sexta-feira, 29 de junho de 2012
Futebol
Futebol, amém.
Já é costume dizer que futebol tem muito a ver com guerra. Afinal são duas tropas enfrentando-se, há artilheiros, atacantes, defesas, bombas etc... Mas futebol também é muito parecido com religião. Os clubes têm crescido como instituições em que as pessoas depositam sua fé
José Roberto Torero
Já é costume dizer que futebol tem muito a ver com guerra. Afinal são duas tropas enfrentando-se, há artilheiros, atacantes, defesas, bombas etc... Mas futebol também é muito parecido com religião.
Obviamente, os clubes são os deuses do futebol. E, assim como acontece com os deuses, quem gosta de um, não gosta dos outros. Mesmo que sejam parecidos. Aliás, quanto mais parecidos e próximos, maior o ódio.
Muçulmanos e judeus são mais ou menos como colorados e gremistas. E católicos e protestantes não ficam muito a dever a cruzeirenses e atleticanos.
Até mesmo na Bahia, local em que as religiões se misturam, um cisma começa a acontecer. Antigamente torcedores do Vitória e do Bahia podiam pegar o mesmo ônibus para o estádio. Mas hoje em dia já não há este sincretismo entre as torcidas.
Curiosamente há alguns torcedores politeístas, que gostam de mais de um time. Assim como os hinduístas, eles têm uma miríade de deuses. Às vezes este politeísmo tem uma certa lógica. Por exemplo, há quem goste do São Paulo em São Paulo, do Fortaleza no Ceará, do Fluminense no Rio e do Santa Cruz em Pernambuco só porque todos estes times são tricolores.
Mas há uma turma de politeístas que não tem lógica nenhuma. Eu mesmo, quando era criança, torcia para um time diferente em cada país, e ia acompanhando meus clubes semanalmente pela revista Placar. Assim, além de torcer para o Santos no Brasil, eu era Liverpool na Inglaterra (por causa dos Beatles), Borussia Moenchengladbach na Alemanha (porque tinha um nome muito comprido) e AZ 67 na Holanda (porque tinha nome muito curto).
As igualdades não param por aí. Assim como as religiões têm santos ou deuses menores, os clubes também têm seu panteão de ídolos. Pelé é praticamente um Jesus Cristo e Maradona é um Maomé. Mas há outros, muitos outros. Zico no Flamengo, Ademir da Guia no Palmeiras, Neto no Corinthians, Romário no Vasco, Rogério Ceni no São Paulo, Falcão no Inter, Cerezo no Galo e Tostão no Cruzeiro podem ser considerados semideuses.
E há milhares de deuses menores. Sem esforço, eu lembraria de cinquenta do meu time. Talvez cem. Os corações dos torcedores são muito mais vastos. Tanto que até Tupãzinho, que tem um nome emblemático, possui um lugar de destaque no altar corintiano.
Os modos de adoração também são parecidos. Há, para começar, um hinário completo. As torcidas têm, assim como as igrejas, várias músicas que são entoadas como prova de fé na vitória e demonstração de adoração. E o hino oficial é mais ou menos como um Pai Nosso.
Assim como temos a bandeira do divino, temos as bandeiras do clube. E muitas vezes a camisa do time é chamada de manto sagrado (mesmo que tenha um monte de propagandas).
Os clubes também têm seus cardeais, que são os diretores, e os papas, que são os presidentes. Alguns, inclusive, ficam tanto tempo no poder que parecem mesmo terem cargos vitalícios.
Enfim, para o bem e para o mal, o futebol vem ficando cada vez mais parecido com a religião.
Talvez isso aconteça porque as religiões venham perdendo sua credibilidade, e talvez porque os partidos políticos também estejam ficando com ideologias muito difusas (basta ver o aperto de mão entre Lula e Maluf). Assim os clubes têm crescido como instituições em que as pessoas depositam sua fé.
No futuro, não é impossível que fiel seja uma palavra usada apenas pelos torcedores do Corinthians.
José Roberto Torero é formado em Letras e Jornalismo pela USP, publicou 24 livros, entre eles O Chalaça (Prêmio Jabuti e Livro do ano em 1995), Pequenos Amores (Prêmio Jabuti 2004) e, mais recentemente, O Evangelho de Barrabás. É colunista de futebol na Folha de S.Paulo desde 1998. Escreveu também para o Jornal da Tarde e para a revista Placar. Dirigiu alguns curtas-metragens e o longa Como fazer um filme de amor. É roteirista de cinema e tevê, onde por oito anos escreveu o Retrato Falado.
(Carta Maior)
.
Obesidade
A obesidade é tão ruim quanto a superpopulação
por Julio Godoy, da IPS
IPS17 150x150 A obesidade é tão ruim quanto a superpopulação
Devido à obesidade, os norte-americanos representam quase um terço do peso da população mundial. Foto: Don Hankins/CC By 2.0
Rio de Janeiro, Brasil, 25/6/2012 (TerraViva) – O consumo excessivo e a obesidade, sobretudo nos países industrializados, ameaçam não apenas a saúde das pessoas, mas também a própria sustentabilidade da Terra, alerta um estudo apresentado na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20. A pesquisa, elaborada pela Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres (LSHTM), intitulada O Peso das Nações: uma Estimativa da Biomassa Humana Adulta, confirma que a população dos Estados Unidos é a que apresenta maior sobrepeso do planeta.
De fato, para que a população mundial tenha o mesmo índice de biomassa entre pessoas da mesma idade que os Estados Unidos, deveria aumentar em 58 milhões de toneladas, equivalente a 935 milhões de pessoas. O aumento da biomassa mundial por obesidade eleva as exigências de energia em 261 quilocalorias ao dia por adulto, o que equivale aos requisitos de 473 milhões de adultos.
O estudo, apresentado no dia 22, dia de encerramento da Rio+20, alerta que a energia necessária para manter a biomassa criada pela obesidade agrava os problemas ecológicos causados pelo aumento populacional. Os pesquisadores calcularam a energia alimentar necessária para sustentar a biomassa usando fórmula e dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).
Ian Roberts, professor de epidemiologia e saúde pública da LSHTM e autor do estudo, alertou que a obesidade é uma ameaça tão grande para o meio ambiente quanto a superpopulação. “As pessoas tendem a pensar que a maior ameaça para o meio ambiente é a crescente população nos países em desenvolvimento. Mas esta medição da biomassa é mais relevante”, ressaltou Roberts. “Ao considerar quantas pessoas podem sustentar o mundo, a pergunta não é quantas bocas há para alimentar, mas quanta carne há para alimentar”, acrescentou.
O estudo estima a média de biomassa mundial em 62 quilos. Os norte-americanos e canadenses em conjunto pesam, em média, 80,7 quilos, e os europeus 70,1 quilos, em média. A pesquisa também indica que, apesar de constituírem apenas 5% da população mundial, os Estados Unidos respondem por quase um terço do peso mundial devido à obesidade. Por outro lado, a Ásia é lar de 61% da população mundial, mas só representa 13% do peso dos habitantes do planeta.
“A crescente biomassa terá importantes consequências para as exigências mundiais de recursos, incluindo a demanda por alimentos e a pegada ecológica de nossas espécies”, observou Roberts. Segundo o estudo, a tendência mundial ao aumento da biomassa terá sérias implicações nos recursos. O aumento do índice de biomassa sobrecarregaria as fontes de energia do planeta de forma equivalente à que fariam 473 milhões de pessoas. A maior demanda por comida disparará os preços dos alimentos. Devido ao maior poder de compra dos países industrializados, que também têm maior média de biomassa, os piores efeitos do aumento de preços recairiam sobre os pobres do mundo.
