domingo, 30 de setembro de 2012
Ditadura
Posted: 08 Jun 2012 03:57 PM PDT
Luiz Claudio Cunha – A força da palavra, a palavra da força Por Luiz Cláudio Cunha(*) Luiz Claudio Cunha: "Esta é a alentadora herança que fica: qualquer que seja o desafio imposto pela força, pelo silêncio, pelo arbítrio, sempre restará a palavra que redime" (Palestra de encerramento do XIV Congresso Internacional de Humanidades realizado na Universidade de Brasília, entre 19 e 21/10/2011) Agradeço à Prof. Dra. Elga Pérez Laborde o convite para falar neste Congresso Internacional de Humanidades cujo tema maior é “Palavra e cultura na América Latina: heranças e desafios”, com o foco específico na “Dimensão espacial e temporal da linguagem e da cultura nos contextos latino-americanos”. Eu tento aqui ligar os dois temas mostrando que a dimensão espacial de uma cultura latino-americana passa pela dimensão temporal da palavra usada nesse contexto. Não faço aqui uma construção teórica, apenas uma narrativa jornalística, contrapondo a resistência da palavra à truculência da força. Ou, a força da palavra contra a palavra da força. Enfoco neste texto episódios ocorridos na América do Sul, particularmente na região do Cone Sul. Nos episódios narrados, identifico a deturpação, a omissão, a censura ou o completo silenciamento da palavra diante da força bruta sob a ditadura em cinco países da região – Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai – durante a segunda metade do século 20. Inicio minha narrativa não com uma palavra, mas com um palavrão: – Me cago en Dios! Ninguém conhece o nome do jovem estudante que pronunciou a blasfêmia. Nem mesmo quem ouviu a frase, o jornalista uruguaio Rodolfo Porley Corbo. Ambos estavam lado a lado, mas encapuzados, pendurados como gado numa cela do Comando Geral do Exército, em Montevidéu, num dia qualquer de 1977. O que impressionou o jornalista de 31 anos não foi o desabafo angustiado do jovem, mas a indignada reação do militar que comandava a tortura: – Respete las ideas ajenas, mocito! Seria cômico, se não fosse trágico. A cena é talvez a lembrança mais marcante e surreal dos três anos e meio que Porley passou encarcerado em quatro estabelecimentos militares do país, somando 325 dias de prisão incomunicável, 149 deles vendado, paralisado pela dor, destroçado pela violência. Ao desembarcar na Suécia como asilado, em 1979, o jornalista foi recebido como “um embaixador perigoso dos vivos e dos mortos no cárcere”. Sua primeira entrevista em Estocolmo escancarou o perigo: – En mi país gobierna el poder de la locura ciega. Son los brutos, asesinos y verdugos quienes gobiernan. Las cárceles de mi país están llenas. Lo que vemos ahora es la deformación de la propia vida. Frase final Porley deixara para trás o Uruguai, o segundo menor país da América do Sul, com menos de três milhões de habitantes e cerca de 40 mil detidos em prisões e quartéis. Um uruguaio de cada 100 era vítima de torturas. No Brasil de hoje seria uma multidão de quase 2 milhões de torturados, o suficiente para lotar 25 estádios como o Maracanã. Aquele era o Uruguai que devia respeitar as ideias alheias, na cínica frase do torturador de Porley e seu companheiro de cela. Não era um drama particular do país que tinha o melhor padrão de prosperidade econômica da região, o maior nível de educação do continente. Era uma tragédia coletiva, transnacional, das ditaduras que em apenas uma ou duas décadas rebaixaram, em absurda ordem unida, os cinco países do Cone Sul na segunda metade do Século 20. Eram as nações de maior expressão política e força econômica da região, onde hoje vivem mais de 250 milhões de pessoas, duas vezes e meia a população dos outros oito países e três territórios da América do Sul. Ondas sucessivas de governos militares afogaram a democracia e a razão durante quase um século de arbítrio. Foram exatos 92 anos somados de ditaduras que eram de um e eram de todos: Paraguai (1954-89), Brasil (1964-85), Chile (1973-90), Uruguai (1973-85) e Argentina (1976-83). Na quimera do combate ao pensamento, as ditaduras caçaram o suspeito de sempre: a palavra – expressão das vozes, território da cultura, pátria da liberdade. A palavra é sempre perigosa, porque alarga as fronteiras, os idiomas, as ideias, hasta las ideas ajenas. A palavra ensina, mostra, revela, e por isso precisa ser escondida, aprisionada, silenciada. Em nome de sua santa cruzada contra a subversão, militares do Cone Sul conseguiram contrariar a lógica, inverter o pensamento, confundir a razão, subverter a palavra. A força da palavra, de repente, ficou encarcerada pela palavra da força. A força das ditaduras no Chile e no Uruguai conseguiu deformar pelo absurdo o significado de dois ícones da civilização: dignidade e liberdade. ‘Dignidad’ era o nome de uma colônia agrícola, 300 km ao sul de Santiago do Chile, fundada nos anos 1960 por um ex-enfermeiro da Luftwaffe nazista, acusado de abuso sexual contra crianças. Ali, o Exército de Pinochet fabricava gás sarin e a repressão treinava agentes em técnicas de interrogatório e tortura. ‘Libertad’ era o maior presídio masculino do Uruguai, 50 km a oeste de Montevidéu, um depósito de gente onde mofavam 600 presos políticos espremidos num prédio lúgubre de cinco andares povoados por gritos, medo, sofrimento, dor. A ditadura daqueles tempos conseguiu a proeza de transformar ‘Dignidad’ em sinônimo de tortura no Chile, conseguiu a façanha de tornar ‘Libertad’ um endereço de prisão no Uruguai. Naqueles tempos, naqueles lugares, ‘Dignidad’ e ‘Libertad’ machucavam a carne, sangravam a alma. A ditadura, só a ditadura, tem a força para deturpar a palavra, para inverter o sentido moral das coisas, para converter o nexo das ideias no seu avesso. Era “o avesso do avesso do avesso do avesso”, como cantava Caetano Veloso no verso final de Sampa, a mais completa tradução de São Paulo, onde “alguma coisa acontece no coração/… só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João”. Quatro quilômetros ao sul da mais popular esquina paulistana estava o cruzamento das ruas Tomás Carvalhal e Tutóia, endereço do prédio mais sinistro da maior cidade do continente, a sede do DOI-CODI do II Exército, o mais notório centro de torturas do Brasil. O verso de Caetano capta o melhor retrato daquele antro: “Quando eu te encarei frente a frente não vi o meu rosto /Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto”. Ali sucumbiam os homens e as palavras diante do “horror, o horror!”, como na frase final de Kurz, a personagem de Joseph Conrad em Coração das Trevas. Perguntas e respostas O DOI-CODI da rua Tutóia foi criado e administrado por um major de Exército oculto pelo codinome de ‘major Tibiriçá’, o nome mais temido da repressão militar brasileira. Nos 40 meses em que comandou aquele lugar, símbolo mais sangrento dos anos de chumbo do Governo Médici, o então major Carlos Alberto Brilhante Ustra amargou 502 denúncias de tortura, uma a cada 60 horas, e lamentou 40 mortes de presos políticos, uma por mês. Apesar disso, hoje aposentado e refém de seu passado, o coronel da reserva Ustra continua livre, solto, impune. Na Argentina, um companheiro de farda de Ustra teve menor sorte. O general Jorge Rafael Videla, que começou em 1976 a ditadura de sete anos que eliminou pela força a palavra e a vida de 30 mil argentinos, foi destituído de sua patente militar e condenado em 2010 à prisão perpétua por crimes de lesa-humanidade, o que inclui a responsabilidade direta pelo fim de 31 pessoas – nove mortes menos do que as ocorridas na repartição de trabalho do major brasileiro. A força mata pessoas e palavras, mas também inventa um novo léxico para tentar abarcar a dura realidade que ela produz. No Chile de Pinochet emergiu uma nova palavra no dicionário da repressão, já coalhado de presos e mortos. Surgiu a figura intermediária e angustiante do “desaparecido” – que quase sempre era uma coisa e outra, preso ou morto, sequência e consequência um do outro, e que tinha sobre eles a vantagem de isentar o Estado de explicações e justificativas. Um “desaparecido” era uma dúvida, quem sabe um equívoco, talvez uma fatalidade, sempre um mistério que não incriminava ninguém e absolvia a todos – com exceção dos familiares da vítima, condenados ao desespero, subjugados pelo luto iminente, esmagados pela dor incessante. Um “desaparecido” só levantava suspeitas e mais perguntas, sem a garantia de certezas ou possíveis respostas. O “desaparecido” disseminava o medo. Do medo brotava o terror – e novas palavras. O dicionário do terror fabricava uma palavra ainda mais assustadora, mais aflita: os no-nombrados, os N.N., cadáveres sem nome, sem cara, sem história, exumados por um regime de força sem coragem, sem caráter, sem futuro, sem passado. As pessoas com nomes desapareciam separadamente e, de repente, emergiam do solo covas coletivas apinhadas de mortos sem nome. No auge de seu poder, em 1979, Videla fez uma contorcida exegese do que seria esta estranha criação do regime dos generais: – O que é um desaparecido? Como tal, o desaparecido é uma incógnita… Enquanto desaparecido, não pode ter nenhum tratamento especial: é uma incógnita, é um desaparecido, não tem identidade. Não está nem morto, nem vivo. Está desaparecido… Duas décadas depois, já no ostracismo, o general Videla foi menos hermético com as palavras que tentavam disfarçar a força bruta, estúpida, assassina. Confessou o general: – No, no se podia fusilar. Não havia outra maneira. É o que ensinavam os manuais da repressão na Argélia, no Vietnã. Estávamos todos de acordo. Dar a conhecer onde estão os restos mortais? Mas, o que é que poderíamos apontar? O mar, o rio da Prata, o Riachuelo? Pensamos, em dado momento, informar sobre a lista [de mortos]. Mas, aí, se os damos por mortos, em seguida virão as perguntas que não se podem responder. Quem matou? Onde? Como? O general mostrou que esse é o drama maior das ditaduras: agem e fazem coisas que geram perguntas para as quais não existem respostas, que não permitem explicações, que não resistem a dúvidas, que não admitem palavras. Neologismo afrontoso Em junho de 1977, em plena ditadura brasileira, o MDB, o partido da oposição, teve espaço para um programa institucional em rede nacional de TV. Alencar Furtado, o líder da bancada na Câmara dos Deputados, desenterrou os no-nombrados do Brasil num dos mais pungentes discursos da história brasileira, mostrando com palavras as perguntas sem respostas que a força do regime produzia. Com coragem, emoção e lirismo, disse o líder: – Hoje, menos que ontem, ainda se denunciam prisões arbitrárias, punições injustas e desaparecimento de cidadãos. O programa do MDB defende a inviolabilidade dos direitos da pessoa humana para que não haja lares em prantos; filhos órfãos de pais vivos – quem sabe?; mortos? – talvez. Órfãos do talvez e do quem sabe. Para que não haja esposas que enviúvem com maridos vivos, talvez; ou mortos, quem sabe? Viúvas do quem sabe e do talvez. A ditadura respondeu horas depois às perguntas do líder do MDB, cassando o mandato do deputado Alencar Furtado – apenas um dos 4.862 políticos cassados no Brasil por usar palavras que a ditadura não queria ouvir ou por fazer perguntas que a ditadura não podia responder. A ditadura brasileira fez isso, e fez muito mais. Investigou 500 mil cidadãos, deteve 200 mil por suspeita de subversão, prendeu 50 mil só nos primeiros cinco meses do golpe de março de 1964. Acusou 11 mil civis nos tribunais militares, condenou quase a metade deles. Torturou 10 mil pessoas só no DOI-CODI da rua Tutóia, exilou outro tanto, aposentou funcionários públicos insubmissos, expulsou professores inconvenientes, baniu estudantes indomáveis, reformou militares dissidentes, colocou interventores em 1.200 sindicatos insubordinados, expurgou 49 juízes dos tribunais e afastou três ministros rebeldes da Suprema Corte brasileira. Fechou o Parlamento por três vezes, colocou sete Assembleias estaduais em recesso, matou 400 opositores na tortura e legou ao país o fantasma de 144 pessoas que ainda hoje são uma incógnita, seres que não têm identidade, não estão mortos, nem vivos, estão apenas “desaparecidos”. A incapacidade para responder às perguntas leva ao cinismo, um atalho rápido para a mentira, o embuste, a fraude – que deturpam as palavras para camuflar a força que as silencia. Um documento revelado pelo jornal O Globo em março de 2011 mostra que os atuais comandantes militares do Brasil da democracia continuam se enrolando com as palavras necessárias para definir o Brasil da ditadura. Protestando contra o projeto do próprio governo para a Comissão Nacional da Verdade, destinada a investigar violações aos direitos humanos, os chefes do Exército, Marinha e Aeronáutica escreveram: “Passaram-se quase 30 anos do fim do governo chamado militar…”. Fizeram, desfizeram, cometeram tudo aquilo e os oficiais-generais brasileiros, 30 anos depois do fim do arbítrio, ainda simulam uma dúvida existencial sobre o que seria um governo chamado militar. Como o amor de Oscar Wilde que “não ousa dizer o seu nome”, os cínicos herdeiros do regime de força imposto ao país por longos 21 anos não ousam dizer o nome que o define por sua correta acepção: ditadura. Um Brasil que não tem a coragem de cumprir esse rito de