segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Alquimia

A alquimia
em artes e ideias por Anna Anjos
Mistura de três correntes filosóficas (grega, misticismo oriental e tecnologia egípcia), o estudo milenar da alquimia buscou o Elixir da Longa Vida e a Pedra Filosofal. Os tratados obtiveram grande êxito na metalurgia, na produção de papiros, aparelhagem de laboratório e contribuíram com descobertas como o arsênico e o ácido clorídrico ― além do famoso "banho-maria".







Saturne 2 - De Sphaera, manuscrit italien - XV° siècle.jpgTabela VIII de "De Sphaera estense", manuscrito de astrologia, século 15

A origem da alquimia se perde no tempo. Acredita-se que ela teria aflorado do taoísmo clássico (Tao Chia) e do taoísmo popular, religioso e mágico (Tao Chiao). Os relatos mais remotos de doutrinas que utilizavam os preceitos alquímicos aparecem em uma lenda que menciona, no ano de 4.500 a.C, o seu uso pelos chineses.

Na China, o mais famoso alquimista foi Ko Hung (seu nome verdadeiro era Pao Pu-tzu), que acreditava que com a alquimia poderia superar a mortalidade. A Ko-Hung atribui-se a autoria de mais de cem livros sobre o assunto, dentre os quais o mais famoso é O Mestre que Preserva sua Simplicidade Primitiva. Provavelmente devido à influências externas, os tratados de Ko-Hung introduziram o materialismo à alquimia que, antes, era puramente espiritual. Ela também foi influenciada pelo I Ching - O livro das Mutações. A filosofia hindu de 1000 a.C. apresentava algumas semelhanças com a alquimia chinesa como, por exemplo, o soma, cujo conceito assemelhava-se ao do elixir da longa vida.



No Egito, a alquimia (Khemia) já era empregada, por volta do século III a.C., na cidade de Alexandria (o centro de convergência da época e de recriação das tradições gregas, pitagóricas, platônicas, estóica, egípcias e orientais). Dirigido pelo imperador Alexandre, reuniam-se escritos de uma antiga técnica egípcia chamada kymiâ, através da qual se desenvolvia o domínio dos processos químicos de embalsamamento e a manipulação de metais. Entrando em contato com a sabedoria grega, a kymiâ passou a considerar que toda matéria era constituída por quatro elementos básicos: terra, ar, água e fogo.

Durante a dominação romana sobre o Egito, a alquimia passou a ser condenada pelas autoridades imperiais. Com a oficialização do cristianismo, um grupo de hereges ligados à prática da alquimia foi perseguido pelas autoridades romanas, ordenada pelo imperador Constantino, em 330. Pelo uso de fórmulas e recitações mágicas destinadas a invocar deuses e demônios favoráveis às operações químicas, os alquimistas foram acusados de pacto demoníaco. Muitos deles foram presos, excomungados e queimados vivos pela Inquisição da Igreja Católica, que considerava ousadia e uma ofensa a Deus a busca pela vida eterna.

Os nestorianos, como ficaram conhecidos, refugiaram-se da perseguição religiosa na Pérsia. Assim, por questão de sobrevivência, os manuscritos alquímicos passaram a ser elaborados em formas de poemas alegóricos, incompreensíveis aos não iniciados. Cerca de mais de 2.000 a.C., sob a influência das ciências advindas do Oriente Médio, os alquimistas passaram a atribuir propriedades sobrenaturais às plantas, letras, pedras, figuras geométricas e os números eram usados como amuletos, como o 3, o 4 e o 7.



A expansão islâmica foi relevante na preservação e ampliação dos conhecimentos alquímicos: o Alcorão previa que o conhecimento da natureza era uma forma louvável de aproximação com Alá. Por isso, muitos árabes passaram a estudar os elementos químicos e metais preciosos. Com o movimento cruzadista, na Baixa Idade Média (por volta do século 13 ao 15), a alquimia entrou em contato com o universo europeu.

Turba philosophorum, 16_ Jhdt.jpgA fada-sereia Mélusine, de Jean d'Arras, 1393

A alquimia não se reduzia apenas à atividades práticas: havia também o aspecto filosófico e o lado místico. O iniciado nas artes alquímicas precisava envolver-se constantemente em orações, mantendo sigilo absoluto dos conhecimentos que adquiria, além de dedicar-se ao conhecimento da astrologia. Mesmo sendo mal vista pela Igreja, a alquimia foi uma atividade comum entre alguns clérigos. Segundo os pesquisadores Luís Antônio Silva e Daniel Dias Gato, "em função das condenações proclamadas pela Igreja Católica aos alquimistas, durante a Idade Média, o cheiro de enxofre passou a ser associado ao diabo. Os alquimistas faziam suas experiências com enxofre comum, sendo denunciados pelos fortes cheiros emanados de suas casas ou laboratórios, o que permitia que fossem facilmente detectados e acusados de bruxaria e pacto com o demônio, pondo fim aos seus trabalhos. É também digno de registro a criação de Drácula, o vampiro, acusado de obter longevidade às custas do sangue humano. Seu surgimento não passou de uma bem sucedida tentativa para desmoralizar uma ordem mística alquimista, surgida na Idade Média, que trabalhava na obtenção do elixir da longevidade."

george_ripley_alchemy_dragon.jpgDragão dos pergaminhos alquímicos de George Ripley, século 15

Cercadas de mistérios, lendas e superstições, uma das histórias mais famosas que cercam a origem da alquimia (a que marcou de forma contundente essa ciência) foi a descoberta, durante a Idade Média, da Tábua de Esmeralda (Tabula Smaragdia), que foi atribuída a Hermes (O três vezes grande) Trismegisto (nome que representa o poder intelectual e pode ser identificado como sendo o deus egípcio Toth). Referências a ele já existiam nos tempos do filósofo Platão.





Conta a lenda que os preceitos de Hermes foram gravados com uma ponta de diamante em uma esmeralda. A Tábua continha um dos mais sérios tratados a respeito dessa ciência e seu texto continha a máxima que é até hoje empregada na Lei das Correspondências, presente na Astrologia Moderna: "O que está embaixo é como o que está em cima, o que está em cima é como o que está embaixo, e através dessas coisas realizam-se os milagres de uma só coisa." Do nome de Hermes derivou o termo "hermético" e o "hermetismo", que significam "aquilo que é fechado, restrito". Isso porque era comum lacrar os frascos dos alquimistas com o selo de Hermes. Algo que é hermeticamente fechado significa inacessível. Ensinamentos herméticos são restritos aos iniciados e pessoas comprometidas com determinada área do ocultismo. (Advém daí a expressão "fechado hermeticamente").



Em 1380, motivado pela leitura de um antigo livro de autoria de Abraão, o Judeu (cujos textos intercalavam com enigmáticos símbolos de serpentes, virgens, desertos e fontes d’água), o francês Nicolau Flamel passou a dedicar-se exclusivamente à alquimia prática. Segundo conta-se, ele teria obtido prata em torno de 1382 e depois, finalmente, a transmutação em ouro. É de sua autoria as obras: O Livro das Figuras Hieroglíficas, de 1390, O Sumário Filosófico, de 1409 e Saltério Químico, de 1414.

A saúde invejável dele e de sua esposa, Perrenelle, foi atribuída aos conhecimentos alquímicos de Flamel. Após o falecimento do alquimista, em 1418, muitos caçadores de tesouros decidiram saquear sua casa, ávidos por encontrar a pedra filosofal ou receitas concretas para sua preparação. A lenda conta que, na realidade, o casal não morreu, e que em suas tumbas foram encontradas apenas suas roupas em lugar de seus corpos. Flamel deixou um testamento escrito a seu sobrinho, em que revelava os segredos que descobrira sobre a alquimia. O Testamento de Nicholas Flamel foi compilado na França no final dos anos 1750 e publicado em Londres alguns anos mais tarde. O documento original foi escrito de próprio punho por Nicholas Flamel, em um alfabeto codificado e criptografado que consistia em 96 letras, desvendado quase dez anos depois.



A partir das obscuras etimologias e leitura enigmática, foram descobertos os três fundamentos principais da alquimia: transformar os metais chamados inferiores (principalmente o mercúrio e o chumbo) em ouro e prata, metais tidos como superiores; preparar uma panaceia que curasse as enfermidades humanas, que conservasse e devolvesse a juventude, prolongando a vida (a Medicina Universal ou o Elixir da Longa Vida); a transformação espiritual do alquimista, de homem caído em criatura perfeita. Os alquimistas também acreditavam que a matéria passaria por quatro estágios principais, que por vezes, também tem significado espiritual: a primeira delas, o Nigredo (ou "Operação Negra") é o estágio em que a matéria é dissolvida e putrefata (associada ao calor e ao fogo); o Albedo (ou "Operação Branca") é o estágio em que a substância é purificada (associada à ablução com Aquae Vitae, à luz da lua, feminina e à prata); Citrinitas (ou "Operação Amarela") é o estágio em que se opera a transmutação dos metais, da prata em ouro, ou da luz da lua, passiva, em luz solar, ativa; e o Rubedo (ou "Operação Vermelha"), o estágio final, em que se produz a Pedra Filosofal ― o culminar da obra ou do casamento alquímico.



Também Roger Bacon e São Tomas de Aquino redigiram alguns experimentos onde relatavam a obtenção de ouro através de outras substâncias e, além disso, a criação de um homem mecânico. Durante o século 16, a alquimia começava a ganhar uma nova compreensão. O filósofo britânico Francis Bacon já acreditava que a alquimia poderia desenvolver outros promissores tipos de conhecimento científico. Um século depois, Robert Boyle começou a lançar alguns dos pontos que fundaria o nascimento de uma nova ciência: a química. Aparentemente suas idéias procuravam afastar-se do lado místico da alquimia. (O próprio Boyle acreditava, entretanto, que um metal poderia ser transmutado).


A partir do século 18, o conhecimento científico passou a ganhar espaço frente os códigos e segredos da alquimia. A separação entre fé e razão (defendida pelo pensamento Iluminista) fez com que os conhecimentos alquímicos fossem vistos como mera "invencionice" (a tese de transformação dos elementos químicos seria comprovada por diversos estudos desenvolvidos dois séculos depois). Muitos dos instrumentos utilizados nos processos químicos foram elaborados pelo espírito empreendedor dos alquimistas; a eles se deve, por exemplo, a descoberta de substâncias como o arsênico e o ácido clorídrico. Uma das heranças dos alquimistas também foi o famoso "banho-maria"; a expressão homenageia a alquimista Maria, a Profetiza, a famosa fundadora judia-helenista da alquimia.

Envolta em obscuridade e mistério, o surgimento da alquimia confunde-se com a origem e evolução do homem sobre a Terra. Alguns estudiosos da alquimia admitem que o Elixir da Longa Vida e a Pedra Filosofal são temas simbólicos; originados de práticas de purificação espiritual taoísta, não poderiam ser considerados substâncias reais. Assim, o desejo de transformação de metais em ouro estaria diretamente ligado a uma metáfora de mudança de consciência: a "pedra" seria a mente insipiente, que é transformada em "ouro", ou seja, tornaria-se sábia.
(Obvious)

Xisto II

Indústria do Gás de Xisto é nova frente de riscos exploratórios e conflitos             por Oswaldo Sevá  



Os gases das camadas de xisto, em profundidades entre dois mil e mais de três mil metros, vêm sendo extraídos em várias bacias sedimentares pelo mundo afora por um método que os norte-americanos popularizaram como fracking, uma corruptela de hydraulic fracturing, ou seja, fraturamento hidráulico.alt



Mesmo sem ser especialista nessas técnicas de perfuração e produção de gás, considero esta uma tecnologia do tipo “raspar o fundo do tacho”, “torcer a toalha até a ultima gota” .



Objetivamente, pode-se indicar com alguma precisão, por meio de levantamentos  sísmicos e modelos computacionais,  onde está e quais as dimensões de cada camada rochosa de xisto, que é uma espécie de carvão mineral e, como este, contém hidrocarbonetos gasosos em seus poros, interstícios e óleos entranhados.



Mas... não se pode saber o quanto existe nem quanto pode ser coletado do tipo similar ao gás natural, com boa proporção de metano (CH4), de interesse comercial já estabelecido.



Bota pra quebrar: atrás do xisto



O fracking pode ser assim resumido:



- no ponto escolhido para perfuração – que pode estar numa fazenda, numa comunidade rural, numa área protegida, no subúrbio de uma cidade –, montam-se torres com brocas, constroem-se galpões e tanques para os insumos, estacionam-se caminhões especiais e outras máquinas pesadas, como geradores e compressores, funcionando 24 horas por dia.



- gasta-se uma enorme quantidade de borra composta de água, areia refinada e produtos químicos variados,  e também uma boa proporção de combustível e eletricidade para poder retirar restos de hidrocarbonetos gasosos entranhados nas camadas de xisto por meio de um procedimento invasivo destrutivo: aumentar e ampliar as fissuras, fraturar as rochas, quebrá-las de modo praticamente incontrolável, introduzindo essa borra química sob pressão em uma tubulação vertical, até alcançar a “rocha-mãe” do xisto, e depois, perfurando-a na horizontal, entrando no miolo da rocha, botando pra quebrar!