O informe lamenta que o conceito de biomassa raramente seja aplicado à espécie humana, embora “as implicações ecológicas da crescente biomassa sejam significativas e devam ser levadas em conta na hora de avaliar as futuras tendências e o planejamento dos futuros desafios de recursos”. Roberts afirmou que “tratar a gordura da população poderia ser fundamental para a segurança alimentar mundial e a sustentabilidade ecológica”.
O cientista disse que atualmente as pessoas não necessariamente comem mais do que há 50 anos. O principal problema é que “não movimentamos nossos corpos, mas estamos biologicamente programados para comer”, indicou. Para combater esta tendência à imobilidade sugeriu que os urbanistas concebam as cidades de maneira a torná-las fáceis para se andar a pé ou de bicicleta. “Todos concordam que o aumento populacional ameaça a sustentabilidade ambiental. Nosso estudo mostra que a gordura da população também é uma grande ameaça. A menos que atendamos tanto o aumento da população quanto da gordura, nossas chances são escassas”, opinou Roberts. Envolverde/IPS
(IPS)
quinta-feira, 28 de junho de 2012
Paraguai
Brasil e Paraguai: a diferença é a capacidade de se vender Imprimir E-mail
Escrito por Raphael Tsavkko
Quarta, 27 de Junho de 2012
Dilma ligando para Lugo: "Tá vendo? Eu disse que não bastava se aliar com a direita, é preciso governar para a direita".
Esse diálogo, obviamente hipotético, não me parece distante da realidade, das possibilidades. Dilma e Lugo se sustentam sob uma base de centro-direita. Lugo se sustentava em base composta pelo Partido Liberal e por setores do Partido Colorado. Dilma ainda tem o PT e mais um ou outro partido que se declara de esquerda - por mais que não sejam - em sua base, mas ainda assim é dominada pela direita. Ou melhor, deixou-se dominar através de alianças com a direita, desde a liberal até a abertamente fascista. De PMDB a PP, com passagem pelos evangélicos do PSC e os pastores do PR. Lugo, por outro lado, não tinha nenhum parlamentar de seu partido/coalizão eleito, dependia inteiramente do partido de seu vice e algoz, Frederico Franco, cujo sobrenome é de causar calafrios.
E Dilma, assim como Lula, logo aprendeu que para se manter no poder o caminho mais fácil era fingir que colocava em prática bandeiras dos movimentos sociais e que transformava a sociedade através de imensa propaganda, com uma militância fanatizada e cega, e programas e projetos que, na verdade, tinham e têm o objetivo apenas de criar um mercado consumidor mais amplo.
Educação? “Coloquem os pobres em ‘UniEsquinas’ que lá não terão educação de verdade - mas pensarão que têm - e garantimos os lucros imensos aos empresários do setor. Vamos dizer que todo o país é de classe média, uma bela jogada de propaganda, mesmo que sob renda per capita de 291 reais por família” - o que é situação de miséria em qualquer outro país sério.
Com juros mais baixos, o que em si é bom, conseguem fazer com que a população consuma mais e se endivide mais, passando a idéia de que os bancos não lucrarão muito com isso. “Vamos elevar a renda dos mais pobres, não para que tenham dignidade, mas para, com 291 reais ou um pouco mais, poderem consumir e, claro, garantir o lucro dos empresários”.
E por aí vai...
No fim das contas, bandeiras como a dos direitos reprodutivos da mulher, luta contra homofobia, reforma agrária e outros assuntos proibidos pelos aliados conservadores foram fácil e rapidamente abandonadas por Dilma, pelo PT e pelos remanescentes de esquerda da base. Salvo um ou outro, todos preferiram o fácil poder à dignidade e à ética.
Mas a tática deu certo, o PT continua no poder. Repete que luta contra a direita, representada quase que exclusivamente pelo PSDB (ainda que o PT esteja aliado com o PSDB em várias cidades) e pelo DEM, cujos membros, em grande maioria, migraram para o PSD, que agora apóia o PT e, claro, recebe sua parte do bolo.
Lugo, por sua vez, parece realmente não ter escutado ou aprendido com Dilma. Fez aliança com a direita, mas não aceitou integralmente seu programa. Não aceitou criminalizar abertamente camponeses e os mais pobres e não aceitou derramar o sangue dos membros dos movimentos sociais. Lutou contra o pior que a direita podia fazer. Não que tenha feito um governo de esquerda ou exatamente bom, mas ao menos conseguiu frear boa parte do ódio que a elite tem pelos que não aceitam calados sua situação de subserviência e pobreza.
O Paraguai não é o Brasil, não há dinheiro infinito para dar a aliados sempre que reclamam. Por mais que o Brasil não seja um paraíso, o Paraguai é um país ainda mais pobre, com uma miserabilidade muito maior (em termos proporcionais), com uma sociedade civil mais desorganizada que a nossa e com uma mídia ainda pior e claramente golpista. Lugo não cedeu em tudo, como fez e faz Dilma e em menor grau Lula, e pagou o preço.
Lugo caiu, mas decidiu não resistir. Fica como lição para certa esquerda que aliança com a direita não é garantia de nada. Caso contrarie os "aliados", o golpe pode chegar. Não se confia em fascista, não se coloca a segurança de um país nas mãos de forças retrógradas e conservadoras.
Para a América Latina fica também uma lição, a de que é preciso unir os esforços para evitar a retomada da direita, seja pelas urnas, seja por golpes. E a direita é mestra em dar golpes. Honduras primeiro, agora o Paraguai. A direita está começando pelas periferias da América Latina, pelos mais vulneráveis, mas pode se animar ainda mais.
Raphael Tsavkko Garcia, jornalista e blogueiro, formado em Relações Internacionais (PUC-SP), é mestrando em Comunicação (Cásper Líbero).
Blog: http://www.tsavkko.com.br/
Última atualização em Quarta, 27 de Junho de 2012
Para ajudar o Correio da Cidadania e a construção da mídia independente, você pode contribuir clicando abaixo.
Ditadura
“A luta armada foi uma guerra justa”, diz o bispo de Volta Redonda Imprimir E-mail
Escrito por Ana Helena Tavares
Quarta, 27 de Junho de 2012
Dom Waldyr Calheiros deu abrigo e facilitou a fuga para outros países de diversos perseguidos políticos. Essa prática, aliada à sua proximidade com movimentos sociais, especialmente sindicais, lhe valeu a alcunha de “responsável por toda a subversão no Vale do Paraíba”. Mas “nas costas de um bispo, há uma espécie de proteção natural”, garante. E a isso credita o fato de estar vivo e de nunca ter sido preso.
Quem anda pela cidade de Volta Redonda, no Vale do Paraíba, sul do estado do Rio de Janeiro, fatalmente passará pela ponte presidente Médici. Cruzá-la indo para a casa de um bispo que lutou contra a ditadura é, no mínimo, uma experiência inusitada, que mostra o quanto o Brasil ainda precisa avançar no esclarecimento de sua história.
Dom Waldyr Calheiros Novaes, bispo emérito de Volta Redonda e Barra do Piraí, abriu as portas de sua casa para conceder entrevista exclusiva ao site “Quem tem medo da democracia?” e se mostrou surpreso com o nome da ponte: “Vou tirar essa placa de lá”, disse rindo, mas expressando um desejo sério. “Médici foi o mais criminoso dos ditadores brasileiros”, completou.
Atraso para o Brasil
Ele acredita que, com o golpe de 64, “houve atraso para o desenvolvimento do país”. E prossegue: “Dali não poderia sair nenhum futuro, aquilo não poderia dar em nada. Os líderes trancados, proibidos de falar... Quem é que ia tomar iniciativas?”.
