sexta-feira, 31 de maio de 2013

Pensamentando

A síndrome da militância arrogante
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Marília Moschkovich



Parte dos oprimidos adota, previsivelmente, a ideologia do opressor. Mas nem por isso feminismo, ou outros movimentos libertários, deveriam julgar-se superiores

Por Marília Moschkovich, editora de Mulher Alternativa | Imagem: Nick Gentry

A situação não é nada nova: mulheres reforçando o machismo. Isso sempre existiu e existirá, enquanto houver machismo. Ser mulher não torna ninguém automaticamente revolucionária, feminista. Estar na condição de oprimido não torna ninguém necessariamente contra a opressão. Aqueles que lutaram e lutam pelo socialismo no mundo todo sabem bem disso. Se essa condição fosse suficiente para derrubarmos as opressões, definitivamente não teríamos saído da guerra fria como majoritariamente capitalistas, no mundo todo. Quem eram (e quem são) os soldados estadunidenses nas guerras contra “o comunismo”? Donos de empresas? A classe que tem os meios de produção? (eu realmente preciso responder essas perguntas pra vocês?)

A lógica é relativamente simples: existe uma forma dominante de pensar, que defende sempre os interesses de quem domina. Marx chamou isso de ideologia, Gramsci foi mais longe e pensou numa hegemonia, Althusser explicou que esse negócio se difunde por “aparelhos ideológicos” responsáveis em transmitir essas maneiras de pensar e reforçá-las (e, depois, dirá Foucault, a coagir e controlar as pessoas para que as executem). Essa é, substancialmente, a maneira pela qual quem concentra poder mantém o poder concentrado e a sociedade funciona como funciona. As opressões de classe, raça e gênero têm ainda uma série de ferramentas próprias para que se mantenham.

Por isso, não é de se espantar que mulheres reforcem o machismo, ou que pessoas negras reforcem o racismo, ou que pessoas mais pobres defendam os interesses de pessoas mais ricas, e daí em diante. Como militantes, porém, temos duas formas de lidar com essa situação.

A primeira forma é um tanto contraditória, mas extremamente popular entre militantes de diversas causas, infelizmente. Frustrados com essa contradição gerada pelos próprios sistemas de opressão, muitos de nós acabam descontando a frustração nas pessoas que, em tese, estaríamos defendendo. Há algumas semanas, várias companheiras feministas compartilharam no Facebook uma imagem que apontava alguns motivos pelos quais as mulheres deveriam reconhecer o feminismo. No fim da imagem, um pequeno asterisco estragava todo o propósito de militância, com os seguintes dizeres: “Mas se você prefere continuar lavando louça, provavelmente você deve ser mais útil na cozinha. Então fique lá, enquanto outras lutam por você. Não precisa expor sua ignorância para toda a rede”.

Ai. Essa me doeu na alma.

Doeu porque é uma postura muito comum: o militante, ou a militante, sente-se de alguma maneira superior porque consegue enxergar além do véu da ideologia dominante (como diria o barbudo alemão). Esse ar de superioridade faz com que ele ou ela sinta-se no direito de falar por grupos dos quais muitas vezes ele/ela não fazem parte e, muito pior que isso, excluir as próprias pessoas em situação de opressão da luta contra essa opressão. Acham-se no direito de determinar que sua luta “serve” apenas para algumas pessoas – aquelas iluminadas como ele/a, que enxergam os mesmos grilhões. Que raio de militância é essa?

Pessoalmente, prefiro uma segunda atitude possível diante dessa frustração. A bem da verdade, ela inibe o próprio sentimento de frustração. Consiste em enxergar, na existência de oprimidos que agem contra seus próprios interesses, um resultado inevitável do próprio sistema de opressão. Isso permite entender que, enquanto nossos movimentos (negro, feminista, de trabalhadores, etc) existirem, essa contradição existirá, já que a partir do momento em que acabarmos com a opressão, nossa própria militância perde o propósito de existir. Quer dizer: lutamos para acabar com uma opressão; enquanto essa opressão existir, existirá essa contradição que frustra muitos e muitas de nós; quando conseguirmos acabar com a opressão, conseguiremos acabar com a contradição; mas então, nosso próprio movimento deixará de existir.

O fim último de todo movimento contra opressões é que, como resultado de seu próprio trabalho, ele deixe de ser necessário. Que ele deixe de ser necessário precisa ser um objetivo geral, que valha para absolutamente todas as pessoas envolvidas nesses sistemas de opressão. Não dá pra pensar um feminismo que quer incluir apenas as feministas no processo e no resultado da luta. Não dá, gente. Não dá.

Ou o feminismo será para todas e todos, ou não será.


Marília Moschkovich é socióloga, editora do site Mulher Alternativa e co-editora de Blogueiras Feministas. Seus textos em Outras Palavras podem ser lidos aqui.
(Outas palavras)

Filhos de Repressores

Olhar indigesto
 Por Gabriel Monteiro e Jessica Mota* #Ditadura

    Estudo para nó, 2010 (adaptado). Ilustração: Renan Marcondes

Memórias dos parentes de agentes da repressão revelam como os tentáculos da ditadura militar no Brasil chegaram às relações familiares

Era sábado de manhã e o encontro havia sido marcado para dali a algumas horas. Com a certeza da entrevista, os detalhes antecipados em conversas informais pairavam no ar. As constantes mudanças de endereço. Amizades quase inexistentes na infância. Os “tiras” que a acompanhavam no caminho para a aula, e a sensação ruim diante da figura de um deles. Um telefonema anônimo pedindo para ela avisar ao “papaizinho” que sabiam da rotina dela.

G.* viveu a infância e a adolescência nos mesmos 19 anos de atuação profissional do seu pai, um delegado que trabalhou durante o período do regime militar brasileiro no Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo (DOPS), um dos órgãos repressores da ditadura.

O nervosismo e o medo de menina permanecem na mulher de meia idade que prefere cancelar o encontro para evitar um desconforto na família, mas dá indício das repercussões dessas histórias em si mesma. “Minha intenção na época [do trabalho de conclusão de curso da faculdade de artes] era fazer uma performance no ex-DOPS. Tinha em mente fazer uma representação da liberdade em uma das celas, em argila em tamanho natural, com alguém filmando em tempo real. Depois começar a interrogá-la, e golpeá-la, de forma que ao final da atuação a estátua se transformasse num amontoado de argila inerte novamente”, revela, sobre o curso que fez já depois dos 40 anos.

A atitude de G.* prenunciou o receio de outros filhos de agentes da repressão em falar abertamente de suas memórias. Outras duas famílias – a de Rubens Tucunduva, que também foi delegado do DOPS, e a de Erasmo Dias, secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo – não se alongam nas respostas. Cristina Cardozo de Mello Tucunduva, 47 anos, a filha caçula de Rubens Tucunduva, diz que era “muito pequena” para lembrar-se das impressões causadas pelo trabalho de seu pai. Mas conta que seus dois irmãos mais velhos também eram escoltados para a escola e, em certas ocasiões, chegaram a não participar do recreio por segurança. A caçula usa o termo “traumático” para justificar a negativa dos irmãos em conceder entrevista. O homem que ao lado do delegado Sérgio Paranhos Fleury comandou o cerco ao líder da guerrilha armada Carlos Marighella, era para ela simplesmente um pai herói.
Através de gerações

Márcia Dias, filha de Erasmo Dias, conhecido por liderar o episódio da “invasão da PUC” em São Paulo, inicialmente se mostrou disposta a conversar. Nas entrevistas que Erasmo concedia, era comum citar uma filha que tinha tentado se matricular na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sem sucesso. Quando indagada se foi ela essa filha, Márcia se limitou a responder: “desisti da entrevista. Sou eu a filha que passou na PUC”.

A recepção de Márcia no dia da matrícula no curso de Direito não foi das melhores. “Não deixaram ela se matricular pelo fato de ser filha do cara que invadiu a PUC. Mas ela não esperava”, conta sua filha Renata Dias Pacheco, de 26 anos.

A jovem comenta a ingenuidade da mãe. “Foi uma coisa que a chocou, ela tinha 18 anos. Foi humilhada verbalmente. Recebeu uma retaliação por uma coisa que ela não fez”. E completa, “eu não quis nem prestar PUC”.

Renata, papiloscopista da Polícia Civil de São Paulo, fala de modo explícito sobre o regime militar e da carreira do avô. Para ela, o assunto na família ou com os amigos não é nenhum tabu. “Nunca tive medo. Sempre defendi a minha posição, defendi meu avô e o que ele fez. Eu acho que na época faria a mesma coisa. Não é à toa que eu segui essa carreira na Polícia Civil, que é uma coisa que tem a ver com o ramo dele”, diz com orgulho. “Como é engraçado que isso, através de gerações, influencie até eu, que sou neta”, acrescenta.
O quebra-cabeça

Marília Reis, neta de Paulo Bonchristiano, delegado aposentado do DOPS, gargalha com a possibilidade de seguir a profissão do avô. “De jeito nenhum! Isso nunca passou na minha cabeça ou de qualquer um dos meus irmãos”. Com 23 anos, a estudante de arquitetura da USP fala abertamente das questões referentes ao avô, por mais que seja um assunto difícil para a família. “Não sei se a gente consegue parar de digerir”.

Sua mãe nunca foi exposta diretamente a esse conflito. “Na minha percepção, nunca educaram minha mãe para ela saber o que estava acontecendo. Acho que a infância dela tem essa coisa meio vaga, esse clima, uma atmosfera meio violenta rondando, mas não era uma coisa declarada, uma coisa palpável”, opina.

A neta de Paulo Bonchristiano conta que ao estudar sobre a ditadura na escola, finalmente soube o que significava a sigla DOPS que acompanhava o título de delegado do avô. A primeira reação foi raiva. “Quem que é essa pessoa, o que ele já fez? Achava que ele só era um cara meio engraçado com umas historinhas de polícia”, conta.

Depois da raiva, tanto Marília, como seus irmãos e sua mãe, tentam montar o quebra-cabeça da figura afetiva de pai e avô, “tipão italiano, de abraçar, beijar, falar muito”, com a imagem de um delegado do DOPS. Hoje, mais adulta, ela não quer apontar o dedo para o avô e exigir explicações, apesar de ainda sondar o assunto com ele. Em conversas mais francas, as anedotas da infância começam a se tornar diálogos mais concretos.

“Já passou a fase de achar que ele era uma pessoa horrível, já passou a fase de achar que as pessoas exageravam. Chegou ao ponto em que ele é só um velhinho”, coloca. “Ele deve ter feito coisas que eu reprovaria, mas eu nunca vou saber. Ele vai morrer sem me falar. Tenho certeza disso.”

Fora do círculo familiar, as questões diminuem por Bonchristiano não ser um nome tão divulgado quanto o de outros colegas de trabalho do delegado. “No primeiro ano de faculdade teve uma greve grande na USP. Na mesma época veio uma reportagem sobre ele. Fiquei pensando se o pessoal na universidade soubesse que eu sou neta dele”. Mas e se soubessem? “Ia responder que sou. Mas sou outra pessoa”.



*Colaborou Daniele Alexandre.



Ilustração por Renan Marcondes.



    Essa pauta foi uma das três vencedoras do 4º Prêmio Jovem Jornalista Fernando Pacheco Jordão, promovido pelo Instituto Vladimir Herzog.
(Publica)

Bolívia

"Ter relações com os EUA é um cocô", diz Evo Morales
Presidente boliviano usou a expressão para reforçar seu argumentou pela descolonização do país

Agência Efe

Evo Morales argumentou em favor de descolonizar a Bolívia dos Estados Unidos

O presidente da Bolívia, Evo Morales, afirmou nesta sexta-feira (12/10) que “ter relações com os Estados Unidos é como um cocô”. A declaração foi feita durante um ato em comemoração ao Dia da Descolonização.

Durante seu discurso, Morales argumentou que, desde o início de sua administração, tentava implementar práticas para descolonizar seu país.

“Quem tinha boas relações com a embaixada dos Estados Unidos sempre foi admirado. Porém, agora, desculpem a expressão, ter relações com a embaixada dos Estados Unidos é um cocô.”