passagem não tem condições, nem palavras, para fazer a travessia da história, deixando a força para trás até alcançar a margem segura da verdade. Um grave sintoma desse cinismo aflorou em 2009, justamente em quem tem o compromisso de zelar pelas palavras e o dever de combater a mentira: a imprensa. Num inusitado editorial, o jornal Folha de S.Paulo abrandou o vernáculo e torturou a verdade carimbando a ditadura brasileira com um afrontoso neologismo: “ditabranda”. O editorialista se esqueceu de dizer que, no auge da repressão, a empresa emprestava as caminhonetes que distribuíam o jornal para gentilmente transportar presos políticos até a repartição nada branda do DOI-CODI do major Ustra. Corações monitorados A palavra perde força e se perde pela força do poder, não pela roupa ou pelo uniforme de quem a pronuncia. Um militar pode subverter a verdade com o mau uso da palavra, mas também pode resgatá-la pela estrita obediência aos fatos e pela firme imposição sobre a mentira. Foi o que aconteceu na histórica noite de 25 de abril de 1995, quando um general de uniforme, porte altivo, voz serena e cabelos brancos aos 61 anos, foi à TV para uma rara entrevista ao vivo. Ao final, antes das despedidas, tirou um papel do bolso e acrescentou uma inesperada declaração, que eletrizou o país. Estas foram as palavras do general: – Nosso país viveu a década de 70, uma década assinalada pela violência, pelo messianismo e pela ideologia. Sem buscar palavras inovadoras, mas apelando aos velhos regulamentos militares, aproveito esta oportunidade para ordenar uma vez mais ao Exército, na presença de toda a sociedade: ninguém está obrigado a cumprir uma ordem imoral ou que se afaste das leis e dos regulamentos militares. Quem o fizer incorre em uma conduta viciosa, digna da sanção que sua gravidade requeira. E continuou o general: – Sem eufemismos, digo claramente: delinque quem vulnera a Constituição nacional. Delinque quem emite ordens imorais. Delinque quem cumpre ordens imorais. Delinque quem, para cumprir um fim que crê justo, emprega meios injustos e imorais. A compreensão desses aspectos essenciais faz a vida republicana de um Estado. E reforçou o general: – Se não pudermos elaborar a dor e cicatrizar as feridas, não teremos futuro. Não devemos mais negar o horror vivido, e assim poder pensar em nossa vida como sociedade que avança, superando a pena e o sofrimento. Em nome da luta contra a subversão, o Exército derrubou o governo constitucional e se instalou no poder em forma ilegítima, num golpe de Estado. Venho pedir perdão por isso e assumir a responsabilidade política pelo desatino cometido no passado. No poder, o Exército cometeu ainda outros delitos. O Exército prendeu, sequestrou, torturou e assassinou – tal qual o fizeram os delinquentes subversivos – e muitos de seus membros viraram delinquentes como eles. O espantoso ato de contrição do general só não emocionou o Brasil porque, infelizmente, não aconteceu aqui. E o general, evidentemente, não era brasileiro. O autor dessas palavras era o comandante supremo do Exército argentino, Martín António Balza, entrevistado pelo jornalista Bernardo Neustadt no mais importante programa de TV da Argentina, o Tiempo Nuevo. A fala firme, límpida do general Balza impressionou sobretudo por acontecer justamente no país que mais sangrou no turbulento Cone Sul da década de 1970, com seus 30 mil desaparecidos. O pronunciamento de fé democrática do comandante argentino numa região marcada pelospronunciamientos militares golpistas prova que a boa, justa palavra não é uma prerrogativa de civis ou militares, mas um apanágio dos homens de bem, de bom caráter. Ao longo do tempo, a palavra no Cone Sul foi acossada pela hipocrisia – para proteger a fronteira do arbítrio – e foi resgatada pela coragem – para ampliar os limites da resistência. Este imemorial confronto entre a força da palavra e a palavra da força assinala os avanços e os retrocessos da democracia em nosso continente. O político brasileiro Carlos Lacerda (1914-1977), um visceral conspirador contra a democracia, não economizou palavras e intenções para externar seu ímpeto golpista nos idos de 1950, quando ficou claro que Getúlio Vargas, o ditador deposto do Estado Novo, tentaria voltar ao poder pelo voto popular. Lacerda deu sua palavra: – O sr. Getúlio Vargas (…) não deve ser candidato à presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado, deveremos recorrer à revolução para impedi-lo de governar. O general argentino Ibérico Saint Jean foi ainda mais cortante, empregando apenas 25 palavras para montar o mais rombudo obelisco à barbárie e à boçalidade política. Em maio de 1976, dois meses após o golpe que o nomeou interventor no governo da província de Buenos Aires, o general trovejou: – Primeiro, mataremos todos os subversivos. Depois, seus colaboradores. Mais tarde, os seus simpatizantes. Então, mataremos os que permanecerem indiferentes. E, finalmente, vamos matar os indecisos. Aqui, longe de ser cínico, o militar usa a palavra dura, crua e nua não para esconder, mas para escancarar a doutrina de um serial killer fardado que não respeita las ideas ajenas. Para quem ainda tinha dúvidas, Saint Jean aproveitou uma conferência em 2008 sobre “Democracia e Ética”, no Rotary Club de Mar del Plata, para reafirmar sua despótica visão do mundo com uma desconcertante, transtornada aritmética. Este foi o cálculo do general: – O voto serve para impor a ditadura da maioria. Assim, quando os tiranos são muitos pode ser muito pior do que quando é apenas um. Ainda em 2008, aos 86 anos, Saint Jean foi preso para responder a processo por prisões ilegais, sequestros, tortura e desaparecimento forçado. Seu crime mais famoso foi o sequestro em 1977 do jornalista Jacobo Timerman, fundador do jornal mais crítico e influente do país, o La Opinión. Fichado nos arquivos de inteligência do Exército argentino como ‘un judío muy peligroso’,Timerman ficou detido durante dois anos. Visitado na prisão por congressistas norte-americanos, o jornalista descreveu alguns momentos que padeceu na unidade policial de La Plata, sob jurisdição de Saint Jean. Contou o jornalista: – Fui torturado e atado a uma cama, todo encharcado de água, para receber choques elétricos pelo corpo. É impossível descrever o efeito devastador da picana elétrica. Eles usavam um modulador para reduzir o choque de 220 volts, para evitar que os prisioneiros morressem instantaneamente. Dois médicos participavam para monitorar o coração das vítimas – lembrou Timerman. Última publicação Opinião tem a força de uma palavra maldita, que sempre amedronta os regimes que se sustentam na palavra da força e da violência. La Opinión incomodava na Argentina, o jornal Opinião perturbava no Brasil. O simples anúncio do lançamento do semanário, em novembro de 1972, assustou a ditadura em Brasília. O editor do jornal, Fernando Gasparian, foi preventivamente convocado à sede da Polícia Federal, no Rio. Medindo as palavras para camuflar o constrangimento, o major Braga falou: – Eu quero avisar ao Sr. que aqui no Brasil não existe censura prévia, a não ser por problemas morais. O Sr. pode publicar o que quiser. Em seguida, o major tirou da gaveta uma lista com 210 assuntos que Gasparian e toda a imprensa não podiam publicar – mesmo que quisessem. O editor pediu uma cópia para conhecer a lista, mas ela lhe foi negada. – A lista é secreta – explicou o major, com os termos exatos para definir o absurdo da situação. Era o arbítrio negando a censura e, ao mesmo tempo, recusando a lista que provava sua existência. Era a palavra da força que temia a força da palavra. O major Braga era o bruto que faltava na manada de rinocerontes de Ionesco. E assim, secretamente, o regime asfixiou o Opinião a partir do oitavo número. Primeiro, mandando recados. Depois, com o censor dentro da redação. Por fim, exigindo a remessa do jornal impresso para Brasília, antes de liberar a venda nas bancas. Em quatro anos e meio, Opinião sofreu ameaças, prisões, apreensões de edições inteiras, processos judiciais, o lançamento de uma bomba na redação e um decreto presidencial, baseado num ato de força – o AI-5 –, ratificando a censura prévia que o jornal tinha derrubado, como ilegal, no Tribunal Federal de Recursos. O semanário publicou 5.796 páginas, mas teve que produzir quase o dobro – 10.548 páginas – para suprir a falta do material vetado pela censura que não existia, pela lista que ninguém conhecia. Gasparian cansou da censura e, em 8 de abril de 1977, mandou para as bancas uma edição diferente da que enviara a Brasília para revisão da polícia. Corajosamente, abaixo do título de Opinião, o jornal trazia um carimbo desafiante, retumbante, triunfante: “Livre”. A primeira edição de Opinião sem censura foi apreendida. O jornal nunca mais voltou às bancas. A palavra final do regime de força matou o jornal que ousou ser, pela primeira vez, o Opinião liberado, libertado pela força das palavras. O Uruguai, o algodão incrustado entre os cristais cortantes de Brasil e Argentina, pensou na palavra antes de se pensar como país. O decreto que garantia a liberdade de escrever nasceu em outubro de 1811, 14 anos antes do Uruguai se declarar independente pela insurreição libertadora dos Treinta y três orientales, 19 anos antes de sua primeira Constituição. Até que o advogado Gabriel Terra, eleito presidente em 1931, dois anos depois jogou no chão esta bela história. Em março de 1933, com o apoio do Corpo de Bombeiros (!) e da Polícia, dirigida por seu cunhado, Terra instaurou a sua ditadura. Seu primeiro ato de força foi um decreto que reconhecia a força das palavras. Dizia: Decretase la censura previa de los órganos de publicidad que hayan atribuido o atribuyan propósitos dictatoriales al Presidente de la República. Quarenta anos depois, quase as mesmas palavras ressuscitaram para escancarar a mesma força bruta: Proíbe-se a divulgação pela imprensa oral, escrita ou televisionada, de todo tipo de informação, comentário ou gravação (…) atribuindo propósitos ditatoriais ao Poder Executivo. Era o Art. 3º do decreto 467 de 27 de junho de 1973, o dia do golpe civil-militar na terra de Gabriel Terra, que já não era a nação livre sonhada pelos 33 Orientales e pelo libertador Artigas. Até as palavras da meteorologia assustavam a ditadura. O locutor da rádio já não podia falar sobre o inverno mais rigoroso no país. A censura proibia a palavra correta sobre a previsão do tempo – mucho frio–,ignorando a inclemência da estação e reafirmando a impenitência dos quartéis. Os militares mandavam dizer assim: – Hace frio, pero no mucho. Hay países que están peores… Em apenas cinco meses de 1973, entre julho e novembro, o Uruguai fechou 23 jornais, 273 edições foram confiscadas nas bancas. Foi pior no ano seguinte, 1974: 96 redações destruídas, oito por mês, duas por semana, uma a cada três dias. Na véspera do réveillon de 1975, foi invadida a última publicação, a revista de um padre jesuíta, Andrés Assandri, intitulada Perspectivas de Diálogo. Nada estranho empastelar uma revista com palavras tão provocativas. Afinal, perspectivas, não havia. Diálogo, muito menos. Etiqueta macabra A falta de comunicação estava expressa no encontro improvável de 1977 entre um dos maiores rinocerontes da repressão no Uruguai e um dos maiores virtuoses da música na Argentina. Miguel Ángel nem existia quando seus avós chegaram do Oriente Médio. O funcionário da Imigração de Buenos Aires perguntou seu nome várias vezes, mas o avô não entendia bem o espanhol. Limitou-se a apontar para o céu, sem dizer uma palavra. O funcionário, irritado, mandou anotar no documento: – Póngale Estrella a estos turcos de mierda! Sem querer, ele tinha acertado: Najmah, em árabe, significa estrela. Anos depois, em 1940, nascia em Tucumán o neto predestinado pela harmonia do cosmos: Miguel Ángel Estrella, um menino encantado pela música de Chopin e que começou aos 12 anos a estudar o piano que o transformaria numa estrela da música clássica no mundo. Artista consagrado, alternava seus espetáculos entre a plateia elegante das maiores salas de concerto do mundo e os shows gratuitos para o público humilde das favelas e dos povoados do interior que não tinham música em suas vidas miseráveis. Ele estava em Montevidéu, em dezembro de 1977, quando caiu nas mãos da maior estrela da repressão uruguaia, o major José Nino Gavazzo. Preso sob a falsa acusação de ser um guerrilheiro montonero, Estrella foi levado para uma casa clandestina de interrogatório, próxima ao aeroporto de Carrasco, onde foi torturado com choques elétricos, suspenso do solo por uma roldana. Durante seis dias seguidos, teve suas mãos delicadas atadas às costas, enquanto seus algozes simulavam cortar seus dedos com uma serra elétrica. A tortura fez com que o pianista perdesse a sensibilidade nos braços e nas mãos por 11 meses. O major Gavazzo, racista e prepotente, explicou o motivo de tanta violência: – Você não é um guerrilheiro. É algo pior: com um piano e um sorriso você põe a negrada no bolso e faz os negros acreditarem que podem escutar Beethoven. Formaram você para tocar para nós e agora você prefere tocar para a negrada! Estrella ouvia a ameaça do major: – Não te matamos porque não podemos, mas vamos te destruir totalmente. Nunca