A intervenção sindical em Volta Redonda
“Aqui, em Volta Redonda, o problema foi que interferiram diretamente no sindicato (dos metalúrgicos da CSN). Tiraram todos aqueles que eram independentes da ditadura e colocaram, dentro do sindicato, os seus assessores de confiança, afastando os outros. Ainda hoje tem gente aí que foi afastada naquela época. Hoje o sindicato não é mais o mesmo, porque a luta é contra a empresa, não contra a ditadura”.
Em 1988, durante o governo Sarney, os operários da CSN (Companhia Siderúrgica Nacional) entraram em greve. Em 9 de novembro daquele ano, o Exército invadiu a fábrica deixando três mortos. Oscar Niemeyer fez um memorial para homenageá-los. Memorial este que foi atacado a bomba em 89. No mesmo ano, um dos líderes da greve, Juarez Antunes, que havia sido recém-eleito prefeito de Volta Redonda, foi morto num suposto acidente de carro. Dom Waldyr acompanhou toda essa história e até hoje acredita que foi atentado.
Álbum de recordações
Em foto histórica, o bispo emérito de Volta Redonda, Dom Waldyr Calheiros, aparece de microfone em punho celebrando missa do velório dos três funcionários da CSN mortos na greve de 1988.
No quadro pendurado na parede da casa de Dom Waldyr, vê-se o registro do momento em que os operários da CSN decidiram aderir à greve.
O banqueiro e as tropas
Falando sobre a influência do capital financeiro na sustentação da ditadura, Dom Waldyr lembrou que um banqueiro mineiro mobilizou tropas de Juiz de Fora para ajudar no golpe. “Vieram para o Rio de Janeiro e no meio do caminho houve uma negociação. Um dos coronéis era meu conhecido, general Cesar Neves, e ele me contou como foi aquilo tudo”.
O poder econômico “dominou, animou e impulsionou”
“Quer dizer, houve iniciativa de empresários. Não há dúvida nenhuma, porque os militares sozinhos, por serem militares, não tinham interesse pessoal em torno disso, tinham que ter o poder econômico por trás. Era o econômico que estava dominando, animando e impulsionando”.
Omissão da mídia
Para o bispo, “a mídia se manteve ausente diante da extravagância da ditadura. Foi omissa, porque tinha interesses econômicos. Nossa democracia não deve nada a eles, a não ser a um ou outro, como o Pasquim”. Mesmo sabendo que havia censura por parte do governo, ele acredita que “os grandes meios de comunicação, se quisessem, poderiam divulgar informações sem assumi-las como posição própria”.
“Porque o problema é que, muitas vezes, havia jornalistas com coragem, dispostos a assinar notícias denunciando o que estava acontecendo, mas os próprios donos não permitiam a veiculação. Para eles, aquilo era comum. Havia todo um comprometimento. O Roberto Marinho de braços dados com Figueiredo não me deixa mentir”, ironiza Dom Waldyr.
O apoio da Igreja Católica ao golpe
Quando “estourou” o golpe, que Dom Waldyr garante ter sido em 1º de abril de 1964, ele era bispo auxiliar do Rio de Janeiro. “Naquela ocasião, o cardeal Dom Jaime de Barros Câmara e Dom Hélder Câmara, que era o secretário da CNBB, pediram uma audiência ao general de plantão (Castelo Branco). Eles se encontraram em Laranjeiras, numa casa pertencente ao governo, junto com mais uns cinco bispos, dentre eles Dom Sigaud, que era da oposição à renovação da Igreja. Hélder ali falou claramente que apoiava as decisões do poder militar e que a Igreja não se ausentava daquela situação, mas não tomou a iniciativa nem estimulou”, contou Dom Waldyr.
A reação da Igreja
“No entanto, quando, no mesmo ano, começaram as torturas, que chegaram dentro de casa, houve uma perseguição a muitos membros da Igreja que lutaram contra a ditadura. Aí, houve outra reunião. Foi para desfazer o contentamento da Igreja com o golpe”.
“Naquela época, havia muitos movimentos sindicais, que faziam passeatas. Naturalmente, aquilo, para a Igreja, era um pouco de desordem. Mas já era uma reação dos operários à ditadura que foi estabelecida. Eles é que reagiram num primeiro momento. A Igreja, depois que viu que seus membros não foram livrados das prisões e das torturas, começou a mudar sua postura”.
O Cardeal que mudou de lado
“Dentro da Igreja, um dos defensores do golpe era o Cardeal-Arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Jaime de Barros Câmara. Ele, por sua vez, teve um de seus sobrinhos atingido pela ditadura. Foi na Bahia. Colocaram-no no 5º andar de um prédio e começaram a maltratá-lo. Ele, então, pulou para se livrar daquilo. Suicidou-se. Esse suicídio serviu para Dom Jaime refletir e rever sua posição. Ele afastou toda possibilidade de dar apoio à ditadura”.
A morte do representante do papa
Dom Waldyr relatou que, na ditadura, teve contato com o representante do papa no Brasil, que é chamado “núncio” (palavra que significa anunciador). “Eu me dirigi ao núncio apostólico, o nome dele era Lombardi. Ele era totalmente contra o regime e, assim, foi instigado pela ditadura a se afastar do Brasil para vir outro núncio. Naquela época, a sede dos representantes do papa era no Rio de Janeiro, mas, nessa luta, Lombardi precisou ir até Brasília. Contrariado, porque as autoridades estavam quase colocando a mão em cima de Dom Hélder Câmara, que era a voz da Igreja contra a ditadura, ele quis se entender com as autoridades. Lá, em Brasília, ele teve um enfarto e morreu”.
“Antes da morte dele (do núncio), houve aqui um problema bastante antipático. O comandante do Batalhão de Infantaria Blindada (BIB), que era localizado em Barra Mansa, bem perto de Volta Redonda, para tomar conta da Companhia Siderúrgica, um bem nacional, achou de convocar as autoridades locais para fazer uma exposição muito negativa de mim. Disseram que eu tinha relações com todas as organizações comunistas internacionais”.
“Responsável pela subversão no Vale do Paraíba”
“O comandante dizia que tinha cartas minhas trocadas com revolucionários do Uruguai, do Paraguai etc. ... E convocou delegados, promotores, todas as autoridades da sociedade, para ouvir a exposição dele. Alguns membros da Igreja que foram ouvi-lo me contaram tudo. Ele me acusava de ser o responsável por toda a subversão no Vale do Paraíba. Falava: ‘o bispo comunista incita as pessoas a ingressarem na luta’. E atribuiu a isso a prisão, dentre outros, de Waldyr Bedê, que era um professor aqui em Volta Redonda, um homem muito conceituado e esclarecido, sem compromisso com a ditadura, e que trabalhava comigo. Então, eu tive que reagir um pouco. Pedi uma audiência a ele”.
“Não posso prender um bispo”
“Isso foi depois do AI-5. Fui acompanhado do meu vigário-geral, Monsenhor Barreto, disse que tinha conhecimento do que ele (o comandante do BIB) havia dito. ‘Sei o conceito que o senhor tem de mim’. E disse mais: ‘Se o senhor acha que prendem pessoas pelo crime de trabalharem comigo, o criminoso sou eu, me prenda’. Ele respondeu: ‘Pode me dar um tiro, pode jogar uma bomba no batalhão, não posso prender um bispo’”, lembrou Dom Waldyr.