- a borra  retornada para a superfície é uma espécie de salmoura contendo os gases que interessam, que são separados, tratados e despachados por gasodutos até os centros de consumo.



- a borra contém compostos químicos contaminantes e deveria ser tratada em estações específicas, caras, e cujo subproduto também é de difícil destinação; muitas vezes a opção das empresas é estocar a borra de retorno em bacias de rejeito na superfície (como as da mineração)  e  depois fazer a reinjeção no subsolo;  aí reside um dos grandes riscos aos lençóis freáticos e aos poços artesianos - os compostos químicos podem migrar no subsolo e atingir grandes profundidades, com o que também os aquíferos profundos correm risco de contaminação.



Mundo afora: resistências à velocidade do fracking e os impactos sociais e ambientais



Pelo mundo afora, o fracking se amplia vorazmente e, junto com ele, reclamações, desconfianças, protestos e tentativas de enquadrar, controlar as consequências, restringir a atividade nos EUA, Argentina, Tunísia, Argélia, Espanha, França, Ucrânia, dentre outros.



Nos EUA, estima-se que 90% dos poços de gás natural sejam do tipo faturamento hidráulico, respondendo por cerca de 25% da produção total de GN. As principais operadoras são as nossas conhecidas Exxon Mobil, BP, Conoco Phillips, Chevron e as menos conhecidas Cheseapeke Energy, considerada a maior operadora internacional de gás de xisto, mais a Anadarko, Devon, Southwestern e outras cujos nomes que certamente estarão no Brasil nas rodadas de licitações da ANP.



Um dos sites que melhor acompanham a luta política e os movimentos sociais naquele país, o “Truthout”,  mantém aberto um dossiê para acompanhar os protestos e manifestações públicas nos 31  Estados onde as perfurações avançaram nos últimos anos -

http://truth-out.org/news/item/8740-gas-rush-fracking-in-depth



Ali se pode saber das propostas do governo do Estado de  Nova York  para interditar a atividade em áreas próximas das captações de água para as cidades e nas terras públicas.



Em muitos outros locais, há suspeitas de que a ampliação do  fracking possa comprometer o suprimento público de água, e há ainda alguns casos famosos em áreas rurais com poços artesianos, onde a água da torneira pega fogo...



Outras matérias tratam das manobras legislativas e tributárias das operadoras que não estariam pagando os royalties devidos aos proprietários dos locais de perfuração e aos governos.



Além disso, as empresas não revelam, resistem a informar ao próprio governo exatamente quais compostos químicos entram na lama de perfuração, e fazem lobby constante para afrouxar requisitos ambientais, licenciamentos pela agência EPA e para rebaixar os padrões de contaminação da água e do subsolo.



As poucas pesquisas tornadas públicas mostram níveis elevados de contaminação da água subterrânea  por metais pesados; por exemplo, na Pensilvânia, entidades médicas reivindicam do governo estadual que faça estudos dos efeitos sobre a saúde pública antes de autorizar as perfurações.



Problemas também se somam nas áreas de extração de areia, onde dunas e morros são desmontados rapidamente para suprir o insumo mais ponderável da borra  de fraturamento. E o cerco do shale gas vai apertando: áreas suburbanas também vão sendo perfuradas, com problemas ainda maiores afetando moradores, suas atividades produtivas e o funcionamento dos serviços coletivos.



No Estado de Ohio, há evidências de que tremores de terra e pequenos terremotos estariam sendo provocados pelo fracking. Pode-se ver a respeito, no mesmo site “Truthout”, a investigação do jornalista Mike Ludwig:  http://truth-out.org/news/item/10606-special-investigation-the-earthquakes-and-toxic-waste-of-ohios-fracking-boom



Outros informes bem detalhados podem ser obtidos no site “ProPublica Journalism in the public interest”, cuja linha principal é acompanhar os casos de saúde pública, os problemas das coberturas de saúde pública e privada, as relações entre médicos e laboratórios e outros casos de ética médica. E que também colocou em destaque uma série especial sobre a rápida expansão do fracking em tantas localidades norte-americanas -  http://www.propublica.org/series/fracking



No Canadá, províncias como  British Columbia e Alberta oferecem vantagens para empresas perfurarem, enquanto na província de New Brunswick, em 17 de outubro desse ano, uma tropa de duzentos homens da Polícia Montada canadense reprimiu com violência grupos indígenas que protestavam contra o fracking, bloqueando a rodovia de acesso à empresa petrolífera Southwestern em suas terras -  http://www.truth-out.org/news/item/19496-canadian-police-use-military-tactics-to-disperse-indigenous-anti-fracking-blockade



O enfrentamento na Argentina versus passividade brasileira



Na vizinha Argentina, o desembarque de las petroleras na busca do gás de xisto foi recebido com bastante resistência em várias localidades, como no caso das províncias de Chubut, Entrerios, Neuquén, Mendoza. Por conta dos problemas da indústria petrolífera no país, que persistem há décadas, uma frente de entidades de populações atingidas  e de militantes  mantém o excelente site “Observatório Petrolero Sur” -http://www.opsur.org.ar/blog/



Monitorando de perto os desmandos e manobras da indústria e mobilizando campanhas nacionalmente, já editou o segundo número de uma revista chamada  Fractura expuesta - cujo editorial qualifica a expansão do gás de xisto naquele país como uma Blitzkrieg , uma guerra relâmpago. Interessante que o fato de a YPF ter sido retomada pelo governo de Cristina Kirchner, expropriando a espanhola Repsol, parece não alterar a disposição da frente anti-petroleiras – o que no Brasil seria considerado uma heresia, imaginem! questionar a Petrobrás...



“Transcurrido un año de la expropiación a Repsol, la formación Vaca Muerta sigue siendo un horizonte: lo que la empresa no pudo avanzar en la explotación, por falta de recursos financieros y tecnológicos, lo hizo en el plano publicitario, no sólo presentándose como una alternativa confiable para el desarrollo nacional, sino como posibilidad de ahorro ante la inflación y el cepo al dólar. También ganó en publicidad lanzando al ruedo otras formaciones que se suman a la batalla por una “Argentina Potencia no convencional”: las formaciones Pozo D-129 y Aguada Bandera, estrellas de la Cuenca del Golfo San Jorge; Los Molles, Agrio y Las Lajas, en la Cuenca Neuquina, con menos prensa que su par bovina; Cacheuta, en Mendoza, la guarnición novedosa del banquete de Chevron; y Los Monos, en Salta, precalentando para entrar a la cancha” - http://www.opsur.org.ar/blog/2013/07/04/descargate-invasion-fracking-el-segundo-numero-de-fractura-expuesta/



No mesmo editorial, o pessoal do Opsur ressalta a entrada da Chevron em território argentino com essa tecnologia de faturamento como parte de uma estratégia das oil sisters na ótica da chamada segurança energética... dos EUA. Uma das matérias da revista trata da atuação intensa do Departamento de Estado dos EUA, que propagandeia a “revolução dos não-convencionais” e instrumenta intercâmbios e programas de capacitação com diversos países. Outra matéria destaca as idas e vindas desde a primeira proibição parcial do fracking em 2011 pela Assembleia Nacional francesa, até a tramitação, em 2013, de um novo projeto de lei apresentado por um deputado da maioria socialista-ecologista de François Hollande, para ampliar o conceito de faturamento hidráulico e proibi-lo de forma geral.



Aqui também os contrastes com o Brasil são inevitáveis, e de novo ficamos em inferioridade: o governo nada socialista de Rousseff e Temer jamais proibiria qualquer expansão projetada pela indústria petrolífera. A Chevron fez o que fez no campo de Frade, Rio de Janeiro, de certo modo foi acobertada pela Petrobras e, desde o início, francamente blindada pela grande mídia.  Passado um ano e pouco, na prática, a Chevron ficou impune e está de novo posando como parceira em importantes projetos considerados de interesse nacional - a ver nos próximos dias, em quantos dos blocos da 12a. rodada ela vai se apresentar e levar a prenda.



Enfim, a conjuntura brasileira de novembro de 2013 será marcada pela 12a. rodada de licitações  da ANP, prevista para os dias 28 e 29. O fracking é denominado marotamente de “não convencional”, e seriam “leiloados” mais de duzentos blocos territoriais nos estados do Acre, Piauí, Maranhão, Mato Grosso. No caso do Mato Grosso do Sul e do Paraná,  é sabido que no subsolo dessa região, que a ANP chama de Bacia sedimentar Paraná,  encontra-se o valioso Aquífero Guarani, com vários trechos de afloramento e de recarga em áreas onde a invasão fracking se prepara.



Último ponto, e motivação principal desse artigo: os questionamentos vindos da oposição e da esquerda sobre as decisões de governo e da agência reguladora são sempre de ordem econômica, da renda petrolífera, e relativos à soberania. São em geral críticas justas, pertinentes, mas parece que seus autores não sabem – ou, se sabem, não dão valor -  dos graves e disseminados problemas de poluição e de riscos de acidentes.



Também é como se não existissem as numerosas situações de desrespeito aos direitos humanos e políticos, que caracterizam a espoliação das populações residentes nas áreas eleitas para sediar os projetos de prospecção, exploração e as infraestruturas dessa toda poderosa indústria petrolífera.



Mais que nunca, é uma indústria sem pátria, corruptora de autoridades e de pesquisadores, modeladora das pautas da mídia, incansavelmente antidemocrática. Agora, ela vai botar pra quebrar com o gás de xisto.

Que sejam ouvidos pelos de mente aberta, que sejam benvindos às nossas lutas aqueles que criticarem, resistirem e enfrentarem o fracking.



Oswaldo Sevá é professor aposentado do Departamento de Energia da FEM e participante do Doutorado em Ciências Sociais, da Unicamp.




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Joaquim Barbosa

O homem do meio por cento: como a direita fracassou na tentativa de fazer de Joaquim Barbosa um futuro presidente

O contrário do americano Blaise
Paulo Nogueira, Diário do Centro do Mundo

‘Joaquim Barbosa é grosseiro, vingativo, arrogante, presunçoso, antipático, impiedoso e deslumbrado: ele é, em suma, o antibrasileiro.

A mídia tentou transformá-lo no oposto disso, mas felizmente a verdade se impôs. Não faz tanto tempo, publicações interessadas em promovê-lo disseram que sua máscara seria um dos destaques do Carnaval de 2013.
Ninguém as viu nas ruas.

Na última pesquisa de intenções de voto para 2014, Joaquim Barbosa foi lembrado por 0,5% dos ouvidos. Repito: meio eleitor em cada 100 citou JB. Perto dessa miséria de intenções, até Aécio parece uma potência.

Barbosa era uma grande esperança para a direita brasileira. Mas ele não pegou, simplesmente. Não aconteceu. Porque ele é a negação da alma brasileira.

Compare Barbosa com o recém-eleito prefeito de Nova York, Bill de Blasio. Este é um fato novo. Esmagou seu rival republicano nas eleições com uma campanha em que ele disse que Nova York não pode mais viver com tamanha desigualdade social.

Metade dos novaiorquinos são pobres ou perto disso. Há 50 000 pessoas sem teto na cidade que era vista como a capital do mundo.

Blasio disse: “Chega”. Estendeu a mão aos desvalidos. Sorriu aos islâmicos, tão discriminados – e tão espionados — depois do Onze de Setembro. Fez tudo isso sorrindo, falando a linguagem do povo – bem ao contrário do pedante e carrancudo JB.

Blaise representa os 99%. JB é o 1% togado. Blaise é um fato novo, a esquerda dando sinal de vida nos Estados Unidos. JB é o fato velho, um neolacerdista que faz do moralismo uma arma para enganar aquele extrato da classe média retrógrado, reacionário, egoísta e preconceituoso.

Como lembrou a atilada Lulu Chan, JB é o nosso Javert – o sinistro personagem criado por Vítor Hugo em Os Miseráveis.

A posteridade haverá de dar-lhe o papel que ele merece. No presente, este antibrasileiro é o Homem do Meio por Cento.”


domingo, 17 de novembro de 2013

Indústria do Gás de Xisto é nova frente de riscos exploratórios e conflitos             por Oswaldo Sevá  

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Gil

Em defesa de Gilberto Gil e contra a superficialidade burra e intolerante de parte da mídia brasileira
by André J. Gomes

Sim, eu estou envergonhado e triste com o massacre a que Gilberto Gil foi submetido no aeroporto esses dias pelo analfabeto político chamado por aí de “repórter vesgo” (assim, em minúsculas mesmo, como cabe a um sujeito pequeno e impróprio).

Assisti ao vídeo agora há pouco e não compartilho o link aqui porque não quero reproduzir estrume. Mas se buscar por aí você encontra — ou melhor: pisa e lambuza o pé. Acontece é que o programa rasteiro de TV em que trabalha o tal “repórter” exibiu no domingo uma “matéria” sobre a questão das biografias não autorizadas. Em um verdadeiro espetáculo grotesco de mau gosto e ignorância, o entrevistador encurrala o “entrevistado” (ou será o interrogado, perseguido contra a própria vontade?) durante longos e constrangedores minutos, com perguntas burras, superficiais e maldosas a respeito de um assunto mais complexo do que parece.