mais serás o pai de teus filhos. Nunca mais serás amante de uma mulher. Nunca mais tocarás piano. Temos métodos muitos sofisticados. Se daqui a 18 anos, que é o tempo que vamos te prender aqui, ainda continuares com esse sorriso, vamos te matar. Porque és uma pessoa que tem fé e essa fé nós vamos arrancar. Estrella e sua arte só sobreviveram pela força de um movimento internacional que exigiu a libertação do pianista, em 1980. Aos 71 anos, Miguel Ángel ainda é uma estrela que brilha, fulgurante, com a mesma fé que a tortura não conseguiu arrancar, com o mesmo sorriso que a força bruta não pôde matar. Aos 72 anos, o major Gavazzo não pode nem mesmo sorrir. É um dos primeiros militares processados por crimes de direitos humanos na ditadura e está preso em Montevidéu, condenado desde 2010 a 25 anos de prisão pela morte de 28 uruguaios, sequestrados em Buenos Aires um ano antes da prisão de Estrella. Os profissionais da força têm sérios problemas com as palavras e uma patológica obsessão com as mãos. Isso ficou claro um dia depois do bombardeio do Palácio de La Moneda, onde sucumbiram o presidente Salvador Allende e a dem0cracia. Em 12 de setembro de 1973, no ginásio fechado do Estádio Chile, foram detidos 600 estudantes e professores da Universidad Técnica del Estado (UTE). Entre eles estava Victor Jara, que aos 40 anos usava as mãos e a voz para dar força e lógica às palavras. No seu testamento musical, Manifiesto, no disco póstumo Tiempos que Cambian (de 1974), Jara apregoava: Yo no canto por cantar/ ni por tener buena voz,/ Canto porque la guitarra/ tiene sentido y razón. Jara vivia das palavras, como professor de jornalismo, diretor de teatro, poeta, cantor, compositor, músico e ativista político. Tinha todos os pecados, portanto, para ser odiado pelas palavras de força que iriam caçar e silenciar a força das palavras. No Chile de Pinochet, Victor Jara tinha o mesmo e único prognóstico de Federico García Lorca na Espanha de Franco: a morte O oficial que reconhece Jara na multidão de presos o ataca com pontapés, chutando as costas, a cabeça, o corpo todo. Jogado num corredor, Jara resiste com a arma que lhe resta, que sempre será sua: a palavra. Pede lápis e papel e, superando o sangue e a dor, escreve os últimos versos de sua vida breve: Canto que mal que sales/ Cuando tengo que cantar espanto/ Espanto como el que vivo/ Espanto como el que muero. Jara ainda tem tempo de repassar o poema a um companheiro, antes que dois soldados o arrastem para nova seção de golpes, ainda mais brutais. Um oficial da Força Aérea pergunta ao preso estirado no chão se ele fuma. Jara nega, o oficial insiste: “Pois agora vais fumar!”. E lhe joga um cigarro aceso. Tremendo, Jara estende o braço para pegar a bagana. O militar ergue o pé e esmaga a mão do artista com o seu coturno. A palavra amaldiçoada explica a violência: – Ahora, vamos a ver si aún tocas la guitarra, comunista de mierda! – grita o oficial. No quinto dia após o golpe, Jara foi trucidado com 44 disparos e seu corpo jogado num matagal próximo ao Cemitério Metropolitano, às margens de uma rodovia. O mais conhecido cantor do país foi levado para o depósito de cadáveres e ganhou a etiqueta macabra daqueles tempos sinistros: N.N, mais um no-nombrado. Jara só perdeu o anonimato quando teve seus restos reconhecidos pela viúva. Palavra que fala O Brasil também era varrido por aquela estranha sanha assassina contra as mãos. No início dos anos 1960, o jornalista Antônio Maria (1921-1964) era um artífice das palavras, o maior cronista do Rio de Janeiro. Escrevia no jornal getulista Última Hora, adversário direto da Tribuna da Imprensa, do eterno conspirador Carlos Lacerda. Irritados com os constantes ataques de Maria ao seu chefe, capangas de Lacerda atacaram o jornalista e lhe quebraram os dedos das duas mãos. No dia seguinte, para surpresa de todos, Maria voltou com outro artigo impiedoso, que não falava do espancamento. Na última linha, porém, o cronista escreveu: – Que tolos! Eles pensam que os jornalistas escrevem com as mãos… Os tolos de todos os lugares, de todas as eras, imaginam que os homens e mulheres produzem com as mãos, ou só com as mãos, as maravilhas do pensamento e os monumentos das artes que marcam o processo civilizatório. Censurando a imprensa, reprimindo as artes, silenciando os dissidentes, disseminando o medo e o terror de Estado, tentaram esmagar o homem e seus direitos. A partir de meados dos anos 1980, as ditaduras foram expostas nas suas entranhas, desabando uma a uma num efeito dominó que resgatou a esperança e a dignidade no extremo sul do continente. A versão vazia e triunfalista da história oficial no Cone Sul, que deturpava a palavra pela força, foi confrontada pela palavra liberta e liberada de quem antes se calara pela força da violência, do medo. Surgia o outro lado da história, a história do outro lado. Na palavra do jornalista, do historiador, do político, do escritor, do poeta, do músico, um novo continente de ideias e de verdade aflorou na América, livre dos simbolismos, das metáforas, das alegorias, dos subtextos, das codificações poéticas de letras e músicas que recuperaram sua capacidade de contar livremente o desafio da vida. As novas narrativas da América Latina das décadas de 60 a 80 do século passado surgem, agora, com o testemunho que preenche lacunas e desfaz lendas do poder. Esta é a alentadora herança que fica: qualquer que seja o desafio imposto pela força, pelo silêncio, pelo arbítrio, sempre restará a palavra que redime, a palavra que honra, a palavra que fala. Cedo ou tarde, lembramos e contamos. Palavra por palavra. *Luiz Cláudio Cunha é jornalista. Colabora com o “Quem tem medo da democracia?”, onde mantém a coluna “De Talho“. Este texto foi também publicado na revista Intercâmbio, da UnB. Quem quiser se comunicar diretamente com o autor, pode fazê-lo através do e-mail cunha.luizclaudio@gm
(Fonte?)
Chico
A mulher e o lirismo de Chico Buarque
em Música por Joachin Azevedo em 12 de set de 2012 às 03:27
Ao longo desse breve escrito, busco analisar a construção de alguns arquétipos femininos na música do carioca Chico Buarque, destacando um pouco das ambivalências e complexidades que a figura da mulher possui na produção musical desse renomado compositor e músico.
Assim como a produção intelectual de Chico Buarque, abrangendo desde suas composições até sua literatura, é diversificada e labiríntica, a temática da mulher em suas músicas é sinuosa e complexa. Em 1994, a gravadora Polygram lançou uma série de discos em homenagem ao artista divididos em Chico Buarque 50 anos: O amante; O cronista; O malandro; O político e O trovador. Aos interessados, recomendo que, caso queiram conhecer melhor a forma pela qual a mulher é representada nas composições de Chico Buarque, não se atenham apenas a escutar o disco O amante. Procurem elaborar outras analogias entre o tema do feminino em O amante e nas outras coletâneas, como O trovador e O político, por exemplo.
Em O amante, a música “Não sonho mais” pode servir como uma amostra da capacidade artística de Chico Buarque de mostrar ao ouvinte o mundo como se fosse percebido pela ótica de uma mulher. A protagonista de um horrível pesadelo, na qual seu companheiro é torturado por brutamontes, mortos-vivos e flagelados revela que diante de tal cena teve “vontade de gargalhar” e além de tudo:
Ao pé da ribanceira acabou-se a liça
E escarrei-te inteira a tua carniça
E tinha justiça nesse escarrar.
Te "rasgamo" a carcaça
Descendo a ripa. "Viramo" as tripas,
Comendo os "ovo", ai!,
E aquele povo pôs-se a cantar.
Ao terminar a composição com um pedido de perdão ao companheiro por parte da protagonista desse devaneio onírico nada romântico e com pitadas de sadismo, temos, apesar de tudo, uma aposta lírica ainda no romantismo e no amor. É como se, para Chico, as frustrações e as mágoas dessa mulher que urgiram na sua relação são tão profundas que se projetaram em seu inconsciente. Porém, ao clamar pelo perdão do marido – e entenda-se aqui que o termo “perdão” possui forte implicações éticas, pois perdoar significa amar mais ao nosso oponente do que a si mesmo – existe nessa composição um sofisticado e subliminar otimismo em torno da capacidade humana de exercer a arte da compreensão.
Na música “Bastidores” temos uma incursão as amarguras sofridas por causa do término de uma relação por uma personagem que parece encarnar a figura de uma cantora melancólica de cabarés. É após tomar “um calmante, um excitante e um bocado de gim”, que a cantora sobe aos palcos e, mesmo certificando-se de “como é cruel cantar assim”, tem uma das suas mais aplaudidas performances. Em meio a essa verdadeira pintura musical, a protagonista da música revela ao ouvinte que jamais cantou “tão lindo assim / e os homens lá pedindo bis / bêbados e febris”. No final das contas, a capacidade da artista de comunicar sua dor por meio de uma apoteótica habilidade torna-se uma forma de sublimar e contornar a tristeza provocada pelo desatar dos laços amorosos.
A antítese da dona de casa ciumenta, de classe média baixa e devota aos afazeres domésticos de “Com açúcar, com afeto” é a prostituta libertina que protagoniza a música “Geni e o zepelim”. A citada música é ambientada em um universo urbano ficcional e provinciano no qual fervilham diversas práticas corruptas, viciosas e abjetas que, certamente, muito deve as descrições bíblicas de Sodoma e Gomorra. Geni é uma resignada prostituta que vivencia toda sorte de perseguições por causa dos preconceitos dirigidos a sua pessoa. Essas hostilidades são motivadas pela solene hipocrisia dos respeitáveis cidadãos da província em que mora. Hipocrisia porque os homens da cidade, de qualquer classe social e etária, procuram os favores sexuais de Geni para aplacarem sua luxúria e depois de satisfeitos a execram publicamente. Em meio a esse quadro desolador, um oficial militar em um imponente zepelin decide bombardear a cidade assumindo ares de um Deus onisciente e sanguinário. Ao encartar-se com a Geni, desiste de provocar seu apocalipse particular em troca de uma noite de prazeres com a errante cortesã. A questão é que Geni deixa bem claro que “ao deitar com homem tão nobre / Tão cheirando a brilho e a cobre / Preferia amar com os bichos”.
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Chico Buarque realiza uma denúncia eloquente ao nos colocar diante de uma prostituta dotada de mais altivez e princípios do que todos os habitantes desse micromundo fictício, porém verossilmente cruel. Somente para atender as súplicas dos seus outrora carrascos é que Geni cede aos cortejos do oficial. O mesmo, após sua noite de luxúria levanta voo no zepelim e segue seu rumo. No próximo instante, Geni passa a ser alvo das mesmas discriminações apesar de ter salvado a vida dos seus algozes.
A galeria das personagens femininas criadas por Chico Buarque é ampla e trabalhar em torno de uma análise mais detalhada ultrapassa os limites que a formatação de um breve texto informativo impõe. Se o leitor desse escrito sentir a necessidade de ouvir as composições desse artista para tirar suas próprias conclusões já me seria bastante compensador. O que é interessante perceber, para um bom começo de conversa, é o fato de que Chico Buarque domina uma forma de sensibilidade artística também muito presente na literatura: aquela sensibilidade graças a qual o escritor ou o compositor consegue calar suas convicções mais acirradas, e até mesmo sua masculinidade, para dar voz ao outro; a pluralidade e a alteridade.
joachinneto
Artigo da autoria de Joachin Azevedo.
Não há comunidade viva sem uma fenomenologia da apresentação em que cada indivíduo afronta - atrai ou repele, deseja ou devora, olha ou evita - o outro..
Saiba como fazer parte da obvious.
Leia mais: http://lounge.obviousmag.org/ruinas/2012/09/amulhereolirismodechico.html#ixzz26IpuQdHd
Direitos Culturais
Derechos humanos, derechos culturales
Lillian Álvarez • La Habana
Evolución de los derechos culturales
Aunque la primeras regulaciones jurídicas en el campo de la cultura se remontan al derecho francés, que reguló el depósito legal en 1534, las bases del derecho cultural han sido situadas en los siglos XIX y XX en los que se definieron tres áreas de protección fundamentales: el patrimonio cultural y los centros de depósito cultural (museos, archivos y bibliotecas), las industrias culturales (con sus orígenes en las regulaciones de imprenta) y el derecho de autor.
Constitucionalmente no hubo mención alguna a estos temas hasta que, en 1917, la Constitución mexicana utilizó el concepto de cultura por primera vez en un texto de este rango. Este hecho significó un salto cualitativo en el reconocimiento de los derechos culturales, que habían sido tratados hasta entonces de forma dispersa, y demostró un especial interés político en su protección. En la actualidad, en múltiples constituciones se establece la obligación de los poderes públicos de fomentar y difundir la cultura nacional y encontramos artículos referidos a la protección del patrimonio cultural y lingüístico, a la defensa de los conocimientos tradicionales y de los derechos de las minorías culturales, a la libertad de creación, al papel de las bibliotecas y otras instituciones de promoción cultural.