Nesse dia, o bispo permaneceu lá das 8h às 22h. Queria mesmo ser preso junto com aqueles que trabalhavam com ele, o que deixou os militares incomodados. “Não podemos mantê-lo aqui”, diziam. Dom Waldyr conseguiu com isso a libertação de alguns, mas houve um preço. “Cobraram deles que dissessem tudo o que tinham contra mim. Alguns saíram incumbidos de procurar coisas ruins a meu respeito para permanecerem soltos”.
Facilitando fugas
“Uma vez, veio me pedir socorro uma pessoa que se apresentou dizendo que trabalhava com Dom Pedro Casaldáliga (bispo prelado emérito de São Félix do Araguaia, no Mato Grosso). Queria que eu o ajudasse a fugir do país. Como ele trazia o nome de Dom Casaldáliga, já tinha uma credencial... E ele tinha que fugir, pois estar com Pedro não era possível... Fiz o que estava ao meu alcance, me dirigi ao bispo da fronteira, Foz do Iguaçu, e disse: ‘tem um fulano aqui que eu gostaria que você desse uma ajuda para ele passar para o Uruguai’. Ele atendeu. Esse eu sei que encaminhei”.
“E houve também certos companheiros que eu ajudei a fugir daqui (de Volta Redonda) pela perseguição que estava em cima deles. Entre eles, tem um jornalista chamado Aurélio, que ainda é vivo. Ele me disse (naquela época) que estava com receio de que lhe acontecesse alguma coisa. Eu disse a ele: ‘Olha, Aurélio, só há um caminho: é fora daqui, saia daqui’ Ele, então, ‘desapareceu’ por algum tempo. Passada a ditadura, ele voltou e é dono hoje do “Diário do Vale”, que é o jornal da cidade”.
“Confessar-se num livro não redime ninguém”
Dom Waldyr comentou a atitude do ex-delegado Cláudio Guerra, que foi um matador na ditadura e resolveu escrever um livro – “Memórias de uma guerra suja” – contando o que sabe: “O arrependimento é uma coisa muito pessoal. Alguns usam isso em proveito próprio, aproveitando-se da situação atual para se sentirem ainda acolhidos na comunidade, mas não acredito em conversão no caso dele. Se fosse dentro da sujeira que ele estava fazendo, tudo bem. Converter-se agora? Não acredito. E confessar-se num livro não redime ninguém. Se a Comissão da Verdade existir mesmo, ele tem que ser ouvido e acho que não seria perdoado”.
Tortura: “um pedaço da sua carne sofrendo no outro irmão”
“Porque o que a gente espera é que essa Comissão não só descubra os criminosos, mas faça justiça com relação aos que ainda estão vivos. É uma satisfação para os familiares das vítimas e para a sociedade. Os torturadores têm que ser julgados e punidos. Porque isso que eles fizeram foi muito doloroso e essa atitude não se faz sem uma opção pessoal. Torturar uma pessoa, sem ela ser criminosa, e mesmo que fosse, é inadmissível. É um pedaço da sua carne sofrendo no outro irmão”.
Luta armada: “um instrumento de libertação”
Para Dom Waldyr, a luta armada de esquerda foi “totalmente legítima” a partir do momento que funcionou como “um instrumento de libertação para os que lutaram e uma forma de exigir que a prática de tortura não continuasse”. Para ele, “ninguém tem uma vocação suicida, maltratando o seu direito de viver, então eles (os guerrilheiros) fizeram o que era necessário”. E vai além: “Quando um país é oprimido e sofre, por estar sob domínio, a Igreja defende uma guerra justa e admite que aqueles que estão sofrendo e passando mal se levantem para se defender dessas torturas. Uma guerra justa”.
Comissão da Verdade
O bispo considera que os nomes escolhidos para integrar a Comissão “são confiáveis, são pessoas que passaram pela experiência (da ditadura) e não falarão genericamente, porque são testemunhas da verdade”. Mas não entende o porquê do espaço de tempo de 1946 a 1988: “Só se for para atrasar o resultado”, disse.
Uma sugestão para a Comissão
“Tem um casal conhecido meu que o filho deles trabalhava no Exército, no batalhão de Barra Mansa, na época da ditadura. Uma vez, ele vinha de lá para Volta Redonda, num jipe do Exército. Era noite e prenderam um rapaz que estava pintando uma propaganda da Casa Confiança. Colocaram-no dentro da caminhonete, onde começaram a socá-lo. Nisso, ele caiu, bateu com a cabeça numa pedra e morreu. Até hoje a família é enganada pensando que houve um acidente, mas tem uma irmã dele consciente de que o mataram. Esse é um caso que a Comissão da Verdade deveria apurar e descobrir o que aconteceu, porque ele morreu dentro do quartel”.
Um comentário sobre FHC
“Eu conheci Fernando Henrique Cardoso quando a ditadura ainda o amarrava. Ele era um dos conferencistas privilegiados pela CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil). Quando o regime começou a se endurecer, a CNBB o convidava para ele expor qual seria a melhor atitude. Nós fomos companheiros dele, quando tivemos oportunidade de estudar como nos libertarmos disso. O que aconteceu depois da ditadura foi que os homens começaram a querer tirar vantagem”.
A importância do passado para o presente
“É importante (que haja o esclarecimento dos crimes da ditadura) primeiro para que o Brasil supere a falta de memória dos que viveram e não se interessaram pelo bem da sociedade. Talvez alguns tenham se afastado, valendo-se daquele velho ditado ‘Como o fogo não é na minha casa, que os outros tomem conta que não é comigo’. Somente esses – os que não foram atingidos – é que podem ficar indiferentes ao que se passou. É uma espécie de egoísmo exaltado ao máximo. Quem perde a memória do passado não pode saber, diante do presente, que passou aquela experiência”.
“Se eu souber de um torturador, abro o bico”
Perguntado sobre sua opinião a respeito dos jovens que têm pintado muros e colocado faixas em locais onde moram ou trabalham ex-torturadores, Dom Waldyr reagiu positivamente: “Acho que é uma boa contribuição. Uma atitude dessas é uma participação da comunidade ao repúdio que se tem diante da ditadura e do seu modo de tratar, que foi uma miséria, tratavam as pessoas como se fossem animais. Acho que é uma ajuda importante, porque foi injustíssimo aquilo. Então que se faça justiça hoje, quando se tem um ambiente para isso. Se eu souber de um torturador, abro o bico, grito claramente com os instrumentos de que eu puder dispor. Porque a impunidade dos criminosos de ontem é a pior coisa para que outros cometam novos crimes”.
“Quem vai para a delegacia é pobre”
Falando sobre o Brasil de hoje, o bispo pergunta-se: “Quem vai para a delegacia?”. Ele mesmo responde: “É pobre!”. E prossegue: “Tudo o que fazem lá com ele (com o pobre) é justificado, porque ele fez isso, aquilo e aquilo outro... Aí aparecem pessoas delatando a vida do povo, testemunhas às vezes falsas. Acho que é indecente por parte daqueles que se aproveitam disso”.
Dilma: “uma esperança”
“Acho que Dilma é uma esperança. Tenho estado de pleno acordo com a maioria das atitudes que ela vem tomando”, diz o bispo. E conclui: “Espero que ela consiga fazer com que essa Comissão da Verdade funcione, não só reconstituindo a verdade, mas punindo os crimes dos agentes do Estado”.
Ana Helena Tavares é editora do site “Quem tem medo da democracia?”, onde foi originalmente publicado este texto.