Para lembrar do que estamos falando, recentemente a Associação Nacional dos Editores de Livros criou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra os artigos 20 e 21 do Código Civil, que protegem a intimidade de figuras públicas quanto à publicação de informações a seu respeito. Então, é assim: no Brasil, de acordo com a lei, biografias só podem ser publicadas depois da autorização dos biografados ou de suas famílias. E um grupo de editores, biógrafos e afins entrou na justiça para discutir e tentar mudar esse negócio, o que, aliás, é próprio de uma democracia.

Em contrapartida à iniciativa dos editores, biógrafos e afins surgiu a associação Procure Saber — liderada por Paula Lavigne e com a participação de figuras como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Milton Nascimento e Chico Buarque — para defender a autorização prévia das biografias pelos biografados, o que, aliás, também é próprio de uma democracia.

Afinal, se de um lado há a “liberdade de expressão” dos biógrafos, de outro há um negócio chamado “direito à privacidade” dos biografados. E, claro, no meio disso tudo há uma outra coisinha chamada dinheiro. Porque, você há de concordar, se alguém escrever um livro sobre a sua mãe e esse livro vender, nada mais justo que você e sua família receberem o seu quinhão, certo? Portanto, minha gente, a questão é mais complexa do que parece, sim.

No entanto, resumindo, depois disso a discussão descambou para um terreno delicado e deturpado em que esses artistas têm sido apontados por grande parte da mídia como sendo “a favor da censura”, num verdadeiro processo de quase execração pública.

De carona nessa onda, o “repórter vesgo” (assim, em minúsculas mesmo, como cabe a um sujeito pequeno e impróprio), um desses gárgulas desrespeitosos da má televisão autobatizados de humoristas, homenzinho que padece do mais horroroso analfabetismo político e cultural, demonstrou no papelão a que submeteu Gilberto Gil o quanto essa grande parte da mídia consegue ser superficial, estúpida e intolerante.

Em poucos minutos, o sujeito acusou e julgou não apenas um artista famoso, uma celebridade, mas um cidadão brasileiro como “incoerente”, “censor” e outras coisas. De forma rasa, cretina, desrespeitosa, protagonizou um flagrante elogio da ignorância e da superficialidade.

E o que parece pior: tudo isso travestido e vendido como “humor”. E mais: “humor politicamente incorreto”. Será? Será mesmo engraçado tudo isso? Será mesmo incorreto politicamente? Porque, a mim, sem contar o desrespeito todo, me parece nada além de um punhado de graçolas das quais muita gente ri só para mostrar que “entendeu a piada”.

Como o programa em que trabalha, o repórter em questão é burro, preconceituoso e boboca. Um “vesgo” que nada enxerga além de sua própria vidinha autorreferente e espertalhona. E que me encheu de vergonha por ver nossos valores descerem a ladeira da barbárie sob os gritos de uma mídia maldosa, tacanha, que encurrala e cospe no rosto de seus “acusados”, sob os aplausos de uma parcela raivosa e perdida da população do brasil (assim, em minúsculas mesmo, como cabe a uma terra tomada de assalto por uma gente tão pequena e imprópria).
(Revista Bula)

sábado, 9 de novembro de 2013

Índios

Ribamar Bessa – Nos 25 anos da Constituição, se ouve o mugido das vacas
Juventude indígena manda recado irreverente para a senadora Kátia Abreu.
CONTRA O MUGIDO DAS VACAS
Por Ribamar Bessa(*)
No momento em que a Constituição Federal comemora 25 anos de existência, se ouve o mugido das vacas, o relincho dos cavalos e o trote das mulas que invadem o plenário do Congresso Nacional e se misturam ao zumbido estridente da moto serra. É possível sentir o bufo agressivo que sai em jatos de ar pelas narinas de parlamentares. Essa é a voz da bancada ruralista formada por 214 deputados e 14 senadores, que querem anular os direitos constitucionais dos índios. Seus “argumentos” são relinchos, bater de cascos, coices no ar e, por isso, não conseguem convencer os brasileiros.
Nas principais cidades do país ocorreram manifestações contra esta ofensiva do agronegócio. Nesta semana, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) organizou Mobilização Nacional em defesa dos direitos indígenas. A parte sadia do país disse um rotundo “não” ao pacote de dezenas de Projetos de Emenda Constitucional (PEC) ou Projetos de Lei Complementar (PLP) que tramitam no Congresso apresentados pela bancada ruralista e pela bancada da mineração.
Esses parlamentares querem exterminar as culturas indígenas não por serem gratuitamente malvados, perversos e cruéis, mas porque pretendem abocanhar as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios. Para ampliar a oferta de terras ao agronegócio, lançam ofensiva destinada a mudar até cláusulas pétreas da Constituição. Exibem despudoradamente seus planos em discursos e através da mídia como os artigos na Folha de São Paulo da senadora Kátia Abreu (PSD-TO vixe, vixe), a muuuusa da bancada ruralista e do deputado Luis Carlos Heinze (PP-RS vixe vixe).
Causa inconfessável
Quase todos os parlamentares da bancada ruralista tiveram suas campanhas financiadas por empresas de capital estrangeiro como Monsanto, Cargill e Syngente, além da indústria de armas e frigorífico, conforme dados da Transparência Brasil. Afinal, é disso que eles vivem, dessa promiscuidade com o capital estrangeiro, sem o qual não poderiam exportar e comprar produtos. Querem agora liberar as terras indígenas para grandes empresas brasileiras e estrangeiras plantarem monoculturas com agrotóxicos, construir barragens no rios e extrair minérios para a exportação.
No entanto, os ruralistas não podem confessar aos eleitores que seu objetivo é o lucro, apenas o lucro, nada mais que o lucro. Inventam, então, que estão defendendo “os interesses nacionais” e classificam como “anti-Brasil” os que não concordam com eles. Essa é uma velha tática, usada no século XIX, quando o agronegócio da época acusava os que defendiam a abolição dos escravos de representarem interesses estrangeiros. Trata-se de ganhar para uma causa indefensável os brasileiros crédulos que amam sua Pátria. Aí exploram o nacionalismo e apostam na desinformação.
No artigo com título sugestivo – “Causa Inconfessável” - a senadora Kátia Abreu tenta desqualificar os índios e seus aliados com uma argumentação esdrúxula. Sem citar fontes, sem dizer de onde tirou a informação, ela jura que “são mais de 100 mil ONGs, a maioria estrangeira, associadas a dois organismos ligados à Igreja Católica: o CIMI ((Conselho Indigenista Missionário) e a CPT (Comissão Pastoral da Terra)”.
E por que cargas d’água milhares de ONGs estrangeiras defenderiam as terras indígenas? Na maior cara de pau, ofendendo a inteligência do leitor, a senadora Kátia Abreu, ousa dizer que elas querem destruir a agricultura brasileira. Comete um erro vergonhoso para uma parlamentar ao confundir nação com estado. Exibe sua ignorância deixando no chinelo o Tiririca:
 ”Os financiadores são países que competem com a agricultura brasileira e que cobiçam nossas riquezas minerais e vegetais. São os mesmos que, reiteradamente, defendem que essa parte do território nacional deve ser cedida, e os brasileiros índios, transformados em nações independentes da ONU”.
Tudo nebuloso, deseducativo, desinformativo. A senadora não dá nomes nem aos bois nem às vacas, não diz quais são esses países, não diz quem quer decepar os territórios indígenas do Brasil e omite que as terras indígenas pertencem, constitucionalmente, à União e não aos índios. A “causa” dos ruralistas é, realmente, “inconfessável”: cada vez que uma medida prejudica seus lucros, dizem que “é ruim para o Brasil”, quando favorece “é bom para o Brasil”. O Brasil é a conta bancária deles. Sem confessar a origem dos recursos que financiam os ruralistas, a senadora faz dos índios um tábua de tiro ao alvo:
“É do mais alto interesse nacional – sobretudo do interesse dos próprios índios – saber quando, de onde vêm e como são gastos os millhões de dólares que sustentam a ação deletéria dessas organizações, que fazem dos índios escudos humanos de uma causa inconfessável”.
Cavaleira da desesperança
“É hora de defender o Brasil” berra o deputado Luis Carlos Heinze no título de seu artigo (3/10), que reproduz o mesmo papo furado, a mesma lenga-lenga, excluindo os índios da comunhão nacional. Ataca a FUNAI – Fundação Nacional do Índio – por identificar “pretensas terras indígenas” contra os ruralistas que ele diz serem “os legítimos detentores de terras”. E faz eternas juras de que está defendendo a pátria ameaçada por índios e por ONGs.
Nunca foi tão apropriada a conhecida frase do escritor inglês do século XVIII, Samuel Johnson, aclimatada por Millor Fernandes, no século XX, ao nosso contexto: “O patriotismo é o último refúgio dos canalhas” – escreveu Johnson. “No Brasil, é o primeiro”, acrescentou Millor.
A senadora, que se diz católica, bate na mesma tecla. Escreve que os defensores dos direitos indígenas “exercem notória militância política, de cunho ideológico, sob a inspiração da Teologia da Libertação, de fundo marxista”. Está zangada com a Igreja, que ela quer defendendo os interesses dos ruralistas e não dos despossuídos, dos injustiçados, dos espoliados. Esculhamba ainda com a FUNAI “aparelhada por antropólogos que compartilham a mesma ideologia“.
Mas não se limita aí a cavaleira da desesperança. De arma em riste, ataca outros “inimigos”. Ela está convencida de que “além das ONGs e das instituições como o CIMI e a CPT, há dois órgãos voltados para a defesa dos índios: a já citada Funai e a FUNASA, incumbida da saúde e da ação sanitária nas tribos”. Kátia é do tempo em que ainda se dizia que índios vivem em tribos.
“Seriam as terras destinadas à agricultura a causa do sofrimento dos índios?” - pergunta em seu artigo. E ela mesma responde: “Quem quiser que tire suas conclusões: os índios brasileiros dispõem de extensão de terra de dar inveja a muitos países”. Se um país que é um país sente inveja, imaginem os ruralistas. Por isso, a voz dela, que é a mais estridente  no Senado clama:
- Os índios não precisam de terra e sim de assistência social.
Ela chama de “invasão” a resistência dos índios em não permitir que seus territórios sejam apropriados pelo agronegócio e anuncia: “Para reagir ao avanço dessas invasões, apresentei ao Senado projeto de lei que suspende processos demarcatórios de terras indígenas sobre propriedades invadidas pelos dois anos seguintes à sua desocupação”.
Foi contra essas medidas do agronegócio e contra esses argumentos preconceituosos e retrógrados que manifestantes se insurgiram em manifestações pacíficas realizadas em Brasília, no Rio, em Belo Horizonte e nas principais cidades brasileiras.  Em São Paulo, a manifestação foi aberta pelos txondaro guarani e contou com a adesão de muitos antropólogos, estudantes, professores.
As imagens da manifestação em São Paulo foram registradas e editadas por Marcos Wesley de Oliveira para o Instituto Socioambiental. Em plena Avenida Paulista, ele entrevistou lideranças indígenas – Megaron Txucarramãe (kayapó), Renato Silva (guarani), Natan Gacán (xokleng), antropólogos – Manuela Carneiro da Cunha e Márcio Silva (USP), Maria Elisa Ladeira (CTI), Lúcia Helena Rangel (PUC/SP), Beto Ricardo (ISA) e os líderes quilombolas do Vale da Ribeira – Nilce Pereira e Ditão.
- Vocês não estão sozinhos – disse a mestranda em Antropologia, Ana Maria Antunes Machado, se dirigindo aos Yanomami, enquanto apontava os manifestantes da Avenida Paulista. Ela falou com bastante fluência em língua Yanomami, pois viveu com eles, com quem trabalhou mais de cinco anos como assessora pedagógica, antes de atuar no Observatório de Educação Indígena coordenado pela pesquisadora Ana Gomes (UFMG). O fato tem forte carga simbólica, por se tratar de alguém tão brasileira quanto a Katia Abreu, mas que, para ouvir os índios e com eles dialogar, aprendeu a língua Yanomami e foi capaz de reverenciá-los.
*José Ribamar Bessa Freire é antropólogo. Colabora com o “Quem tem medo da democracia?”, onde tem a

Córtazar

Julio Cortázar: La lista negra de la dictadura argentina
Álvaro Cuadra (especial para ARGENPRESS.info)

Sin saberlo, aunque seguro lo adivinó, su nombre estaba inscrito desde hace mucho en la “lista negra” de los militares argentinos. Ellos sabían de su obstinada denuncia de los crímenes que se cometían en su país, pero también en Chile y en Centroamérica. Sus libros y su nombre estaban proscritos durante aquellos tiempos de muerte y oscuridad en muchos países latinoamericanos. Tal como imaginó en uno de sus relatos, esa rata gigante que comandaba a todas las ratas había dado con su nombre. “Satarsa” había inscrito en su hoja de terror a Julio Cortázar.

