domingo, 22 de dezembro de 2013

Jung

 Aprenda a construir personagens baseados nos arquétipos de Carl Jung
“Sua visão clareará apenas quando você conseguir olhar para seu próprio coração. Aquele que vê o lado de fora, sonha; aquele que vê o lado de dentro, desperta.” Carl Gustav Jung
A psicologia teve seu grande auge no fim do século XIX e início do século XX, quando nomes como Sigmund Freud e Carl Jung eram conhecidos por todos, e suas figuras eram vistas quase como celebridades, considerados gênios revolucionários.  Hoje, esta ciência não tem tanta visibilidade, apesar de parecer justamente o momento certo para levá-la em consideração.
É do conhecimento de todos que o mercado literário vem crescendo muito no Brasil nos últimos anos, principalmente relacionado a fantasia e ficção. O que não se sabe é que é exatamente esse lado da literatura que mais envolve a psicologia, o que deixa tudo mais interessante.
Todo mundo já leu pela internet comparações da mitologia de Tolkien ou de C.S. Lewis aos escritos da bíblia, à mitologia alemã e até africana, e isso não se dá apenas pelo fato de que estas antigas histórias serviram de inspiração para os dois autores. Isso tem uma explicação psicológica, e podemos comparar vários elementos presentes em todas assim como podemos comparar personagens muito conhecidos no mundo do cinema e da literatura. Super-Homem, Luke Skywalker e Neo têm muito em comum, por exemplo. Isso se dá pelo fato de que os três são representações do mesmo arquétipo.
O que são Arquétipos?
E senta que lá vem história. Lá na época em que Freud publicou A Interpretação dos Sonhos, um jovem psiquiatra chamado Carl Gustav Jung se interessou tanto pela obra, que escreveu uma carta contendo relatos de alguns de seus estudos e pesquisas para o grande autor, estabelecendo-se aí uma forte ligação entre eles. Quando os dois finalmente se encontraram, após alguns anos apenas trocando cartas, conversaram, segundo Jung, por 13 horas seguidas, só sobre psicologia, tamanha a paixão dos dois pelo trabalho. A teoria de Freud estava em grande vigor na época, conhecida até hoje como a Psicanálise, que estuda o inconsciente, e Jung foi, por muito tempo, um estudioso devoto a ela, contribuindo muito para grande parte de seus avanços.
Mas acontece que Jung queria ir além do que já havia sido concluído por Freud. Na visão da psicanálise, o inconsciente e seus conflitos seriam construídos e derivados basicamente de agressividade e instintos sexuais, mas Jung achava que ainda havia muita coisa faltando. Foi criada, então, a Psicologia Analítica.
E qual a relação disso tudo com a literatura, principalmente fantasia e ficção? Calma, já vou chegar lá.
Freud dividiu nossa mente em duas partes: consciente e inconsciente. Em estudos posteriores, criaria ainda os conceitos: Id, Ego e Superego, mas isso é conversa pra outra postagem. O importante aqui é ressaltar que Jung, em sua teoria, acrescentou mais uma divisão: o inconsciente coletivo.
Então, a grosso modo, teríamos o consciente, que é a pontinha visível do iceberg, com a qual temos contato direto; o inconsciente, que é imenso, quase infinito, individual e marcado por traços diferentes em cada pessoa, de acordo com o desenvolvimento do indivíduo nas diferentes fases de sua vida; e finalmente o inconsciente coletivo, que é exatamente o mesmo para qualquer pessoa do mundo, quase como se fosse uma cultura universal, que se expressa de diferentes formas em cada um.
Vou explicar melhor isso aí.
O inconsciente coletivo é como uma forminha de gelo, vazia. Cada pessoa do mundo tem exatamente a mesma forminha de gelo, e o que vai diferenciar cada uma é a quantidade de água colocada em cada cubinho. E os cubinhos nós chamamos de Arquétipos.
