conhecido como “Paraíso Gentileza” por quatro anos. Durante esse tempo, Gentileza levou consolo aos familiares dos mortos e a quem por ali passava, cultuando e disseminando palavras como Gentileza e Agradecido, em contraposição à Favor e Obrigado.
A partir da década de 1970 era visto pelas ruas e grandes avenidas, nas barcas que ligam o Rio de Janeiro à cidade de Niterói, nas praças, nos ônibus e trens, pregando suas mensagens. Ele era inconfundível: virou lenda viva urbana. Alguns dizem que o profeta era um anjo na Terra, já outros que pregava gentileza, mas era desbocado e agressivo com os transeuntes.
Apesar de muito conhecido em terras cariocas, Gentileza também peregrinou o país. Arrastava multidões, arrancava reações variadas do público e virava notícia de jornal.
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Muita gente o achava louco. Aliás, se chamado de maluco, respondia prontamente: “Sou maluco pra te amar e louco pra te salvar”. “Pinel” ou não, o fato é que o Profeta Gentileza deixou um verdadeiro “livro urbano”: os murais do Viaduto do Caju. Com caligrafia peculiar, começaram a ser pintados na década de 1980, em 56 “pilastras - páginas”. Dos viadutos cinzas em concreto, surgiram sua arte, sua obra, sua marca: seus inscritos verde-amarelos. Os murais retratam sua visão de mundo, suas críticas à sociedade e ao capitalismo (segundo ele, “capeta-lismo”) e sua proposta de ser: gentil.
“Concluída a obra, o alcance da sua inscrição territorial sobre a cidade, torna-se impressionante. Como slides diurnos, seus escritos passam a constituir a maior manifestação de arte mural pública de caráter espontâneo no Rio de Janeiro. Sua nova atitude - de escriba da cidade - reaviva sua figura lendária e mitológica.” (Leonardo Guelman em “Brasil Tempo de Gentileza”)
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Gentileza morreu em 1996, e depois disso seus murais foram intensamente modificados: pichados, cobertos parcialmente de tinta, desbotados. A cantora e compositora Marisa Monte gravou uma música em homenagem à Gentileza, onde fala da decadência das pinturas do profeta:
Apagaram tudo
Pintaram tudo de cinza
A palavra no muro
Ficou coberta de tinta
(Marisa Monte)
profeta3.jpegHavia então um apelo pela recuperação de suas obras. E não só de artistas como Marisa Monte, mas Gentileza também virou objeto de estudos universitários. Sob orientação de Leonardo Guelman, sua história e percurso foram resgatados, e os murais estudados e restaurados, com ajuda da prefeitura do Rio de Janeiro, que por sua vez o tombou como Patrimônio Cultural. Nasceu aí o Projeto Rio com Gentileza.
Este movimento deu grande projeção às mensagens de Gentileza na mídia. “Gentileza gera Gentileza”, frase-chave do profeta, começou a estampar produtos, virou febre, moda. Pobre profeta, não teria gostado... para sua intervenção na cidade ser reavivada e sua mensagem amplamente disseminada, virou ele próprio um produto, em mais uma contradição do tal “Capeta-lismo”.
anabeguimaraes
Artigo da autoria de Anabê.
Colecionadora de terras, adora viajar. Sofre da síndrome dos sotaques múltiplos..
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Burguesia
A burguesia empanturra-se!
Por Ari de Oliveira Zenha
Na sociedade capitalista a classe detentora do poder econômico e político, a burguesia globalizada, empanturra-se no frenesi de sua existência sem nenhum sentido humano e engrandecedor para os homens.
"Sua obsessão pela acumulação, exploração e reprodução do capital e de poder, nacional e global, parece não ter fim"
Sua obsessão pela acumulação, exploração e reprodução do capital e de poder, nacional e global, parece não ter fim. Ela já está levando o mundo à beira de um abismo em todos os sentidos e limites que jamais os clássicos da economia política crítica puderam imaginar. Estamos participando deste descalabro aniquilante, desumanizador, alienante e desintegrador da sociedade globalizada.
