Apóllo Natali – Os fascistas herdarão a Terra
repressão
Mesmo nas democracias, os representantes do povo se transformam nos carrascos do povo, usando balas de borracha, gás lacrimogênio, bombas de efeito moral, cassetetes, contra aqueles que levantam a cabeça em busca de melhores salários, melhor educação, melhores condições de trabalho.
Por Apóllo Natali(*), especial para sua coluna no QTMD?
Os mascarados que saem quebrando tudo nos protestos pelas ruas do país foram chamados de fascistas por um político do Rio de Janeiro cujo nome não vem ao caso. No seu entender, fascista é o baderneiro, portanto fascismo para ele é quebra-quebra. Semelhante a um quebra-quebra, a extrema-direita no Brasil prega a lei da selva para o combate á criminalidade e recentemente já tentou por vezes induzir o povo a sair às ruas para protestar contra o governo. É uma preciosidade saber o que realmente é fascismo, para se entender o que de fato se passa neste mundo de expiações e dólares.
Não sei o que é fascismo, mas me esforço. Quem sabe, levanta a mão. Temos muito a caminhar nesse entendimento, mas já nos distanciamos algo da completa ignorância. Vejamos. Removo o pó do meu dicionário de Latim e encontro a palavra fascis, substantivo, “feixes de varas de olmo ou bétula ligadas por uma correia, com uma machadinha no meio delas, que os lítores levavam em passeata à frente dos magistrados romanos como símbolo do poder que lhes cabia de condenar à morte”. Olmo é o mesmo que ulmeiro, o olmeiro piramidal, madeira forte, usada em construções. Bétula, também chamada vidoeiro, feito de vidos, varas finas e fortes como as da videira. Quer dizer, Fascis, o machado afiado, símbolo do poder de vida e de morte. O fascismo.
A direita é uma arena sem espaço para poesias
Outras definições de fascismo, encontradas hoje: tudo para o Estado, nada para o povo. Estado forte. A política do grande capital. Regime de governo praticado pela facção política denominada de extrema direita. Direita? Nas assembleias politicas é a parte que pertence ao grupo dos conservadores. Conservadores? Aqueles que em política são favoráveis à conservação da situação vigente, opondo-se a reformas que poderiam beneficiar os menos favorecidos material e intelectualmente. A direita é uma arena sem espaço para poesias. Fascismo?
Fascismo tem parentesco com o autismo social. Pois não são fascistas aqueles conhecidos seres que se mostram doentiamente alheios aos viventes que os cercam, sadicamente indiferentes às mínimas necessidades de sobrevivência dos fracos? Na lata do lixo social, a ajuda mútua, as políticas públicas humanitárias. Ao preço de paralisar o governo dos Estados Unidos, os republicanos, ultra-direitistas, merecem a pecha de fascistas, pois mandam às favas o plano de saúde popular de Barack Obama que atende aos menos aquinhoados.
O fascismo e o analfabetismo político
O chicote forte com o machado afiado dos antigos lítores romanos passou hoje para as mãos de uma pleiade contemporânea de poderosos, totalitários, absolutistas, no mais das vezes corruptos, violentíssimos, genocidas, detentores de um poder sanguinário, sequestradores de toda e qualquer liberdade, dignidade e direito de viver do ser humano. Fazem do que poderia ser uma democracia feliz, uma democracia absolutista, como ocorre com a nossa democracia brasileira, ainda embebida, meio século depois, pelo espírito ditatorial de 1964. Os representantes do povo no governo, por sua vez, também ocupam hoje numa democracia o posto dos antigos lítores fascistas. Fazem com o machado afiado da representatividade o que bem entendem do dinheiro, da dignidade, da liberdade, da crença, da sáude, do estômago do povo.