Segundo Jung, os arquétipos estão presentes na vida do homem desde os tempos mais remotos, e não mudaram até hoje, e isso torna possível a explicação do surgimento de alguns deles. Quando o homem ainda tirava todo seu sustento de fontes naturais, por exemplo, ou seja, quando sua alimentação era basicamente à base de plantas, sementes, e eventualmente, animais, a natureza era associada à criação e era considerada necessária para a vida, tendo em vista que tudo de essencial era tirado dela, ou tudo era proveniente dela. E aí, surge algo. Uma mulher tem um bebê. E ela alimenta este bebê com o leite vindo dela. Qual a associação pode ser feita? Que a mulher e a natureza são semelhantes, pois as duas criam, e as duas alimentam sua criação. As duas são símbolos do mesmo arquétipo, o arquétipo da Grande-Mãe, e tudo que possa ser associado à elas também é chamado símbolo. O arquétipo é apenas a ideia, neste caso, relacionada à criação e à fonte de tudo aquilo que é essencial para a vida, enquanto o símbolo é o que vemos que pode ser associado ao arquétipo.
Os Arquétipos constituem o inconsciente coletivo, e são um pouco difíceis de entender por não serem concretos, e sim apenas ideias bem vagas e conceituais. Mas há uma maneira bem simples de se ter alguma ideia do que são.
Um erro comum é associar as figuras das cartas de tarot diretamente aos arquétipos. Alguns baralhos contêm a figura da Imperatriz, uma imagem feminina forte, que pode significar fertilidade ou a criação de algo bom. A Imperatriz seria uma representação, e não o arquétipo. O arquétipo é o conceito bruto que deu origem à Imperatriz; no caso, podemos dizer que é o da Grande-Mãe, por suas características.
Qual a diferença entre a Imperatriz e a natureza/mulher? A Imperatriz é uma representação criada por nós, baseada no arquétipo, enquanto a natureza e a mulher são associadas por nós ao arquétipo, mas já existiam antes. Chamamos, então, tudo o que é criado a partir dos arquétipos de Mito, e o que associamos a eles, mas não criamos, de Símbolo.
Então temos a forma de gelo (inconsciente coletivo), cheia de cubinhos de gelo (arquétipos) onde colocamos água e formamos o gelo em si. O que são a água e o gelo, então? São os Mitos e os Símbolos?
Sim, e não.
Mitos e Símbolos não compõe nossa psiquê. Isto é, não formam nossa personalidade, nem nossa mente. Mitos e Símbolos são os meios externos que estão ligados aos internos por causa existência dos Arquétipos. Os internos é que são a água e o gelo.
Ok, agora é que fica complicado.
Existe o símbolo da natureza, que é associado ao Arquétipo da Grande-Mãe. E existe o Mito da Imperatriz, que é criado com base no Arquétipo da Grande-Mãe. Mas onde raios está esse Arquétipo, afinal?
Percebe que conseguimos associar coisas a Arquétipos do mesmo modo que conseguimos criar com base neles? Onde eles poderiam estar, então? Dentro de nós. Porque, como eu já disse antes, eles são os cubinhos da forminha de gelo. Mas e aí? E o gelo?
Os Arquétipos nos ajudam a formar nossa personalidade. Cada cubinho de gelo é um traço da nossa personalidade, moldado conforme sua base, que é um Arquétipo. Então cada um de nós tem a Grande-Mãe ajudando a formar nossa personalidade, na forma de cubinho, esperando a água ser jogada em cima dela para ser moldada, e se tornar um cubo de gelo. Quanto mais água jogamos, maior o cubo, e maior o traço daquele Arquétipo na nossa personalidade. E, mesmo que joguemos pouca água, o molde ainda vai estar ali. E é por isso que conseguimos associar a natureza e a mulher à Grande-Mãe, e criar o Mito da Imperatriz.