Vestida, ou melhor, despida das suas vestes “deslumbrantes” e “encantadoras”, ela tenta realizar, e na grande maioria das vezes têm conseguido colocar todo o seu arsenal mesquinho e hipócrita de seu existir, como o único possível e alcançável por toda a sociedade.
O manto que a encobre é o mesmo que, às avessas, encobre bilhões de seres humanos na mais absoluta miséria e sofrimento.
Estrutura
É de se perguntar: será que o modo de exploração e de produção do capital que tem levado há séculos a humanidade a buscar uma existência digna, de uma sociedade solidária, harmônica e socialmente justa poderá passar a ser real tendo como sustentação – base – esta estrutura de produção? A realidade histórica e concreta nos tem mostrado que o capitalismo só conseguiu estabelecer uma relação econômica-social-política no mundo edificando um domínio em que o que prepondera é a injustiça, a exploração, a desumanização, a alienação do homem não só diante de si mesmo como em suas relações social, econômica e política.
"Devemos preservar a dignidade e a honradez do ser humano, mas despida da roupagem burguesa. Que a burguesia impõe seu modo de produção e vida é fato, mas também é fato que a sociedade civil cada vez mais o repudia como o único e possível"
As mansões cinematográficas, os carrões, os automóveis luxuosos o existir luxuriante, entediado, enfim, uma vida que não é aquela desejada por bilhões de seres humanos deste planeta, mas que a burguesia se entulha em seu insignificante modus de vida – a vida tecnológica, de marketing, de soluções e de possibilidades dentro do seu mundo alienador e alienante. Esse mundo “melhor” proposto por ela, só pode ser admissível nas recheadas carteiras da burguesia transnacional/nacional e no seu ideário de vida luxuriosa e insensata.
Novo Rumo
Devemos preservar a dignidade e a honradez do ser humano, mas despida da roupagem burguesa.
Que a burguesia impõe seu modo de produção e vida é fato, mas também é fato que a sociedade civil cada vez mais o repudia como o único e possível.
Temos alternativas, temos soluções que estão ao nosso alcance e que dependem do aprofundamento e ampliação das relações democráticas e da organização da sociedade civil para a superação deste modo de produção, que foi instituída histórica e concretamente e pode ser superado também historicamente pela sociedade consciente e organizada.
Ari de Oliveira Zenha é economista
(Caros Amigos)
domingo, 22 de abril de 2012
Pensamentando
Brasil de Flato, o blog
Quinta-feira, Setembro 27, 2007
De mudança
No dia 30 de setembro, eu embarco pra Erfurt, na Alemanha, onde farei um curso de Mestrado em Políticas Públicas, de dois anos de duração.
Pararei de mandar textos para este blog. Mandarei notícias de lá pelo novo blog que criei: http://marcelobritoerfurt.blogspot.com/
posted by Marcelo Brito @ 12:40 AM 1 comments links to this post
Quarta-feira, Setembro 26, 2007
Por que sou simpático à idéia de se criar um jornalão de esquerda
Nos Estados Unidos, quem acorda de manhã e sai para comprar jornal, tem a opção de escolher entre o esquerdista The New York Times e o direitista The Wall Street Journal. Na França, a escolha é entre o esquerdista Le Monde e o direitista Le Figaro. Mesmo na vizinha Argentina, a imprensa é plural, permitindo a escolha entre o esquerdista Clarin e o direitista La Nacion.
No Brasil, a pluralidade só existe na Internet, de custo fixo quase zero. Não há grande diferença de posições políticas entre os jornais impressos Folha de S. Paulo, o Estado e o Globo, que não se diferem muito da posição da principal rede de TV. Enquanto nas eleições presidenciais dos EUA em 2004 os jornais e as redes de TV se dividiram no apoio entre Bush e Kerry, o pluralismo na grande mídia brasileira nas eleições de 2006 se resumiu na divisão entre os que apoiavam Alckmin porque ele era bom e entre os que apoiavam Alckmin porque ele era menos pior que o Lula.