No decorrer de seu discurso, o presidente boliviano destacou a importância da descolonização, ainda que “não seja simples nos separarmos das potências, como não é fácil tirar a mamadeira” de uma criança.

Após o evento, o ministro da Presidência da Bolívia, Juan Ramón Quintana, afirmou que a expressão usada por Morales diz respeito à arrogância com que os norte-americanos tratam os bolivianos.

Nos últimos anos, as relações diplomáticas entre os dois países têm sido marcadas por diversos problemas, incluindo a expulsão de embaixadores de parte a parte.
(Operamundi)

quinta-feira, 30 de maio de 2013

Nazismo

Opera Mundi

A tropa de artistas que enganou Hitler na Segunda Guerra Mundial
A história dos soldados norte-americanos que usavam tanques infláveis e efeitos sonoros para espantar os inimigos

Rick Beyer/Hatcher Graduate Library

O tanque inflável usado pelo exército dos EUA para enganar Hitler durante a Segunda Guera Mundial

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Mais uma daquelas histórias impressionantes da Segunda Guerra Mundial que virou documentário: era junho de 1944 quando dois franceses desavisados entraram no perímetro de segurança da Vigésima Terceira Tropa de Forças Especiais dos EUA e viram, incrédulos, quatro soldados norte-americanos carregando um grande tanque de guerra. Um dos soldados, diante da cara dos franceses, apenas respondeu: “Os americanos são muito fortes.”

No entanto, não se tratava da força dos soldados, mas da leveza do tanque que era, na verdade, feito de borracha inflável. Este episódio foi documentado numa pintura (logo abaixo) por um dos soldados da tropa, que era mais conhecida como The Ghost Army (o Exército Fantasma). O grupo, que desembarcou na França no verão de 1944, foi recrutado em faculdades de arte e em agências de publicidade e tinha como principal arma a criatividade. Sua missão? Enganar as tropas de Hitler.

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Leia também:
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A máquina de resumos do novo jovem milionário tech
Criticado por homofobia, maior grupo de escoteiros dos EUA perde adeptos

Arthur Shilstone

Pintura do soldado Arthur Shilstone retrata o episódio dos franceses pasmos com a força dos americanos

John Jarvie

Pinturas feitas no tempo livre documentavam a rotina dos soldados

Além dos retratos da guerra que faziam esporadicamente nos tempos livres, o exército fake tinha vários recursos para espantar os soldados alemães: artilharia de borracha, efeitos sonoros e falsas transmissões de rádio faziam a tropa de artistas parecer um grande exército pronto para o ataque. Foram mais de 20 missões — algumas bastante perigosas — na França, Bélgica, Luxemburgo e Alemanha em que a capacidade de atuação dos soldados era o que lhes garantia a vida. Dentre os cerca de 1.100 jovens do grupo estavam o designer de moda Bill Blass, o fotógrafo Art Kane e os pintores Ellsworth Kelly e Arthur Singer.

A “arte da guerra” feita pelos soldados fantasmas exigia muito mais do que apenas carregar os aparatos de borracha e incluía um verdadeiro trabalho cênico para despachar homens em caminhões e ficar dando voltas, aparentando a chegada de uma grande tropa; frequentar cafés franceses para espalhar fofoca entre os espiões que poderiam estar no lugar e visitar cidades vestidos de generais. Estima-se que o Exército Fantasma tenha salvado muitas vidas e sua atuação foi importante para a vitória dos Aliados no ano seguinte.



Alto-falantes imitavam o barulhos de grandes unidades de infantaria

O diretor de cinema Rick Beyer contou que soube da história acidentalmente, em um café, ficou maravilhado e tratou de procurar e entrevistar os dezenove veteranos da tropa que ainda estavam vivos. O resultado está no documentário The Ghost Army, que foi lançado nessa semana na rede de televisão estadunidense PBS. Dá pra ver o trailer abaixo:

(Operamundi)

Filhos de Repressores

Violência, familia e diversidade sexual: em busca de um lar melhor
SEMlac
Adital

Tradução: ADITAL




A familia pode ser um âmbito de apoio, porém, também de rechaço às pessoas jovens com orientação sexual diferente. Como influi em seu desenvolvimento; que implicações tem a dinâmica da família na conformação de sua personalidade e de seus projetos de vida?

A psicóloga Ana María Cano, especialista no trabalho com adolescentes do Centro Nacional de Educação Sexual (Cenesex); Raúl Regueiro, que trabalha com os projetos contra HIV/Aids e Tuberculose, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud); e também o psicólogo do Cenesex Yasmani Díaz, coordenador da Red de Jóvenes, abordam esse tema.

Qual o impacto do apoio ou do rechazo da familia aos jovens com identidades sexuais diferentes?

Ana María Cano: La familia es esencial para la conformación de la personalidad. En este tema de las orientaciones sexuales, cuando jóvenes o adolescentes no son heterosexuales, siempre hay mitos, prejuicios, tabúes y a menudo esas personas son discriminadas en el ámbito de la escuela y la sociedad en su conjunto. Si no cuentan con el apoyo de las familias, entonces se desarrollan en un ambiente muy hostil. Es importante trabajar con la familia para establecer un modo de relación que sea sano, saludable, placentero, de manera tal que estas personas crezcan siendo aceptadas y puedan desarrollarse como seres humanos.

Raúl Regueiro: La homofobia son todos aquellos rasgos, síntomas, que se desarrollan en aquellas personas que no aceptan, no comprenden, la orientación sexual de otras personas cuando es diferente de la heterosexual. Y la familia es un espacio que no está libre de homofobia, con la particularidad de que es el medio familiar el que más influye en la conformación de la personalidad, en la construcción de la autoestima, vital para las personas con orientación sexual diferente porque de ella depende, en gran medida, el autocuidado y la práctica de conductas sexuales responsables. En Cuba, más del 80 por ciento de las personas seropositivas al VIH/sida son Hombres que tienen sexo con Hombres y este comportamiento está altamente relacionado con el rechazo social y, sobre todo, familiar, que han experimentado estos hombres, por solo poner un ejemplo.

Yasmani Díaz: Al interior de la familia, como importante espacio de socialización, se establecen interrelaciones que participan en la modificación o aparición de nuevas opiniones, valoraciones, conductas e incluso afectos. Cuando la familia es estable y va conformando sus normas, este afecto se va haciendo perdurable y forma a las personas en determinadas conductas, les provee estabilidad y autoestima. Pero cuando no existe comprensión, ni buena comunicación en el núcleo familiar, el efecto puede ser muy dañino para el proceso de formación de adolescentes y jóvenes.

¿Dirías que ese rechazo es una forma de violencia? ¿Por qué?

AMC: Por supuesto. El hecho de no aceptar, discriminar, rechazar a hijas e hijos con orientaciones sexuales no heterosexuales, hace que se establezcan relaciones de violencia. Estas hijas e hijos van a acrecer en un ambiente de irrespeto, incomprensión, de no aceptación, que produce manifestaciones de maltrato, a menudo agravadas según pasa el tiempo

RR: El rechazo familiar a las personas con orientación sexual diversa casi siempre va acompañado de actos de violencia, exclusiones, expulsión del hogar, desacreditación ante otros integrantes de la familia. Y estos comportamientos constituyen claros actos de violencia, segregación, discriminación.

YD: La familia es sin dudas un excelente espacio de socialización, pero si en ella se reproducen conductas sexistas, estereotipadas, de rechazo a lo diferente, se convierte en un espacio violento que, a la larga, además del costo personal para las personas que sufren el rechazo, puede traer como consecuencia que adolescentes y jóvenes, en el futuro, también reproduzcan las conductas violentas.

¿Cómo enfrentarlo en Cuba, por dónde empezar?

AMC: Buscamos transmitir el mensaje de que las personas son importantes por lo que son, no por su orientación sexual. Se trata de enseñar a la familia a tener recursos y herramientas para tratar con sus hijos e hijas no heterosexuales de manera que no haya discriminación, rechazo, expulsión del hogar y otras manifestaciones de maltrato.

Desde el CENESEX ya existe una experiencia de trabajo con familia de personas transexuales que coordina la doctora Mayra Rodríguez y este año estamos abriendo otro espacio para familias de homosexuales, lesbianas, para enseñarles a convivir con ese hijo o hija que tiene valores y, no por diferente, debe ser discriminado.

RR: Tener la posibilidad de visibilizar un problema tan grave como la homofobia, en cualquier espacio, es vital. Significa tener la posibilidad de hacer partícipe a las familias y la comunidad de personas homosexuales, bisexuales, transexuales, de un espacio de reflexión, debate, socialización; que ayude a reconocer que estas personas existen, que tienen necesidades, problemas y que, con el apoyo de la familia, serían mucho más seguras, estables y felices.

YD: Creo que se debe visibilizar el problema, pero también enseñar herramientas para enfrentarse a él. Por ahí van muchos de los espacios de capacitación que emprendemos desde la Red de Jóvenes del CENESEX, que parte del principio de que debe ser un espacio, primero, de crecimiento personal, pero también para compartir herramientas para la comunicación, la comprensión de estos problemas.
(Adital)

Mórmons

Mórmons: mais um grupo religioso?
publicado em recortes por luís pereira

Fundada no século XIX, surgiu dos fundamentos da Igreja Católica mas apoia-se totalmente na figura de Jesus, “motor” do cristianismo. Poderia apenas ser mais um grupo mas é uma igreja- a que mais cresce no mundo ocidental, e em menos tempo. Criação ou recriação?


Um novo início

Jesus e o seu exemplo de pessoa e de crente, comprometido com a causa religiosa, resultou numa das mais influentes e universais criações humanas de sempre: o cristianismo. A base teórica criada, de feição religiosa, e desenvolvida pelos seus seguidores e admiradores mais próximos, teve como consequência a instauração e partilha de práticas que, rotinizadas ao mesmo tempo que a adesão social crescia.



Daí resultou um elemento que é basilar para o desenvolvimento da sociedade ocidental (e, porque não, das restantes sociedades) que se denomina de “instituição”. A noção de “instituição” não é mais do que o que o próprio termo quer dizer: o reconhecimento de algo que surgiu e, a partir de um dado momento, já nem damos conta como é que esse “algo” surgiu. Apenas reconhecemos que foi e que ainda se encontra instituído. A noção de “instituição” é uma construção humana natural para facilitar a satisfação de necessidades que entretanto surgem. Trata-se de um conceito que só se compreende se se ligar a este a dimensão da história, pois a instituição só se forma com tempo, à custa da memória dos gestos e das acções humanas, transmitidas de geração em geração. É o factor “tempo histórico” que consegue adicionar à acção de uma organização uma nova cúpula social: a instituição, claro está. Esta é a espinha dorsal da criação da Igreja Cristã (posteriormente, Católica, com a ascensão das diferentes formas de protestantismo).

A Igreja instituiu-se no imaginário das pessoas, conseguindo chegar até estas através da sua visão inovadora (à época) sobre a vida e a morte. Instituiu uma nova moral e, automaticamente, a aceitação social delegou nela esse poder, que ainda hoje não perdeu. Contudo, é reconhecido até pelo Papa Francisco que a Igreja desviou-se do exemplo de vida que serviu de motivação para a sua própria instauração.



Séculos depois da sua criação (e ainda mais sobre a morte de Cristo, enquanto vigorava a dominação imperial de Roma), em 1820, Deus, em nome de Jesus Cristo, se terá revelado a Joseph Smith, pedindo-lhe que ouvisse Cristo. Jesus terá incumbido Joseph da tarefa de restaurar a Igreja Cristã (referindo que as outras crenças no mundo não eram verdadeiras), tal como esta se encontrava originalmente, com 12 apóstolos e um profeta. A doutrina da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias (ou Mórmon) baseia-se na figura de Joseph Smith e na restauração da igreja que, em nome de Jesus Cristo, foi fundada séculos atrás. De mera seita, virou igreja. De mera organização, passou a instituição.

Ser mais ou menos cristão?