Nas democracias, o fascismo está diluído no sangue dos representantes do povo. Mesmo numa democracia pode se esconder um regime de força em que as aspirações de justiça são sufocadas pela escravização do pensamento e pela eliminação sumária dos vanguardeiros da liberdade. Mesmo nas democracias os próprios representantes do povo no governo se transformam nos carrascos do povo, usando balas de borracha, gás lacrimogênio, bombas de efeito moral, cassetetes, contra aqueles que levantam a cabeça em busca de melhores salários, melhor educação, melhores condições de trabalho. E quem são esses, proibidos de andar de cabeça erguida? São os professores, médicos, estudantes, trabalhadores em geral. Fascismo? E analfabetismo político também.
“Os sádicos de Washington”
Outra hipótese de fascismo, esse poder do machado de vida e morte sobre as pessoas, é a apoteose do fratricídio dos nossos tempos a impedir a espécie humana de ser feliz, aqueles banhos de sangue, torturas estripadoras e confisco de direitos de sobrevivência contra populações perpetrados por ditadores fartamente remunerados pelos Estados Unidos no mundo inteiro, em troca tão somente de abrir alas para o domínio econômico de suas empresas. Para deter em suas mãos o esmagador controle do mundo, assuntos como tortura e carnificina cairam na insignificância para o hoje chamado Império. Fascismo?
Fascismo pode igualmente ser caracterizado por algumas amostras de rios de sangue derramado com a disseminação de ditadores bem pagos que massacraram seus próprios compatriotas para tão somente favorecer os investimentos privados do capital interno e externo americano, a produção para exportação e o direito de remessa de lucros para fora do país:
Grécia, 160 mil mortos, Coréia 100 mil mortos, incontáveis números de mortos no Irã em 1953, na Itália, na Guatemala, transformada em um inferno na terra em 1954 e 1963, no Brasil em 1964, no Chile em 1973, no Panamá, em outros lugares do mundo inteiro, Indochina, Laos, Vietnã, Camboja, Timor Oriental, Afeganistão, Iraque. Milhões de mortos ainda não devidamente contabilizados. Sem falar nas montanhas de mortes da própria juventude norte-americana sacrificada para a conquista de um naco de pão para seu país. Não existe forma ideal de se lidar com aqueles que se tornaram bestas-feras. Os fascistas?
Fascismo se confunde com sadismo. “Nenhum grau de crueldade é suficientemente grande para os sádicos de Washington”, escreveu Avram Noam Chomsky, severo crítico da política externa norte-americana. Tanto sangue, tanta insensibilidade aos gemidos e soluços de suas milhões e milhões de vítimas em torno do planeta, em troca de um nada para a população dos Estados Unidos. Ela vive hoje em idênticas situações de penúria de países do chamado terceiro mundo.
“Vence a força e a razão não basta”
Ainda resta a possibilidade de se especular sobre a vigência de um possível fascismo individual, um sentimento natural que mora no íntimo de muitos de nós, que é se preocupar só consigo mesmo e desdenhar dos que não têm condições nem estrutura para se manter de pé. Fascismo individual é sinônimo de egotismo, não egoísmo, egotismo mesmo, o sentimento exagerado do próprio valor, do tipo só eu existo. É tão difícil assim aceitar que nos devemos uns aos outros? Por que os fascistas esmagam os fracos? Darwin explica. Natural o forte devorar o fraco. Evolução das espécies. A lei do mais forte. Quem pode, pode, quem não pode, se sacode, tal é a implacável lei fascista da própria natureza.
Explicação semelhante é a de Dante: “Quando a força com a razão contrasta, vence a força e a razão não basta.” Esses mais fortes a esmagar os mais fracos – essa é a minha definição de fascismo – são os donos do mundo e das pessoas desde o tempo do homem das cavernas e pelo andar da carruagem eles é que herdarão a Terra, não os mansos.
*Apollo Natali é jornalista, formado aos 71 anos, depois de 4 décadas atuando na imprensa. É colaborador do “Quem tem medo da democracia?”, onde mantém a coluna “Desabafos de um ancião”.
(QTMD)
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