Para ajudar o Correio da Cidadania e a construção da mídia independente, você pode contribuir clicando abaixo.
quarta-feira, 27 de junho de 2012
Maluf
ilson Caroni Filho – O purismo e o verdadeiro Maluf
Por Gilson Caroni Filho(*)
Ao firmar acordo com o deputado federal Paulo Maluf (PP), se deixando fotografar com seu adversário histórico, o ex-presidente Lula produziu a perplexidade que dominou, no primeiro momento, setores do próprio campo progressista. O debate que se seguiu é da maior seriedade – e da maior gravidade.
O purismo tem que despertar da frívola ciranda para a dura realidade do mundo adulto, do universo das relações reais entre pessoas e partidos. O erro maior de quase todos os revolucionários brasileiros , do século XIX em diante, foi não apenas ter frequentemente cometido equívocos na análise das condições objetivas, mas também no exame da condição subjetiva fundamental, que é o alheamento político a que um modelo de exploração desigual submeteu nosso povo. A exclusão de processos decisórios torna-o cético diante do que não sabe, enquanto a classe dominante dá o exemplo com sua atitude invariavelmente cínica.
Analistas políticos que não percebem bem o que acontece, por preguiça mental ou má fé mesmo, pontificaram sobre a logística comandada por Lula. E, triste, foram endossados por setores que se apresentam como a “esquerda autêntica”. O papel de um operador político do quilate do ex-presidente é semelhante ao do regente de uma orquestra. Não faz a música, mas dá o compasso, define a harmonia do conjunto e tira de cada instrumento o som mais adequado.
Não pode ser confundido com alguém ocupado em arranjos paroquiais para colocar seu candidato em uma posição mais confortável. Não deve ser tratado como bufão que faz parte do espetáculo, mas não é bem-visto na peça. Não lhe faz justiça a roupagem de um Moisés a quem cabia levar seu povo à terra prometida, mas terminou por preferir ser adorador de um bezerro de ouro.
Não houve vacilações ou atitudes opacas, mas perfeito tino da logística requerida pela dinâmica política. A estratégia era clara demais para comportar tergiversações: aliança com a ex-prefeita Erundina e o PSB, à esquerda, para garantir o apoio dos socialistas e neutralizar os descontentamentos do grupo ligado à senadora Marta Suplicy. Aliança com Maluf, à direita, para neutralizar parte do PSD de Kassab.
Esses apoios levariam o candidato do PT ao segundo turno, até por que o PT tem históricos 30% dos votos na capital e, a exemplo de Dilma, a rejeição de Fernando Haddad é muito pequena em São Paulo. Para isso, seria necessária a manutenção das candidaturas de Russomano e Netinho, até então provável candidato do PCdoB no primeiro turno. No segundo, ainda teríamos agregado o apoio de Chalita do PMDB. Apenas assim se conseguiria derrotar a máquina eleitoral do estado e do município de São Paulo pró-Serra, que tem cerca de 30% de rejeição dos eleitores na capital.
Pelo visto , faltou combinar com uma geração que gosta do suicídio político para expirar culpas sociais. Faltou dizer que o Maluf atual, aquele que merece combate, aquele que é conhecido pelas falcatruas e pelos métodos fascistas de lidar com adversários e movimentos sociais, atende por outro nome: José Serra. Será preciso desenhar?
*Gilson Caroni Filho colabora com o “Quem tem medo da democracia?”, onde mantém a coluna “Traço de Mestre“.
inShare
Torturas
Torturador conta rotina da Casa da Morte em Petrópolis
Tenente-coronel reformado fala sobre casa onde 22 pessoas podem ter sido executadas
Chico Otávio
Juliana Dal Piva
Marcelo Remígio
Publicado: 23/06/12 - 18h16
Atualizado: 24/06/12 - 9h41
Comentários: 49
Envios por mail: 17
Na casa na Rua Arthur Barbosa, em Petrópolis, funcionava aparelho clçandestino do Centro de Informações do Exército (CIE) Foto: O Globo / Custódio Coimbra
Na casa na Rua Arthur Barbosa, em Petrópolis, funcionava aparelho clçandestino do Centro de Informações do Exército (CIE) O Globo / Custódio Coimbra
RIO — Depois de cinco horas de conversa, o velho oficial estava livre de um dos mais bem guardados segredos do regime militar: o propósito e a rotina do aparelho clandestino mantido nos anos 1970 pelo Centro de Informações do Exército (CIE) em Petrópolis, conhecido na literatura dos anos de chumbo como “Casa da Morte”, onde podem ter sido executados pelo menos 22 presos políticos. Passados quase 40 anos, um dos agentes que atuaram na casa, o tenente-coronel reformado Paulo Malhães, de 74 anos, o “Doutor Pablo” dos porões, quebrou o silêncio sobre o assunto.
No jargão do regime, revelou Malhães, a casa era chamada de centro de conveniência e servia para pressionar os presos a mudar de lado e virar informantes infiltrados, ou RX, outra gíria dos agentes. O oficial não usa a palavra tortura, mas deixa clara a crueldade dos métodos usados para convencer os presos:
— Para virar alguém, tinha que destruir convicções sobre comunismo. Em geral no papo, quase todos os meus viraram. Claro que a gente dava sustos, e o susto era sempre a morte. A casa de Petrópolis era para isso. Uma casa de conveniência, como a gente chamava.
As equipes do CIE, afirmou, trabalhavam individualmente, cada qual levando o seu preso, com o objetivo de cooptá-lo. O oficial disse que a libertação de Inês Etienne Romeu, a única presa sobrevivente da casa, foi um erro dos agentes, que teriam sido enganados por ela, acreditando que aceitara a condição de infiltrada.
Malhães só não contou o que era feito com os que resistiram à pressão para trair. Diante da pergunta, ficou em silêncio e, em seguida, lembrou que nada na casa de Petrópolis era feito à revelia dos superiores. As equipes relatavam e esperavam pela voz do comando:
— Se era o fim da linha? Podia ser, mas não era ali que determinava.
Até terça-feira, quando o militar abriu a porteira do sítio na Baixada Fluminense aos repórteres, nenhum dos agentes da casa havia falado sobre ela. O que se sabia era o testemunho de Inês Etienne, colhido em 1971 mas só divulgado em 1979, após o período em que cumpriu pena por envolvimento com a guerrilha da VAR-Palmares. Outras referências ao local apareceram em entrevistas e livros de colaboradores do regime, como o oficial médico Amilcar Lobo, o sargento Marival Chaves (CIE-DF) e o delegado da Polícia capixaba Cláudio Guerra.
Sentado ao lado da mulher no alpendre da casa maltratada pelo tempo, Malhães revelou que já pertencia ao Movimento Anticomunista (MAC) quando ingressou nos quadros da repressão. Sua ascensão, iniciada com um curso de técnicas para abrir cadeados, fazer escuta, aprender a seguir pessoas, foi rápida. Após o golpe militar, passou pela 2 Seção (Informações) e pelo Destacamento de Operações de Informações (DOI) do I Exército (RJ) antes de ingressar no Centro de Informações do Exército (CIE), onde passou a perseguir as organizações da luta armada pelo país.
‘Eu organizei o lugar’
A casa de Petrópolis, na Rua Arthur Barbosa 668, Centro, teria sido um trabalho específico de Malhães já dentro do CIE. Ele afirmou que o imóvel, emprestado à repressão pelo então proprietário, Mario Lodders, não era o único aparelho com esse propósito:
— Tinha outras. Eu organizei o lugar. Quem eram as sentinelas, a rotina e quando se dava festa para disfarçar, por exemplo. Tinha que dar vida a essa casa. Eu era um fazendeiro que vinha para Petrópolis de vez em quando — contou Malhães, que se recusou a revelar o nome das sentinelas e não se deixou fotografar.