E o mais interessante: aqueles que têm o traço do Arquétipo da Grande-Mãe maior do que a maioria, tendem a se identificar mais com Símbolos e Mitos relacionados a mesma. Isso se chama projeção.
Voltando a Jung, agora que tudo foi esclarecido.
Segundo o psiquiatra, nós teríamos cinco arquétipos principais:
O Eu, o Anima, o Animus, a Sombra e a Persona.
O Eu seria o arquétipo principal, a junção de todos os outros secundários, responsável pela personalidade de cada um. Jung descreveu cada arquétipo existente acompanhado de um oposto. No caso do Eu, podemos considerar dois outros que podem ser descritos como opostos: a Sombra e a Persona.
A Sombra é o arquétipo relacionado a parte sombria, animalesca e instintiva da pessoa. Tudo relacionado a violência, comportamento agressivo e impulsos sexuais está aqui. Semelhante ao Id, descrito por Freud, para quem está familiarizado com o assunto. E a Persona é o arquétipo ligado às máscaras que usamos na presença de outras pessoas, mascarando nosso Eu e nossa Sombra. O nome deriva das máscaras usadas no antigo teatro grego: as personas.
Por fim, temos o Anima e o Animus. Estes dois arquétipos são opostos, e as pessoas ou têm um, ou têm outro. Como? Simples. Anima é o arquétipo ligado à imagem primordial feminina dentro do homem, e Animus à imagem primordial masculina dentro da mulher. Para não entrar em muitos detalhes, vamos dizer que quando um homem tem uma quantidade grande de água no Arquétipo Anima, a imagem que ele tem de uma mulher na sua vida tem uma importância maior do que aquele com menos água. De novo, isto é projeção.
Percebe que eu não falei do Arquétipo da Grande-Mãe? Bom, isso é porque ele se encontra dentro do Eu, junto com vários outros Arquétipos secundários que o compõe, o que é basicamente nossa personalidade como um todo.
E agora, finalmente, chegamos à relação disso tudo com a Literatura. E ela está exatamente aí: dentro do Eu. Nos Arquétipos Secundários. Vamos lá.
A partir daqui, não vamos nos limitar apenas aos estudos de Jung, visto que ele não explorou muito o Eu. Estudos relacionados a esses Arquétipos Secundários e sua importância para a Literatura foram feitos por décadas e décadas, por diferentes autores, e a sua existência foi descrita por vários psicólogos e estudiosos da área. Por isso, você pode encontrar diferentes Arquétipos em certas listas, conforme a sua fonte de pesquisa.
Quando olhamos para a natureza e a relacionarmos com a criação, algo de nós projeta o Arquétipo da Grande-Mãe que temos dentro do Eu a este meio externo e estabelecemos esta ligação. Quanto maior o Arquétipo dentro de você, maior a importância que você dá a este meio (Símbolo) em sua vida. E quando se trata de um Mito? É a mesma coisa. Agora, o segredo da relação disso com a Literatura: a criação de mitos, consciente do que são, e quais são os diferentes Arquétipos Secundários.
Você já conhece o da Grande-Mãe, consegue adivinhar algum outro?
Logo no começo do texto, comparei Super-Homem, Luke Skywalker e Neo. Qual seria o Arquétipo base deles?
Na construção de um personagem, é comum a utilização de diferentes arquétipos como base. No caso dos três, poderíamos citar dois: O Herói e o Messias. Mas vamos desacelerar um pouco e falar dos mais conhecidos.
Existem 12 Arquétipos mais comuns observados na Literatura por Margaret Mark e Carol Pearson, principalmente na construção de personagens. Estes 12 são: O Herói, O Fora-da-Lei, O Bobo da Corte, O Criador, O Inocente, O Cara Comum, O Prestativo, O Explorador, O Mago, O Amante, O Governante e O Sábio. Já deu pra reconhecer algum deles? Não? Vamos falar um pouco sobre cada um, então.
(Opinião & Cia)

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