Las ratas estaban en la Casa Rosada, allá en Buenos Aires, también en La Moneda cenicienta de Santiago, pero “Satarsa” estaba en otra parte, imponiendo su orden nauseabundo, lanzando personas desde los helicópteros sobre el Río de la Plata o sobre las olas del Pacífico. En brumosas noches de pleamar, los cuerpos mutilados eran arrojados como bultos por negras libélulas metálicas. Cuerpos desaparecidos para siempre, tragados por el océano.

“Satarsa” había registrado el nombre y de su puño y letra anotó: “extrema peligrosidad” Nada molesta tanto a las ratas como las voces que denuncian sus ignominias, acostumbradas como están a las voces esclavas y al servilismo de los cobardes, nada molesta más a “Satarsa” que aquellos que conocen su nombre: Satarsa la rata, secreto palíndromo de Atar a las Ratas. Es así, quien conoce su verdadero nombre se gana un espacio en su negra lista. Las ratas aman el olvido, quieren que el bebé arrancado de los brazos de su madre muerta en la tortura jamás conozca su historia, quieren que la sangre de sus víctimas sea lavada por el mar y el recuerdo del horror borrado por el tiempo. Las ratas aman la amnesia que oculte sus rostros y sus huellas.

Por eso, cualquier poeta inspirado por las “Musas”, hijas de la diosa de la memoria “Mnemosine”, es muy peligroso… el poeta es capaz de recordar. La secreta alquimia de las palabras, reservada al poeta, es el don de la memoria. A estos “crononáutas” les está reservada la tarea de hacer presente el otro ahora, el otrora, ese presente diferido. A veces, solo a veces, les es otorgada la gracia del “voyant”, hablar con los muertos y escudriñar el porvenir.

Julio Cortázar debía estar en la “lista negra” de los Videla, los Pinochet y otros junto a todos los artistas e intelectuales valientes de nuestra América, porque son ellos los portadores de una memoria que denuncia y acusa a “Satarsa” allí donde se aparece. Cuando la palabra deja de ser fácil lisonja para el poderoso o narcótico placer galante y comienza a ser otra cosa, una filosa memoria que trae postales del averno, entonces, “Satarsa” engrosa de nuevo su lista, su horrida retahíla de nombres, como ha hecho desde siempre, esperando su noche de barbarie y de muerte.

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Marina

Marina, você se pintou

Wanderley Guilherme dos Santos
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Em 48 horas de fulminante trajetória a morena e ex-senadora Marina Silva provocou inesperados solavancos no panorama das eleições em 2014. Renegando o que há meses dizia professar aderiu ao sistema partidário que está aí, mencionou haver abrigado o PSB como Plano C, sem mencioná-lo a desapontados seguidores, e declarou guerra a um suposto chavismo petista. De quebra, prometeu enterrar a aniversariante república criada pela Constituição de 88, desprezando-a por ser “velha”. Haja água benta para tanta presunção.

Marina e seguidores não consideravam incoerente denunciar o excessivo número de legendas partidárias e ao mesmo tempo propor a criação de mais uma. Ademais, personalizada. O “Rede” sempre foi, e é, uma espécie de grife monopolizada pela ex-senadora. Faltando o registro legal, cada um tratou de si, segundo o depoimento de Alfredo Sirkis. Inclusive a própria Marina. Disse que informou por telefone ao governador Eduardo Campos que ingressaria no Partido Socialista Brasileiro para ser sua candidata a vice- presidente. Ainda segundo declaração de Marina, o governador ficou, inicialmente, mudo. Não era para menos.


Em sua estratégia pública Eduardo Campos nunca admitiu ser um potencial candidato à Presidência, deixando caminhos abertos a composições. Eis que, não mais que de repente, o governador é declarado candidato por sua auto-indicada companheira de chapa. Sorrindo embora, custa acreditar que Eduardo Campos esteja feliz com o papel subordinado que lhe coube no espetáculo precipitado pela morena ex-senadora.


Há mais. Não obstante a crítica às infidelidades de que padecem os partidos
que aí estão, Marina confessou sem meias palavras que ingressava no PSB, mas não era PSB, era “Rede”, e seria “Rede” dentro do PSB. Plagiando o estranho humor da ex-senadora morena, o “Rede” passava a ser, dali em diante, não o primeira partido clandestino da democracia, mas o primeiro clandestino confesso do Partido Socialista Brasileiro.



Não deixa de ser compatível com a sutil ordem de preferência de Marina Silva. Em primeiro lugar vinha a criação da Rede, depois a retirada do processo eleitoral para a construção do partido conforme manda a lei e, por fim, aceitar uma das legendas declaradamente à disposição. Decidiu-se por uma quarta opção e impor-se a uma legenda que não é de conhecimento público lhe tenha sido oferecida.



Enquanto políticos trocam de legenda para não se comprometerem com facções, a ex-senadora fez aberta propaganda de como se desmoraliza um partido: ingressar nele para criar uma facção. Deslealdade com companheiros de percurso, ultimatos e sabotagem de instituições estabelecidas, o PSB, no caso, não parecem comportamentos recomendáveis a quem se apresenta como regeneradora dos hábitos políticos.


O campo das oposições vai enfrentar momentosas batalhas. Adotando o reconhecido mote da direita de que o Partido dos Trabalhadores constitui uma ameaça “chavista”, Marina pintou-se com as cores da reação, as mesmas que usa em suas preferências sociais: contra o aborto legal, contra o reconhecimento das relações homoafetivas, contra as pesquisas com células tronco, enfim, contra todos os movimentos de progresso ou de remoção de preconceitos.



Abandonando a retórica melíflua a ex-senadora revela afinal a coerência entre suas posições políticas e as sociais. Empurrou o PSB para a direita de Aécio Neves, a um passo de José Serra. É onde Eduardo Campos vai estar, queira ou não, liderado por Marina Silva. As oposições marcham para explosivo confronto interno pelo privilégio de  representar o conservadorismo obscurantista.
(Carta Maior)

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Médicos


    Os médicos e o Dr. Google

    

    Nos Estados Unidos, 70% dos indivíduos com alguma doença crônica fazem uso de alguma alternativa na esperança de melhorar seu estado de saúde, diminuir sintomas ou ajudar na possibilidade de cura. Se isso resulta em algum benefício ou em algum prejuízo para o paciente é uma questão controversa, existem defensores e críticos totais contra essa atitude dos pacientes.

    Alguns médicos são totalmente céticos com relação a qualquer alternativa que não sejam os medicamentos por eles receitados, alternativas essas que podem ser um simples café, beber água, fazer uso de uma vitamina, um chá, freqüentar uma igreja, fazer alguma terapia oriental, etc., falam que somente com evidências científicas comprovadas é possível ter segurança no tratamento de qualquer enfermidade.

    Esses médicos, afortunadamente menos a cada dia, querem um paciente mudo, que não faça perguntas, recomendam não freqüentar grupos de apoio formados por pacientes, que não devem procurar na internet informações no Dr. Google ou páginas Web que não sejam as da sua sociedade médica, enfim, querem o domínio total sobre a vida do pobre do paciente.

    Curioso é que, em geral, são esses mesmos médicos aqueles que não se interessam por conhecer como é a vida do paciente. No consultório,  a cadeira do paciente é freqüentemente mais baixa que a do médico, raramente pergunta em que o paciente trabalha, qual a estrutura familiar, os problemas econômicos que possam estar acontecendo neste momento da vida, se o diagnostico alterou os planos futuros, nem sequer querem saber do estado emocional que a enfermidade está provocando.

    Devem pensar que do outro lado da mesa se encontra uma "caixinha doente" e não conseguem ver que o que há é um ser humano completo e complexo que nesse momento o procurou para tratar uma enfermidade que também afeta sua alma e seu espirito.

    Cabe então questionar se esse tipo de profissional é um bom médico, se está realmente interessado no paciente ou se somente se interessa em acabar com a enfermidade que é sua especialidade sem querer saber se com isso estará causando algum problema em outras áreas da vida do paciente, mas que por não ser de sua especialidade não são de seu interesse.

    Esse médico é um mau tipo ou simplesmente é um profissional que parou no tempo e no espaço, pensando tal qual poucos anos atrás quando a informação médica estava fora do alcance da população, quando somente circulava em compêndios médicos ou em publicações científicas só para assinantes.

    Penso que, "por culpa da profissão e do excesso de trabalho", não tiveram tempo de compreender que o mundo está mudando, que estamos em um momento onde a informação, seja boa ou má, está circulando rapidamente e se encontra ao alcance de um simples apertar do botão de um computador, um telefone celular ou um tablet, aparelhos que até as crianças sabem operar, mas que "por culpa da profissão e do excesso de trabalho" esse tipo de médico não se deu conta de sua existência.

    Quando um paciente recebe diversas informações e faz uso de algum tipo de alternativa por conta própria, sem comentar com o médico, assume que está correndo riscos também.  Deve entender que a informação encontrada na internet muitas vezes é equivocada ou com interesse comercial, mas existindo empatia com o médico e por parte deste um pouco de paciência para escutar o paciente, responder (e fazer) perguntas, certamente a relação será bem melhor, menos distante, menos fria e, o resultado terapêutico resultará em maiores possibilidades de cura do paciente.

    Ao paciente que não encontra um médico que o vê e trata como um ser humano completo e complexo fica a alternativa de procurar outro profissional, pois são maioria aqueles que atendem de forma correta, humana e atualizados com a moderna tecnologia da informação, muitos inclusive trabalham no sistema público de saúde.


    Carlos Varaldo é presidente do Grupo Otimismo de Apoio ao Portador de Hepatite. Email hepato@hepato.com
(Direto da Redação)

Pinturas

LAURIE LIPTON E O REALISMO GROTESCO
em arte por Mariana Dias
Laurie Lipton é uma das artistas contemporâneas mais impressionantes, suas obras contestam a realidade com humor, terror e existencialismo, nos mostrando a realidade em um viés anormal e grotesco.






Quem a vê o sorriso angelical e o olhar tranquilo de Laure Lipton nunca diria que de sua mente sairiam desenhos grotescos, mostrando todo o horror e desespero do mundo. Lipton é uma nova-iorquina que vive em Londres, se formou em desenho e belas artes na Universidade Carnegie-Mellon, na Pensilvânia e desde então viajou por todos os cantos da Europa a fim de amadurecer sua arte.

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Desenha desde os 4 anos de idade, por muito tempo foi influenciada pela arte clássica e pinturas religiosas da escola flamenca, mas desde sempre quis mostrar o outro lado das emoções dos seres humanos, o lado em que todos tentamos maquiar ou ocultar, todo o horror e os pensamentos que surgem a partir da angústia, da raiva, do medo. Para ela, a realidade é surreal e não tem limites.


Uma das técnicas que mais valoriza é o jogo de sombras e, influenciada pela fotógrafa Diane Arbus, prefere fazer seus desenhos em preto e branco, dando mais importância para os detalhes e expressões.

Lipton explora essa realidade cavando um mundo grotesco em que contesta a desindividualização da sociedade pós-industrial, o cotidiano vivido de uma maneira mecânica, revelando o esquisito e anormal que existe dentro de todas as pessoas. Também faz uma metáfora ao horror da sensação de se estar vivo, retratando em seus desenhos os vivos como caveiras e os mortos em sua forma normal, em paz.

Muitas pessoas consideram as obras de Lipton uma completa perda de tempo, outros as consideram aterrorizantes. Ela deixa bem claro que não liga para as opiniões sobre seu trabalho, simplesmente o faz, pois é sua forma de se desligar do mundo, de colocar para fora tudo que a atormenta em desenhos gigantescos, quase em tamanho real. Apesar de todo surrealismo é impossível visualizar qualquer de suas obras e não sentir todo existencialismo, toda raiva, todo sentimento forte e visceral da vida.

A arte de Laurie Lipton não é do tipo que pode ser descrita em muitas palavras, é ilimitada, turbulenta, instantânea, reservada aos sentimentos. Ela produz incessantemente, tendo centenas de obras espalhadas por todos os cantos do mundo. Ao decorrer de sua carreira, Laurie expôs seu trabalho principalmente pela Europa e atualmente está com a exposição 'L.A. Sous-Real' na Ace Gallery em Los Angeles, na qual faz uma crítica ao cotidiano da sociedade consumista americana.

Site oficial da artista


marianadias
Artigo da autoria de Mariana Dias.
20 anos, estudante de jornalismo e não sabe fazer descrição de si mesma..
Saiba como fazer parte da obvious.

Petróleo

Pré-sal e o embate geopolítico estratégico. A maior privatização da história política do Brasil. Entrevista especial com Ildo Sauer

“É um absurdo que um país, sem saber quanto tem de petróleo, coloque em leilão um campo com gigantesca dimensão”, declara o engenheiro.