Aquel paso trascendente dado en el México revolucionario, a inicios del siglo XX, debió abrir el camino para que el Derecho cultural —como rama del Derecho— avanzara hacia el logro de un equilibrio entre los diferentes actores de los procesos culturales a nivel de toda la sociedad. No obstante, lejos de emprenderse un avance coherente y equilibrado en pos de la protección y salvaguarda de estos derechos, hemos presenciado mundialmente un desarrollo desbalanceado que se guía de manera abierta por intereses económicos. El momento actual está caracterizado, sin dudas, por una hipertrofia en la protección de algunos sujetos y relaciones, y un abandono, tanto en el desarrollo teórico como en la implementación práctica, de otros muy necesarios.
Por ejemplo, en el marco de la UNESCO se han adoptado instrumentos tan importantes como la Convención sobre las Medidas que Deben Adoptarse para Prohibir e Impedir la Importación, la Exportación y la Transferencia de Propiedad Ilícitas de Bienes Culturales (1970), la Recomendación relativa a la Condición del Artista (1980), la Recomendación sobre la Salvaguardia y la Conservación de las Imágenes en Movimiento (1980), la Recomendación sobre la Salvaguardia de la Cultura Tradicional y Popular (1989), la Convención para la Protección de los Bienes Culturales en caso de Conflicto Armado (protocolos de 1954 y 1999), la Convención para la salvaguardia del patrimonio cultural inmaterial (2003), y la Convención sobre la Protección y Promoción de la Diversidad de las Expresiones Culturales (2005), entre muchos otros. Las Convenciones establecen acuerdos que deben ser cumplidos por los Estados signatarios y es de suma importancia su labor subsiguiente en la ejecución de sus postulados, pues, de no existir una voluntad política coherente con estos compromisos, lo adoptado puede quedar en letra muerta. Y es esto, lamentablemente, lo que ha sucedido en innumerables casos.
Al propio tiempo, mientras Convenciones adoptadas en el marco de un organismo de Naciones Unidas esperan por las buenas intenciones de la comunidad internacional para llevarse a la práctica, un entramado de normas es tejido por el poder transnacional y, en complicidad con gobiernos y otros organismos y organizaciones internacionales, ha logrado establecer un sistema de protección que pone en un segundo plano los derechos de acceso de los ciudadanos y privilegia, no a los creadores, sino a las empresas dueñas de sus derechos. Esta terrible armazón jurídica utiliza, para colmo, los mecanismos de exigencia y sanciones económicas de la OMC (Organización Mundial de Comercio)
Mediante acuerdos internacionales de diversa índole y tratados multilaterales y bilaterales de libre comercio, los países industrializados presionan al resto del mundo a favor de la homogenización de las legislaciones de derechos de autor. Empleando la misma trampa de que la liberalización del comercio traerá beneficios a grandes y pequeños, garantizan la protección de sus inversiones en el campo de la cultura y fuerzan a los países subdesarrollados a invertir recursos en ello. Estados donde se están extinguiendo lenguas y prácticas culturales de sus pobladores originarios, se ven comprometidos a garantizar la persecución de quienes copien los productos de la gran industria y destinan a ello sus escasísimos recursos so pena de ser sujetos de sanciones económicas. Las inversiones en la preservación del patrimonio material e inmaterial, las posibles acciones de rescate y salvaguardia de la memoria de estos pueblos, quedan una vez más como deudas pendientes, pues las deudas ante los poderosos resultan de mayor urgencia. Se trata, en resumen, de dar un golpe mortal a los derechos culturales de esas naciones y pueblos y ofrecer garantías absolutas para el poder transnacional.
Se puede asegurar que hoy los instrumentos normativos internacionales y la mayoría de las legislaciones nacionales de propiedad intelectual nada tienen que ver con las necesidades de los creadores y de la sociedad y están diseñados de acuerdo con los intereses de quienes resultan titulares de derechos, es decir, de las grandes industrias editoriales, de la música, del audiovisual, del software y en general de la llamada industria del entretenimiento.
Las muestras son cada vez más visibles: los creadores que utilizan nuevas formas de expresión surgidas con las nuevas tecnologías no encuentran cabida en las arcaicas leyes que suponen una originalidad a ultranza, que ignora intencionalmente el constante juego intertextual del arte contemporáneo. Las normas hegemónicas exigen un autor y una obra aislado de sus receptores sin diálogo ni interacción posible. El arte, para ellas, debe coincidir con la añeja formula de la obra-mercancía que permita el sonar de las cajas contadoras. Esa es la premisa. Por otra parte, las antiguas manifestaciones artísticas de los pueblos originarios siguen siendo objeto de la depredación más inescrupulosa, y se promueve, como solución, la privatización de expresiones colectivas por naturaleza. Las culturas más diversas presencian su extinción al carecer de espacios propicios para su transmisión y enriquecimiento.
En cuanto a los derechos de acceso, son claros y evidentes los retrocesos: las bibliotecas acosadas por la falta de recursos para pagar suscripciones, los editores tratando de imponer el pago por el préstamo bibliotecario, la prohibición de fotocopias de libros en las Universidades, las sociedades de gestión acosando a cuanto ciudadano utilice de algún modo una obra musical. Un mundo cada vez más interconectado tecnológicamente se hace cada vez más privado, y lo que la tecnología pudiera permitir lo cierran los candados de la propiedad intelectual en manos del poder corporativo. ¿A quién benefician entonces estas legislaciones?
Con el Acuerdo sobre los ADPIC y demás acuerdos de la OMC y la ola neoliberal de los años 90 del siglo XX en América Latina, el ejercicio de los derechos culturales chocó con obstáculos severos. La inclusión de la protección al derecho de autor dentro de los acuerdos comerciales, la consideración de los bienes y servicios culturales como una mercancía más sujeta al “libre comercio” entre desiguales (con sus consecuencias esperadas en el consumo cultural y los derechos de acceso), la privatización de los servicios educacionales y culturales, la pérdida por parte del Estado de toda función reguladora y el consecuente aniquilamiento de toda política cultural, los recortes en los presupuestos de educación y cultura, la imposibilidad de fomento, subvención ni protección a la industria cultural nacional, la apertura a las inversiones extranjeras de todos los espacios nacionales y la ofensiva para la homogeneización ya mencionada de legislaciones nacionales de acuerdo a las pautas de la OMPI-OMC, entre otros factores, signaron momentos trágicos en la evolución de los derechos culturales en Latinoamérica.
Derechos culturales y derechos humanos
Aun cuando las tradiciones anglosajona y latina conciben los derechos de autor de forma diferente, en textos normativos y tratados internacionales se reconocen, en el contenido del Derecho de Autor, dos cualidades u objetivos: la protección del autor como creador de una obra intelectual concreta y la protección a todos los seres humanos como receptores o “consumidores” a los que se le debe garantizar el acceso a los resultados creativos. Este doble contenido está definido en la Declaración Universal de Derechos Humanos1 cuando en su artículo 27 establece, en primer lugar, que:
1. “Toda persona tiene derecho a tomar parte libremente en la vida cultural de la comunidad, a gozar de las artes y a participar en el progreso científico y en los beneficios que de él resulten”.
Y en segundo:
2. “Toda persona tiene derecho a la protección de los intereses morales y materiales que le correspondan por razón de las producciones científicas, literarias o artísticas de que sea autora”.
La frontera que marca el límite en el ejercicio de estos derechos, ha sido francamente desplazada, y no para favorecer a esas “personas” en su condición de “autoras”. Se han venido limitando de manera dramática los derechos “a tomar parte libremente en la vida cultural de la sociedad”, no a causa de otros derechos humanos sino de derechos “corporativos”. Por esta causa, la clasificación del derecho de autor como un derecho humano es hoy cuestionada con gran severidad. Aunque pretenda presentarse de este modo para legitimarse, la propiedad intelectual de empresas y corporaciones no es un derecho humano. Es un instrumento para la monopolización de la circulación de las obras opuesto a la esencia de los derechos culturales del ciudadano y de la sociedad en su conjunto.
La posibilidad de que todos accedan a los resultados de la creación, es un presupuesto de la creación misma. Ante todo, el ciudadano debe contar con un espacio para el ejercicio de su libertad de creación, o lo que es lo mismo, debe tener la posibilidad de acceder al conocimiento e interactuar con la riqueza cultural preexistente. Este espacio de protección previo a la creación, lleva implícito como precedente el reconocimiento y la posibilidad del ejercicio efectivo de otros derechos humanos esenciales de los que grandes masas hoy están privadas: el derecho al agua, a la alimentación, a la salud, recogidos en la propia Declaración Universal de los DDHH. El reconocimiento de este ámbito de la libertad humana, debe completarse con el acceso gratuito y universal a la educación, con la posibilidad real de las personas de elevar su capacidad de apreciación de las artes, de oportunidades para manifestarse y acceder a la enseñanza especializada y a otras opciones culturales que le permitan enriquecer su espiritualidad y desarrollar su talento. Estos derechos constituyen efectivamente la base del fomento de la protección a la creación y a los autores.
Hoy vemos pagar en el mundo enormes sumas como retribución a unos pocos y afamados artistas que han creado obras de aceptación comercial y, sin embargo, las mayorías carecen de condiciones mínimas para desarrollar sus potencialidades creativas. Frente a Estados con las manos atadas, incapaces de diseñar e impulsar políticas culturales, se alza el Mercado como juez supremo, inapelable, para establecer jerarquías y decidir qué debe ser promovido y consumido entre quienes puedan pagar los altos precios de los bienes y servicios culturales. De este mismo modo, se anula la difusión de obras y géneros sin aceptación comercial, junto a toda posibilidad de promover la creación a nivel social, y se atenta gravemente contra la diversidad cultural.
Los derechos culturales deben hoy proteger al creador y a la sociedad, frente a los intereses que mutilan y empobrecen la creación. El acceso a las obras no puede depender de la capacidad de pago de los ciudadanos —de por sí limitadísima en estos tiempos de crisis— ni la protección puede basarse únicamente en la capacidad y posibilidad de generar ingresos. Sistemas de pago más rígidos no han traído como resultado mejores condiciones para la gran mayoría de los creadores, ni mayor riqueza espiritual, ni más tolerancia, ni nos ha acercado al diálogo entre las culturas. Por el contrario, han hecho más excluyentes y selectivos los escenarios, han favorecido la monopolización de la promoción y difusión culturales y han restringido el acceso a la cultura y el conocimiento.
Derechos culturales en Cuba
Un recorrido formal por las normas legales se hace innecesario. De nada valiera enumerar leyes si la realidad dijera otra cosa. No obstante, ahí está sentando pautas la Constitución de la República con sus postulados rectores. Luego, la Ley No. 1 de Protección del Patrimonio Cultural, la Ley No. 2 de Monumentos Nacionales y Locales, la Ley No. 14 de Derecho de autor, el Decreto Ley 106, el 144 y el 145, que reconocen la condición laboral especial de los artistas, entre muchas otras normas que institucionalizan y disponen los deberes del Estado para con el disfrute de los derechos culturales.
Pero mucho más atrás en el tiempo están también, en el propio año 1959, la fundación por el Gobierno Revolucionario del Instituto Cubano de Arte e Industria Cinematográficos y de la Casa de las Américas, instituciones a las que siguieron la Imprenta Nacional y las escuelas de arte, que abrieron para los cubanos una nueva era de emancipación y descolonización culturales. La Campaña de Alfabetización, en 1961, sentó las bases imprescindibles para saltos cualitativos impensables en la Cuba prerrevolucionaria.
La política cultural cubana apoya decisivamente la creación; pero este respaldo no debe ser visto solo como la retribución económica puntual que pueden brindar las legislaciones autorales. Va mucho más allá, como demuestra la subvención a muchos y muy valiosos proyectos culturales sin posibilidades de subsistir por sí mismos. ¿Cómo podría explicarse el gran momento que vive el movimiento teatral cubano, en términos creativos y de público, sin esas políticas de subvención? ¿O el impulso a la música sinfónica? ¿O la creación de decenas de bandas municipales de concierto que han revolucionado el clima cultural de tantas comunidades? ¿O un evento de tanto impacto social y espiritual como nuestra Feria del Libro, que se extiende a todas las provincias del país y se ha convertido en el acontecimiento cultural de mayor masividad? ¿O que existan escuelas de arte diseminadas por todo el territorio nacional? ¿O la red de bibliotecas, museos y casas de cultura que en medio de gravísimas carencias sigue haciendo su trabajo de valor incalculable? ¿O la celebración ininterrumpida de eventos tan importantes como los festivales de cine y ballet, la Bienal de la Habana, CUBADISCO y el Festival del Caribe?
El Fondo de Desarrollo de la Educación y la Cultura es otro ejemplo del ejercicio de esta política comprometida y responsable. Con ingresos provenientes de empresas del Ministerio de Cultura, financia programas ramales y territoriales, asociados a la conservación del patrimonio, a inversiones de la enseñanza artística y al sostenimiento de eventos nacionales e internacionales y presta incluso apoyo directo y personalizado a figuras del arte y la literatura.