Tentar perceber qual das duas igrejas, por exemplo, é a mais ou a menos "cristã" consiste em entrar num raciocínio de competitividade desprovido de sentido. Contudo, foi o desvio das igrejas cristãs já existentes (não só a católica) face às ideias de Cristo que resultou na necessidade de redireccionar o rumo do cristianismo, restaurando-o. Apesar da intenção clara de voltar às origens, a vida de Jesus ainda apresenta enigmas difíceis de superar, como o de um possível relacionamento deste com Maria Madalena. A falta de informação ou de confirmação de dados acaba por ir legitimando a força das crenças instituídas pelas igrejas (como a revelação de Jesus a Joseph Smith), bem como a sedimentação de uma ideologia específica que desenvolve a crença assumida (como a permanência da proibição do uso do preservativo pela Igreja Católica, mesmo depois de se saber dos riscos potenciais que isso pode acarretar para a saúde pública, em muitas sociedades).

Assim, por mais que se possa desejar, não é fácil regressar às origens - precisamente, por não se ter a certeza de como foram, em diversos aspectos, essas origens. Mais uma vez, podemos constatar que é a incerteza que abre margem à crença (e, a partir desta, ao desvio...) e que o ser humano tem necessidade de preencher “vazios”. É disto que as igrejas sempre tratam, ou não?



luispereira
luís pereira . Segundo José Saramago, "sempre chegamos aonde nos esperam." Saiba como fazer parte da obvious.

Leia mais: http://obviousmag.org/archives/2013/05/mormons_mais_um_grupo_religioso.html#ixzz2UZpKfJBb

Mulheres, c a ressalva de ser assinado por Jabor

As Mulheres
publicado em artes e ideias por benjamin júnior


Jabor Mulheres Sexo
Por Arnaldo Jabor

A política está tão repulsiva que vou falar de sexo". Outro dia, a Adriane Galisteu deu uma entrevista dizendo que os homens não querem namorar as mulheres que são símbolos sexuais. É isto mesmo. Quem ousa namorar a Feiticeira ou a Tiazinha?

As mulheres não são mais para amar; nem para casar. São para "ver". Que nos prometem elas, com suas formas perfeitas por anabolizantes?

Prometem-nos um prazer impossível, um orgasmo metafísico, para o qual os homens não estão preparados. As mulheres dançam frenéticas na TV, com bundas cada vez mais malhadas, com seios imensos, girando em cima de garrafas, enquanto os pênis-espectadores se sentem apavorados e murchos diante de tanta gostosura. Os machos estão com medo das "mulheres-liquidificador".

O modelo da mulher de hoje, que nossas filhas ou irmãs almejam ser (meu Deus!), é a prostituta transcendental, a mulher-robô, a "Valentina", a "Barbarela", a máquina-de-prazer sem alma, turbinas de amor com um hiperatômico tesão.

Que parceiros estão sendo criados para estas pós-mulheres? Não os há. Os "malhados", os "turbinados" geralmente são bofes-gay, filhos do mesmo narcisismo de mercado que as criou. Ou, então, reprodutores como o Zafir, para o Robô-Xuxa.

A atual "revolução da vulgaridade", regada a pagode, parece "libertar" as mulheres. Ilusão à toa. A "libertação da mulher" numa sociedade escravista como a nossa deu nisso: superobjetos. Se achando livres, mas aprisionadas numa exterioridade corporal que apenas esconde pobres meninas famintas de amor, carinho e dinheiro. São escravas aparentemente alforriadas numa grande senzala sem grades. Mas, diante delas, o homem normal tem medo. Elas são "areia demais para qualquer caminhãozinho".

Por outro lado, o sistema que as criou enfraquece os homens eles vivem nervosos e fragilizados com seus pintinhos trêmulos, decadentes, a meia-bomba, ejaculando precocemente, puxando sacos, lambendo botas,engolindo sapos, sem o antigo charme "jamesbondiano" dos anos 60.

Não há mais o grande "conquistador". Temos apenas os "fazendeiros de bundas" como o Huck, enquanto a maioria virou uma multidão de voyeur, babando por deusas impossíveis.

Ah, que saudades dos tempos das "bundinhas e peitinhos" "normais" e "disponíveis"... Pois bem, com certeza a televisão tem criado "sonhos de consumo" descritos tão bem pela língua ferrenha do Jabor (eu). Mas ainda existem mulheres de verdade. Mulheres que sabem se valorizar e valorizar o que tem "dentro de casa", o seu trabalho. E, acima de tudo, mulheres com quem se possa discutir um gosto pela música, pela cultura, pela família, sem medo de parecer um "chato" ou um "cara metido a intelectual".

Mulheres que sabem valorizar uma simples atitude, rara nos homens de hoje, como abrir a porta do carro para elas. Mulheres que adoram receber cartas, bilhetinhos (ou e-mails) românticos. Escutar no som do carro, aquela fitinha velha dos Beegees ou um cd do Kenny G (parece meio breguinha)... mas é tão bom!!! Namorar escutando estas musiquinhas tranqüilas.

Penso que hoje, num encontro de um "Turbinado" com uma "Saradona" o papo deve ser do tipo: - "meu"... o meu professor falou que posso disputar o Iron Man que vou ganhar fácil!." - "Ah meu...o meu personal Trainner disse que estou com os glúteos bem em forma e que nunca vou precisar de plástica". E a música??? Só se for o último sucesso "(????)" dos Travessos ou Chama-chuva..." e o "Vai Serginho"???...

Mulheres do meu Brasil Varonil!!! Não deixem que criem estereótipos!! Não comprem o cinto de modelar da Feiticeira. A mulher brasileira é linda por natureza!! Curta seu corpo de acordo com sua idade, silicone é coisa de americana que não possui a felicidade de ter um corpo esculpido por Deus e bonito por natureza.

E se os seus namorados e maridos pedirem para vocês "malharem" e ficarem iguais à feiticeira, fiquem... Igual a Feiticeira dos seriados de TV: Façam-os sumirem da sua vida !!!

benjamin júnior esteve ligado às artes e tecnologia, sendo um dos fundadores da obvious. Adora o inverno, o conchego da lareira, bom vinho, boa comida e, acima de tudo, boa companhia. Saiba como fazer parte da obvious.

Leia mais: http://obviousmag.org/archives/2006/03/as_mulheres_3.html#ixzz2UZr4NvWA

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Propriedade privada

Propriedade privada: não entre
By
Kátia Marko

Questão fundamental dos relacionamentos deveria ser amor; mas crença na “fidelidade” interrompe fluxos, suscita fantasmas e impede viver criativo

Por Katia Marko



“É pena que você pense
Que eu sou seu escravo
Dizendo que eu sou seu marido
E não posso partir

Como as pedras imóveis na praia
Eu fico ao seu lado sem saber
Dos amores que a vida me trouxe
E eu não pude viver…”

Raul Seixas



Por que a traição nos afeta tanto? A simples possibilidade da infidelidade em um relacionamento deixa alguns desesperados que nem crianças. Outros parecem não se importar, porque criaram uma defesa que os torna mais frios e também menos abertos à entrega amorosa. De qualquer forma, quando algo que cheire a infidelidade acontece, é uma avalanche, porque sempre há uma dor muito profunda em jogo.

Esta é uma questão que até hoje causa um grande desgaste nas relações, mas também tem sido fruto de debates importantes sobre o modelo monogâmico de família. Muitas pessoas já se arriscam a viver diferente.

Na Comunidade Osho Rachana, experimentamos novas formas de nos relacionar. Os casais, por exemplo, escolheram viver em casas separadas, mesmo com filhos. Não estou dizendo que a fidelidade não seja uma questão forte ainda. Mas buscamos em nossos trabalhos emocionais compreender melhor as causas do desespero.

Como Sartre e Simone de Beauvoir, poderíamos aceitar que nosso amado realizasse seus desejos e simplesmente dizer: “Eu te amo meu amor, portanto, se você sentiu atração por outra pessoa, tudo bem… Você vai ficar mais completa/o e assim a gente vai poder se amar mais”. Mas sabemos que este papo é balela na maior parte das situações.

A realidade da maioria dos mortais é bem menos libertária ou poética e o que acontece é que um parceiro tenta dominar o outro e fazer “contratos” reais, verbais ou até mesmo acordos silenciosos para evitar esta possibilidade. Apenas esquecemos que estes contratos vão também destruindo o amor.

Segundo o terapeuta corporal Prem Milan destaca em seu livro Por que você mente e eu acredito?, é um grande equívoco nos comportarmos como se tivéssemos várias torneiras que pudéssemos abrir ou fechar. “Eu fecho aqui para o João, aqui para a Maria, ali para a Francisca e mantenho aberta só para o Antônio. Esse é um erro, uma vez que a torneira da energia é uma só. Você não pode interromper seu fluxo para uns e abrir para outros. Quando você corta a possibilidade de exercer ou sentir atração fora do relacionamento, tem início um processo de perda da sensualidade. Para atender às expectativas inconscientes do outro, você passa a se vestir mal, a engordar e não se cuidar direito.”

Para não atrair outras pessoas, acabamos ficando não atraentes para nosso parceiro também. “Já não existe criatividade na relação, o sexo já não possui aquele fogo do início, não há mais espaço para o inusitado. Isso porque grande parte da energia dos dois está sendo reprimida em nome de um pacto de fidelidade que não é natural”, afirma Milan.

É claro que não existe uma fórmula de comportamentos ideais nem um manual de instruções. Tudo depende dos limites, dos sentimentos e das escolhas de cada um. Mas uma coisa é certa, conclui Milan: sempre que dizemos que aquela pessoa é nossa propriedade, o amor começa a morrer. E ele deixa claro que não defende que não existe fidelidade. “Quando se está amando profundamente, a gente só quer saber do toque da pessoa amada, só quer para si aquela energia. Mas essa é uma fidelidade que brota naturalmente, não fruto da repressão de seus impulsos e instintos. Nada garante que o desejo de ser fiel vá durar para sempre.”

Forçar a barra no quesito fidelidade tem causado grande dano aos relacionamentos, pois o amor nunca foi posse. O amor é liberdade. “A confiança no amor, mais do que na pessoa amada, é algo fundamental a ser resgatado. Sem ela, o medo do julgamento, do abandono e da rejeição estarão muito presentes, tornando quase impossível a entrega”, conclui Milan. Na sua visão, não olhar mais profundamente para esta questão implica em amar superficialmente, sem viver a verdadeira beleza do amor, sem viver o êxtase sexual, aquele momento em que nos perdemos em explosões orgásticas e que só acontece se estivermos confiando.
(Outras palavras)

Pensamentando

Ler Primeiro: Os seis dias em que teve lepra
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admin


Todos estavam mais preocupados em descobrir o ainda encoberto, exatamente como a camisa escondia a marca que carregava no peito

Por D.L Benette

A luz natural  é outra ali no corredor da máquina de expresso. Ela entra pelos extremos e deixa aquela passagem sempre um tanto escura, como o café amargo e a angústia de quem pára ali, bem rapidinho, e joga uma conversa fora, bem de dentro e para o outro que nem sempre pega a essência da informação que recebeu e a deixa ali no lixo do chão de borracha. A doçura de quem destila o fel da contradição de ser o que não pratica se perde no tempo.

Na grande sala sem janelas, de teto alto e forro baixo, as luzes ficam acesas ininterruptamente por mais de vinte horas por dia, todos os dias da semana, todas as semanas do mês, todos os meses do ano, todos os anos da vida. As coisas que vão acontecendo em nada se transformam.

Existir é continuar dando os passos, algo como continuar continuando embrenhado na selva de coisas que esperam ganhar forma a partir da interferência de um indivíduo que nomeie. Isto é isto que não é aquilo que, assim, chegará aquele, modificado por isto, dentro disso que veio daquilo, por intermédio do outro que, quando aqui passou, buscou para os que viéssem o que no momento não tem.

As dores chegam ao corpo para dizer-lhe do que vive somente na mente. É uma busca frenética para dissipar o abismo entre a concretude de sua existência. A pele se enruga simetricamente nos extremos de seu lábio superior. É só a primeira ruga, já que outras virão  como vieram no mesmo lábio do pai.