Cada oficial, informou, contava com sua própria equipe, que podia incluir cabos, sargentos, policiais federais, delegados ou médicos. De acordo com o coronel, na maioria das vezes, as equipes trabalhavam com um preso de cada vez na casa. Esse seria o motivo alegado por ele para desconhecer o destino de presos citados na lista dos desaparecidos políticos.
— Eu trabalhei uns cinco ou seis. Às vezes, passava de um mês com um — explicou.
O oficial disse que as táticas para cooptar e formar os infiltrados variavam, e cada um deles era detalhadamente estudado antes da abordagem, tanto sua ideologia como a família. Malhães disse que chegou a ficar preso por 30 dias numa cadeia, disfarçado, em tentativa de arregimentar um RX. Depois que os presos mudavam de posição, eles eram filmados delatando os companheiros. No depoimento sobre os cem dias que passou na casa, Inês Etienne relatou que fingiu ser uma infiltrada e foi filmada contando dinheiro e assinando um contrato com seus algozes.
Sobre o destino de alguns nomes de presos, que arquivos ou testemunhas apontam que estiveram na Casa da Morte, ele disse que o ex-deputado federal Rubens Paiva não passou por lá, mas admitiu ter visto Carlos Alberto Soares de Freitas, o Beto, comandante da VAR-Palmares desaparecido em fevereiro de 1971.
— O Beto talvez tenha conhecido — informou.
Questionado novamente se os militantes da luta armada eram assassinados, ele respondeu:
— Se ele deu depoimento, mas a estrutura (da organização guerrilheira) não caiu, ele pode ter sofrido as consequências.
O coronel reformado disse que, além da garantia de sigilo, era oferecida ajuda financeira aos infiltrados, embora nem todos aceitassem. Uma reunião do PCdoB em São Paulo, afirmou, teria custado R$ 50 mil. Sem fornecer qualquer prova além das declarações, disse que nem todos os desaparecidos teriam morrido no período.
— Na lista de desaparecidos tem RX. E muita gente morreu em combate. Desaparecido é um termo forçado. Em combate, tudo pode acontecer. E você não vai achar desaparecido nunca — declarou ele, ao negar as formas conhecidas até aqui para desaparecimento dos corpos.
Para o ex-preso político Ivan Seixas, diretor do Núcleo de Preservação da Memória Política, Malhães é fundamental para esclarecer o destino dos desaparecidos:
— Ele foi um dos três coordenadores operacionais da repressão, ao lado de Freddie Perdigão Pereira e de Ênio Pimentel Silveira, que já estão mortos.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/pais/torturador-conta-rotina-da-casa-da-morte-em-petropolis-5300155#ixzz1yjOQMLBG
© 1996 - 2012. Todos direitos reservados a Infoglobo Comunicação e Participações S.A. Este material não pode ser publicado, transmitido por broadcast, reescrito ou redistribuído sem autorização.
terça-feira, 26 de junho de 2012
Alemanha
lemanha: o fantasma bate à porta
Duas ilusões - a de que a Alemanha pode se tornar uma ilha de prosperidade num oceano europeu de pobreza e a crença de que isso se deveria à "temperança" alemã - sofreram um duro golpe recentemente, o que ajuda a entender a pressão do governo alemão e do BC Europeu em equacionar a situação bancária na Espanha.
Flávio Aguiar
Além de ser uma nação onde predomina um forte pragmatismo em todas as áreas (que convive com um forte romantismo historicamente recalcado), a Alemanha também é uma terra povoada por fantasmas e ilusões (como qualquer outra, aliás).
Por exemplo: um fantasma perene na Alemanha chama-se “Inflação”. Existe uma espécie de automatismo na memória histórica alemã, que une “inflação” e “nazismo”. A todo momento borbulham na mídia referências mais ou menos veladas à inflação do período da República de Weimar, como uma das principais causas que levaram à ascensão avassaladora do antes pequeno Partido Nacional Socialista liderado por Adolf Hitler.
Esse fantasma recobre um outro, que passa inadvertido. É o da lembrança – quase sempre esquecida – de que o forte período hiperinflacionário cedeu espaço para um novo equilíbrio a partir de 1923, e este levou a uma espécie de “golden age” entre este ano e 1930, quando os efeitos da crise norte-americana e internacional de 1929 começaram a devastar novamente a economia alemã. E que exatamente aí sucedeu-se uma tentativa de reequilibrar a economia através de uma radical “política de austeridade”. Dois políticos conservadores aplicaram sucessivamente essa política: Heinrich Brüning e Franz von Papen. Nesse período os investimentos públicos foram radicalmente cortados, a contribuição pública para fundos de pensão e desemprego foi zerada, o que aumentou os descontos em folha para os trabalhadores e diminuiu-lhes o seguro desemprego e outros beneficios sociais. Mais ou menos como se está tentando aplicar hoje à Europa inteira. Tudo isso, tanto lá como hoje, era e é baseado na crença (para muitos economistas, inclusive liberais, supersticiosa) de que a diminuição das despesas públicas estimularia o reerguimento econômico através dos mercados.
Passando às ilusões, duas são particularmente importantes hoje. A primeira é a de que a Alemanha pode se tornar uma ilha de prosperidade num oceano europeu de pobreza crescente. A segunda é a de que a realização da primeira dever-se-á necessariamente ao fato de que a Alemanha é uma ilha de temperança num oceano (particularmente nos mares do sul europeu...) de perdulários e gastadores dos fundos públicos.
Pois ambas as ilusões sofreram um duro golpe recentemente – o que ajuda a entender a pressa que tomou conta do governo alemão e do Banco Central Europeu (onde o peso maior é do Banco Central Alemão, o Bundesbank) em equacionar a situação bancária da Espanha, nova ovelha no aprisco das ajudas financeiras, com 100 bilhões de euros para a sua banca em condições mais favoráveis do que aquelas oferecidas a Irlanda, Grécia e Portugal (que certamente vão chiar por causa disso).
O que aconteceu? Os índices de abril mostraram que, pela primeira vez desde 2010 as exportações alemãs sofreram uma queda significativa. Em relação a março, as exportações de abril recuaram em 1,7 % no total – 3,6% na Zona do Euro. Importante: a queda foi mais do que o dobro do que a maioria dos economistas (provavelmente ainda embalados pela relativa “imunidade” alemã) previa.
As exportações alemãs para países não europeus continuaram crescendo (esses dados são da Agência Federal de Estatísticas, um IBGE daqui): 10,3%. Ocorre que as exportações para a União Européia são 42% do total. E o continente – a Zona do Euro em particular – está em crise recessiva – por causa dos decantados “planos de austeridade”. Em 2011 a Alemanha exportou 34,86 bilhões de euros para a Espanha, ou seja, 8,28% de suas exportações para a Zona do Euro (total: 420,9 bi) e 5,5% de suas exportações para a União Européia (total: 627,3 bi).
O mercado interno também sofreu abalos, e as importações sofreram uma queda de 4,8% naquele mês. O DAX – índice da bolsa alemã (equivalente ao BOVESPA em S. Paulo) oscilou para baixo na semana que passou. Ou seja, se o fantasma da hiperinflação (com as contínuas ameaças proferidas pelos sabichões ortodoxos de que o aumento do gasto público a trará de volta) continua entronizado no altar das referências alemãs, o fantasma da crise bateu pelo menos à janela, estremecendo aquelas ilusões caras à ortodoxia.
Flávio Aguiar é correspondente internacional da Carta Maior em Berlim.