En Cuba un régimen de Seguridad social especial protege a los artistas de determinadas actividades que exigen particulares condiciones y les concede el derecho a una pensión por tiempo de servicios. También está en vigor un régimen especial de Seguridad Social para los creadores independientes.
Nuestra ley de derecho de autor —aunque con más de 30 años de promulgada y amén de su necesaria actualización— reconoce los derechos de los autores, tanto morales como materiales, a la vez que dispone lúcidamente la posibilidad de utilizar en el país, sin ánimo de lucro, las obras sin la autorización de sus autores, cuando sea imprescindible para las necesidades de la educación, la ciencia, o la cultura, previo otorgamiento de una licencia para estos fines. Este artículo es el que nos ha permitido, en medio de las condiciones adversas que nos impone el bloqueo y nuestra condición de país subdesarrollado, preparar la fuerza técnica y profesional calificada con que contamos.
Independientemente de errores, problemas por resolver, limitaciones de recursos e ineficiencias, podemos afirmar, sin temor a equivocarnos, que en nuestro país se cumple como en pocos el “derecho a tomar parte libremente en la vida cultural de la comunidad, a gozar de las artes y a participar en el progreso científico y en los beneficios que de él resulten”. Y es que nuestra política cultural se ha orientado esencialmente a propiciar la participación de los ciudadanos en los procesos culturales y su acceso a lo mejor del arte y la literatura cubanos y universales, y ha garantizado, por otra parte, la activa intervención de los creadores en el diseño y la práctica de esa política.
Nuestros acusadores
Históricamente el gobierno de los EE.UU. se ha empeñado en desacreditar la imagen de Cuba. Los derechos humanos se han convertido año tras año en tema central de una acusación caricaturesca. La potencia responsable de genocidios y guerras de saqueo, poseedora de los mayores arsenales militares del planeta, con un historial escalofriante de crímenes, torturas y cárceles secretas, acusa a Cuba de violar los derechos humanos.
Si este acusador tiene el tejado de vidrio en campos tan sensibles, también lo tiene, hay que decirlo, en los derechos culturales. El papel de los EE.UU. en la Organización de las Naciones Unidas para la Educación la Ciencia y la Cultura (UNESCO) da muestras de ello. Han utilizado su presencia y su aporte económico a la organización como un instrumento burdo de chantaje. Se retiraron en 1984, a causa de la creciente ascendencia que por esos años habían adquirido los reclamos a favor de un nuevo orden informativo internacional, y el cuestionamiento a los monopolios de los medios y se reincorporaron luego, en 2003, al parecer para estar presentes en las discusiones que se avecinaban y poder ejercer presiones en función de sus intereses.
En el año 2005, cuando se discutía el proyecto final de la esperada “Convención sobre la protección y la promoción de la diversidad de las expresiones culturales”, la entonces Secretaria de Estado Condoleezza Rice envió una carta intimidante a los Ministros de Asuntos Exteriores de los países miembros de la UNESCO: “La adopción de esta convención (dice) podría enfriar las negociaciones que se están realizando en la OMC. Por estas razones, la convención se presta al abuso por parte de los enemigos de la democracia y el libre comercio (…) Los Estados Unidos se reincorporaron a la UNESCO con la intención de participar activamente en ella y de contribuir a la labor importante de la organización en los campos de la educación, la ciencia y la preservación cultural. No queremos cambiar eso, pero esta convención amenaza el apoyo a la UNESCO en los Estados Unidos. Le instamos vivamente a participar y trabajar con nosotros para asegurar que la convención no deshaga toda la buena labor que juntos hemos realizado en la UNESCO”.
Las amenazas no dieron resultado. La “Convención sobre la protección y la promoción de la diversidad de las expresiones culturales”, fue aprobada por 148 votos a favor, solo dos votos en contra (EE.UU. e Israel) y cuatro abstenciones. EE.UU. aún no ha suscrito la Convención, llamada ya el ”Kioto” cultural, en alusión a lo sucedido con el “Protocolo de Kioto sobre el cambio climático”, otro documento de importancia capital que resultó ignorado por el país con mayor responsabilidad en los desastres que intenta remediar.
Recientemente, en 2011, EE.UU. retiró el apoyo financiero a la UNESCO, acompañado —otra vez— por Israel, como represalia ante la aprobación de la entrada de Palestina como estado miembro.
A estas posiciones oficiales en el seno de la UNESCO habría que sumar la responsabilidad directa de los EE.UU. en guerras que han motivado, junto a un altísimo costo en vidas humanas, el desplazamiento de comunidades y pueblos, el aniquilamiento de sus culturas y la destrucción del patrimonio cultural 2. Súmese además su impúdico injerencismo en países de todos los continentes para imponerles tratados, hacerles aprobar normas nacionales, e incluso capacitar a sus jueces y fiscales para aplicarlas, cuando estas benefician al poder corporativo transnacional y atentan abiertamente contra los derechos culturales de sus ciudadanos. Y su papel protagónico en la extensión a la escala global de un modelo signado por intereses mercantiles, que nada tiene que ver con la auténtica creación y que ahoga la diversidad cultural y promueve el consumo de la peor “chatarra” seudoartística, que coloniza mentes, simplifica, homogeneíza y arruina la facultad para crear y disfrutar expresiones culturales complejas. Ese daño a la memoria cultural de la humanidad y al entorno en que debieran fomentarse y reproducirse experiencias fecundas y enaltecedoras de lo mejor del ser humano, es también un golpe, quizá irrecuperable, a los derechos culturales.
En esta materia, como en los derechos humanos en general, a nuestros acusadores más les valdría callar.
Notas:
1- Declaración Universal de Derechos Humanos, proclamada por la Asamblea General de las Naciones Unidas (París el 10 de diciembre de 1948) http://www.un.org/spanish/aboutun/hrights.htm
2- Solo en la biblioteca de Bagdad más de un millón de libros fueron quemados, sin contar con los que se perdieron, en el Museo Arqueológico se saquearon tablillas con las primeras muestras de escritura, ardieron más de 700 manuscritos antiguos y 1.500 se dispersaron. EE.UU. desestimó todas las advertencias hechas y violó la Convención de La Haya de 1954 al no proteger los centros culturales y estimular los saqueos. Ver más en “El ‘genocidio’ cultural en Iraq: un millón de libros destruidos”, de Fernando Báez, http://www.nodo50.org/csca/agenda2004/iraq/baez_3-11-04.html
(La Jiribilla)
quinta-feira, 27 de setembro de 2012
Vagina
ELIANE BRUM - 18/06/2012 10h45 - Atualizado em 18/06/2012 15h40
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Por que a imagem da vagina provoca horror?
Diante da origem do mundo, ela deu um grito
Eliane Brum, jornalista, escritora e documentarista (Foto: ÉPOCA)Eliane Brum, jornalista, escritora e documentarista. Ganhou mais de 40 prêmios nacionais e internacionais de reportagem. É autora de um romance - Uma Duas (LeYa) - e de três livros de reportagem: Coluna Prestes – O Avesso da Lenda (Artes e Ofícios), A Vida Que Ninguém Vê (Arquipélago Editorial, Prêmio Jabuti 2007) e O Olho da Rua (Globo). E codiretora de dois documentários: Uma História Severina e Gretchen Filme Estrada. elianebrum@uol.com.br
@brumelianebrum (Foto: ÉPOCA)
Muitos anos atrás, não sei precisar quantos, deparei-me com o quadro A origem do mundo (L’Origine du Monde, 1866) e me encantei. Nele, o francês Gustave Courbet pinta uma vagina. Cheguei a ela desavisada e fui tomada por uma sensação profunda de beleza. Forte o suficiente para sonhar, deste então, com a compra de uma reprodução, um plano sempre adiado. Quando passei a trabalhar em casa, há dois anos, desejei ainda mais ter o quadro na parede do meu escritório, onde reúno tudo aquilo que me apaixona em um pequeno universo perfeito e só meu. No último aniversário, em maio, meu marido me deu a reprodução de presente. Só na semana passada, porém, o quadro chegou da vidraçaria onde fez escala para receber moldura. Então, algo inusitado aconteceu.
Ouvi um grito:
- É o fim do mundo!
Eu estava no quarto e saí correndo, alarmada, para ver o que tinha acontecido. Encontrei Emilia, a mulher que limpa nossa casa uma vez por semana, com o rosto tomado por um vermelho sanguíneo, diante de A origem do mundo, que, ainda sem lugar na parede, jazia encostado em um armário.
- É o fim do mundo! – gritava ela, descontrolada. – Nunca pensei ver algo assim na minha vida! Eliane, que coisa horrível!
Meio atordoada, eu repetia: “Não é o fim do mundo, é o começo!”. E depois, sem saber mais o que fazer para acalmá-la, me saí com essa estupidez: “É arte!”. Como se, por ser “arte”, ela tivesse de ter uma reação mais controlada, quando é exatamente o oposto que se espera. Beirando o desespero diante do desespero dela que eu não conseguia aplacar, apelei: “Mas, Emilia, metade da humanidade tem vagina – e a humanidade inteira saiu de uma vagina! Por que você acha feio?”.
O fato é que, para Emilia, era o fim do mundo – e não o começo. Tentei fazer piada, mas percebi que a perturbação não viraria graça. A questão para ela era séria – e ela só não pedia demissão porque trabalha há 12 anos comigo e temos um vínculo forte. Naquele dia, Emilia despediu-se incomodada e passei a temer que talvez ela não suporte olhar para o quadro a cada quinta-feira.
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Por que Emilia, uma mulher adulta, que me conta histórias escabrosas da vida real, se horrorizou com a visão de uma vagina? Por que eu me encantei com a visão de uma vagina? Quando vivo uma experiência de transcendência, em geral eu não quero saber sobre a história da pintura que a produziu, porque temo perder aquilo que é só meu, a sensação única, pessoal e íntima que tive com aquela obra. É uma escolha possivelmente besta, mas faz sentido para mim. Por isso, eu quase nada sabia sobre “A origem do mundo”, para além do fato de que eu a adorava. Só no ano passado, ao ler um pequeno livro sobre um dos grandes nomes da história da psicanálise, o francês Jacques Lacan, soube que ele foi o último dono da pintura. Nos anos 90, sua família doou o quadro para o Museu D’Orsay, em Paris, onde está desde então.
Graças ao estranhamento de Emilia, transtornada que foi pela experiência artística quando se preparava para passar o pano no chão, fui levada a um percurso inesperado. Descobri que A origem do mundo causa escândalo desde que foi pintada. E agora quem está horrorizada sou eu, mas pela ausência de horror em mim diante do quadro. Por quê? Por que eu não sinto horror? O que há de errado comigo que não sinto horror?, cheguei a me perguntar. De repente, nossas posições, a minha e a de Emilia diante do quadro, inverteram-se. Eu, que não compreendia o horror dela, passei a suspeitar do meu não horror.
Eis uma breve trajetória da obra. A origem do mundo foi encomendada a Courbet, um pintor do realismo, por um diplomata turco chamado Khalil-Bey. Colecionador de imagens eróticas, ele pediu um nu feminino retratado de forma crua. E Courbet lhe entregou um par de coxas abertas, de onde despontava uma vagina após o ato sexual. A obra teria sido instalada no luxuoso banheiro do milionário, atrás de uma cortina que só se abria para revelar o proibido para uns poucos escolhidos. Khalil-Bey teria perdido a pintura em uma dívida de jogo, momento em que a tela passa a viver uma série de peripécias.
O quadro teve vários donos e, ao que parece, todos o escondiam atrás de uma cortina ou de uma outra pintura. Na II Guerra Mundial, algumas versões afirmam que chegou a ser confiscado pelos nazistas do aristocrata húngaro ao qual pertencia. Em seguida, passou uma temporada nas mãos do Exército Vermelho. Até que, após uma acidentada jornada, em 1954 foi comprado por Lacan e instalado na sua famosa casa de campo.
Até mesmo Lacan, um personagem pródigo em excentricidades e sempre disposto a chocar as suscetibilidades alheias, ocultava o quadro com uma outra pintura, encomendada ao pintor surrealista André Masson com esse objetivo. Como uma porta de correr, esse “véu” retratava uma vagina tão abstrata que só um olhar atento a adivinhava. Apenas visitantes especiais ganhavam o direito de desvelar e acessar a vagina “real”. Segundo Elisabeth Roudinesco, a biógrafa mais notória de Lacan, o psicanalista gostava de surpreender os amigos deslocando o painel. Anunciava então “A origem do mundo”, com a seguinte declaração: “O falo está dentro do quadro”. Boa parte dos intelectuais apresentados à tela ficava, como Emilia, bastante incomodada.
Por quê?
Que há algo perturbador no órgão sexual feminino não há dúvida. Até nomeá-lo é um problema. Vagina, como tenho usado aqui, parece excessivamente médico-científico. É como pegar a língua com luvas cirúrgicas. Boceta ou xoxota ou afins soa vulgar e, conforme o interlocutor, pejorativo. É a língua lambuzada pelo desejo sexual – e, por consequência, também pela repressão. Não há distanciamento, muito menos neutralidade possível nessa nomeação. É uma zona cinzenta, entregue a turbulências, e a palavra torna-se ainda mais insuficiente para nomear o que Courbet chamou de “A origem do mundo”. Para Lacan, “o sexo da mulher é impossível de representar, dizer e nomear” – uma das razões pelas quais teria comprado o quadro.