Confira a entrevista.
Foto: http://bit.ly/1ex4o0C

“Nenhum país do mundo faz o que o Brasil está fazendo: leiloar aos poucos o acesso da produção de petróleo de campos cujo total é desconhecido”, adverte Ildo Sauer, em entrevista concedida à IHU On-Line, ao comentar o leilão do Campo de Libra, anunciado para 21 de outubro deste ano. Na avaliação dele, a iniciativa da Presidência da República é equivocada, porque “não faz sentido” colocar em leilão o Campo de Libra, que, “segundo a Agência Nacional do Petróleo – ANP, pode ter entre 8 e 12 bilhões de barris, apesar de haver estimativas de que possa chegar a 15 bilhões de barris. Se os dados forem esses, trata-se da maior descoberta do país”. De acordo com ele, o “Brasil não sabe se tem 50 bilhões, 100 bilhões ou 300 bilhões de barris. Se o país tiver 100 bilhões, estará no grupo de países de grandes reservas, se tiver 300 bilhões, será o dono da maior reserva do mundo, porque 264 bilhões é o volume de barris da Arábia Saudita”.

Na entrevista a seguir, concedida por telefone, Sauer explica como ocorreu o processo de investigação da camada pré-sal e as razões que levam o Estado brasileiro a optar pelo leilão, ao invés de contratar a Petrobras para explorar as novas reservas petrolíferas. “A minha perplexidade e apreensão é de que o Conselho Nacional de Política Energética, comandado pela Presidência da República, deliberou colocar esse campo em leilão. Parece-me que essa decisão é baseada em problemas da macroeconomia, das contas externas e do déficit público, que tem sofrido uma deterioração considerável nas contas”, menciona. E dispara: “Até agora, a estratégia brasileira está completamente equivocada, e Libra é apenas a cabeça de ponte, é o início de um processo de deterioração e de um papel subalterno que o Brasil está cumprindo nesse embate global entre os países que detêm reservas e recursos e aqueles que querem se apropriar deles pagando o mínimo possível. Petróleo não é pizza, não é boi, não é um negócio qualquer”.

Ex-diretor executivo da Petrobras, responsável pela Área de Negócios de Gás e Energia, entre 2003 e 2007, Sauer assegura que, caso a Petrobras fosse contratada para explorar o Campo de Libra, seria possível pagar o investimento da exploração em no máximo três anos, garantindo uma produção de petróleo por 30 anos, com uma “produção um pouco superior a 1 milhão, 1,5 milhão de barris por dia, que daria um excedente proporcionalmente menor, mas mesmo assim chegaria a algo entre 35, 40 bilhões”.

Ildo Sauer alerta que, quando se trata de petróleo, “um lucro enorme está em disputa”, e o “governo americano quer dobrar a espinha dorsal da OPEP, fazer com que haja novamente uma superprodução de petróleo, que o preço caia e que os benefícios do uso do petróleo voltem a ser apropriados pelos países consumidores, ou seja, os países desenvolvidos”. E acentua: “A ação brasileira parece que é absolutamente ingênua ou destituída de conhecimento do embate geopolítico estratégico em que está se dando esse teatro de operações em torno do petróleo”.

Ildo Sauer é graduado em Engenharia Civil pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, mestre em Engenharia Nuclear e Planejamento Energético pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ e doutor em Engenharia Nuclear pelo Massachusetts Institute of Technology. Atualmente é professor titular da Universidade de São Paulo – USP.

Confira a entrevista.
Foto: http://bit.ly/16UQMVE

IHU On-Line – Como ocorreu o processo de descoberta da camada pré-sal, e como ficou definida que ocorreria a exploração do petróleo no país?

Ildo Sauer – Há tempo a Petrobras vinha investigando a possibilidade de haver petróleo na camada pré-sal e, para tal, ela buscou parcerias nacionais e internacionais, centros de pesquisa, empresas, para trabalhar na área de elaboração e interpretação das imagens captadas da camada pré-sal.

A ideia se consolidou em 2005, quando se descobriu que abaixo do Campo de Parati, que tem uma camada de 300 metros de sal, havia petróleo leve, ou seja, um pequeno “bolsão” do pré-sal.

Foi isso que deu confiança à diretoria da Petrobras para, em 2006, autorizar a reentrada de investigação para averiguar se havia ou não mais poços de petróleo.

Na primeira tentativa de investigação, chegou-se ao sal sem encontrar petróleo. Por conta disso, houve uma longa discussão e avaliação técnica, e a diretoria da Petrobras autorizou a reentrada da plataforma da TransOcean no Campo — a um custo de 264 bilhões de dólares —, que perfurou os 3 km de sal e encontrou petróleo leve. Estava, então, nesse momento, confirmado o modelo geológico do pré-sal, assim como uma nova realidade muito alvissareira e auspiciosa para o país.

A notícia foi repassada ao presidente da República em 2006, mas mesmo assim o governo federal manteve o leilão de petróleo, o qual posteriormente foi anulado na Justiça.

Aí há um paradoxo que é importante sacar: de um lado a Petrobras avançou em suas pesquisas e comunicou ao presidente da República, à época Luiz Inácio Lula da Silva, e à presidente do Conselho Nacional de Políticas Energéticas, que naquele tempo era a Senhora Rousseff, que estávamos tendo um contexto petrolífero no país, mas o governo decidiu leiloar o petróleo.

Primeiros poços de petróleo

Em 2006, descobriu-se o primeiro poço de petróleo, em seguida, o segundo, que confirmou e permitiu delimitar a extensão do Campo de Tupi, algo em torno de cinco a oito bilhões de barris.

Trata-se de uma descoberta gigantesca para o tipo de campo que se vinha descobrindo no Brasil, na camada pós-sal. A partir daí começamos a entender que o pós-sal possivelmente também seria petróleo formado no pré-sal e que, ao se romper a camada de sal por causa dos movimentos próximos da costa, o petróleo migrasse para cima e sofresse transformações, se tornando mais pesado por conta desse processo, retendo-se em camadas impermeáveis superiores acima do sal, formando aqueles bolsões de petróleo de menor dimensão, que são do pós-sal, os quais tinham garantido a efêmera autossuficiência do Brasil em 2006. Entretanto, tal descoberta foi tão festejada quanto abandonada por causa da Política Energética Brasileira em relação ao etanol e às políticas da expansão da frota de veículos. Hoje o Brasil importa petróleo e derivados, ou seja, há um prejuízo para a Petrobras. De qualquer maneira, o pós-sal e o pré-sal têm essa relação.

Em 2007, foi construído o segundo poço, o qual permitiu dimensionar o Campo de Tupi. Em novembro de 2007, foi feita a retirada de 42 blocos do entorno de Tupi, mas mantido o leilão, apesar de ter sido desaconselhado pelo Clube de Engenharia, pelos dirigentes da Petrobras e pelos movimentos sociais. Todos diziam que o governo deveria esperar para dimensionar as reservas do pré-sal, concluir o processo exploratório e avaliar o que fazer com tais reservas.

Estratégia

Em qualquer lugar do mundo, quando se descobre uma nova província petrolífera ou mineral, se faz um esforço para dimensioná-la. Mas isso até hoje não foi feito no Brasil, e é um dos primeiros problemas que temos em relação ao Campo de Libra. Deveria ter sido feita a conclusão do processo exploratório, que significava simplesmente concluir as sísmicas. A Petrobras poderia ser contratada para fazer isso. Nenhum país do mundo faz o que o Brasil está fazendo: leiloar aos poucos o acesso da produção de petróleo de campos cujo nem o total do pré-sal é conhecido, nem dos campos individuais. O Campo de Libra está indo a leilão com apenas um poço, o que não permite delimitar com precisão qual é o volume de petróleo existente. Ninguém vende uma fazenda cheia de bois sem contar o número de bois. Quer dizer, não faz sentido colocarmos em leilão o Campo de Libra, que, segundo a Agência Nacional do Petróleo – ANP, pode ter entre 8 e 12 bilhões de barris, apesar de haver estimativas de que possa chegar a 15 bilhões de barris. Se os dados forem esses, trata-se da maior descoberta do país.

IHU On-Line – Por que a decisão de leiloar esses campos?

Ildo Sauer – A decisão é da Senhora Rousseff, que preside o Conselho Nacional de Políticas Energéticas. Deu na veneta dela reunir o Conselho, composto pelos ministros a ela subordinados, e presidentes de órgãos pela presidência nomeados, que estão lá para referendar as vontades do príncipe, ou nesse caso, da princesa. Então, é um absurdo que um país, sem saber quanto tem de petróleo, coloque em leilão um campo com essa gigantesca dimensão de petróleo. O governo nem sequer se deu ao trabalho de concluir a exploração de Libra, quando deveria ter concluído os dados do pré-sal como um todo para sabermos se temos os 50 bilhões de barris mais ou menos já confirmados com a sucessão de descobertas dos vários campos, desde Parati, Tupi, Libra, Franco e todos os outros que vieram depois e já foram anunciados.

Ao longo de 60 anos de pós-sal, que se completam no dia 3 de outubro, a Petrobras descobriu cerca de 20 bilhões de barris de petróleo, produziu cinco bilhões, está produzindo cerca de 700 milhões de barris por ano nos últimos tempos – a produção está estagnada nesse patamar de dois milhões de barris por dia. Hoje a estatal também tem reservas convencionais de pós-sal da ordem de 15 milhões.

Obviamente, quando num leilão não há precisão nem certificação do volume de petróleo, isso é precificado contra quem leiloa. Ninguém vai oferecer algo ao governo se não tiver certeza do produto que pretende comprar. Então, nesse sentido, há uma série de movimentos sociais apoiados por pesquisadores e professores, que estão buscando o caminho das manifestações políticas e da Justiça para impedir esse leilão, o qual não convém ao interesse público e nacional.

A minha perplexidade e apreensão é de que o Conselho Nacional de Política Energética, comandado pela Presidência da República, deliberou colocar esse campo em leilão. Parece-me que essa decisão é baseada em problemas da macroeconomia, das contas externas e do déficit público, que tem sofrido uma deterioração considerável nas contas. De modo que essa proposta de pedir 15 milhões de reais de pagamento de bônus para assinatura é uma coisa que não tem sentido, pois só piora o resultado final do leilão, na medida em que alguém precisa, de antemão, pagar um valor tão grande.

IHU On-Line – Como avalia a modalidade de contrato de partilha de produção?

Ildo Sauer – A lei da partilha de produção foi sancionada pelo presidente Lula nos últimos dias de seu governo, se não no último. Ele, ao longo de oito anos, alegremente exercitou o modelo da concessão, o qual dizia, enquanto candidato à presidência, combater e alterar, apesar de o manter intacto e inalterado durante seu governo. De todo modo, acabou criando o modelo de contrato de partilha. Este modelo tem uma única válvula de escape que é interessante para a nação, ou seja, uma cláusula que permite a contratação direta da Petrobras sem licitação. Por que o governo não está exercitando essa opção? É preciso perguntar. Por que o governo também não cumpre aquelas cláusulas que são princípios básicos da administração pública, que exigem impessoalidade, publicidade, eficiência e moralidade?

O modelo de contrato de partilha de produção adotado no Brasil prevê o seguinte: o governo pode contratar diretamente a Petrobras e, de forma transparente, negociar com ela, ou seja, negociar como se daria a produção, em que ritmo, quais parceiros a Petrobras poderia ter em razão da dificuldade financeira pela qual está passando. Essa dificuldade financeira foi criada pelo próprio governo, ao impor à Petrobras uma espécie de assédio moral, onde a estatal não está cumprindo a lei, porque a lei manda praticar preços competitivos. Hoje parte da gasolina, do diesel, do gás natural está sendo importada a preços superiores aos de venda interna, causando prejuízo. A Petrobras está descapitalizada por esse longo processo que vem ocorrendo desde 2008 para cá, e nesse momento a empresa está comprometida com um plano de investimento estratégico de longo prazo bastante grande. É nesse contexto que o governo decide fazer o leilão de Libra.

Leilão do patrimônio público

O governo não está leiloando somente o Campo de Libra sem saber a sua dimensão, mas está leiloando outro patrimônio público, que é a capacitação de a própria Petrobras, que foi construída ao longo de seis décadas, operar. A empresa pode ter um eventual parceiro, que virá a ser um mero sócio financeiro, mas que poderá ter até 70% do volume de petróleo.

Qual é o procedimento que o governo está adotando? O leilão vai definir qual é a fração do óleo lucro, depois de deduzir todas as despesas de investimento. Eu estimo que esse Campo de Libra terá entre 15 e 22 plataformas, ao custo de três a quatro bilhões de dólares cada uma, e teremos algo entre 60 e 80 bilhões de dólares, mas poderá entrar no ritmo de produção algo em torno de um a dois milhões de barris por dia, se for tomada a decisão microeconômica de produzir o quanto antes mais petróleo, como querem todos aqueles que operam em razão do regime financeiro, a qual é inadequada para a exploração desse petróleo.

De qualquer maneira, exaurindo 15 bilhões de barris em 20 anos, será possível ter uma média de dois bilhões de barris por dia, que gerariam um excedente econômico típico, cujo custo está em torno de 15 dólares. Com o custo de capital, mais operação, mais os 15% de royalties, chegaremos a 30 dólares de custo. De maneira que o excedente de 70 dólares por barril, a um pouco mais de 700 milhões de barris por ano, dois milhões por dia, significa um excedente de 50 bilhões. Portanto, em um ano ou dois, é possível pagar o investimento com esse ritmo de produção.

