terça-feira, 12 de novembro de 2013

Gil

Em defesa de Gilberto Gil e contra a superficialidade burra e intolerante de parte da mídia brasileira
by André J. Gomes

Sim, eu estou envergonhado e triste com o massacre a que Gilberto Gil foi submetido no aeroporto esses dias pelo analfabeto político chamado por aí de “repórter vesgo” (assim, em minúsculas mesmo, como cabe a um sujeito pequeno e impróprio).

Assisti ao vídeo agora há pouco e não compartilho o link aqui porque não quero reproduzir estrume. Mas se buscar por aí você encontra — ou melhor: pisa e lambuza o pé. Acontece é que o programa rasteiro de TV em que trabalha o tal “repórter” exibiu no domingo uma “matéria” sobre a questão das biografias não autorizadas. Em um verdadeiro espetáculo grotesco de mau gosto e ignorância, o entrevistador encurrala o “entrevistado” (ou será o interrogado, perseguido contra a própria vontade?) durante longos e constrangedores minutos, com perguntas burras, superficiais e maldosas a respeito de um assunto mais complexo do que parece.

Para lembrar do que estamos falando, recentemente a Associação Nacional dos Editores de Livros criou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra os artigos 20 e 21 do Código Civil, que protegem a intimidade de figuras públicas quanto à publicação de informações a seu respeito. Então, é assim: no Brasil, de acordo com a lei, biografias só podem ser publicadas depois da autorização dos biografados ou de suas famílias. E um grupo de editores, biógrafos e afins entrou na justiça para discutir e tentar mudar esse negócio, o que, aliás, é próprio de uma democracia.

Em contrapartida à iniciativa dos editores, biógrafos e afins surgiu a associação Procure Saber — liderada por Paula Lavigne e com a participação de figuras como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Milton Nascimento e Chico Buarque — para defender a autorização prévia das biografias pelos biografados, o que, aliás, também é próprio de uma democracia.

Afinal, se de um lado há a “liberdade de expressão” dos biógrafos, de outro há um negócio chamado “direito à privacidade” dos biografados. E, claro, no meio disso tudo há uma outra coisinha chamada dinheiro. Porque, você há de concordar, se alguém escrever um livro sobre a sua mãe e esse livro vender, nada mais justo que você e sua família receberem o seu quinhão, certo? Portanto, minha gente, a questão é mais complexa do que parece, sim.

No entanto, resumindo, depois disso a discussão descambou para um terreno delicado e deturpado em que esses artistas têm sido apontados por grande parte da mídia como sendo “a favor da censura”, num verdadeiro processo de quase execração pública.

De carona nessa onda, o “repórter vesgo” (assim, em minúsculas mesmo, como cabe a um sujeito pequeno e impróprio), um desses gárgulas desrespeitosos da má televisão autobatizados de humoristas, homenzinho que padece do mais horroroso analfabetismo político e cultural, demonstrou no papelão a que submeteu Gilberto Gil o quanto essa grande parte da mídia consegue ser superficial, estúpida e intolerante.

Em poucos minutos, o sujeito acusou e julgou não apenas um artista famoso, uma celebridade, mas um cidadão brasileiro como “incoerente”, “censor” e outras coisas. De forma rasa, cretina, desrespeitosa, protagonizou um flagrante elogio da ignorância e da superficialidade.

E o que parece pior: tudo isso travestido e vendido como “humor”. E mais: “humor politicamente incorreto”. Será? Será mesmo engraçado tudo isso? Será mesmo incorreto politicamente? Porque, a mim, sem contar o desrespeito todo, me parece nada além de um punhado de graçolas das quais muita gente ri só para mostrar que “entendeu a piada”.

Como o programa em que trabalha, o repórter em questão é burro, preconceituoso e boboca. Um “vesgo” que nada enxerga além de sua própria vidinha autorreferente e espertalhona. E que me encheu de vergonha por ver nossos valores descerem a ladeira da barbárie sob os gritos de uma mídia maldosa, tacanha, que encurrala e cospe no rosto de seus “acusados”, sob os aplausos de uma parcela raivosa e perdida da população do brasil (assim, em minúsculas mesmo, como cabe a uma terra tomada de assalto por uma gente tão pequena e imprópria).
(Revista Bula)

Nenhum comentário:

Postar um comentário