Em busca de respostas para o horror de Emilia, que, por oposição, revela o meu não horror, naveguei por algumas interpretações do quadro – e da perturbação gerada por ele. Jorge Coli, historiador, crítico de arte e autor de um livro sobre Courbet para a editora francesa Hazon, assim comentou sobre A origem do Mundo, em um artigo publicado em 2007: “Parece-me a radicalização do processo de transformar a mulher em um objeto orgânico, pois ele esconde a cabeça (pensante) e os braços e pernas (elementos da ação). Vemos a ponta do seio e, sobretudo, o sexo”. Coli assinala que uma das questões do século XIX era a ameaça do desejo contida no feminino. Inerte, entregue à contemplação, a mulher não ameaçaria.
Em algumas manifestações escandalizadas, o fato de Courbet ter “reduzido” a mulher a um pedaço da anatomia foi considerado uma afronta. Uma mulher sem cabeça, sem braços, sem história. A pintura chegou a ser definida pelo escritor e fotógrafo francês Maxime Du Camp como um “lixo digno de ilustrar as obras do Marquês de Sade”. Análises mais psicanalíticas explicam o horror de quem olha pela castração. Diante do espectador, entre as coxas abertas da mulher se revelaria a ferida aberta, a falta, a impossibilidade de ser completo. As mulheres se horrorizariam pela constatação da castração, os homens pelo temor a ela. Se alguns olhares produzem pistas, outros reforçam apenas o incômodo que a obra produzia.
O efeito do quadro já foi tentado em fotografias de mulheres, em geral prostitutas, colocadas na mesma posição, mas o resultado revelou-se diverso. Ao transpor para a fotografia, não é mais a imagem de Courbet, mas outra. Até que, em 1989, uma artista francesa, Orlan, fez algo marcante – e com grande potencial para gerar polêmica – a partir da obra original. Ela reproduziu a pintura trocando a vagina por um pênis – ou a boceta por um caralho. E chamou-a de A origem da guerra. Olhar para essa imagem causa um estranhamento, especialmente porque a posição, deitada de costas, é muito mais íntima da mulher do que do homem. O pênis, no caso, se oferece ereto ao olhar, mas a partir de um corpo na horizontal, entregue.
É instigante, desde que a provocação não seja reduzida a um feminismo indigente, banalizado pela crença pueril do “a mulher gera a vida, o homem a morte”. A intenção de Orlan, segundo Roudinesco, era bem mais refinada. Ela “pretendia desmascarar o que a pintura dissimulava, realizando uma fusão da ‘coisa’ irrepresentável com seu fetiche negado”. Reivindicava então a “imprecisão do gênero e da identidade” que marca o nosso tempo, anunciando, por sua vez: “Sou um homem e uma mulher”.
O que se pode afirmar é que Courbet revelou o que está sempre coberto, oculto, escondido. No Carnaval brasileiro, por exemplo, como lembra a psicanalista Maria Cristina Poli em um artigo interessante sobre o feminino, tudo é exposto – e até superexposto – do corpo da mulher, menos a vagina. Mas a força do quadro não está só no “mostrar”. Há algo de incapturável e único na forma como Courbet mostrou o “imostrável”, já que a transposição da imagem para a fotografia não causa o mesmo efeito. E o que é?
Não sei.
A vagina pintada por Courbet é peluda como não vemos mais nos dias de hoje. A depilação quase total do sexo feminino tornou-se um popular produto de exportação do Brasil. Tanto que virou um dos significados da palavra “Brazilian” no renomado Dicionário Oxford: "Estilo de depilação no qual quase todos os pelos pubianos da mulher são retirados, permanecendo apenas uma pequena faixa central”. Pelo visto, a partir dos trópicos supostamente liberados e sexualizados, a vagina depilada virou um clássico contemporâneo.
Este é um ponto interessante. Ao primeiro olhar, a extração dos pelos serviria para revelar mais a vagina, mas me parece que este é mais um daqueles casos, bem pródigos na nossa época, em que se mostra para ocultar – a superexposição que ofusca e cega. A vagina sem pelos é uma vagina flagelada – e arrancar os pelos com cera é mesmo um flagelo. É também uma vagina infantilizada pela força. E é ainda uma vagina esterilizada, já que vale a pena lembrar que no passado recente essa depilação agressiva só acontecia nos hospitais para, supostamente, facilitar o parto. “Se não depilo totalmente, me sinto suja”, disse-me uma amiga. Suja?
Em janeiro de 2000, a atriz Vera Fischer exibiu sua vagina peluda em um ensaio fotográfico da revista Playboy. Causou furor. Falou-se na “Mata Atlântica”, na “Amazônia”, na “selva” onde sempre é perigoso penetrar. Havia algo de poderoso e incontrolável na vagina em estado “natural” de Vera Fischer, e a polêmica se fez. Era uma mulher não domesticada ali. Uma mulher adulta.
Não me parece – e nunca saberemos se tenho razão – que, se Courbet tivesse pintado uma vagina careca, ela teria causado tanto o horror de Emilia quanto o êxtase em mim. A vagina pintada por Courbet é uma vagina que revela. Mas o quê?
Não sei. A maravilha da arte é que ela nos transtorna sem a menor intenção de nos dar respostas – muito menos caminhos a seguir. A arte é sempre labiríntica. Não há sentimentos “certos” ou “errados” diante da expressão artística, há sentimentos apenas. Movimentos. Que nos levam por aí, aqui. É em respeito a essa ideia que decidi não colocar nenhuma imagem do quadro aqui, nem mesmo um link – ou um atalho – para a imagem na internet. A busca da origem do mundo é pessoal e intransferível. Assim como a decisão de buscá-la.
A obra de Courbet sempre foi oculta por uma outra pintura. Ou cortina. Exceto agora, que a exibição no museu deu a ela uma espécie de salvo-conduto, por ser ali “o lugar certo”. De algum modo, até então, a vagina mais famosa da História da Arte fora coberta por um véu – além do véu representado pela própria pintura.
Decidi não cobrir minha reprodução de A origem do mundo com uma burca. Vamos ver o que acontece.
(Eliane Brum escreve às segundas-feiras.)
(Época)
Recordes
A norte-americana Leslie Tipton demora apenas 5,43 segundos a ‘fechar-se’ dentro de uma mala. O turco Sultan Kösen mede uns impressionantes 2,51m de altura. E a tailandesa Kanchana Ketkaew viveu durante 33 dias com milhares de escorpiões. Surpreendido com estes factos? Conheça estas e outras proezas reconhecidas pelo maior livro de recordes do Mundo: o Guiness Book.
1 - A mais rápida a entrar na mala
A norte-americana Teslie Tipton detém o recorde da mais rápida a enfiar-se dentro de uma mala. Em 2008, durante a Book Expo America, Teslie demorou 7,04 segundos a fechá-la. Um ano depois, em Nova Iorque, baixou a sua marca pessoal para apenas 5,43 segundos. Um verdadeiro momento de contorcionismo!
2 - O cabelo mais comprido
Xie Qiuping tem deixado crescer o cabelo desde 1973. A chinesa é a recordista do maior cabelo do mundo, com 5,6 metros. “Não me causa problemas em nada, já estou habituada. Mas claro que dá trabalho e requer muita paciência” afirmou.
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© Sultan Kosen, o homem mais alto do mundo em Amesterdão (Wikicommons, Amsterdamman).
3 - O mais alto
Natural da Turquia, Sultan Kösen, de 29 anos, detém o recorde do homem mais alto do mundo – mede 2,51m. Este seu crescimento foi causado por um tumor que afectava a glândula responsável por produzir a hormona do crescimento.
4 - Andar de bicicleta para trás e tocar violino ao mesmo tempo
Christian Adam, de Lubeck, aprendeu a andar de bicicleta aos 4 anos e a tocar violino aos 12. Desde então, tem vindo a executar estas duas habilidades em simultâneo. Percorreu 60km em 5 horas e 19 minutos, conquistando o recorde mundial.
5 - As unhas mais compridas
Os 8,65m de unhas valeram a Lee Redmon o título. Na categoria masculina, ninguém bate Melvin Boothe: as suas unhas medem 9,85m e detém o recorde desde 2009. Ambos são norte-americanos.
6 - Maior número de colheres na cara
Aaron Caissie é um verdadeiro equilibrista. O jovem canadiano detém, desde 2009, o recorde de maior número de colheres na cara. Conseguiu equilibrar 17, espalhadas pela testa, bochechas, nariz, queixo e orelhas.
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© Charlotte Lee, o maior número de patinhos de borracha (Wikicommons, Gaetanlee).
7 - Maior colecção de patinhos de borracha
Em 1996, a norte-americana Charlotte Lee começou a coleccionar patinhos de borracha. Em 2011, bateu o próprio recorde ao apresentar os seus 5.631 patinhos. Charlotte criou também o site duckplanet.com para compartilhar e divulgar informações a todos os outros fãs deste brinquedo.
8 - Maior número de agulhas na cara
O recorde pertence ao chinês Wei Shengchu. Conseguiu espetar 2.009 agulhas pela cara sem grande esforço. Wei colocou ainda umas flores na cabeça com o objectivo de “embelezar” a sua imagem.
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© Amberg Eh'hausl (Wikicommons, Gaetanlee).
9 - O hotel mais pequeno
O hotel Eh'häusl fica em Amberg, na Alemanha, e é o mais pequeno do mundo. Tem apenas um quarto e ocupa um espaço de 53m quadrados. Os hóspedes são recebidos pelo gerente, que também é porteiro, bagageiro e segurança. O edifício é uma das principais atracções da cidade.
10 - Mais longa convivência com escorpiões
A tailandesa Kanchana Ketkaew viveu durante 33 dias, fechada num quarto em vidro, com 5.320 escorpiões. O recorde foi batido na Tailândia e Kanchana saiu praticamente imune desta experiência – com “apenas” 13 picadas destes animais.
dianaribeiro
Sobre a autora: diana ribeiro gosta de cores, comer algodão doce, ouvir as ondas do mar, cheirar e tocar em livros novos. Não dispensa o uso de nenhum dos sentidos. Saiba como fazer parte da obvious.
Leia mais: http://obviousmag.org/archives/2012/09/10_estranhos_recordes_do_mundo.html?utm_source=feedburner&utm_medium=email&utm_campaign=Feed%3A+OBVIOUS+%28obvious+magazine%29&utm_content=Yahoo%21+Mail#ixzz27Rb0lXzT
Vinicius
Poética I e Poética II
Vinicius de Moraes
Poética I
De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.
A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.
Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem
Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
- Meu tempo é quando.
Poética II
Com as lágrimas do tempo
E a cal do meu dia
Eu fiz o cimento
Da minha poesia.
E na perspectiva
Da vida futura
Ergui em carne viva
Sua arquitetura.
Não sei bem se é casa
Se é torre ou se é templo:
(Um templo sem Deus.)
Mas é grande e clara
Pertence ao seu tempo
- Entrai, irmãos meus!
(Fonte?)
quarta-feira, 26 de setembro de 2012
Islã
Sayyed Nasrallah, do Hezbollah, uma só voz com a multidão: “Estamos a Teu serviço, Profeta”
17/9/2012, Batoul Wehbe, Al-ManarTV, Beirute (vídeo e fotos)
“One Voice with Crowds, Sayyed Nasrallah: At Your Service, Oh Mohammad”
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Sayyed Hassan Nasrallah
Imensa manifestação convocada pelo Hezbollah em protesto contra um filme anti-islamista e realizada na segunda feira foi coroada por uma surpreendente rara aparição em público do Secretário-geral do Hezbollah, Sayyed Hassan Nasrallah, que foi ovacionado pela multidão.
Centenas de milhares de pessoas tomaram as ruas dos subúrbios do sul de Beirute, Dahiyeh, respondendo à convocação de Sayyed Nasrallah, no domingo, para protestar contra filme que insulta o Islã e o Profeta Maomé, em manifestação gigantesca que Sayyed Nasrallah chamou de “Manifestação Gigante de Lealdade ao Profeta Maomé”.
A multidão explodiu em manifestações de alegria, ao ouvir a saudação já conhecida, tantas vezes repetida por Nasrallah: “Ah, o povo mais honrado entre os honrados, o povo mais dignificado entre os dignificados, povo mais purificado dos purificados... Que a Paz esteja com vocês!”. São exatamente as mesmas palavras com que Nasrallah saudou a multidão na abertura da cerimônia comemorativa da vitória na guerra contra Israel, em julho de 2006.
Sua Eminência começou sua fala, que durou menos de 15 minutos, agradecendo a participação de todos naquela manifestação, em que tantos se reuniam para honrar a convocação em nome do Profeta Maomé. Agradeceu também ao Movimento Amal, que convocou seus apoiadores a participar das várias manifestações planejadas, a primeira das quais aconteceu hoje.