Se o ritmo de produção for mais lento, no caso de estender a produção por 30 anos, teríamos uma produção um pouco superior a um milhão, 1,5 milhão de barris por dia, que daria um excedente proporcionalmente menor, mas mesmo assim chegaria a algo entre 35, 40 bilhões, o que novamente permitiria pagar em dois anos e meio, três anos, todo o investimento. A partir daí, sim, entra o óleo lucro.

Trata-se, portanto, da maior privatização da história política do Brasil. O governo do PT, que foi eleito se contrapondo às privatizações e à privatária anterior, está agora promovendo o maior leilão da história. Tendo um excedente econômico de 50 bilhões por ano, ao longo de 20 anos, isso dá um trilhão de dólares. Esse é um valor extraordinariamente elevado para ser tratado com a displicência com que o governo está tratando e com a desinformação junto ao Congresso Nacional, à mídia e à sociedade. Mas o mais grave é outro problema: a ausência de uma estratégia para o país se inserir no mercado internacional de petróleo.

IHU On-Line – Qual é a posição do Brasil no cenário geopolítico? O país está atento ao significado político e econômico da camada pré-sal?

Ildo Sauer – Nossa proposta é que, primeiro, se delimite o volume de petróleo, de forma que, sabendo quanto petróleo se tem, é possível fazer uma estratégia nacional de produção. É preciso lembrar que o conceito de royalties original é “uma retribuição ao soberano por ele abrir mão de um recurso natural que não estará mais disponível”. O soberano, de acordo com a Constituição Federal, é a nação brasileira. O artigo 20 da Constituição diz que os recursos do subsolo, incluindo aí o petróleo e outros recursos minerais, pertencem à nação. O artigo 5º da Constituição garante aos brasileiros direitos sociais, acesso a educação, saúde, moradia e outros. O governo diz que não consegue cumprir os direitos sociais porque não possui recursos, mas não considera os recursos que estão assegurados à Constituição pelo artigo 20. Então, o caminho mais razoável é delimitar as reservas de petróleo, fazer um plano nacional de desenvolvimento econômico e social, saber quanto o governo precisa investir todos os anos em educação pública, saúde pública, reforma urbana, mobilidade, informatização, proteção ambiental, ciência e tecnologia, infraestrutura produtiva e, acima de tudo, em um programa que assegure ao Brasil, à medida que o petróleo for se exaurindo, capacidade suprir as necessidades energéticas.

Tendo um plano nacional nessa dimensão, seria possível estimar qual a produção do petróleo necessário para financiar esse plano. Mas isso é o contrário do que o governo está fazendo. As denúncias de espionagem dos Estados Unidos junto à Petrobras e ao governo federal se vincula diretamente a esse problema geopolítico e estratégico. O governo parece que não se deu conta da dimensão que isso tem. Fazer o controle do ritmo de produção é fundamental para manter o preço do produto. E quem tem de reter essa capacidade de definir o ritmo de produção é o governo federal. Na medida em que se outorga o contrato de concessão ou de partilha, que tem cláusulas predefinidas sobre o ritmo de produção, o consórcio opera segundo a lógica microeconômica e busca retirar, o quanto antes, o maior volume de recursos financeiros possível daquele contrato de concessão ou de partilha, que neste caso pode se transformar num verdadeiro problema internacional.

Petróleo no cenário mundial

Volto ao ponto fundamental. Até 1960, grande parte dos recursos de petróleo do mundo estava na mão das companhias de petróleo multinacionais, comandadas pelas conhecidas sete irmãs: 84% do petróleo estavam na mão delas; 14%, da União Soviética; e 2%, das empresas nacionais. Em 1960 foi criada a Organização dos Países Exportadores de Petróleo - OPEP, que fez duas tentativas e transferiu o excedente econômico que ia para as empresas em direção aos países que detinham as reservas. Hoje, no mundo, mais de 90% das reservas de petróleo conhecidas estão em mãos de Estados nacionais, que têm ou empresas 100% estatais, ou empresas híbridas, como é o caso da Petrobras.

O Brasil não sabe se tem 50 bilhões, 100 bilhões ou 300 bilhões de barris. Se o país tiver 100 bilhões, estará no grupo de países de grandes reservas, se tiver 300 bilhões, será o dono da maior reserva do mundo, porque 264 bilhões é o volume de barris da Arábia Saudita. A Venezuela passa disso, se formos considerar o petróleo ultrapesado. De petróleo convencional normal, a Venezuela se encontra no patamar de 80 a 120 bilhões de barris, onde se encontra a Líbia, o Iraque, o Irã, os Emirados Árabes, que são os países do segundo bloco.

Experiência russa

A Rússia passou por um processo semelhante ao que o Brasil está passando agora. O governo Boris Iéltsin fez um modelo de entrega do petróleo aos grandes grupos econômicos, como Lula e Dilma tentaram com Eike Batista, mas não deu muito certo, porque ele encontrou petróleo, mas não soube produzir. De toda forma, o controle das reservas mundiais e do ritmo de produção é feito em coordenação da OPEP com a Rússia. A OPEP produz cerca de 25 milhões de barris e coloca isso no mercado, junto com a Rússia. Ambas produzem o volume de petróleo necessário para suprir grande parte da demanda, além da produção autônoma interna de vários países.

Então, a OPEP conseguiu, no choque de 1963-1969, aumentar o preço do petróleo, mas fracassou, porque a União Soviética vendia petróleo fora do controle para obter moeda forte e conseguir superar o bloqueio da Guerra Fria. Além disso, o México também vendia para outros países, e algumas nações não cumpriam as cotas determinadas pela OPEP.

Apesar disso, de 2005 para cá, a OPEP, junto com a Rússia, está mantendo o nível de produção num patamar que tem permitido manter o preço do petróleo acima de 80 dólares, 100 dólares, que seria o preço pelo qual é possível obter um substituto, que seria, nesse caso, a liquefação do carvão, que custa muito e polui. Esse preço regulador é mais ou menos compreendido como um patamar sustentável desde que a OPEP mantenha a coordenação. Se o Brasil entrar rendendo dois milhões de barris por dia, mais o excedente que a própria Petrobras está prevendo no plano dela, e o que o senhor Batista, antes de fracassar, previa, o país estará cumprindo um papel de desestruturar a coordenação e a redução de preço que, em última instância, é contra o interesse dos exportadores de petróleo. Aliás, é isso que está na base do acordo feito pela senhora Rousseff com o senhor Obama, em março de 2011, e anunciado pela Casa Branca, dentro de um documento de estratégia para garantir a segurança energética do Premium Secure Energy Supply.

Entre os pontos acordados pelos presidentes, nos interessa o ponto em que eles concordaram em compartilhar o desenvolvimento dos vastos recursos do pré-sal. O mesmo documento diz que o governo americano também está negociando com o México a abertura do Golfo do México, na parte mexicana. O governo americano vai colocar em produção a sua plataforma continental, de forma que o programa de biocombustíveis, o programa de ciência energética e mudança do paradigma tecnológico da mobilidade, fazem parte de uma iniciativa do governo americano com o objetivo final de quebrar a OPEP e fazer com que a antiga ordem volte a imperar, onde o petróleo tem o preço bem mais baixo do que tem hoje.

Produção de petróleo

Hoje, o custo da produção do petróleo no Brasil está em torno de 15 dólares. Na Arábia Saudita, o custo é menos de um dólar. De maneira que isso está gerando um excedente econômico da ordem de quase 100 dólares o barril. O mundo que produz hoje consome cerca de 30 bilhões de barris por ano, ao ritmo de quase 85 milhões de barris por dia. Isso gera um excedente econômico entre 2 e 3 trilhões de dólares em um PIB mundial de 65 trilhões. Portanto, um lucro enorme está em disputa. Hoje esse dinheiro sai dos países que consomem e vai para os países produtores de petróleo. O governo americano quer dobrar a espinha dorsal da OPEP, fazer com que haja novamente uma superprodução de petróleo, que o preço caia e que os benefícios do uso do petróleo voltem a ser apropriados pelos países consumidores, ou seja, os países desenvolvidos.

Esse é o quadro geopolítico que nós nos encontramos, e a ação brasileira parece que é absolutamente ingênua ou destituída de conhecimento do embate geopolítico estratégico em que está se dando esse teatro de operações em torno do petróleo.

Brasil na geopolítica mundial

Vejo com muita preocupação a forma com que o governo vem conduzindo o problema do Campo de Libra, e a estratégia global do pré-sal brasileiro. Provavelmente, o cenário que expus sobre o petróleo, o seu papel, a sua apropriação social no processo produtivo da sociedade urbana e industrial que nós construímos no último século, prevê que o petróleo deve ter mais valor daqui para frente, dada a dificuldade de substituí-lo em comissões de produtividade adequadas por outros recursos, como o carvão e as renováveis, que têm um preço de produção bastante elevado, em torno de 80 a 100 dólares por barril. Não havendo outras possibilidades no momento, é possível que o petróleo mantenha um preço elevado no futuro, desde que se tenham duas coisas: reservas certificadas, que nós poderemos ter, e tecnologia e capacidade produtiva no entorno do complexo da Petrobras. Tendo essas duas coisas, é melhor produzir apenas para fazer os investimentos naquelas prioridades que citei antes: educação pública, saúde pública, reforma urbana, reforma agrária, ciência de tecnologia, proteção ambiental e transição energética, e fazer parceria com países que dependem de petróleo e que podem nos ajudar, como a China, a Índia e outros que poderão nos ajudar no processo de modernização da estrutura produtiva brasileira. Ou seja, é melhor deixar o petróleo nas reservas de maneira certificada.

Até agora, a estratégia brasileira está completamente equivocada, e Libra é apenas a cabeça de ponte, é o início de um processo de deterioração e de um papel subalterno que o Brasil está cumprindo nesse embate global entre os países que detêm reservas e recursos e aqueles que querem se apropriar deles pagando o mínimo possível. Petróleo não é pizza, não é boi, não é um negócio qualquer. O petróleo cumpriu o seu papel estratégico no sistema de acumulação em torno da hegemonia do sistema capitalista ao longo do último século, permitiu avanços extraordinários, um mundo de 7 bilhões de habitantes com uma estrutura extraordinária de produção e circulação.

O governo brasileiro parece não entender a dimensão do problema, ou, por ingenuidade, por incompetência, está cometendo algo que chamo de crime de responsabilidade contra o interesse nacional ao iniciar o processo de leilão; ou seja, a maior privatização da história do país, muito superior a todas as privatárias dos governos anteriores, em um lance só.

IHU On-Line - A presidente da Petrobras alegou que não teria condições financeiras para explorar sozinha o Campo de Libra. A empresa precisa de uma parceria?

Ildo Sauer – Vamos falar a verdade. Isso é tudo jogo de cena para criar confusão! Não falta dinheiro para quem tem reserva de petróleo e tem capacidade tecnológica. Nenhuma empresa tem dinheiro diretamente. Quem tem dinheiro são os bancos, o sistema financeiro e a China, que hoje detém reservas da maior monta do mundo em função do seu processo de produção, exportação e acumulação, que financia grande parte da dívida americana, por exemplo. Então, não falta dinheiro no mundo.

O possível sócio da Petrobras é um mero sócio financeiro, que irá aportar um montante que for definido no leilão, o qual pode chegar até 70%. É possível investir em outro modelo. Por isso, propomos definir uma estratégia brasileira em primeiro lugar, e, posteriormente, quando se decidir produzir petróleo, chamar a Petrobras, contratá-la, definir seus eventuais parceiros de maneira aberta e transparente, negociar as condições, por exemplo, com um parceiro chinês. As empresas chinesas seriam o parceiro ideal para esse processo, assim como empresas indianas ou outras mais.

Como disse, Libra, na minha estimativa, vai custar entre 60 e 80 bilhões de dólares. Além disso, o governo precisa construir a cadeia produtiva brasileira. Infelizmente o governo não se planeja, não expande a formação de recursos humanos, a expansão da capacidade industrial brasileira, das áreas de serviços. Não adianta criar essa situação que temos hoje: as empresas prometem conteúdo nacional, não cumprem, a ANP as multa e acabou! Falta planejamento no país em todos os níveis: educação, saúde, infraestrutura, nas cadeias produtivas da área de energias, etc. O Brasil é um país que opera no dia a dia no improviso. E isso ficou claro com a decisão de tentar queimar o Campo de Libra para resolver um pequeno problema econômico das contas externas e das dívidas públicas. De maneira que o problema financeiro é um mito que inventaram; não falta dinheiro para quem tem reserva de petróleo certificada. O nível de endividamento da Petrobras é facilmente resolvível mediante um modelo diferente de negócio, porque a lei permite. A lei não é boa, ela poderia ser melhor, mas tem suficiente espaço para fazer uma política que garanta o interesse nacional e o interesse público.

(Por Patricia Fachin)

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Petróleo

Pré-sal e o embate geopolítico estratégico. A maior privatização da história política do Brasil. Entrevista especial com Ildo Sauer

“É um absurdo que um país, sem saber quanto tem de petróleo, coloque em leilão um campo com gigantesca dimensão”, declara o engenheiro.