As dores, apesar de no corpo, não eram físicas. Já havia quebrado o braço, cortado o queixo, a cabeça, as mãos e o dedão. Todos com gesso ou ponto. Já teve gases e dor de estômago. Já distendeu o músculo da coxa num chute na bola. Mas não era nada, nada dessas dores, perto da dor que o corpo já expressava, mas nada sentia. Era a dor da ausência aquela ali. Dor de ser informação = em (in) fôrma (forma) insossa, ininterrupta, eternamente contínua (ção). Dor de querer um nome e, assim, passar a ser. Isso, ser! Ser é a chance ao outro de reagir, agir, fugir, fingir, tingir. É a chance de  não ser eterno.

Mas naquele café, ali naquele corredor, ninguém queria saber de nada. Saber seria acolher o que já foi conhecido e todos estavam muito mais preocupados em descobrir o que ainda estava encoberto, exatamente como a camisa escondia a marca que carragava no peito, há algumas horas e para todo o sempre.

Era marca, não etiqueta, não produto industrial. Embora aquela marca enquadrasse-o numa classificação, igualando-o (apesar de ser diferente) a outros que deram de si à história. Poderia ser o emblema, caso fosse ele uma peça, mas sendo homem, aquela marca, ali, sobre o coração, era mesmo um vestígio sobre a pele que envolve os tecidos dos seus nervos. Um estigma concretizado ao longo da história da ignorância que puxaria na memória do espectador referências elencadas ao longo de uma existência imbecil. Mas não havia como escapar. Ali, cravado, está um sinal, uma indicação, uma nota. É fato indicativo de limites, delineador de fronteiras, divisões de diferentes e, naquele instante, a percepção era indicativa de que haveria um caminho a ser transposto entre onde estava e para onde ia, algo como a passagem saudável/doente.

A fronteira, neste binômio, é a ponte sobre abismo desconhecido cravado na ruptura de um universo. Lá do alto, no meio da ponte, de um lugar impossível de se ficar, amedrontador para voltar, terrível para continuar, a ponte une a passagem, mas é só caminho, a caminhada, solitária. Não caminhar, voltar, ir, pular, agachar e ficar ali, emudecido, eram atitudes previsíveis. Esperar uma mão a levantar-lhe e sugerir a travessia da inércia da fronteira sem nacionalidade, era uma esperança.

Nem doente, nem saudável, a fronteira é campo neutro entre os extremos da existência. Até agora, ao menos, ninguém é da fronteira, que é um não-lugar, porque todos somos de algum lugar, de um dia, com nome, origem, tradição. Não dá para ser de lugar nenhum, pois sendo de lá, lá na hora vira lugar algum. Da fronteira, é de passagem para se fixar de um ou outro lado.

A marca, cravada no peito, era só a representação de algo além dela e indicativa de limites. Ao perceber a marca, partes do cérebro se ativam em processos que conjugam idéias ligadas a sistemas emocionais. Ao contrário das griffes, que marcam roupas, perfumes e coisas, aquela ali despertava o que nem sabia que tinha adormecido em si já que não se tratava de uma dessas marcas de nascência, da qual nem questionamos. É marca da representação do invisível aos olhos colonizando o universo de um corpo de Homem que traduz-se na conjugação interativa com a mente.

Escondida sob a camisa, a marca no peito dele não existia. Nada existe se não se tornar existência, a questão era saber se se tornaria. Ou não. Se já era um existente no corpo ou não. Se existia só na sua cabeça. Da sala de espera, avistava a médica, a passos largos, sorriso no rosto, contemplando um minúsculo pedaço do seu peito dentro de um frasquinho. Um pedacinho dele rumo à biópsia.


D.L.Benette é jornalista e diplomado com o mestrado de Comunicação e Semiótica. Mora em Sorocaba-SP. Gosta de ler, de filmes no cinema, de jogar tênis em quadra de saibro e jogar xadrez no celular. Gosta de ver jogo do São Bento no campo e do Palmeiras na TV. Gosta de comer e tomar uísque. Gosta de conversar e trocar mensagens por emails (dlbenette@gmail.com). Não gosta de intolerância.


Vale a pena ler primeiro é seção de Outras Palavras dedicada à literatura. Foi criada e é editada por Fabiano Alcântara. Jornalista especializado em cultura, repórter de Música do portal Virgula, e colaborador de diversas publicações – como Valor Econômico e os sites das revistas TRIP e TPM –, Fabiano é também músico, baixista das bandas Mercado de Peixe e Lavoura e curador de festivais.Para ler edições anteriores da coluna, clique aqui.
(Outras palavras)

Infelicidade

Manifesto Infeliz

"Infelicidade é mais que um mero sentimento. É um direito humano.

Nós somos muito mais inclinados à infelicidade que ao seu contrário. Se somos livres para perseguir a felicidade, não nos leva mais que alguns minutos pensando e ponderando para a infelicidade se instalar. É um sentimento muito mais natural e familiar que a felicidade. Afinal, é compartilhado por muitos mais do que a escassa alegria vivenciada pelos chamados privilegiados.

A infelicidade é democrática: pode afetar qualquer um. Também é alcançada muito mais facilmente: até em uma terra de abundância, a falta de apenas uma coisa pode trazer infinita infelicidade.

Se abraçada, a infelicidade pode despertar uma gama muito mais ampla de sentimentos (depressão, autodesprezo, raiva) que seu oposto, a felicidade, que simplesmente é.

A infelicidade não coloca pressão naquele que a sente, ao contrário da constante e mundial exigência à qual somos submetidos para sermos felizes. A infelicidade não nos persegue. Ela surge dentro de nós.

E não há nada que possa aplacá-la. Enquanto uma pequena, singela desilusão pode devastar a felicidade, algumas pessoas simplesmente nascem com uma capacidade extraordinária para a infelicidade, que nenhuma quantidade de coisas boas, momentos alegres e pessoas queridas pode destruir.

Apesar de tudo isso, a infelicidade sempre foi mal vista. De remédios pesados, a fofos e coloridos desenhos animados, esses inquisidores felizes tentam há eras suprimir a infelicidade e impor a felicidade, a todo custo. No passado, eles acreditavam que a infelicidade era causada pelo constante medo da morte, pragas ou fome, ou a falta de condições de vida de qualidade. Mas o tempo se encarregou de mostrar que nenhum aumento de salário, escolhas, liberdade, saúde, expectativa de vida ou conta bancária das pessoas pode diminuir a infelicidade nos seus corações.

Nós temos, desde o nascimento, o potencial - e o direito - de sermos infelizes. Um poeta poderia até mesmo expressar que 'ser Humano é ter o poder de ser infeliz'.

A infelicidade não surge de fora, não é imposta, tampouco demandada, muito menos esperada. Ela nasce livre e genuinamente, sem cobrar nada.

É tempo de pararmos de depreciar a infelicidade, abraçando essa capacidade verdadeiramente humana, natural à sua mente, ao seu coração e à sua alma, e admitindo que nós somos, e possivelmente seremos, para sempre, infelizes."

Larissa Pontez, no seu JOM.
(Digest. Cultural)

terça-feira, 28 de maio de 2013

Médicos Cubanos

Médicos cubanos no Brasil?

por Frei Betto*

Cuba3 Médicos cubanos no Brasil?

O Conselho Federal de Medicina (CFM) está indignado frente ao anúncio da presidente Dilma de que o governo trará 6.000 médicos de Cuba, e outros tantos de Portugal e Espanha, para atuarem em municípios carentes de profissionais da saúde. Por que aqui a grita se restringe aos médicos cubanos? Detalhe: 40% dos médicos do Reino Unido são estrangeiros.

Também em Portugal e Espanha há, como em qualquer país, médicos de nível técnico sofrível. A Espanha dispõe do 7º melhor sistema de saúde do mundo, e Portugal, o 12º. Em terras lusitanas, 10% dos médicos são estrangeiros, inclusive cubanos, importados desde 2009. Submetidos a exames, a maioria obteve aprovação, o que levou o governo português a renovar a parceria em 2012.

Ninguém é contra o CFM submeter médicos cubanos a exames (Revalida), como deve ocorrer com os brasileiros, muitos formados por faculdades particulares que funcionam como verdadeiras máquinas de caça-níqueis.

O CFM reclama da suposta validação automática dos diplomas dos médicos cubanos. Em nenhum momento isso foi defendido pelo governo. O ministro Padilha, da Saúde, deixou claro que pretende seguir critérios de qualidade e responsabilidade profissionais.

A opinião do CFM importa menos que a dos habitantes do interior e das periferias de nosso país que tanto necessitam de cuidados médicos. Estudos do próprio CFM, em parceria com o Conselho Regional de Medicina de São Paulo, sobre a “demografia médica no Brasil”, demonstram que, em 2011, o Brasil dispunha de 1,8 médico para cada 1.000 habitantes.

Temos de esperar até 2021 para que o índice chegue a 2,5/1.000. Segundo projeções, só em 2050 teremos 4,3/1.000. Hoje, Cuba dispõe de 6,4 médicos por cada 1.000 habitantes. Em 2005, a Argentina contava com mais de 3/1.000, índice que o Brasil só alcançará em 2031.

Dos 372 mil médicos registrados no Brasil em 2011, 209 mil se concentravam nas regiões Sul e Sudeste, e pouco mais de 15 mil na região Norte.

O governo federal se empenha em melhorar essa distribuição de profissionais da saúde através do Provab (Programa de Valorização do Profissional de Atenção Básica), oferecendo salário inicial de R$ 8 mil e pontos de progressão na carreira, para incentivá-los a prestar serviços de atenção primária à população de 1.407 municípios brasileiros. Mais de 4 mil médicos já aderiram.

O senador Cristovam Buarque propõe que médicos formados em universidades públicas, pagas com o seu, o meu, o nosso dinheiro, trabalhem dois anos em áreas carentes para que seus registros profissionais sejam reconhecidos.

Se a medicina cubana é de má qualidade, como se explica a saúde daquela população apresentar, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), índices bem melhores que os do Brasil e comparáveis aos dos EUA?

O Brasil, antes de reclamar de medidas que beneficiam a população mais pobre, deveria se olhar no espelho. No ranking da OMS (dados de 2011), o melhor sistema de saúde do mundo é o da França. Os EUA ocupam o 37º lugar. Cuba, o 39º. O Brasil, o 125º lugar!

Se não chegam médicos cubanos, o que dizer à população desassistida de nossas periferias e do interior? Que suporte as dores? Que morra de enfermidades facilmente tratáveis? Que peça a Deus o milagre da cura?

Cuba, especialista em medicina preventiva, exporta médicos para 70 países. Graças a essa solidariedade, a população do Haiti teve amenizado o sofrimento causado pelo terremoto de 2010. Enquanto o Brasil enviou tropas, Cuba remeteu médicos treinados para atuar em condições precárias e situações de emergência.

Médico cubano não virá para o Brasil para emitir laudos de ressonância magnética ou atuar em medicina nuclear. Virá tratar de verminose e malária, diarreia e desidratação, reduzindo as mortalidades infantil e materna, aplicando vacinas, ensinando medidas preventivas, como cuidados de higiene.

O prestigioso New England Journal of Medicine, na edição de 24 de janeiro deste ano, elogiou a medicina cubana, que alcança as maiores taxas de vacinação do mundo, “porque o sistema não foi projetado para a escolha do consumidor ou iniciativas individuais”. Em outras palavras, não é o mercado que manda, é o direito do cidadão.

Por que o CFM nunca reclamou do excelente serviço prestado no Brasil pela Pastoral da Criança, embora ela disponha de poucos recursos e improvise a formação de mães que atendem à infância? A resposta é simples: é bom para uma medicina cada vez mais mercantilizada, voltada mais ao lucro que à saúde, contar com o trabalho altruísta da Pastoral da Criança. O temor é encarar a competência de médicos estrangeiros.

Quem dera que, um dia, o Brasil possa expor em suas cidades este outdoor que vi nas ruas de Havana: “A cada ano, 80 mil crianças do mundo morrem de doenças facilmente tratáveis. Nenhuma delas é cubana”.