Recitando o Capítulo Al-Masad do Santo Corão, Nasrallah disse: “Que pereça o poder de Abu Lahab e que ele pereça também. De nada lhe valerão os seus bens, nem tudo quanto lucrou. Entrará no fogo flamígero (Alcorão 111:1-3)”. [1] Em breve arderá em chamas que queimam, que inflamam. E sua esposa, portadora do combustível... Pelo pescoço dela descerá uma corda bem torcida.
Para que as câmeras de televisão registrassem, Sua Eminência pediu que a multidão repetisse suas palavras – como no “microfone do povo” das assembleias do movimento Occupy Wall Street:
“Oh, Mensageiro de Alá! Meu sangue, minha família, a riqueza e tudo que recebi de Deus são oferendas que faço para Tua dignificação, Tua veneração e Tua honra. Que todo o mundo ouça essas palavras. Profeta, morremos por Ti. Minha alma e meu sangue estão a Teu serviço. Alá é testemunha do que nós dizemos, o sangue dos nossos mártires, as feridas dos nossos feridos, nossas casas demolidas até o chão, todos dão prova de que sacrificaremos tudo, em teu nome, oh, Profeta”.
Depois do “microfone do povo”, Nasrallah continuou: “Todo o mundo deve entender a relação profunda que temos com nosso Profeta. Ainda há quem não entenda e não entenda tampouco a extensão do insulto que nos fazem, em algumas cenas daquele filme. Massacraram Seu Santo Corão, a biografia do Profeta e o Islã, num fragmento de 12 minutos de filme. O que mais podem ter feito no restante do filme?”
Sayyed Nasrallah recomendou que o filme não volte a ser exibido pela Internet e instruiu os libaneses a boicotar páginas de internet que insistam em exibi-lo. “Os EUA têm de entender que a exibição completa desse filme terá consequências perigosas, muito perigosas, e repercussões em todo o mundo”.
“Povos e governantes devem pressionar a comunidade internacional para que aprovem leis nacionais e internacionais que definam como crime qualquer insulto contra nossos profetas e todos os profetas das três religiões planetárias que o mundo conhece” – disse Sua Eminência, falando de cristianismo, islamismo e judaísmo.
“A Ummah islâmica tem o dever de defender o Profeta Maomé. Fracassar nessa defesa é fracassar nos deveres que aUmmah tem com seu Profeta. Fracassar na defesa do Profeta Maomé deixa aberta a porta para futuros abusos”.
Sua Eminência destacou que a manifestação de hoje não é ação isolada, mas o início de uma série de manifestações que devem prosseguir.
“Não admitir ofensas a nosso Profeta é responsabilidade nossa. E digo-lhes que Alá fará chover bênçãos, as maiores bênçãos, sobre vocês, os que amam o Imã Hussein (AS) [2].
Que todo o mundo veja que as nossas multidões, que eles hoje veem no 10º dia do Muharram [3], estão gritando como uma só voz: “Labayka ya Hussein” (“Estamos a Teu serviço, oh, Hussein”); e que nunca desanimarão na defesa do neto do Profeta Maomé. Que ninguém suponha, nem por um momento, que desistiremos desse combate”. [4]
[Veja imagens e assista vídeo diretamente na Al-ManarTV; não foi possível incorporar o vídeo, pois a emissora não liberou o código.]
Conseguimos, todavia, um vídeo na Russia Today TV, a seguir:
Notas dos tradutores
[1] Santo Corão, 111:001-003, uma profecia corânica, aí em tradução da União Nacional Islâmica onde se lê: “Abu Lahab, veemente opositor do Islã, aparece numa das profecias do Corão que se realizaram”.
[2] Leia sobre o martírio do Imã Houssein no ano 40 da Hégira, após um califado de 4 anos e 9 meses, e evento central do islamismo xiita.
[3] Leia sobre o mês sagrado do Muharram, primeiro do calendário da Hégira. [4] Aqui parece haver um subtexto que não se alcança, se não se souber que o mês sagrado do Muharram é mês selecionado pelo Profeta para que, durante esse mês os muçulmanos exercitem a tolerância e evitem todo tipo de discussões, brigas e violência em geral. A frase “que eles hoje veem no 10º dia do Muharram”, parece-nos, deve ser interpretada como “nós, que eles aqui veem indignados, ofendidos, mas ainda fazendo um esforço máximo de tolerância e reunidos em manifestação pacífica” [Essa nota aqui fica, à espera de correção mais bem informada].
Entrevista
Ficha: Agente a serviço da intelectualidade oficial de patente, autor de “Mais de 1.800 Colinas”, livro que deu origem ao hino “1800 Colunas Curvadas”, do general Costa Colina, Callos Heiduque Conifloro volta à narrativa minimalista ao lançar obra de não-ficção (continue doente): “Conspiração contra a Teoria da Conspiração”.
Nesta entrevista, concedida a dois repórteres frilas e um Assaz Atroz contista paraíba-carioca, Heiduque fala de sexo, futebol, cachaça, política, jornalismo e cultura inútil em geral.
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Eis que surge Callos Heiduque Conifloro no convés do seu iate fundeado na Lagoa dos Feitos, andando com dificuldade, pois perdeu seu poder de volitar. Se a distância fosse maior, usaria um ultraleve; viagens, agora, só mesmo no seu jatinho adaptado.
Durante duas madrugadas de conversa fiada, o escritor acadêmico pagou mico, falou de tudo um pouco, até de literatura; lembrou amigos como Paulo Franco, aspirante a generalíssimo, e Adolphino Broche, seu führer-mentor, e contou como transcorreram suas hospedagens em quartéis cinco estrelas, nos tempos da ditadura militar que se instalou no Brasil em 1º de abril de 64, época em que pouca gente fazia 69 – morria antes, de acordo com a expectativa da vida inútil de cada um de nós.
Ele até se emocionou ao falar de trabalhos seus que voltam às livrarias em novas tiragens revisadas do ponto de vista ideológico: “Esqueçam tudo que um dia eu disse, mas esqueçam também tudo que de mim disseram daqui em diante; exceto o que aqui vou dizer atrozmente e que brota de uma mente que não mente”. Voltando-se para nós, perguntou: “E aí? Sou ou não sou melhor frasista que o Nelson Rodrigues?” (os ponto-e-vírgulas aqui utilizados contrariam palpite de Heiduque; confira na entrevista).
“Conspiração contra a Teoria da Conspiração” reúne contos crônicos, ensaios profundos, literatura infanto-senil, entre outros gêneros genéricos.
E, como diria Odorico Paraguaçu, deixemos de lado os entretantos e vamos partir pros finalmentes...
Assaz Atroz – O senhor acompanhou a construção do Estádio de Sítio, em 1964, e assistiu ao jogo entre Direita e Esquerda. Com essa bagagem, acredita que vamos faturar a Copa de 2014?
Callos Heiduque Conifloro – É complicado! O futebol que jogamos hoje não é o mesmo do mundo cubalizado em que vivíamos em 64. A seleção dos Estados Unidos, por exemplo, sempre foi formada por pernas-de-pau, só ganhavam uma partida se comprassem o juiz, os bandeirinhas e até os gandulas, além de dar souvenir à galera, pompom pra torcida. Hoje ainda é assim; mas, com as redes de relacionamento na internet, aumentou seu poder de influência. Em 1950, batemos de 6 a 1 a seleção da Espanha, ao som de “Touradas de Madri”, de Braguinha. Porém, naquela época, os espanhóis jogavam feito miúra, touro bravo, mas, miúdo. Dizem até que esse tipo de touro anda passando fome por lá... Conversa fiada! O touro deles engordou, e estão batendo um bolão... A seleção paraguaia, sim, essa está num tremendo miserê, pois lá a vaca foi pro brejo.
E no caso do Brasil, nós temos ou não temos chances concretas de faturar a Copa de 2014?
Depende do “nós”! A quem você se refere? Nós quem, gafanhoto? [?!] Vocês sabem que existem brasileiros que torcem contra, é a turma do quanto-pior-melhor. Mas, respondendo diretamente à sua pergunta, eu diria que chance todo mundo tem, mas o que falta ao Brasil é um técnico com espírito de “füherer”. Gosto muito dessa palavra, mas às vezes digo que não, porque posso ser mal interpretado. No Brasil não há técnico com esse estilo no mais amplo sentido da palavra, só uns arremedos. Para melhorar nossas chances, precisamos encontrar um técnico-füherer, um sujeito com verdadeira capacidade de liderança.
O Serapião seria uma boa opção?
Pelo menos rima! [sorriso amarelo] Precisamos de mais arrojo, na base do nazismo mesmo, sabe?! Um camarada com cujones em cima dos jogadores. Não vejo ninguém com esse potencial todo. A Copa é um torneio medieval, como diria o Merdal Parreira. E hoje as seleções de fora têm esse cacete de combate muito superior ao nosso. Técnicos com verdadeiro espírito “füherer”. Já tivemos técnico até no estilo liderzinho, como foi o caso do Lugallo, em 1970, que quase tardiamente substituiu João Saudade, que não dava pra gente engolir... Aquele que foi convocado e depois cassado. Lugallo teve mais sorte, ganhou a Copa. Mas ele não é propriamente um técnico “füherer”, aprendeu táticas de futebol assistindo a partidas no Morumbi, depois de ter observado muito jogo de várzea às margens do Tietê. No entanto, precisamos de mais! Como diz São Serapião: podemos fazer mais!
O senhor é a favor da reforma do velho Estádio de Sítio?
Os estádios modernos não são mais em forma de prato, como, por exemplo, o Maracanã e o Morumbi. Essa reforma seria necessária para deixá-lo em forma de xícara, que favorece a visão. É uma questão polêmica, porque, se fizermos isso, ampliaremos a visibilidade da galera ignara. Nós abolimos a geral exatamente por isso, porque a classe Z ficava na mesma posição dos técnicos, à beira do gramado. E foi assim que surgiram muitos técnicos empíricos, gente que não tem formação acadêmica e se acha! Creio que um dos maiores problemas é o acesso ao estádio, que só seria solucionado se criássemos condições de todo torcedor poder comprar um carro. Do jeito que o consumismo anda, é bem capaz de chegarmos a 2014 nessas condições. Deus nos livre!
Como já falamos, o senhor acompanhou a construção do Estádio de Sítio. Qual foi a maior polêmica para se concretizar o projeto?
Ary Barroso e Carlos Lacerda eram vereadores. Lacerda queria o estádio em Jacarepaguá, ali onde hoje fica o Riocentro, o da bomba. Talvez por interesse na valorização de umas áreas na Zona Oeste, propriedades de possíveis investidores de suas campanhas eleitorais. Ary queria que fosse construído na Tijuca. Foi uma briga de foice!
Mas o Partido Comunista, que na época havia eleito 18 vereadores, entre eles Aparício Torelly, o Barão de Itararé, fechou com a proposta do Ary: fazer na Tijuca, próximo ao local onde funciona até hoje um quartel militar. Foi o erro deles. O "Jornal das Peladas", com Mário Filho no comando, também fez campanha, movido a verbas publicitárias, claro!
O senhor conheceu Nelson Rodrigues depois que conheceu seu irmão Mário Filho, não foi nessa ordem?
É verdade, eu era amigo do Mário e acabei conhecendo o Nelson. Mas ele não me conhecia. [?!] Quer dizer... ele não tinha ideia de com quem estava lidando. Quando notou que eu era um frasista mais habilidoso do que ele, aí ficou enciumado e criou uma birra comigo.
Quando o Marcito [Márcio Moreira Alves, o Gota d’Água] foi candidato a deputado em 1966, emprestei meu carro, um Simca Chambord, para a campanha. Naquela época era ou Ford ou sai de Simca. A turma do DOPS flagrou o Marcito com material de propaganda considerado subversivo. Coisa do tipo: “Queremos verba publicitária!”. A notícia saiu nos jornais, e Mário me telefonou, preocupado. Naquele dia ele passou mal e à noite morreu.
Fui ao enterro, e Nelson me viu chorando. Tudo mudou a partir daí. Ele disse que havia perdido um irmão, mas ganhado outro. Uma frase nada original. Mas felizmente não foi naquele momento que ele disse: “Só o inimigo não traí nunca”.
Estreitaram os laços de amizade?
Até o dia em que ele disse: “Invejo a burrice, porque é imortal”.
No seleto grupo que circundava o Nelson e que contava com o Gastão, um cara que, quando me via, vomitava, todos tinham a certeza de que o personagem Palhares, o canalha, aquele que não respeitava nem as cunhadas, era eu. Na época, vestiu saia, não era padre nem escocês, eu tascava.
Sempre nos encontrávamos num boteco perto do "Jornal das Peladas". O Nelson pedia uma fatia de queijo do reino, mas havia de ser uma fatia bem finiiiinha. Ele precisava enxergar através da fatia. Disse a uns amigos que era pra quando levasse a fatia à boca, assim, como quem come macarrão em botequim, continuar acompanhando meus movimentos. Se não via através do queijo o outro lado, não comia. Era uma excentricidade.
O senhor vê alguma relação entre a sua obra e a dele?
Não sou muito chegado a queijo do reino, mas acho minha obra bem mais clara que a dele. O Paulo Franco, aspirante a generalíssimo, falou que se tratava de uma questão de microverme, coisa que só poderia ser identificada em laboratório. Para ele, que era inveterado comensal e excelente gastrônomo, o problema tinha origem nas peculiaridades do subdesenvolvimento dos restaurantes brasileiros, como acontece em tudo neste país.