“Nenhum país do mundo faz o que o Brasil está fazendo: leiloar aos poucos o acesso da produção de petróleo de campos cujo total é desconhecido”, adverte Ildo Sauer, em entrevista concedida à IHU On-Line, ao comentar o leilão do Campo de Libra, anunciado para 21 de outubro deste ano. Na avaliação dele, a iniciativa da Presidência da República é equivocada, porque “não faz sentido” colocar em leilão o Campo de Libra, que, “segundo a Agência Nacional do Petróleo – ANP, pode ter entre 8 e 12 bilhões de barris, apesar de haver estimativas de que possa chegar a 15 bilhões de barris. Se os dados forem esses, trata-se da maior descoberta do país”. De acordo com ele, o “Brasil não sabe se tem 50 bilhões, 100 bilhões ou 300 bilhões de barris. Se o país tiver 100 bilhões, estará no grupo de países de grandes reservas, se tiver 300 bilhões, será o dono da maior reserva do mundo, porque 264 bilhões é o volume de barris da Arábia Saudita”.

Na entrevista a seguir, concedida por telefone, Sauer explica como ocorreu o processo de investigação da camada pré-sal e as razões que levam o Estado brasileiro a optar pelo leilão, ao invés de contratar a Petrobras para explorar as novas reservas petrolíferas. “A minha perplexidade e apreensão é de que o Conselho Nacional de Política Energética, comandado pela Presidência da República, deliberou colocar esse campo em leilão. Parece-me que essa decisão é baseada em problemas da macroeconomia, das contas externas e do déficit público, que tem sofrido uma deterioração considerável nas contas”, menciona. E dispara: “Até agora, a estratégia brasileira está completamente equivocada, e Libra é apenas a cabeça de ponte, é o início de um processo de deterioração e de um papel subalterno que o Brasil está cumprindo nesse embate global entre os países que detêm reservas e recursos e aqueles que querem se apropriar deles pagando o mínimo possível. Petróleo não é pizza, não é boi, não é um negócio qualquer”.

Ex-diretor executivo da Petrobras, responsável pela Área de Negócios de Gás e Energia, entre 2003 e 2007, Sauer assegura que, caso a Petrobras fosse contratada para explorar o Campo de Libra, seria possível pagar o investimento da exploração em no máximo três anos, garantindo uma produção de petróleo por 30 anos, com uma “produção um pouco superior a 1 milhão, 1,5 milhão de barris por dia, que daria um excedente proporcionalmente menor, mas mesmo assim chegaria a algo entre 35, 40 bilhões”.

Ildo Sauer alerta que, quando se trata de petróleo, “um lucro enorme está em disputa”, e o “governo americano quer dobrar a espinha dorsal da OPEP, fazer com que haja novamente uma superprodução de petróleo, que o preço caia e que os benefícios do uso do petróleo voltem a ser apropriados pelos países consumidores, ou seja, os países desenvolvidos”. E acentua: “A ação brasileira parece que é absolutamente ingênua ou destituída de conhecimento do embate geopolítico estratégico em que está se dando esse teatro de operações em torno do petróleo”.

Ildo Sauer é graduado em Engenharia Civil pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, mestre em Engenharia Nuclear e Planejamento Energético pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ e doutor em Engenharia Nuclear pelo Massachusetts Institute of Technology. Atualmente é professor titular da Universidade de São Paulo – USP.

Confira a entrevista.
Foto: http://bit.ly/16UQMVE

IHU On-Line – Como ocorreu o processo de descoberta da camada pré-sal, e como ficou definida que ocorreria a exploração do petróleo no país?

Ildo Sauer – Há tempo a Petrobras vinha investigando a possibilidade de haver petróleo na camada pré-sal e, para tal, ela buscou parcerias nacionais e internacionais, centros de pesquisa, empresas, para trabalhar na área de elaboração e interpretação das imagens captadas da camada pré-sal.

A ideia se consolidou em 2005, quando se descobriu que abaixo do Campo de Parati, que tem uma camada de 300 metros de sal, havia petróleo leve, ou seja, um pequeno “bolsão” do pré-sal.

Foi isso que deu confiança à diretoria da Petrobras para, em 2006, autorizar a reentrada de investigação para averiguar se havia ou não mais poços de petróleo.

Na primeira tentativa de investigação, chegou-se ao sal sem encontrar petróleo. Por conta disso, houve uma longa discussão e avaliação técnica, e a diretoria da Petrobras autorizou a reentrada da plataforma da TransOcean no Campo — a um custo de 264 bilhões de dólares —, que perfurou os 3 km de sal e encontrou petróleo leve. Estava, então, nesse momento, confirmado o modelo geológico do pré-sal, assim como uma nova realidade muito alvissareira e auspiciosa para o país.

A notícia foi repassada ao presidente da República em 2006, mas mesmo assim o governo federal manteve o leilão de petróleo, o qual posteriormente foi anulado na Justiça.

Aí há um paradoxo que é importante sacar: de um lado a Petrobras avançou em suas pesquisas e comunicou ao presidente da República, à época Luiz Inácio Lula da Silva, e à presidente do Conselho Nacional de Políticas Energéticas, que naquele tempo era a Senhora Rousseff, que estávamos tendo um contexto petrolífero no país, mas o governo decidiu leiloar o petróleo.

Primeiros poços de petróleo

Em 2006, descobriu-se o primeiro poço de petróleo, em seguida, o segundo, que confirmou e permitiu delimitar a extensão do Campo de Tupi, algo em torno de cinco a oito bilhões de barris.

Trata-se de uma descoberta gigantesca para o tipo de campo que se vinha descobrindo no Brasil, na camada pós-sal. A partir daí começamos a entender que o pós-sal possivelmente também seria petróleo formado no pré-sal e que, ao se romper a camada de sal por causa dos movimentos próximos da costa, o petróleo migrasse para cima e sofresse transformações, se tornando mais pesado por conta desse processo, retendo-se em camadas impermeáveis superiores acima do sal, formando aqueles bolsões de petróleo de menor dimensão, que são do pós-sal, os quais tinham garantido a efêmera autossuficiência do Brasil em 2006. Entretanto, tal descoberta foi tão festejada quanto abandonada por causa da Política Energética Brasileira em relação ao etanol e às políticas da expansão da frota de veículos. Hoje o Brasil importa petróleo e derivados, ou seja, há um prejuízo para a Petrobras. De qualquer maneira, o pós-sal e o pré-sal têm essa relação.

Em 2007, foi construído o segundo poço, o qual permitiu dimensionar o Campo de Tupi. Em novembro de 2007, foi feita a retirada de 42 blocos do entorno de Tupi, mas mantido o leilão, apesar de ter sido desaconselhado pelo Clube de Engenharia, pelos dirigentes da Petrobras e pelos movimentos sociais. Todos diziam que o governo deveria esperar para dimensionar as reservas do pré-sal, concluir o processo exploratório e avaliar o que fazer com tais reservas.

Estratégia

Em qualquer lugar do mundo, quando se descobre uma nova província petrolífera ou mineral, se faz um esforço para dimensioná-la. Mas isso até hoje não foi feito no Brasil, e é um dos primeiros problemas que temos em relação ao Campo de Libra. Deveria ter sido feita a conclusão do processo exploratório, que significava simplesmente concluir as sísmicas. A Petrobras poderia ser contratada para fazer isso. Nenhum país do mundo faz o que o Brasil está fazendo: leiloar aos poucos o acesso da produção de petróleo de campos cujo nem o total do pré-sal é conhecido, nem dos campos individuais. O Campo de Libra está indo a leilão com apenas um poço, o que não permite delimitar com precisão qual é o volume de petróleo existente. Ninguém vende uma fazenda cheia de bois sem contar o número de bois. Quer dizer, não faz sentido colocarmos em leilão o Campo de Libra, que, segundo a Agência Nacional do Petróleo – ANP, pode ter entre 8 e 12 bilhões de barris, apesar de haver estimativas de que possa chegar a 15 bilhões de barris. Se os dados forem esses, trata-se da maior descoberta do país.

IHU On-Line – Por que a decisão de leiloar esses campos?

Ildo Sauer – A decisão é da Senhora Rousseff, que preside o Conselho Nacional de Políticas Energéticas. Deu na veneta dela reunir o Conselho, composto pelos ministros a ela subordinados, e presidentes de órgãos pela presidência nomeados, que estão lá para referendar as vontades do príncipe, ou nesse caso, da princesa. Então, é um absurdo que um país, sem saber quanto tem de petróleo, coloque em leilão um campo com essa gigantesca dimensão de petróleo. O governo nem sequer se deu ao trabalho de concluir a exploração de Libra, quando deveria ter concluído os dados do pré-sal como um todo para sabermos se temos os 50 bilhões de barris mais ou menos já confirmados com a sucessão de descobertas dos vários campos, desde Parati, Tupi, Libra, Franco e todos os outros que vieram depois e já foram anunciados.

Ao longo de 60 anos de pós-sal, que se completam no dia 3 de outubro, a Petrobras descobriu cerca de 20 bilhões de barris de petróleo, produziu cinco bilhões, está produzindo cerca de 700 milhões de barris por ano nos últimos tempos – a produção está estagnada nesse patamar de dois milhões de barris por dia. Hoje a estatal também tem reservas convencionais de pós-sal da ordem de 15 milhões.

Obviamente, quando num leilão não há precisão nem certificação do volume de petróleo, isso é precificado contra quem leiloa. Ninguém vai oferecer algo ao governo se não tiver certeza do produto que pretende comprar. Então, nesse sentido, há uma série de movimentos sociais apoiados por pesquisadores e professores, que estão buscando o caminho das manifestações políticas e da Justiça para impedir esse leilão, o qual não convém ao interesse público e nacional.

A minha perplexidade e apreensão é de que o Conselho Nacional de Política Energética, comandado pela Presidência da República, deliberou colocar esse campo em leilão. Parece-me que essa decisão é baseada em problemas da macroeconomia, das contas externas e do déficit público, que tem sofrido uma deterioração considerável nas contas. De modo que essa proposta de pedir 15 milhões de reais de pagamento de bônus para assinatura é uma coisa que não tem sentido, pois só piora o resultado final do leilão, na medida em que alguém precisa, de antemão, pagar um valor tão grande.

IHU On-Line – Como avalia a modalidade de contrato de partilha de produção?

Ildo Sauer – A lei da partilha de produção foi sancionada pelo presidente Lula nos últimos dias de seu governo, se não no último. Ele, ao longo de oito anos, alegremente exercitou o modelo da concessão, o qual dizia, enquanto candidato à presidência, combater e alterar, apesar de o manter intacto e inalterado durante seu governo. De todo modo, acabou criando o modelo de contrato de partilha. Este modelo tem uma única válvula de escape que é interessante para a nação, ou seja, uma cláusula que permite a contratação direta da Petrobras sem licitação. Por que o governo não está exercitando essa opção? É preciso perguntar. Por que o governo também não cumpre aquelas cláusulas que são princípios básicos da administração pública, que exigem impessoalidade, publicidade, eficiência e moralidade?

O modelo de contrato de partilha de produção adotado no Brasil prevê o seguinte: o governo pode contratar diretamente a Petrobras e, de forma transparente, negociar com ela, ou seja, negociar como se daria a produção, em que ritmo, quais parceiros a Petrobras poderia ter em razão da dificuldade financeira pela qual está passando. Essa dificuldade financeira foi criada pelo próprio governo, ao impor à Petrobras uma espécie de assédio moral, onde a estatal não está cumprindo a lei, porque a lei manda praticar preços competitivos. Hoje parte da gasolina, do diesel, do gás natural está sendo importada a preços superiores aos de venda interna, causando prejuízo. A Petrobras está descapitalizada por esse longo processo que vem ocorrendo desde 2008 para cá, e nesse momento a empresa está comprometida com um plano de investimento estratégico de longo prazo bastante grande. É nesse contexto que o governo decide fazer o leilão de Libra.

Leilão do patrimônio público

O governo não está leiloando somente o Campo de Libra sem saber a sua dimensão, mas está leiloando outro patrimônio público, que é a capacitação de a própria Petrobras, que foi construída ao longo de seis décadas, operar. A empresa pode ter um eventual parceiro, que virá a ser um mero sócio financeiro, mas que poderá ter até 70% do volume de petróleo.

Qual é o procedimento que o governo está adotando? O leilão vai definir qual é a fração do óleo lucro, depois de deduzir todas as despesas de investimento. Eu estimo que esse Campo de Libra terá entre 15 e 22 plataformas, ao custo de três a quatro bilhões de dólares cada uma, e teremos algo entre 60 e 80 bilhões de dólares, mas poderá entrar no ritmo de produção algo em torno de um a dois milhões de barris por dia, se for tomada a decisão microeconômica de produzir o quanto antes mais petróleo, como querem todos aqueles que operam em razão do regime financeiro, a qual é inadequada para a exploração desse petróleo.