Silêncio
Som' do silêncio pode levar à loucura
Testes foram realizados na câmara anecóica dos Laboratórios Orfield
2012-06-19
Câmara anecoica dos Laboratórios Orfield
Câmara anecoica dos Laboratórios Orfield
A câmara anecóica criada pelos Laboratórios Orfield (Minnesota, EUA) entrou para o livro dos Récordes Guinness por conseguir absorver 99,99 por cento do som. Até agora, nenhum ser humano conseguiu ficar lá dentro mais de 45 minutos sem começar a desenvolver sintomas de falta de equilíbrio e perda de controlo.
'Escutar' tanto silêncio pode mesmo levar à loucura, concluem os investigadores que estudaram o efeitos ao longo do tempo que as pessoas conseguiram ficar dentro da câmara.
A absorção do som deve-se a um sistema 'box in box' (caixa dentro de caixa). As caixas têm paredes duplas de aço e a caixa interna é suportada por um sistema de molas com paredes cobertas com fibra de vidro de forma piramidal.
Este tipo de câmaras é utilizada por vários tipo de empresas, entre elas as de electrodomésticos para que consigam determinar o ruído gerado pelos seus produtos.
As experiências sobre o efeito no ser humano têm sido bastante pertinentes para aferir a capacidade da resistência ao silêncio. A falta de som a este nível provoca tensão no cérebro humano, podendo conduzir à perda de controlo e à loucura.
Isto acontece porque quando não existe nenhum som num espaço, o ouvido humano faz todo o possível para localizar uma fonte de som. Isto leva a que seja o próprio corpo a converter-se no gerador de som.
Os que viveram a experiência de permanecer nesta câmara durante um tempo prolongado começaram a ouvir os sons da sua respiração, o bater do coração e mesmo dos intestinos. Assim, a mente acaba por perder o controlo.
(Ciência hoje)
Obama
12.06.12 - EUA
Vejam quem assessora a Obama!
Jean-Guy Allard
Jornalista canadense que trabalha em Granma Internacional, Cuba
Adital
Tradução: ADITAL
O assessor de Obama para a América Latina, o neto de um politiqueiro hondurenho golpista.
Neto homônimo de um politiqueiro hondurenho retrogrado recordado por ter dado firme apoio à feroz ditadura militar do coronel Oswaldo López, o funcionário norte-americano Ricardo Zúñiga, nomeado por Obama como Diretor de Assuntos do Hemisfério Ocidental dos Estados Unidos, manejou em Havana as operações sujas de subversão e desestabilização da Secção de Interesses norte-americana (Sina), antes de supervisioná-las desde Washington.
Zúñiga substitui a Dan Restrepo, de origem colombiana, catapultado após o lamentável show da Cúpula das Américas, onde Obama se desprestigiou, e também por sua incapacidade de enfrentar as aspirações de uma América Latina emancipada como também pelas excentricidades lúbricas de seus anjos da guarda.
Zúñiga, que se converte no principal assessor na política latino-americana ante o presidente dos EUA e seu Conselho de Segurança Nacional, é um norte-americano de origem hondurenha, digno neto do político Ricardo Zúñiga Agustinus (QDDG), o homem forte do Partido Nacional, arquiteto maquiavélico da tomada de poder por Oswaldo López Arrellano (OLA) mediante um golpe militar dez dias antes das eleições presidenciais.
ANTICOMUNISTA FEROZ E GRANDE SÓCIO DA UNITED FRUIT
Anticomunista enfermiço, o avô Zúñiga estruturou o governo ilegítimo e o controlou totalmente até tal ponto que seus amos yanquis ficaram nervosos com o descontentamento que ele criou nas próprias filas do exército hondurenho. O regime instaurado por Zúñiga e encabeçado pelo inepto OLA consagrou-se a fustigar todos que se mostrassem algum sinal de esquerdismo. Zúñiga e seu Partido Nacional, que controlava com mãos de ferro, levaram seus partidários em um delírio de "salvar Honduras do comunismo” com um "regime de terror, ódio e morte”, segundo uma testemunha da época.
Foi dessa forma que OLA tornou-se presidente por primeira vez no dia 3 de outubro de 1963, para ficar no poder até o dia 7 de junho de 1971, quando permitiu que fossem realizadas outras eleições. Porém, foi eleito quem o incomodava e, no dia 4 de dezembro de 1972, retomou a "presidência”. Apesar de sua afinidade com a United Fruit, OLA e seu fiel Zúñiga foram expulsos do poder no dia 22 de abril de 1975, em um golpe militar liderado pelo General Juan Alberto Melgar Castro, após um escândalo provocado pelos EUA e conhecido como o "Bananagate”. Candidato presidencial em 1981, o avô Zúñiga foi parar no grande cesto da história.
EM HAVANA, ZÚÑIGA NETO ROMPE RECORDES DE INGERÊNCIA
Ricardo Zúñiga neto consolidou sua carreira diplomática "durante uma missão dos Estados Unidos em Havana, Cuba, onde atuou como assessor em direitos humanos”, segundo o diário golpista hondurenho La Prensa. A realidade é bem distinta e não tão limpa.
Zúñiga trabalhou no bunker diplomático norte-americano do Malecón de Havana, sob a direção do excêntrico James Cason –em seguida nomeado embaixador no Paraguai, onde se dedicou a cantar em guarani e agora é prefeito de Coral Gables, município de Miami onde acaba de acontecer um atentado terrorista dirigido contra Cuba. Em Havana, Zúñiga, que dirigia todo o setor subversão e financiamento de "dissidentes”, em concordância não somente com o Departamento de Estado, mas também com a CIA e a máfia terrorista de Miami, rompeu recordes em matéria de ingerência.
Tanto foi sua falta de respeito para com Cuba, para com seu povo e com sua soberania que chegou a criar um ambiente de confrontação diária, com provocações grosseiras às autoridades revolucionárias da Ilha. Em uma conferência especial televisionada, no dia 25 de abril de 2003, o líder cubano Fidel Castro designou a Zúñiga e a seu chefe Cason como principais responsáveis pelo incremento das ações agressivas do governo dos EUA contra Cuba. Fidel citou vários incidentes nos quais o dueto Cason-Zúñiga se dedicou descaradamente a inventar um "partido” de oposição que tentaria muito hipoteticamente derrocar o governo cubano.
Entre os dias 19 e 25 de janeiro de 2003, mencionou Fidel, James Cason e Ricardo Zúñiga durante seis dias percorreram as províncias de Las Tunas, Holguín, Granma, Santiago de Cuba e Guantánamo, dedicando-se ao "abastecimento material” de grupinhos contrarrevolucionários. Tais visitas pelo país, o que parecia manifestar certo descontentamento, fez de Zúñiga um verdadeiro vendedor itinerante das ideias mais retrógradas e anticubanas a uma clientela em grande parte constituída por delinquentes antissociais em busca de um visto para os Estados Unidos, com estância subsidiada.
Aleida Godínez, a Agente Vilma, da Segurança de Estado, que esteve infiltrada nesse mesmo período na chamada "dissidência”, se recorda bem de "Rick” Zúñiga: "É o protótipo do yanqui, não importa se é filho de Honduras, contrário à opinião de sua tia Elizabeth "Tita” Zúñiga, que diz que nunca esquece suas raízes... Não tem nada de latino-americano”. "Apesar da candidez que transluz em sua expressão pessoal e no afável trato, é um inimigo acérrimo porque ali ao grão, garantir o êxito com suas próprias mãos”.