* Frei Betto é escritor e assessor de movimentos sociais.

** Publicado originalmente no site Adital.
(Adital)

O Corno

O Corno em Série
David Butter

   
       


Os cornos herdaram a terra. No Brasil, é deles o grito, é deles a indignação. Hoje, parecer cidadão pressupõe agir como um corno surpreso: "esse político não me representa", "não sabia que um ser humano poderia ser capaz de tanta barbaridade", "existem conservadores", tudo diz a mesma coisa: fui traído pelo real.

O indignado é traído pela política, pela religião e pela cultura. É um corno em série. Na mansão do mundo, o cidadão abre porta a porta e atrás de cada uma delas encontra a mesma mulher, com outro ricardo. Segue abrindo com insistência até um ponto em que gasta as mãos. Daí em diante passa a imaginar a mulher numa Ibiza das Ideias, numa terra sempre distante, de prazer alheio. Essa Sodoma Mental é a contraimagem de tudo de que o corno se orgulha e de tudo em que ele diz acreditar: é o CEP do que ele nega. A dor do corno é geográfica, assim como seu suspiro: Enquanto isso, em Brasília.

(Não importa qual a doença, qual a tragédia, qual o desastre. Do piolho na escola à dengue na fila do hospital, da morte de um homem à morte de duzentos, da queda de uma marquise ao desabamento de uma ponte: alguém, algum corno do real dirá Enquanto isso, em Brasília.)

A dor do corno é pública, se anuncia com gosto na praça. É um masoquismo afrodisíaco. O corno em série grita "Acorda, Brasil" ao cornário reunido, e assim se crê mais desperto, mais potente em sua cornice. O corno se viagra na vergonha.

A dor do corno é teatral, mora no palco. O corno em série trabalha e anseia pela catarse. É um palhaço infeliz que faz piadas sobre vinganças sangrentas: sobre congressos invadidos, sobre bandidos fuzilados. É um personagem entre Otelo e Grande Otelo, o patético que oscila entre o trágico e o cômico.

A dor do corno é nostálgica, se apoia numa ideia de passado. Para alguns, esse passado é a ditadura. Para outros, é o dia dourado em que se discutia filosofia na Praia de Ipanema. O corno em série é sempre um bossa-nova cantando "O Barquinho" diante de um açude seco.

O corno em série é um camaleão traído. Tem muitas cores.

No Facebook, tem as cores de um Voltaire: é um dos termômetros da angústia no Brasil contemporâneo, ao lado do taxista e do vendedor de pacotes teatrais. Como Voltaire de Facebook, vive uma ética de atropelo, de absurdo a absurdo, de abaixo-assinado a abaixo-assinado. O Voltaire de Facebook está sempre escandalizado! Seu sentido é de urgência! Seu discurso é de alerta, exclamação!

Nas caixas de comentários de portais, o corno em série é o Tarado do Suíngue. Sob anonimato, entrega a lógica para dormir com a loucura. Vê em qualquer omissão uma ocultação; em qualquer menção, uma maquinação; em qualquer abordagem de tema, um desvio de algo central, mais importante. É um moralista erotizado, um apocalítico saudoso. Olha a planície informativa à espera de uma revelação no Sinai da sua própria cabeça, uma eureca que lhe permita dizer que O castelo de cartas caiu.

(Nota para roteiro: comentarista de internet interpretado por Jece Valadão deixa o computador numa tarde morta e sai armado às ruas mandando homens, mulheres, velhos e crianças dançarem Cancan. "Vou mostrar a verdade, vou mostrar a verdade.")

Noutros tempos, até recentes, o corno em série frequentava também sebos. Neles, assumia as roupas mal lavadas do Conspirador de Sebo — primo do Louco de Palestra, tão bem retratado por Vanessa Barbara na "Piauí" de outubro de 2010. Passei uma década respirando poeira da Guerra Fria em livrarias decrépitas. A cada três horas, alguém surgia pedindo "Mein Kampf". A cada uma, "O Livro de São Cipriano — Capa Preta". Posso atestar que os sebos eram masmorras de templários. E lá, entre os degredados, circulava o Conspirador de Sebo: sempre traído pelo real, pelo imediato, mas tentando aparentar segurança nos processos de tiro mais longo, como se carregasse uma placa de "Eu já sabia" para sacar com pelo menos dez minutos de atraso. Hoje, o Conspirador de Sebo é tão raro quanto os sebos físicos. Migrou como andorinha desconfiada para o digital, mudou de pena.

O corno são muitos, mas o que o corno quer? Minha tese é a de que o corno em série só quer amar.

Quando reclama, o corno em série quer, na realidade, defender a imagem ideal de algo que ama. Quando investe contra a imprensa, atribui a ela uma missão imensa, redentora. Quando denuncia na política, rende uma homenagem ao poder, uma confiança mal disfarçada. Quando mira o Papa, celebra o Trono de Pedro. Diante do que percebem como um desvio, os cornos em série gritam aos céus como se uma ordem eterna tivesse sido conspurcada. Nesta ordem eterna, o poder é bom, claro e efetivo.

O corno em série é um idealista, um romântico: ama a adúltera quanto mais ela for. Diante de uma realidade que trai e trai, o corno vê no seu chifre a prova de consciência histórica. Quando se olhar no espelho de um mural de Facebook, o corno em série, o corno traído pelo real, o corno da consciência talvez ainda se pergunte: quantas curtidas merece esse corninho?

Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pela autor. Originalmente publicado no blog David Butter.

David Butter

Drummond

Necrológio dos desiludidos do amor – Carlos Drummond de Andrade


Necrológio dos desiludidos do amor

Os desiludidos do amor
estão desfechando tiros no peito.
Do meu quarto ouço a fuzilaria.
As amadas torcem-se de gozo.
Oh quanta matéria para os jornais.

Desiludidos mas fotografados,
escreveram cartas explicativas,
tomaram todas as providências
para o remorso das amadas.
Pum pum pum adeus, enjoada.
Eu vou, tu ficas, mas nos veremos
seja no claro céu ou turvo inferno.

Os médicos estão fazendo a autópsia
dos desiludidos que se mataram.
Que grandes corações eles possuíam.
Vísceras imensas, tripas sentimentais
e um estômago cheio de poesia.

Agora vamos para o cemitério
levar os corpos dos desiludidos
encaixotados competentemente
(paixões de primeira e de segunda classe).

Os desiludidos seguem iludidos,
sem coração, sem tripas, sem amor.
Única fortuna, os seus dentes de ouro
não servirão de lastro financeiro
e cobertos de terra perderão o brilho
enquanto as amadas dançarão um samba
bravo, violento, sobre a tumba deles.

( Carlos Drummond de Andrade )
(Poema digitado e novamente conferido por mim mesmo em 6 de setembro de 2012, publicado em Antologia Poética – 12a edição – Rio de Janeiro: José Olympio, 1978, ps. 136 e 137)

(Seleção de Fabio Rocha)
(Magia da Poesia)

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Drummond

Poema de Sete Faces – Carlos Drummond de Andrade

Poema de Sete Faces

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.

( Carlos Drummond de Andrade )
(Poema digitado e conferido por mim mesmo em 2 de setembro de 2012, publicado em Antologia Poética - 12a edição - Rio de Janeiro: José Olympio, 1978, p.
(Magia da Poesia)

prosopagnosia

Prazer em (não) conhecê-lo
por Sofia Pires Lopes

Um estranho chama-o e acena do outro lado da rua, mas não o reconhece. No trabalho, uma colega nova sorri entusiasticamente e pergunta pormenores do seu fim-de-semana. Parece-lhe o princípio de um filme de ficção científica? Não para dois por cento da população mundial, que sofre de prosopagnosia, uma condição também conhecida por cegueira facial.



Simplificando, prosopagnosia é uma condição em que os sujeitos não reconhecem os rostos das pessoas que os rodeiam no dia-a-dia, sejam esses rostos de irmãos, pais, filhos ou cônjuges. A doença tanto pode ser adquirida como congénita. No caso da adquirida, surge de danos no lobo occipito-temporal. No caso da prosopagnosia congénita, estudos revelam que a parte do cérebro que reconhece as faces, chamada de fusiforme gyrus, nunca se desenvolve.

filme_prosopagnosia_aboleiadaideia.jpgTerreno fértil para filmes e livros, muitas são as visões romanceadas da doença. Na curta-metragem Prosopagnosia, de 2011, um amigo olha nos olhos o assassino da melhor amiga, sem conseguir reconhecer-lhe os traços faciais. Torna-se o suspeito principal do acto.

Em Faces in the Crowd, Milla Jovovich é uma jovem professora que testemunha, uma vez mais, o assassinato da melhor amiga. Após escapar ao assassino, sofre um acidente e, ao bater com a cabeça, danifica a parte do cérebro responsável pelo reconhecimento facial.

livro_prosopagnosia_aboleiadaideia.jpg“A sua cara é-me estranha”, diria Heather Sellers, a autora do livro You Don’t Look Like Anyone I Know – A True Story of Family, Face Blindness and Forgiveness. A autora, ela própria com cegueira facial, mostra o lado humano e quotidiano de alguém que vive rodeada de pessoas que não identifica.

Acredita-se, após estudos em todo o mundo, que cerca dez por centro da população sofra de uma forma leve de prosopagnosia. Para ajudar no diagnóstico, são 7 as questões a colocar:

    Alguma vez não reconheceu um amigo ou familiar?

    Quando conhece alguém, tenta memorizar alguma característica distintiva que não a cara?

    Perde-se ao ver filmes ou séries na TV, especialmente quando há vários actores semelhantes?

    Não se reconhece ao espelho ou em fotografias?

    Quando alguém lhe acena, há uma grande probabilidade de não reconher a pessoa?

    Se alguém próximo a si corta o cabelo, tem dificuldade em reconheê-lo/a?

    Difilmente reconhece vizinhos, amigos, colegas, clientes, colegas de escola?


Até agora, nenhuma das terapias apresentadas por estudiosos se mostrou válida para curar, ou sequer melhorar, a condição dos prosopagnósicos.

Pense nas pessoas que conheceu na sua vida até hoje. Imagina-se a não reconhecer nenhuma delas?



sofialopes
Artigo da autoria de Sofia Pires Lopes.
Se tivesse um cêntimo por cada ideia, como levaria todas as moedas para o banco? Com sorte, algumas serão boas e é a essas que peço boleia.
Saiba como fazer parte da obvious.

Garbo

Garbo: uma atriz distante
em cinema por Franklin Marques em 15 de mai de 2013 às 19:38

Greta Lovisa Gustafson, a Divina, Greta Garbo carrega uma vida misteriosa. Dificilmente dava entrevistas e atendia ao público. Como, então, Garbo se tornou a grande estrela de Hollywood entre as décadas de 20 e 30?



Qual atriz sobreviveria à era das celebridades, caso em toda sua carreira tivesse concedido apenas quatorze entrevistas? Pois então, Greta Lovisa Gustafson, a misteriosa Greta Garbo conseguiu essa proeza, tornando-se umas das grandes estrelas da Sétima Arte.

Nascida em Estocolmo (Suécia) no dia 18 de setembro de 1905, Garbo foi a última dos três filhos de uma família de camponeses. Aos quatorze anos, após o falecimento do pai, precisou largar os estudos para começar a trabalhar. Desde então o silêncio, nesse caso das fotografias, definiam uma trajetória discreta e de sucesso.


Dona de um rosto expressivo e de olhar marcante, Greta começou sua carreira no silêncio dos filmes mudos. A saber, The Torrent de 1926, Flesh and the Devil de 1927, e Anna Karenina de 1928. Sua carreira, diferente de muitos outros artistas, não parou com o surgimento do cinema falado, Garbo foi uma das poucas estrelas de Hollywood que ousou expor a voz.

Em Anna Christie, de 1930, ela apresenta ao mundo sua voz profunda e sensual, tingido por um leve sotaque sueco. Deixando, desse modo, o público mais surpreso e admirado ao seu enigmático semblante. O filme chega a ser promovido fazendo referência ao fato dela falar e se torna um sucesso, mesmo Garbo não ficando satisfeita com o próprio desempenho.