De qualquer maneira, exaurindo 15 bilhões de barris em 20 anos, será possível ter uma média de dois bilhões de barris por dia, que gerariam um excedente econômico típico, cujo custo está em torno de 15 dólares. Com o custo de capital, mais operação, mais os 15% de royalties, chegaremos a 30 dólares de custo. De maneira que o excedente de 70 dólares por barril, a um pouco mais de 700 milhões de barris por ano, dois milhões por dia, significa um excedente de 50 bilhões. Portanto, em um ano ou dois, é possível pagar o investimento com esse ritmo de produção.

Se o ritmo de produção for mais lento, no caso de estender a produção por 30 anos, teríamos uma produção um pouco superior a um milhão, 1,5 milhão de barris por dia, que daria um excedente proporcionalmente menor, mas mesmo assim chegaria a algo entre 35, 40 bilhões, o que novamente permitiria pagar em dois anos e meio, três anos, todo o investimento. A partir daí, sim, entra o óleo lucro.

Trata-se, portanto, da maior privatização da história política do Brasil. O governo do PT, que foi eleito se contrapondo às privatizações e à privatária anterior, está agora promovendo o maior leilão da história. Tendo um excedente econômico de 50 bilhões por ano, ao longo de 20 anos, isso dá um trilhão de dólares. Esse é um valor extraordinariamente elevado para ser tratado com a displicência com que o governo está tratando e com a desinformação junto ao Congresso Nacional, à mídia e à sociedade. Mas o mais grave é outro problema: a ausência de uma estratégia para o país se inserir no mercado internacional de petróleo.

IHU On-Line – Qual é a posição do Brasil no cenário geopolítico? O país está atento ao significado político e econômico da camada pré-sal?

Ildo Sauer – Nossa proposta é que, primeiro, se delimite o volume de petróleo, de forma que, sabendo quanto petróleo se tem, é possível fazer uma estratégia nacional de produção. É preciso lembrar que o conceito de royalties original é “uma retribuição ao soberano por ele abrir mão de um recurso natural que não estará mais disponível”. O soberano, de acordo com a Constituição Federal, é a nação brasileira. O artigo 20 da Constituição diz que os recursos do subsolo, incluindo aí o petróleo e outros recursos minerais, pertencem à nação. O artigo 5º da Constituição garante aos brasileiros direitos sociais, acesso a educação, saúde, moradia e outros. O governo diz que não consegue cumprir os direitos sociais porque não possui recursos, mas não considera os recursos que estão assegurados à Constituição pelo artigo 20. Então, o caminho mais razoável é delimitar as reservas de petróleo, fazer um plano nacional de desenvolvimento econômico e social, saber quanto o governo precisa investir todos os anos em educação pública, saúde pública, reforma urbana, mobilidade, informatização, proteção ambiental, ciência e tecnologia, infraestrutura produtiva e, acima de tudo, em um programa que assegure ao Brasil, à medida que o petróleo for se exaurindo, capacidade suprir as necessidades energéticas.

Tendo um plano nacional nessa dimensão, seria possível estimar qual a produção do petróleo necessário para financiar esse plano. Mas isso é o contrário do que o governo está fazendo. As denúncias de espionagem dos Estados Unidos junto à Petrobras e ao governo federal se vincula diretamente a esse problema geopolítico e estratégico. O governo parece que não se deu conta da dimensão que isso tem. Fazer o controle do ritmo de produção é fundamental para manter o preço do produto. E quem tem de reter essa capacidade de definir o ritmo de produção é o governo federal. Na medida em que se outorga o contrato de concessão ou de partilha, que tem cláusulas predefinidas sobre o ritmo de produção, o consórcio opera segundo a lógica microeconômica e busca retirar, o quanto antes, o maior volume de recursos financeiros possível daquele contrato de concessão ou de partilha, que neste caso pode se transformar num verdadeiro problema internacional.

Petróleo no cenário mundial

Volto ao ponto fundamental. Até 1960, grande parte dos recursos de petróleo do mundo estava na mão das companhias de petróleo multinacionais, comandadas pelas conhecidas sete irmãs: 84% do petróleo estavam na mão delas; 14%, da União Soviética; e 2%, das empresas nacionais. Em 1960 foi criada a Organização dos Países Exportadores de Petróleo - OPEP, que fez duas tentativas e transferiu o excedente econômico que ia para as empresas em direção aos países que detinham as reservas. Hoje, no mundo, mais de 90% das reservas de petróleo conhecidas estão em mãos de Estados nacionais, que têm ou empresas 100% estatais, ou empresas híbridas, como é o caso da Petrobras.

O Brasil não sabe se tem 50 bilhões, 100 bilhões ou 300 bilhões de barris. Se o país tiver 100 bilhões, estará no grupo de países de grandes reservas, se tiver 300 bilhões, será o dono da maior reserva do mundo, porque 264 bilhões é o volume de barris da Arábia Saudita. A Venezuela passa disso, se formos considerar o petróleo ultrapesado. De petróleo convencional normal, a Venezuela se encontra no patamar de 80 a 120 bilhões de barris, onde se encontra a Líbia, o Iraque, o Irã, os Emirados Árabes, que são os países do segundo bloco.

Experiência russa

A Rússia passou por um processo semelhante ao que o Brasil está passando agora. O governo Boris Iéltsin fez um modelo de entrega do petróleo aos grandes grupos econômicos, como Lula e Dilma tentaram com Eike Batista, mas não deu muito certo, porque ele encontrou petróleo, mas não soube produzir. De toda forma, o controle das reservas mundiais e do ritmo de produção é feito em coordenação da OPEP com a Rússia. A OPEP produz cerca de 25 milhões de barris e coloca isso no mercado, junto com a Rússia. Ambas produzem o volume de petróleo necessário para suprir grande parte da demanda, além da produção autônoma interna de vários países.

Então, a OPEP conseguiu, no choque de 1963-1969, aumentar o preço do petróleo, mas fracassou, porque a União Soviética vendia petróleo fora do controle para obter moeda forte e conseguir superar o bloqueio da Guerra Fria. Além disso, o México também vendia para outros países, e algumas nações não cumpriam as cotas determinadas pela OPEP.

Apesar disso, de 2005 para cá, a OPEP, junto com a Rússia, está mantendo o nível de produção num patamar que tem permitido manter o preço do petróleo acima de 80 dólares, 100 dólares, que seria o preço pelo qual é possível obter um substituto, que seria, nesse caso, a liquefação do carvão, que custa muito e polui. Esse preço regulador é mais ou menos compreendido como um patamar sustentável desde que a OPEP mantenha a coordenação. Se o Brasil entrar rendendo dois milhões de barris por dia, mais o excedente que a própria Petrobras está prevendo no plano dela, e o que o senhor Batista, antes de fracassar, previa, o país estará cumprindo um papel de desestruturar a coordenação e a redução de preço que, em última instância, é contra o interesse dos exportadores de petróleo. Aliás, é isso que está na base do acordo feito pela senhora Rousseff com o senhor Obama, em março de 2011, e anunciado pela Casa Branca, dentro de um documento de estratégia para garantir a segurança energética do Premium Secure Energy Supply.

Entre os pontos acordados pelos presidentes, nos interessa o ponto em que eles concordaram em compartilhar o desenvolvimento dos vastos recursos do pré-sal. O mesmo documento diz que o governo americano também está negociando com o México a abertura do Golfo do México, na parte mexicana. O governo americano vai colocar em produção a sua plataforma continental, de forma que o programa de biocombustíveis, o programa de ciência energética e mudança do paradigma tecnológico da mobilidade, fazem parte de uma iniciativa do governo americano com o objetivo final de quebrar a OPEP e fazer com que a antiga ordem volte a imperar, onde o petróleo tem o preço bem mais baixo do que tem hoje.

Produção de petróleo

Hoje, o custo da produção do petróleo no Brasil está em torno de 15 dólares. Na Arábia Saudita, o custo é menos de um dólar. De maneira que isso está gerando um excedente econômico da ordem de quase 100 dólares o barril. O mundo que produz hoje consome cerca de 30 bilhões de barris por ano, ao ritmo de quase 85 milhões de barris por dia. Isso gera um excedente econômico entre 2 e 3 trilhões de dólares em um PIB mundial de 65 trilhões. Portanto, um lucro enorme está em disputa. Hoje esse dinheiro sai dos países que consomem e vai para os países produtores de petróleo. O governo americano quer dobrar a espinha dorsal da OPEP, fazer com que haja novamente uma superprodução de petróleo, que o preço caia e que os benefícios do uso do petróleo voltem a ser apropriados pelos países consumidores, ou seja, os países desenvolvidos.

Esse é o quadro geopolítico que nós nos encontramos, e a ação brasileira parece que é absolutamente ingênua ou destituída de conhecimento do embate geopolítico estratégico em que está se dando esse teatro de operações em torno do petróleo.

Brasil na geopolítica mundial

Vejo com muita preocupação a forma com que o governo vem conduzindo o problema do Campo de Libra, e a estratégia global do pré-sal brasileiro. Provavelmente, o cenário que expus sobre o petróleo, o seu papel, a sua apropriação social no processo produtivo da sociedade urbana e industrial que nós construímos no último século, prevê que o petróleo deve ter mais valor daqui para frente, dada a dificuldade de substituí-lo em comissões de produtividade adequadas por outros recursos, como o carvão e as renováveis, que têm um preço de produção bastante elevado, em torno de 80 a 100 dólares por barril. Não havendo outras possibilidades no momento, é possível que o petróleo mantenha um preço elevado no futuro, desde que se tenham duas coisas: reservas certificadas, que nós poderemos ter, e tecnologia e capacidade produtiva no entorno do complexo da Petrobras. Tendo essas duas coisas, é melhor produzir apenas para fazer os investimentos naquelas prioridades que citei antes: educação pública, saúde pública, reforma urbana, reforma agrária, ciência de tecnologia, proteção ambiental e transição energética, e fazer parceria com países que dependem de petróleo e que podem nos ajudar, como a China, a Índia e outros que poderão nos ajudar no processo de modernização da estrutura produtiva brasileira. Ou seja, é melhor deixar o petróleo nas reservas de maneira certificada.

Até agora, a estratégia brasileira está completamente equivocada, e Libra é apenas a cabeça de ponte, é o início de um processo de deterioração e de um papel subalterno que o Brasil está cumprindo nesse embate global entre os países que detêm reservas e recursos e aqueles que querem se apropriar deles pagando o mínimo possível. Petróleo não é pizza, não é boi, não é um negócio qualquer. O petróleo cumpriu o seu papel estratégico no sistema de acumulação em torno da hegemonia do sistema capitalista ao longo do último século, permitiu avanços extraordinários, um mundo de 7 bilhões de habitantes com uma estrutura extraordinária de produção e circulação.

O governo brasileiro parece não entender a dimensão do problema, ou, por ingenuidade, por incompetência, está cometendo algo que chamo de crime de responsabilidade contra o interesse nacional ao iniciar o processo de leilão; ou seja, a maior privatização da história do país, muito superior a todas as privatárias dos governos anteriores, em um lance só.

IHU On-Line - A presidente da Petrobras alegou que não teria condições financeiras para explorar sozinha o Campo de Libra. A empresa precisa de uma parceria?

Ildo Sauer – Vamos falar a verdade. Isso é tudo jogo de cena para criar confusão! Não falta dinheiro para quem tem reserva de petróleo e tem capacidade tecnológica. Nenhuma empresa tem dinheiro diretamente. Quem tem dinheiro são os bancos, o sistema financeiro e a China, que hoje detém reservas da maior monta do mundo em função do seu processo de produção, exportação e acumulação, que financia grande parte da dívida americana, por exemplo. Então, não falta dinheiro no mundo.

O possível sócio da Petrobras é um mero sócio financeiro, que irá aportar um montante que for definido no leilão, o qual pode chegar até 70%. É possível investir em outro modelo. Por isso, propomos definir uma estratégia brasileira em primeiro lugar, e, posteriormente, quando se decidir produzir petróleo, chamar a Petrobras, contratá-la, definir seus eventuais parceiros de maneira aberta e transparente, negociar as condições, por exemplo, com um parceiro chinês. As empresas chinesas seriam o parceiro ideal para esse processo, assim como empresas indianas ou outras mais.

Como disse, Libra, na minha estimativa, vai custar entre 60 e 80 bilhões de dólares. Além disso, o governo precisa construir a cadeia produtiva brasileira. Infelizmente o governo não se planeja, não expande a formação de recursos humanos, a expansão da capacidade industrial brasileira, das áreas de serviços. Não adianta criar essa situação que temos hoje: as empresas prometem conteúdo nacional, não cumprem, a ANP as multa e acabou! Falta planejamento no país em todos os níveis: educação, saúde, infraestrutura, nas cadeias produtivas da área de energias, etc. O Brasil é um país que opera no dia a dia no improviso. E isso ficou claro com a decisão de tentar queimar o Campo de Libra para resolver um pequeno problema econômico das contas externas e das dívidas públicas. De maneira que o problema financeiro é um mito que inventaram; não falta dinheiro para quem tem reserva de petróleo certificada. O nível de endividamento da Petrobras é facilmente resolvível mediante um modelo diferente de negócio, porque a lei permite. A lei não é boa, ela poderia ser melhor, mas tem suficiente espaço para fazer uma política que garanta o interesse nacional e o interesse público.

(Por Patricia Fachin)