Mas, em se tratando de literatura, o senhor foi influenciado pelo estilo do Mário Filho, ou não, como diria Caetano, ou não?
Mário Filho?! Irmão do Nelson?! Não! Nada disso! Quem me influenciou de verdade foi o Nelson Filho, filho. Quando o Nelsinho foi preso pelos aparelhos de repressão da Redentora, entendi que ponto de interrogação no asterisco dos outros é criatividade linguístico-literária. Depois dele, nunca mais usei o ponto-e-vírgula. Ponto em cima da vírgula é perversão sexual. Mas tem muita gente por aí que me pergunta se eu uso ponto e vírgula. Claro que uso! Eu não uso é ponto-e-vírgula.
A vírgula tem funções que vão além das regras gramaticais. Por exemplo: quando escrevo e-mail informando que um amigo meu viajou com uma amante, tomo o cuido de virgular corretamente. Se o cara for um Palhares como eu, digo que ele viajou “com a amante” ou “com fulana, sua amante”. Sacaram?! [?!] Explico. Se eu disser que viajou “com uma amante” ou “com sua amante fulana”, estou insinuando que o cara tem um harém. Aí, se o e-mail for parar na caixa de correio da mulher do sujeito, ela vai se sentir apenas uma “unicórnia”, o que não é lá tão grave. Pelo contrário, pode até ser um estímulo à vida sexual do casal. Mas manter um harém são outros quinhentos.
Com a leitura do Mário, ganhei naturalidade; com a do Nelson, maturidade. Com os catecismos de Carlos Zéfiro, entendi pra que serve a solitária prática da literatura.
Quando ele morreu, em 1966, o senhor já era famoso cronista de futebol, não era?
Escute bem: até 1964, eu não escrevia sobre futebol. Era copy editor no “Correio da Matina”, revisava textos que falavam dos serviços da cidade, coisas do tipo: “Qual o buffet que oferece os melhores serviços à grã-finagem?” . Às vezes, tratavam de comensalões. Aí, eu sempre aproveitava e inseria uma espécie de merchandising: citava Swift, a mortadela que passou a ser apreciada pela nobreza, como no comercial em que o Raul Cortez atuava como garoto propaganda. Descolava um jabaculê.
Como o senhor reagiu quando foi deflagrado o movimento golpista de 1964?
Como qualquer reacionário, ora! O Paulo Franco, aspirante a generalíssimo, disse que entrei na Arena com a fúria de um mintchura. Anos depois, a Neuzinha Brizola faz um pop rock em minha homenagem. Mas a primeira crônica minha, publicada em 2 de abril de 1964, não era sobre futebol. Falava de um incidente que presenciei e escrevi na véspera, dia 1º, dia do golpe e da mentira. Estava com Drumlin, colega no "Correio da Matina" e vizinho em Copacabana.
Saímos juntos, estava chovendo. Quando passávamos ali em frente à Praça dos Paraíbas, vimos o general Rey Montanha dar um coice na cara de um sentinela e, com o gesto, brochou a resistência.
Em seguida um oficial da Marinha pipocou a pistola pra todo lado. Um paraíba, de short, sem camisa, gritou: "Viva Brizola!". O oficial e outros milicos derrubaram o coitado e o chutaram sem dó nem ré. Depois dispararam pra cima do pau-de-arara, que virou presunto. O infeliz eu conhecia de vista, chamava-se Severino e era porteiro do prédio vizinho ao que eu e Drumlin morávamos. Voltamos taciturnos. Escrevi a crônica sem protestar contra o método de produção de presunto, bem diferente das técnicas empregadas na linha de produção Swift. Escrevi apenas narrando o que vi: um baderneiro que virou peneira. Quem procura acha... Mesmo assim, ainda sobrou pra mim.
O senhor fazia ideia de como a imprensa iria se posicionar?
Claro que fazia! Ela continuaria na posição de sempre: de quatro para a burguesia e para os militares
O meu texto, "Da Redenção da Pátria", foi mal interpretado. Ligaram para o comando do Primeiro Exército dizendo que eu estava pregando “a rendição da pátria”, que já estava nas mãos dos militares há mais de 24 horas.
Ao chegar à redação do “Correio da Matina”, ouvi alguém me perguntar de passagem: "Você sabe que merda fez?". O pessoal que trabalhava comigo no Petit Pois, a sala dos copy editors, estava com o asterisco cortando ponto de interrogação. O Drumlin me telefonou e só disse isso: “Aquele abraço glacial”. Longe de ser um gesto de solidariedade.
Quase todos os jornais, inclusive o Informe "JB", um boletim da fábrica de whisky, "O Cubo", nem se fala, o "Último Momento", timidamente, saíram no dia seguinte com elogios à Redentora.
O senhor não abriu as pernas?
Nem podia! Senão me rasgava ao meio! Não sou bailarina, nem contorcionista. Minhas pernas permaneceram abertas, mas na medida do possível, como estavam há muito tempo.
Um dos meus textos mais agressivos, e provavelmente um dos mais ingênuos, intitulava-se “Cacete para Todos”, ao fim do qual, registrei que qualquer estupro contra mim seria informado ao general Costa Colina, autor do hino “1800 Colunas Curvadas”. E ainda teve gente dizendo que eu estava insinuando que os militares também deveriam tomar cacete. São pessoas que só leem os títulos das matérias. “Todos” os baderneiros e subversivos, claro!
Meus ex-amigos estavam quase todos presos ou abrigados em embaixadas. Gente que não sabe escrever. Outros mudaram de lado, como o Heliomar Hernandes, que passou a atuar como araque da resistência. Ele ficava ligado nos nossos textos, tentando identificar atos falhos que revelassem as intenções dos comandos das redações. Aí, passava as informações para os subversivos. Mas, de modo geral, a maioria ficou a favor do golpe.
O próprio Lugallo desfilou numa daquelas marchas da família, em São Paulo. Não há foto pra provar, mas ele desfilou. Tem gente que diz que o que estou falando é como o tal “grampo sem áudio”. Veja: isto é uma prática jornalística legal, muito legaaal! A fonte precisa ser preservada, pra poder virar cachoeira. E o povaréu estava confuso! Quando se falava que a revolução havia triunfado, muita gente pensava que os esquerdistas teriam chegado ao poder. Era uma confusão dos diabos no Bananão. Até hoje ainda é assim. Também tem gente que tem vergonha de dizer que na época era alienado de muita coisa por ser muito jovem.
O senhor foi processado?
Antes chegaram a anunciar minha morte. Um sujeito entrou no "Correio da Matina" dizendo que eu havia sido assassinado. O que houve foi que, em agosto de 1964, fui processado pelo Costa Colina. Ele disse que tomou a medida porque não conseguia mais conter a pressão dos que queriam me matar. Subversivos! Conforme vocês podem ver, o general tomou apenas uma medida preventiva. Também fizeram isso com Anselmo, puniram e até o prenderam, a fim de legitimar sua atuação ao lado dos esquerdistas. Uma medida dessas é uma faca de dois legumes...
Como ainda havia ilhas de legalidade, então, leeegal! Pude contratar um advogado, que pediu um habeas corpus no Supremo Tribunal Federal, descaracterizando a Lei de Segurança Nacional e fazendo o processo correr na Lei de Imprensa, que previa o mesmo crime de que eu era acusado, criar animosidade entre militares e civis. O STF sempre foi essa ilha de legalidade. Isso é análogo ao caso dos mensaleiros de lá e os mensaleiros de cá. Aos amigos, caviar; aos inimigos, nem mortadela Swift.
Se fosse condenado, pegaria 30 anos. O que estamos esperando hoje pro Dirceu. O processo passou para outra esfera judicial. Fui intimado a comparecer ao Ministério da Guerra no dia em que Costa Colina prestou depoimento. Foi um encontro cordial, diga-se. Depuseram a meu favor Austregésilo, Alceu e Drumlin. Acabei condenado a três meses, em 1965, mas então já estava preso por outro motivo.
Qual?
Ter participado de um protesto diante do hotel Glória, quando ali se reunia uma Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos. Faziam parte do nosso grupo, chamado de "Os Outeiros do Glória", Antonio, este não falava nada, Márcio Moreira Alves, o Gota d”Água, Glauber Rocha, o Dragão da Maldade, Joaquim, Mario, Flávio e o embaixador James.
Havia um nono integrante, que não foi preso na ocasião, mas apresentou-se às autoridades depois. O PC prometera levar 5.000 operários. A imprensa informou que só surgiram cinco gatos pingados. Prefiro dizer que eram cinco gatos cagados. Isso prova que toda a população estava com a gente. Não houve violência. Pelo contrário, até nos acariciaram. Um soldado me apalpou e, como eu tinha um cachimbo no bolso, ele disse: "Esse camarada está armado!". Camarada, sim; armado, não. Imagine se ele tivesse apalpado a virilha. Aí ia ser um Deus nos acuda, todos os outros militares iriam querer me revistar.
Quando estávamos saindo, na viatura, alguém disse: "Olha o Paulo Franco!". Ele estava na calçada, olhando. Ao chegarmos ao batalhão, eu mesmo vi o Paulo atrás de uma árvore. Na hora, me lembrei de Judas, que negou Jesus uma só vez, mas decisiva.
Houve outras prisões?
Ao todo, foram seis. Fui preso mais vezes que Anselmo. Fui preso quando saiu o AI-5, em dezembro de 68, junto com o Joel. Fiquei numa espécie de Hilton, a cadeia cinco estrelas de um batalhão militar: sala enorme, dois banheiros, comida de razoável para boa. Na noite de Natal, ganhamos uma cesta com nozes, amêndoas, avelãs, castanhas, frutas secas e um cartão de boas-festas do general Costa Colina.
Quando saí, o comandante me perguntou se tinha alguma queixa. Respondi que havia estranhado o tratamento cinco estrelas. Tratar o Joel com tapete vermelho eu entendia, ele era um herói e um patrimônio nacional. Mas a mim?! O oficial disse que a deferência havia sido uma cortesia do general Costa Colina.
Quando o senhor deixou o "Correio da Matina'?
Antes do AI-2, em 1965, estava sem assunto e fiz um texto imaginando como seria o decreto: "Artigo primeiro: os Estados Unidos do Brasil passam a denominar-se Brasil dos Estados Unidos". Acontece que, na véspera, houve um pedido para que jornalistas maneirassem críticas em relação aos EUA. Chamar o Bananão de Estados Unidos era uma ofensa. Só o Serapião é que ainda hoje pensa que o nome do nosso país é República dos Estados Unidos do Brasil. Muitos de nós víamos a Revolução que se fez como mais desdobramento da Guerra Fria. Nada de ouro de Moscou; prata de Washington era mais que suficiente para nós. Quem de fato mandava no Brasil era o embaixador dos EUA Lincoln Gordon, sendo o marechal Castello Branco uma espécie de Pôncio Pilatos, governador da colônia.
Meu artigo saiu, e o contínuo do jornal me contou quando cheguei à redação: "Tá uma briga danada entre por sua causa”. Tudo porque escrevi dizendo que queria que nosso país continuasse se chamando Estados Unidos. Fiz uma carta pedindo demissão e mandei o contínuo entregar ao redator-chefe. Em solidariedade, o redator-chefe também se demitiu. Logo arrumou emprego. Eu não...
Como o senhor acabou indo trabalhar com Adolphino Broche?
Encontrei-o no Leme, fazendo pesquisa informal numa banca, para saber quantos exemplares de "Mancha" ou "Fatos Fofocas" tinham sido vendidos. Ele me falou para aparecer no prédio novo de sua editora, tinha trabalho para me oferecer.
O "Pasquim" o convidou a ser colaborador na mesma época em que o senhor entrou para a "Mancha"?
Nos três ou quatro primeiros números do "Pasquim", havia a chamada: "Na próxima edição, Callos Heiduque Conifloro". Não me animei. Disse ao Jaguatirica que não fazia sentido gastar meus neurônios para falar mal do Ibrahim ou elogiar a Leila Diniz. Além disso, concordo com o Miraldo, que tempos depois disse que também não estava mais naquela de sanduíche de mortadela. Se pelo menos fosse mortadela Swift... Eu apreciava o lado político e a liberdade deles, mas não era a minha. Exílio por exílio, preferi a "Mancha", onde tinha uma suíte, com piscina e tudo.
A revista lhe deu oportunidade para exercer sua vocação de repórter?
Não tenho vocação de jornalista. O que fiz foi viajar. Cobri conflitos no Oriente Médio, eleições de papas, o casamento de Lady Di, crimes hediondos e passionais, desfiles de Carnaval, cometi milhares de crônicas. Editei revistas. Mas não falei mal do Ibrahim nem elogiei Leila Diniz.
E passei muitos anos sem escrever ficção, só não-ficção, continue doente. Àquela altura, já havia publicado nove romances, era o autor que mais vendia na editora que me publicava. Sempre me considerei um escritor profissional, não gosto de amadores. Mas não mais sentia necessidade de escrever ficção, como vocês, amadores desta Agência Assaz Atrofiada.
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Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons
(Assaz Atroz)
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