Podemos destacar mais dois eventos em sua carreira, primeiro sua interpretação da Dama das Camélias em Camille, de 1937, sendo considerada a melhor de todos os tempos. Em seguida, a comédia Ninotchka, de 1939, que tem como chamada “Garbo ri”, fazendo referência a uma cena em um bistrô parisiense, no qual a heroína dá a primeira risada de sua carreira.



O que poucos podiam imaginar é que Garbo deixaria preservada sua voz, sua vida e sua intimidade. Ficando conhecida por não receber vistas enquanto estava gravando. De todo modo, Greta Garbo foi uma das estrelas mais queridas entre os anos de 1920 a 1930, tendo como marca sua discrição, evitando a publicidade e fofocas. Em Grand Hotel, de 1932, sua personagem afirma: “Eu quero ficar sozinha”, parece que essa frase reflete sua vida pública.

Exceto no início da carreira, Garbo não fornecia entrevista, nem autógrafos, não atendia aos fãs, nem compareceu a nenhuma “avant première” dos filmes que estrelou. Essa predileção pelo sigilo concede à Garbo o título, mantido por toda sua vida, de “A Divina”, a bela, a distante, a inacessível. Após o relativo fracasso de seu último filme, Two-Faced Woman, de 1941, Garbo põe fim à sua carreira, no auge da sua glória. Ela morreu em 1990, aos 84 anos em Nova York. Suas cinzas estão enterradas no cemitério de Estocolmo.


franklinmarques
Artigo da autoria de Franklin Marques.
Franklin Marques tem suas melhores inspirações no mar, dentro ou fora dele. Marinheiro de primeira viagem faz poesia com duas mãos esquerdas, erra a rima e o traço.
Saiba como fazer parte da obvious.

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Felicidade

A felicidade é a melhor medicina
Emoções positivas têm efeitos na saúde física
2013-05-22
Emoções, ligações sociais e boa-saúde fazem círculo virtuoso
Emoções, ligações sociais e boa-saúde fazem círculo virtuoso
Uma equipa de investigação do Instituto Max Planck para Ciências do Cérebro e da Cognição demonstrou que emoções positivas levam a melhores relações sociais e essas, por sua vez, melhoram a saúde física. No artigo publicado no «Psychological Science», a psicóloga Bethany Kok e os seus colegas descrevem um estudo de nove semanas com 65 participantes, onde dois terços dos participantes eram mulheres cuja idade rondava os 37 anos.

A investigação começou com a análise dos batimentos cardíacos de cada participante para obter uma medição com base no nervo vago – o que permitiu chegar ao nível da actividade em partes relevantes do sistema nervoso, que regula os órgãos internos e reage ao stresse emocional.
Durante os 61 dias que se seguiram, os voluntários preencheram um relatório diário, dando conta de como se sentiam descrevendo 20 emoções diferentes. Paralelamente, exploravam os limites de amor e serenidade, compaixão, desprezo e repugnância. Além disso, ainda taxaram “três tipos de interacções sociais onde tinham passado a maior parte de tempo naquele dia”, avaliando o grau de proximidade com a pessoa.

Durante essas sessões, foram estimulados a meditar regularmente e, no fim das nove semanas, o tom de vagal de cada participante foi medido novamente. As leituras mostraram espiral ascendente de emoções.

A equipa afirma que a percepção das relações sociais é o mecanismo que faz com que as emoções positivas melhorem a saúde física e técnicas de meditação como a usada na experiência são uma forma de criar esse círculo virtuoso: emoções, ligações sociais e boa-saúde.

Já Karina Davidson, directora do Centro de Comportamento e Saúde Cardiovascular de Columbia, apontou que “as pessoas felizes tendem a dormir melhor e a apresentar comportamentos mais saudáveis. Além disso, tem menos stresse nas suas vidas".
(Ciencia hoje)

Marilena Chauí

A ira justa de Marilena Chauí



A filósofa Marilena Chauí fez duas apreciações interessantes nesta semana, uma sobre a mídia, outra sobre a classe média.

Numa, sobre a mídia, ela foi econômica. Noutra, sobre a classe média, foi torrencial.

Em ambas, ela estava essencialmente certa.

Sobre a mídia, ela disse que qualquer apreciação que fizesse conteria obscenidades.

Veja a mídia. Globo, Veja, Folha, Estadão: como não concordar com Marilena Chauí?

A mídia defende abjetamente seus próprios interesses, e os de seus amigos, e não o interesse público.

As empresas jornalísticas não pagam os impostos devidos (o papel não é taxado, por exemplo), gozam de uma absurda reserva de mercado (estrangeiros só podem ter 30% das ações) e historicamente se alinharam às ações mais nocivas contra o povo brasileiro, como o golpe militar de 1964.

A mídia brasileira precisa de um choque do capitalismo que prega mas que não pratica: tem que ser exposta à competição internacional e tem que criar vergonha na cara e parar de mamar no Estado, do qual sempre extraiu financiamentos a juros que são um assalto ao contribuinte.

Boa parte da gestão inepta das empresas jornalísticas brasileiras reside nisso – nas vantagens que elas recebem de sucessivas administrações.

Isso acabou criando culturas corporativas em que você acha que é mais fácil resolver problemas com um telefonema ao presidente ou ao ministro do que com habilidade gerencial.

A internet apareceu para libertar a sociedade do monopólio de opinião das empresas de mídia, e isso é um fato que deve ser comemorado.

Você só tem acesso a Marilena Chauí na internet. Em compensação, ”pensadores ”, aspas, como Vilas, Magnolis, Pondés et caterva estão em toda parte, como pernilongos na praia, defendendo o mundo da iniquidade que foi sempre a marca do Brasil.

Sobre a classe média, Marilena Chauí também está certa.

Historicamente, a classe média é, em geral, o que existe de mais reacionário numa sociedade.

Nas grandes transformações da humanidade, como na França de 1789, lá estava a classe média na defesa assustada da manutenção da ordem.

Na Alemanha de 1933, foi a classe média que pôs Hitler no poder. Nos Estados Unidos destes dias, é a classe média — obesa, entupida de pipoca e coca cola gigante, sentada no sofá vendo blockbusters de Hollywood —  que dá sustentação a guerras como a do Iraque e a do Afeganistão.

Uma das razões do sucesso escandinavo como sociedade é que, lá, a classe média foi educada, e aprendeu a importância do verbo repartir.

A classe média brasileira ainda está bem longe disso. É racista, preconceituosa, homofóbica. Detesta negro, detesta nordestino, detesta gays.

Detesta tanta coisa que, exatamente por isso, é detestável, como disse Marilena Chauí.

Fonte: http://www.diariodocentrodomundo.com.br/a-ira-santa-de-marilena-chaui/
(Desacato)

McDonald.

Símbolo dos EUA no banco dos réus





Estados Unidos tem dois símbolos que remetem ao chamado american way of life: McDonald`s e a Coca-Cola, esta conhecida também com “acqua nera del imperialismo”. Volta e meia, os dois símbolos têm sido questionados criminalmente em várias partes do mundo por violarem direitos trabalhistas. É o caso aqui no Brasil, do MCDonald, que esta sendo investigado pela Polícia Federal.

A acusação é a de que uma funcionária não recebeu salário durante oito meses, ou seja, uma brasileira foi submetida à condição análoga de trabalho escravo. O fato, praticamente desconhecido da população brasileira, é de responsabilidade da Arcos Dourado, a maior franqueadora do McDonald.

A Polícia Fedral, que investiga a denúncia desde outubro do ano passado, ainda não concluiu o trabalho ou se concluiu não divulgou o resultado. A alegação para o silêncio é a de que o inquérito corre em segredo de Justiça. Dois meses depois da abertura do inquérito, um delegado da Polícia Federal de nome Oscar Kouti pediu mais tempo para investigar o caso e alegou então que “há indícios suficientes da prática do crime de redução à condição análoga a de escravo” por parte da empresa de fast food.

É importante que os brasileiros sejam informados sobre este caso e de outros que correm na Justiça do Trabalho contra o McDonald, porque a empresa em sua propaganda (enganosa) se apresenta como defensora de muita coisa e tem como alvo principal as crianças.

Uma vez por ano, o McDonald faz até campanha de ajuda a pessoas doentes de câncer, quando se sabe que os seus produtos são responsáveis por uma série de doenças, coronarianas e até mesmo o próprio câncer.

A Justiça do Trabalho, depois de marchas e contramarchas deu ganho de causa a funcionários que entraram com ações trabalhistas, porque a empresa de fast food proibia que eles trouxessem de casa refeições, obrigando-os a ingerir apenas os seus produtos.
(Direto da Redação)

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Tropicália

Tropicalia ou Panis et Circencis
em música por LuhanaSP

Tropicalia ou Panis et Circencis , um álbum que contou com a reunião de talentos: Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé, Os Mutantes, Gal Costa, Nara Leão, Capinam, Torquato Neto e do maestro Rogério Duprat (responsável pelos arranjos do LP).


O LP ficou em 2º lugar na Lista dos 100 maiores discos da Música Brasileira, feita pela revista Rolling Stone Brasil.




Panis Et Circenses
(Caetano Veloso / Gilberto Gil)

Eu quis cantar minha canção iluminada de sol
Soltei os panos sobre os mastros no lar
Soltei os tigres e os leões nos quintais
Mas as pessoas na sala de jantar, são as pessoas na sala de jantar

São ocupadas em nascer e morrer
Mandei fazer de puro aço luminoso punhal
Para matar o meu amor e matei
Às cinco horas na avenida central
Mas as pessoas na sala de jantar, são as pessoas na sala de jantar
São ocupadas em nascer e morrer

Mandei plantar folhas de sonho no jardim do solar
As folhas sabem procurar pelo chão
E as raízes procurar, procurar
Mas as pessoas na sala de jantar, essas as pessoas na sala de jantar
São as pessoas na sala de jantar, mas as pessoas na sala de jantar
São ocupadas em nascer e morrer





luhanapires
Artigo da autoria de LuhanaSP.
arrisca-se na autoria de textos e excertos poéticos, movida por uma espécie de paixão pelas palavras..
Saiba como fazer parte da obvio

Leia mais: http://obviousmag.org/sphere/2013/05/tropicalia-ou-panis-et-circencis.html#ixzz2U4T00Ot0

maioridade-penal

Por um Brasil menos carcerário


maioridade-penal

Para reduzir maioridade penal, mídia espalha medo e preconceito. Porém, país prende como nunca — e não se tornou mais seguro

Por Andressa Pellanda

Ele era um menino de ainda 10 anos. Não teve a presença de um pai ou de uma mãe em sua vida. Morava às vezes com a avó, às vezes com a tia, na periferia de São Paulo. Era mais um entre 41,90 milhões de habitantes (21,60% da população brasileira). Frequentava, obrigado, a escola pública da região. Em sua turma eram ele e mais quarenta colegas de classe. A professora tinha outras cinco turmas para cuidar e não dava conta. Ele ainda não sabia ler palavras inteiras, lia letra por letra, engasgadas no caminho. No dia em que teve pneumonia, sua avó percorreu tantos e tantos hospitais da região em busca de uma vaga de internamento nas pediatrias lotadas do sistema público de saúde, o SUS. Sua casa era feita de alvenaria, cheia de frestas, por onde o vento frio corria durante a noite. Ele se encolhia ao lado de mais três irmãos, que dividiam a cama no único cômodo da casa. Foi crescendo e, cedo, sentiu apertar a necessidade da vida. Fez uns bicos aqui e ali e logo entrou para o tráfico. Essa situação hipotética ilustra a realidade de inúmeros jovens brasileiros.

Terça-feira, 9 de abril de 2013. Victor Hugo Deppman, 19, jovem estudante universitário de classe média, é morto com um tiro na cabeça durante um assalto na porta de casa, no Belém, zona leste de São Paulo. O jovem foi abordado por volta das 21h na porta do edifício onde morava. Testemunhas disseram à polícia que um homem atirou contra o estudante, em um assalto. Em seguida, o suspeito fugiu na garupa de uma moto. Um adolescente, que completou 18 anos na sexta-feira seguinte, dia 12, é suspeito de ter cometido o crime. A ação foi registrada por uma câmera de segurança, que mostra que a vítima não reagiu. O disparo em direção à cabeça foi dado segundos após o jovem entregar o celular. Segundo a polícia, o suspeito só procurou a Vara da Infância e da Juventude, na companhia da mãe, após o irmão ter sido levado para a delegacia.