Isto quer dizer que não existem jornais e revistas de esquerda no Brasil? É óbvio que existem. E muitos: Caros Amigos, Fórum, Brasil de Fato, Hora do Povo etc. O problema é que eles fornecem apenas opinião. Podem eventualmente fornecer informação, mas apenas sobre assuntos de interesse de militantes. Portanto, mesmo esquerdistas como eu, críticos da manipulação da grande mídia, precisam recorrer à Folha, ao Estado e ao Jornal Nacional para obter informação sobre assuntos de interesse geral. A revista Carta Capital é o único periódico de esquerda que sai um pouco da linha opinião-militância pura. Tanto que é o mais influente e o que causa mais irritação na direita. Mas ainda assim, em algumas matérias, a argumentação predomina em espaços que deveriam ser reservados ao predomínio da narração. Porém, de forma menos acentuada do que o Panfleto Semanal de Direita, que só sobrevive como revista voltada ao público geral devido ao respeito conquistado na era do Mino Carta.
Jornalistas de esquerda poderiam pensar em criar um jornal não convencional em conteúdo, mas convencional na forma, com a tradicional divisão de cadernos Brasil-Mundo-Economia-Cultura-Esportes. Em termos de forma, poderiam ser introduzidas algumas pequenas diferenças. O jornal poderia ser um pouco mais simples, mais baratos e com temas de interesse para o trabalhador braçal. Se os criadores deste suposto jornal não conseguirem apoio de uma grande empresa, poderiam trabalhar em cooperativa. E tentar conseguir dinheiro de sindicatos (de vários, para evitar partidarização).
Mercado para um jornal de esquerda existe. Embora a classe média esteja mais conservadora hoje do que há uma década, ainda hoje há um número absoluto grande de pessoas com renda para comprar um jornal e produtos nele anunciados que teriam interesse em ler uma publicação com posições de esquerda, ou pelo menos de centro-esquerda. Na verdade, há uma demanda reprimida por este tipo de produto, que se direciona para a Folha de S. Paulo, um jornal não-esquerdista que possui pluralidade interna um pouco maior que os demais jornais. O próprio Bispo Edir Macedo descobriu este mercado potencial. A Record tem um programa apresentado pelo Paulo Henrique Amorin.
A partidarização da grande mídia brasileira
Quem leu este texto do início, pode ter perguntado "New York Times de esquerda? NYT é menos esquerdista que alguns jornais brasileiros". Pode até ser. Mas o NYT costuma apoiar o Partido Democrata, o partido mais à esquerda no espectro local (mesmo não sendo no espectro global). Aqui no Brasil, todos os principais jornalões e revistonas estão mais próximos da dupla PSDB-DEM, ou seja, a principal força de direita no nosso espectro político.
Isto não quer dizer que a grande mídia no Brasil seja um veículo de propaganda do PSDB-DEM. Na verdade, os grandes jornais e revistas viraram um partido próprio, sendo chamado de PM (Partido da Mídia) ou PI (Partido da Imprensa). O PSDB-DEM agem apenas como papagaios do PI. Entre as bandeiras do PI, estão a defesa da ala monetarista da equipe econômica do governo Lula e o ataque ao governo Lula pelos flancos que não sejam o da Economia.
A prova mais concreta da partidarização da grande mídia ocorreu na semana passada. Ali Kamel, o diretor-executivo de jornalismo da Globo, escreveu um artigo denunciando a doutrinação marxista às nossas crianças por um livro didático, e no dia seguinte, a Folha e o Estado endossaram o coro de forma acrítica, sem mencionar o fato que o turcudenista simplesmente selecionou os trechos do livro que eram favoráveis à sua tese. O livro escolar em questão tinha visão marxista de história (historiador marxista?, não diga), mas não fazia apologia a Mao-Tse Tung, como Ali dizia. Além disso, o artigo deu a entender que o Ministério da Educação havia escolhido o livro, o que não ocorre no Brasil, onde os livros são escolhidos pelos próprios professores. Ali Kamel simplesmente queria que o MEC censurasse livros.
Papagaiando o PI, o deputado Paulo Renato endossou o coro dos indignados contra a doutrinação gramsciana de nossas crianças. Esqueceram-no de avisar que este livro foi escolhido durante sua gestão no Ministério.
Um jornalão de esquerda poderia responder às iniciativas autoritárias de "defensores da liberdade".
posted by Marcelo Brito @ 11:03 PM 0 comments links to this post
(Brasil de Flato)
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