Todos os meses, brasileiros, frutos de um estado de injustiça social, cometem crimes como este. Muitos deles são menores de 18 anos, idade da maioridade penal nacional. Apenas 5% são mulheres, e o perfil desses jovens é o retrato do preconceito no Brasil: a maioria é negra e moradora da periferia de São Paulo e do interior. Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 43% dos adolescentes infratores foram criados apenas pela mãe, e 17% pelos avós. 86% dos adolescentes que cumpriam internação declararam não ter concluído o ensino fundamental. E assim se dá a intersecção entre as duas histórias.

No Brasil, a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, denominada Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), dispõe sobre a proteção integral à parcela da população que tem até 18 anos de idade incompletos. Nela são assegurados os direitos fundamentais, mas também a proteção em casos de ação ou omissão da sociedade ou do Estado, dos pais ou responsável, e em razão de sua conduta. Em seu título III, o ECA prevê a inimputabilidade de adolescentes e crianças menores de 18 anos, assim como as medidas socioeducativas em seu capítulo IV, como advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semiliberdade, ou internação em estabelecimento educacional.

A Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (CASA) é uma instituição vinculada à Secretaria de Estado da Justiça e da Defesa da Cidadania e tem por missão aplicar medidas socioeducativas de acordo com as diretrizes e normas previstas no ECA e no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) – sistema regulamentador da execução das medidas. A Fundação CASA presta assistência a jovens de 12 a 21 anos incompletos no Estado de São Paulo (já que o período máximo de internação não pode exceder três anos, de acordo com o Artigo 121 do ECA e, assim, a liberação aos 21 anos se torna compulsória). Hoje, a Fundação CASA atende quase 10 mil jovens, segundo dados da própria instituição.

O caso de Deppman trouxe à tona o debate em torno da idade da maioridade penal. A grande mídia brasileira, de caráter concentrado e conservador, encheu seus noticiários com reportagens, artigos e programas em torno do assunto. Os adjetivos mais ouvidos eram “absurdo”, “terrível”, “lamentável”, referindo-se não à imensa desigualdade social no país, que gera mais violência, mas aos índices crescentes e alarmantes da criminalidade, ressaltando o sentimento de impunidade desses jovens. A Fundação CASA cumpre, entretanto, o papel de responsabilização de jovens infratores pelos crimes por eles cometidos, como previsto no ECA. Há aí, portanto, uma confusão entre impunidade e imputabilidade que, segundo o Direito Penal, é a capacidade da pessoa em entender que o fato é ilícito e agir de acordo com este entendimento.

Depois de alguns dias de contínuo endosso nas televisões e jornais, o Datafolha, órgão de pesquisa ligado à Folha de São Paulo – maior jornal diário de circulação nacional do país -, divulgou a conclusão de uma pesquisa à população: “contra ou a favor da redução da maioridade penal”. O resultado já era esperado. 93% dos paulistanos concordam com a redução da maioridade penal, 6% são contra, e 1% não soube responder. Foram ouvidas 600 pessoas e a margem de erro é de 4 pontos. “A demonstração de apoio à redução da maioridade penal revela um apoio a uma solução mais imediatista”, afirmou Mauro Paulino, diretor-geral do Datafolha. Para Luís Fernando Veríssimo, escritor brasileiro, esses casos “extremos” testam a razão da humanidade. Para ele, muitas vezes acabamos “retrocedendo ao tempo da reciprocidade bíblica”. Leonardo Sakamoto, importante jornalista brasileiro e fundador da ONG Repórter Brasil1, declarou, em um de seus artigos sobre o tema que tem medo de “indivíduos maníacos por sangue”, mas tem mais medo ainda de “uma sociedade maníaca por sangue”. “Vingança não é Justiça”, complementa.

Além da mídia, partidos e alas do governo também apoiam a redução. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), defende que o ECA “não consegue atender às novas demandas” e deve haver punições maiores para crimes hediondos, como homicídios, estupros e latrocínios, defendendo mudanças para aumentar o tempo máximo de medida sócio-educativa para 8 anos e transferência do adolescente, ao completar 18 anos, da Fundação CASA ao sistema penitenciário tradicional. Durante a gestão do partido em São Paulo, há 18 anos no governo, o aumento da população carcerária foi intenso. Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), o crescimento no número de presos em São Paulo nesses 18 anos foi de 247%. O número total de presos em penitenciárias e delegacias brasileiras subiu de 514.582 em dezembro de 2011 para 549.577 em julho de 2012. Os índices de criminalidade, entretanto, não diminuíram. Segundo dados da Secretaria da Segurança Pública, o número de vítimas de homicídios dolosos cresceu 37,3%, de 91 em fevereiro para 125 em março de 2013. Na comparação com março de 2012, a alta foi de 26,2%. O total de ocorrências registradas teve uma alta de 0,7% entre o primeiro trimestre de 2012 e o de 2013.

Além desses dados alarmantes, o índice de reincidência nas prisões no país é de 70%, de acordo com estatísticas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O Brasil tem a 4ª maior população carcerária do mundo, só ficando atrás dos EUA, China e Rússia, respectivamente. Depois de visita inédita ao Brasil, em abril deste ano, uma comitiva da Organização das Nações Unidas (ONU) concluiu que há excessiva privação da liberdade no país, baixíssima aplicação de medidas alternativas à prisão e grave deficiência de defensores públicos para os detentos. A maior parte da população amontoada nos superlotados e degradantes presídios brasileiros é negra (60%). Cerca de 80% da população prisional está presa por crimes contra o patrimônio ou tráfico de drogas, condutas imputadas às pessoas pobres para quem resta ou procurar um ofício miserável dentro da legalidade ou se socorrer de caminhos informais. “De acordo com as normas do Direito internacional, prisão é exceção, e não regra. A principal medida provisória no Brasil ainda é a prisão. Os juízes relutam em adotar medidas alternativas, pois não há mecanismos de controle dessas medidas”, disse Vladimir Tochilovsky, membro da comissão de inspeção da ONU.

É possível, dessa forma, verificar que não há relação direta entre punições repressivas e diminuição da violência, muito pelo contrário. Está cada vez mais comprovado que educar é mais eficiente – e humano – que punir. Em seis anos de funcionamento do novo modelo da Fundação CASA, ele apresentou uma série de avanços. Dentre eles, a queda expressiva nas taxas de reincidência e na ocorrência de rebeliões. Em 2006, antes da reformulação, 29% dos jovens em internação reincidiam. Hoje, a taxa está em torno de 13%. As rebeliões caíram de 80 ocorrências em 2003 para apenas uma, em 2009. Latrocínio e homicídio representam, cada um, menos de 1% dos casos de internação de jovens para cumprimento de medida socioeducativa, sendo a maioria dos casos de internação por crimes contra o patrimônio (roubo e furto) e tráfico de drogas. Geralmente são pequenos traficantes, viciados que vendem drogas para sustentar seu vício e não controlam a lógica do tráfico. Com a redução da maioridade, muitos jovens deixarão de ter acesso a um tratamento reinclusivo, passarão a integrar a já inflada e desumana situação carcerária no Brasil e, portanto, terão menos chances de sair de uma vida de crime.

Não é só no Brasil que a maioridade penal é aos 18 anos. 42 países, de 53 pesquisados por um levantamento da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, adotam esta faixa etária. Em países como a Noruega, a taxa de reincidência prisional é de 20%. A diferença de reincidência entre os países está nas teorias que sustentam seus sistemas de execução penal. Nesta, a que prevalece é da reabilitação, reforma e correção, em que a ideia é reformar deficiências do indivíduo (não o sistema) para que ele retorne à sociedade como um membro produtivo.

Diversos órgãos especializados, tratados e códigos são contra a redução. A Convenção sobre os Direitos da Criança e do Adolescente da Organização das Nações Unidas (ONU) e a Declaração Internacional dos Direitos da Criança, compromissos assinados pelo Brasil, defendem a maioridade aos 18 anos. O Unicef expressa posição contrária à redução, assim como à qualquer redução desta natureza. A nível nacional, a redução atinge a Constituição Federal Brasileira, com sua Doutrina da Proteção Integral, tornando a criança e o adolescente sujeitos de direitos, passando a tratar os mesmos como pessoas em especial condição de desenvolvimento. O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), o Conselho Regional de Psicologia (CRP) de São Paulo, a Confederação Nacional de Bispos do Brasil (CNBB), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Fundação Abrinq, o governo federal, entre outras instituições, defendem um debate ampliado para que a legislação não seja modificada no país.

Reduzir a maioridade penal é tratar o efeito e não a causa. Trata-se de um discurso politicamente conveniente, uma resposta fácil à indignação popular com a violência, mas sabidamente uma medida inócua, que ignora o cerne da questão. O problema está na base estrutural dos direitos fundamentais negados a tantos jovens pelo país. Assim, reduzir a maioridade é transferir o problema, isentando o Estado do compromisso com a juventude e com a construção social.


1A Repórter Brasil foi fundada em 2001 por jornalistas, cientistas sociais e educadores com o objetivo de fomentar a reflexão e ação sobre a violação aos direitos fundamentais dos povos e trabalhadores no Brasil. Devido ao seu trabalho, tornou-se um das mais importantes fontes de informação sobre trabalho escravo no país. Suas reportagens, investigações jornalísticas, pesquisas e metodologias educacionais têm sido usadas por lideranças do poder público, do setor empresarial e da sociedade civil como instrumentos para combater a escravidão contemporânea, um problema que afeta milhares de pessoas.
(Outras palavras)

Lei de Murphy

A Lei de Murphy: se pode dar errado, dará.
em artes e ideias por João Lopes em 15 de mai de 2013 às 05:43

Contar com a sorte nem sempre é a melhor escolha, em especial, quando sabemos que Lei de Murphy está sempre pronta para entrar em ação. A famosa Lei que define sobre a possibilidade de algo dar errado, segundo os seus arautos, é um processo inevitável. Se alguma coisa pode dar errado, então dará, frustrando até mesmo nossos grandiosos esforços, correrias contra o tempo etc. Pessimista além de tudo, a Lei de Murphy nos mostra que tentar evitar os erros pode não ser o caminho mais adequado, no entanto buscar o acerto pode nos livrar de muitas confusões.

Havia mil maneiras de se fazer isso corretamente, e havia uma errada. Sim, deu errado.


O aleatório, termo famoso, comum a partir do século XX, depois de passada a época dos determinismos do século XIX, surge dentro de diversas teorias ou leis. O acaso passa a ter um papel gigantesco na vida humana que até então, não sabia, pelo menos não como teorias que temos hoje, da existência de um acaso na ordem do universo.

Em 1949, o capitão Edward A. Murphy Jr. que era engenheiro da força aérea, e comandava sua base no Aeroporto Wright, nos Estados Unidos, foi à Califórnia levando uma espécie de presente para os testes do projeto MX981 que pretendia determinar até quanto de força da gravidade o homem poderia suportar.



Neste projeto, foi desenvolvido uma espécie de trenó-foguete chamado Gee Whiz, para simular uma possível colisão aérea. Para descobrir quanta força uma pessoa suportaria, era preciso que alguém, isto é, uma pessoa real, participasse dos testes dentro do Gee Whiz, o coronel John Paul Stapp que era físico de carreira na força aérea, na base de Edwards, Califórnia, se dispôs a participar dos testes, o que lhe rendeu, a posteriori, fraturas nos ossos, concussão e vasos sanguíneos rompidos nos olhos.

O capitão Edward Murphy levou alguns sensores para colaborar com os testes. Estes sensores eram capazes de medir a força da gravidade exata quando o trenó-foguete fizesse uma parada brusca, tornando mais efetiva a pesquisa da base. A história conta que, o primeiro teste, depois que Murphy colocou os sensores no corpo de Stapp, não foi bem sucedido. Os sensores fizeram uma leitura igual a zero, o que indicava que eles haviam sido instalados de maneira errada. Para cada sensor, havia duas maneiras de conectá-lo ao corpo do voluntário, e, cada um deles, foi instalado de maneira incorreta.



Murphy ao descobrir o erro do assistente que fez a instalação dos sensores disse algo como: se há duas formas de fazer alguma coisa, e uma delas resultará em um desastre, é dessa maneira que será feito. Certo tempo depois, Stapp, com bom humor, disse à imprensa que a segurança da equipe do projeto MX981 foi garantida graças à Lei de Murphy, e que a afirmação de Murphy possuía caráter de universalidade, por fim, completou: tudo que pode dar errado dará errado.

Daí em diante, a Lei de Murphy passou a ser usada, primeiro em publicações nos campos de pesquisa da área aeroespacial, depois virando até mesmo livros nos anos 70. Com o passar do tempo, ela foi expandida, endossada pela sabedoria popular ao redor do mundo, ganhando novos significados e premissas.

A ideia da Lei de Murphy é fatalista, compondo parte de uma espécie de destino que não pode por nós ser evitado. Um processo inexorável de ações e efeitos, em que temos probabilidades de erros e acertos, no entanto parece haver um ente que brinca conosco, ao passo em que tentamos a sorte, tendendo sempre, dentro das possibilidades, a nos levar ao erro. Ao que parece, o erro torna-se uma regra e o acerto uma exceção.

Esse ideário, por si mesmo, é contrário ao livre arbítrio humano, uma vez que tendo em um espaço amostral uma miríade de possibilidades, todas elas são desprezadas em face da possibilidade do erro. Neste processo, devemos considerar as escolhas humanas, a Lei de Murphy revela, sobretudo, a ignorância humana frente às escolhas que faz. Desse modo, se podemos fazer alguma coisa de maneira errada, escolheremos fazê-la, na metade das vezes que fizermos. Por outro lado, revela também, a nossa fragilidade frente às ações coletivas, isto é, todas as ações humanas realizadas no mundo, que, de algum modo, interferem na vida de cada indivíduo.


A lei de Murphy não garante nada, nem tampouco prova nada, ela é uma premissa apenas, evocada sempre para lembrar que coisas vão dar errado. Há inúmeros exemplos da famosa Lei em ação. Quem já deixou o seu pedaço de pão cair no chão, e notou que sempre cai do lado em que passamos a manteiga ou geleia sabe bem o que é a Lei de Murphy, ou ao trocarmos de faixa numa pista quando enfrentamos um trânsito e notamos que somente a faixa que escolhemos não anda. No ambiente de trabalho, ainda como exemplo, sempre que temos algum prazo a cumprir, e deixamos aquela tarefa para o último dia, não sobra tempo de fazer. Exemplos da nossa aparente má sorte parecem dar um ar ainda mais assertivo à Lei de Murphy.

Por fim, a luta constante das pessoas para evitar a Lei pessimista de Murphy parece não ter fim. Enquanto alguns gostam da Lei, por ser ela uma explicação de que não podemos evitar certas coisas, outros tentam utilizá-la de modo a livrar-se dessas possibilidades de erros. Nas ciências exatas, por exemplo, especificamente na matemática, há aqueles que tentam transformar a famosa Lei em uma equação para prever chances de erros em um determinado fenômeno. Joel Pel, engenheiro biológico da University of British Columbia, criou uma equação capaz de prever a ocorrência da Lei de Murphy.

Equação.jpgA fórmula usa uma constante igual a um, um fator inconstante e algumas variáveis. Nesta fórmula, Pel usa a importância do evento (I), a complexidade do sistema envolvido (C), a urgência da necessidade de o sistema funcionar (U) e a frequência com que o sistema é usado (F).
Texto: Science Creative Quarterly
Foto da internet

Viver para tentar evitar a ocorrência de erros pode não ser uma boa escolha, correndo o risco de perecermos do que prevê a Lei de Murphy: se tem possibilidade de dar errado, dará. Mais sensato seria, procurarmos o acerto, a busca por efetividade nas nossas escolhas, o pensamento sobre as consequências da cada uma delas, e a tomada de decisões baseadas no pensamento a curto, médio e longo prazo. Uma coisa é certa, aqueles corajosos capazes de encarar a vida com o peito aberto, que tocam com seriedade o seu dia a dia, sempre superarão as previsões ruins. A Lei de Murphy é um maravilhoso alerta de que vivemos em um universo que segue uma ordem, a da imperfeição, e ainda de que todas as coisas contêm inúmeras possibilidades e diferentes modos de serem feitas.

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Fontes das referências históricas [em inglês]:

The Science Creative Quarterly

University of British Columbia




joaolopes
Artigo da autoria de João Lopes.
João Lopes é estudante de Direito, está tentando cultivar um canteiro, ainda não escolheu as flores, paulistano, gosta de ciências sociais e física quântica, não largou as poesias. .
Saiba como fazer parte da obvious.

terça-feira, 21 de maio de 2013

bukowski

Henry Charles Bukowski - o merecedor de impropérios
publicado em recortes por pree leonel | 8 comentários

Análise sobre a simpatia depositada ao beberrão Bukowski.


bukowski leitura literatura poema poesia

Há quem ame Henry Charles Bukowski Jr. Há também quem o odeie. O “velho safado” – senhor cuja obra de cunho obsceno revelou ao universo literário um outro tipo de leitor, tão libertário e indecente quanto o próprio autor – obviamente tinha conhecimento das antagônicas impressões que causava, enquanto vivo. E apostava nas temáticas mais polêmicas, mesmo assim.

Porres sensacionais, ceticismos, machismos, relacionamentos baratos, sexo fácil, linguagem informal ou chula, referências aos subempregos exercidos, solidão, humor-negro, pontuação desajustada e xingamentos: tudo estava em pauta para o autor alemão. Qualquer fosse o foco de Bukowski, o estilo parecia agradar a nova massa dos alternativos e intelectuais dos anos 60, já entorpecidos pela geração beatnick, antes prestigiada por obras como “On the road”, de Jack Kerouac.

Não que o autor tenha vivido conforme os preceitos beat. Não foi o caso. A geração apenas tomou para si emprestadas as palavras do beberão simpático. Para Charles, sobraram apenas as garrafas vazias da geração que nascia – e alguma irritação decorrente das gratuitas comparações ou co-relações dedicadas ao seu estilo sobre aquela tribo.

E, claro, assunto de fácil acesso às mesas dos bares universais – residência de bêbados não comedidos, intelectuais de plantão ou puritanos frustrados – as impressões acerca do velho acabaram por alcançar novos ângulos, além dos contos, romances e poesias. Estendem-se elas, hoje, a discussões ousadas sobre ser o homem Bukowski merecedor da empatia universal literária ou não.

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Sua obra foi alvo de ofensiva por parte de feministas do mundo todo. Do outro lado de Los Angeles, mulheres queimavam seus livros, em protesto, já na década de 60, após suas primeiras publicações. Chamavam o beberrão de chauvinista, vagabundo. Despejar-lhe um par de injúrias auto-inflamantes parecia justo frente ao cenário vulgar emprestado ao mundo pelo autor. Ainda no século atual, esposas indignadas pela veia Bukowskiniana de seus maridos modificam suas expressões faciais ao ouvirem o nome do velho, e acreditam que Charles nada mais quis senão chocar.

Não sabiam elas, no entanto, ser Henry Chinaski (alter ego adotado por Bukoswki em suas narrativas) um desconectado por natureza, desobediente aos padrões eternos que regiam a terra celibatária. É que o homem já havia descoberto as limitações do então sonho americano. Fora atormentado por um pai azedo, rígido e infeliz e por uma doença que lhe deformou o rosto, transformando-o em um jovem de poucos amigos, outsider. O álcool, os livros e a escrita cínica, sem amarras, se tornaram, assim, sua companhia – talvez suas muletas.

Dessa forma, as descrições do então jovem Charles, grande parte delas de cunho pessoal, eram também experimentações livres de temas que ofereciam à sua estranha vida um ar discutivelmente cômico. Discutivelmente porque – é aí que a problemática provinciana mora – não tinha pudores de atravessar a linha e os limites impostos por sua sociedade sobre o que seria bonito ser dito ou feito.

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De outro lado, com uma garrafa de gim na mão (e um misto-quente na outra), Charles não se preocupava e queria mesmo era avacalhar com os conceitos de classe, gênero, e comportamento do homem médio, de forma a instigar, sim, a repulsa, a nostalgia, a melancolia, o nojo, o apreço ou a raiva de seus leitores, através de sua auto-exposição.

“Bebi e fiquei mais bêbado que um gambá no purgatório. Estive até com uma faca de açougueiro na garganta, uma noite, na cozinha; mas aí pensei, calma (...). Quando voltei a mim, estava na sala do meu apartamento, cuspindo no tapete e queimando meus pulsos com cigarros, dando risadas. Louco como uma lebre”.

Pois bem. Sóbrio ou não, o escritor tanto se expôs que foi presenteado com a eternidade. Antologias, poemas, cartas e contos foram lançados postumamente, de forma a concretizar seu papel já reservado na história. Uma das últimas publicações, aliás, é creditada a Matthias Schultheiss, quadrinista alemão que publicou, em 2008, as histórias do velho safado em quadrinhos. Jaz ali um universo obrigatoriamente coberto de prostitutas e marginais que são engolidos pela solidão das capitais. Chama-se “Delírios Cotidianos”

Tais homenagens e tributos ainda provocam polêmicas no momento em que se analisa Charles enquanto pessoa – característica que caminhará eternamente ao lado de sua assinatura. Mas o mundo tem tratado de separar as coisas. Fala-se agora do homem Bukowski e de um outro homem, diferente daquele outro: o literário Bukowski. Quem ama não consegue fazer a distinção de uma coisa e outra, mas espera que, quem o odeie, o faça. Talvez não dê certo, visto que Henry se diferencia exatamente por tornar esta tarefa difícil.

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Com mais de 50 publicações espalhadas pelo globo, no entanto, já não se sabe de feministas que continuem a queimar suas obras. Talvez em algum vilarejo ainda provinciano, localizado em algum local inóspito e frio do globo ocular. A realidade atual fala por si mesma e, pelo contrário, catapulta Charles ao mundo como um dos autores mais imitados – exaustivamente, talvez – da América.

A tendência-Bukowski-de-ser chegou até mesmo a terras de língua portuguesa, sendo representada por autores brasileiros como Clarah Averbuck, especialmente em “Máquina de Pinball” (Editora Conrad, 2002), seu primeiro romance, transcrito e transformado em filme no ano de 2008. Talvez Fernanda Young, outra ousada escritora brasileira, se intimidaria com a comparação. Mas depois da publicação de “Tudo o que você não soube” (Editora Ediouro, 2007) é de se ter dúvidas que nos restem dúvidas. E porque não citar o próprio Daniel Galera, no que tange seus brilhantes momentos de ousadia suja em “Até o dia em que o cão morreu” (Cia das Letras, 2007)?

Enfim. Além de herdeiros literários (e vários pseudos destes, vale lembrar), o escritor, falecido em 1994 após ser diagnosticado com leucemia (não, ele não morreu de cirrose), deixou em seu túmulo a grafia “Don't try” (“nem tente”, em português), uma referência, percebam, bastante cool a “Roll the dices”, poesia marcante do velho insóbrio que fala sobre ir adiante. Pois bem. Ele foi. E continua indo.

“If you're going to try, go all the way. Otherwise, don't even start” (“Se você for tentar, vá até o fim. Do contrário, nem tente”). Roll the dices, de Charles Bukowski.

Leia mais: http://obviousmag.org/archives/2010/09/henry_charles_bukowski_-_o_merecedor_de_improperios.html?utm_source=feedburner&utm_medium=email&utm_campaign=Feed%3A+OBVIOUS+%28obvious+magazine%29&utm_content=Yahoo%21+Mail#ixzz2TsSqUaNe