Ao terminar sua "missão humanitária” em Cuba, Zúñiga foi honrado por suas façanhas anticomunistas e nomeado como funcionário do escritório de Cuba do Departamento de Estado, o qual, em seguida, começou a chefiar e onde pode continuar dando livre curso a suas pulsões direitistas. Finalmente, foi nomeado chefe da Secção Política da Embaixada dos Estados Unidos no Brasil –pode-se adivinhar a que se dedicou- antes dessa última promoção na capital imperial, onde sua responsabilidade será oferecer assessoria à Casa Branca sobre sua política para a América Latina.
(Adital)
segunda-feira, 25 de junho de 2012
Amor
O Amor no Mundo Contemporâneo
por Margarete MS em 12 de jun de 2012 às 01:03
As ligações entre as pessoas se tornam empobrecidas quando as convenções e a superficialidade dos contatos estabelecem relações impessoais e impedem o autêntico encontro amoroso.
René Magrite - Os Amantes.jpg
Os amantes de René Magritte
Na sociedade contemporânea, fala-se e escreve-se muito sobre sexo e quase nada sobre o amor.
Talvez seja pelo fato de que o amor, sendo um enigma, não se deixa decifrar, repelindo toda tentativa de classificação ou definição. Por isso, a poesia, campo mítico por excelência, encontra na metáfora a compreensão melhor do amor. Efetivamente, a literatura nunca deixou de falar do amor.
Talvez o vazio conceitual se deva à dificuldadede de expressão do amor no mundo contemporâneo. O desenvolvimento dos centros urbanos criou o fenômeno da "multidão solitária": as pessoas estão lado a lado, mas suas relações são de contiguidade, seus contatos dificilmente se aprofundam, sendo raro o encontro verdadeiro.
Talvez o falar muito sobre sexo seja uma tentativa de camuflar a impessoalidade fundamental dessas relações, na medida em que o contato físico simula o encontro.
No entanto, não só as relações entre duas pessoas (na clássica relação amorosa) se acham empobrecidas. O afrouxamento dos laços familiares - não importa aqui analisar as causas nem preocupar a validade da situação - lançou as pessoas num mundo onde elas contam apenas consigo mesmas. Ainda que sejam válidas as críticas ao autoritarismo da família, esta ainda é o lugar da possibilidade do afeto. Ou, pelo menos, o sair dela não é garantia de ter o vazio de amor preenchido.
Além disso, o trabalho na sociedade capitalista, estimulado pela competição e pelo individualismo, exige um ritmo exaustivo, mesmo para os que têm melhores chances, e mergulha a maior parte das pessoas no trabalho alienado, rotineiro, repetitivo, de onde é impossível extrair algum prazer ou estabelecer vínculos.
Do ponto de vista da política, a situação também não é das mais reconfortantes. Se considerarmos que todo regime autoritário subsiste em função da força e da opressão, o ambiente que daí decorre é de medo e ódio.
***
Os trechos acima foram retirados do livro “Filosofando - Introdução à Filosofia” de Maria Lúcia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins, Editora Moderna, 2002, p. 322.
Leia mais: http://lounge.obviousmag.org/esconderijo/2012/06/o-amor-no-mundo-contemporaneo.html#ixzz1xcl9IRWr
(Obvious)
Thiago de Mello
Os estatutos do homem
Posted: 11 Jun 2012 08:50 PM PDT
Thiago de Mello
Ato Institucional Permanente
A Carlos Heitor Cony
Artigo I.
Fica decretado que agora vale a verdade.
que agora vale a vida,
e que de mãos dadas,
trabalharemos todos pela vida verdadeira.
Artigo II.
Fica decretado que todos os dias da semana,
inclusive as terças-feiras mais cinzentas,
têm direito a converter-se em manhãs de domingo.
Artigo III.
Fica decretado que, a partir deste instante,
haverá girassóis em todas as janelas,
que os girassóis terão direito
a abrir-se dentro da sombra;
e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
abertas para o verde onde cresce a esperança.
Artigo IV.
Fica decretado que o homem
não precisará nunca mais
duvidar do homem.
Que o homem confiará no homem
como a palmeira confia no vento,
como o vento confia no ar,
como o ar confia no campo azul do céu.
Parágrafo Único:
O homem confiará no homem
como um menino confia em outro menino.
Artigo V.
Fica decretado que os homens
estão livres do jugo da mentira.
Nunca mais será preciso usar
a couraça do silêncio
nem a armadura de palavras.
O homem se sentará à mesa
com seu olhar limpo
porque a verdade passará a ser servida
antes da sobremesa.
Artigo VI.
Fica estabelecida, durante dez séculos,
a prática sonhada pelo profeta Isaías,
e o lobo e o cordeiro pastarão juntos
e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.
Artigo VII.
Por decreto irrevogável fica estabelecido
o reinado permanente da justiça e da claridade,
e a alegria será uma bandeira generosa
para sempre desfraldada na alma do povo.
Artigo VIII.
Fica decretado que a maior dor
sempre foi e será sempre
não poder dar-se amor a quem se ama
e saber que é a água
que dá à planta o milagre da flor.
Artigo IX.
Fica permitido que o pão de cada dia
tenha no homem o sinal de seu suor.
Mas que sobretudo tenha sempre
o quente sabor da ternura.
Artigo X.
Fica permitido a qualquer pessoa,
a qualquer hora da vida,
o uso do traje branco.
Artigo XI.
Fica decretado, por definição,
que o homem é um animal que ama
e que por isso é belo.
muito mais belo que a estrela da manhã.
Artigo XII.
Decreta-se que nada será obrigado nem proibido.
tudo será permitido,
inclusive brincar com os rinocerontes
e caminhar pelas tardes
com uma imensa begônia na lapela.
Parágrafo único:
Só uma coisa fica proibida:
amar sem amor.
Artigo XIII.
Fica decretado que o dinheiro
não poderá nunca mais comprar
o sol das manhãs vindouras.
Expulso do grande baú do medo,
o dinheiro se transformará em uma espada fraternal
para defender o direito de cantar
e a festa do dia que chegou.
Artigo Final.
Fica proibido o uso da palavra liberdade.
a qual será suprimida dos dicionários
e do pântano enganoso das bocas.
A partir deste instante
a liberdade será algo vivo e transparente
como um fogo ou um rio,
e a sua morada será sempre
o coração do homem.
Santiago do Chile, abril de 1964
Publicado no livro Faz Escuro Mas Eu Canto: Porque a Manhã Vai Chegar 1965.
In: MELLO, Thiago de. Vento geral, 1951/1981: doze livros de poemas. 2.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 198
Republicado a pedidos
terça-feira, 12 de junho de 2012
Torturas
Tortura e torturadores
07:08, 6/06/2012
Paulo Moreira Leite
Cultura Tags: Comissão da Verdade, direitos humanos, governo, tortura
Pesquisa do Núcleo de Estudo da Violência, da Universidade de São Paulo, mostra que diminuiu o número de brasileiros que condena o uso da tortura para a obtenção de provas.
Em 1999, quando se fez um levantamento semelhante, esse número era de 71,2%. Hoje, a condenação é de 52,5%.
Num país que acabou de formar uma Comissão da Verdade para investigar crimes de direitos ocorridos no regime militar, eu acho essa revelação muito preocupante mas menos surpreendente do que parece.
A experiência universal ensina que o destino da tortura se explica pelo destino do torturador. Enquanto a tortura não for denunciada, investigada e punida, o torturador será aceito, protegido e tolerado. Não há escapatória.
Num país que teve um passado vergonhoso de tortura durante o regime militar, a experiência de anos recentes foi uma só.
Se havia a esperança de apurar, investigar e até punir crimes cometidos em nome do Estado, a realidade foi uma decepção.
A cada denúncia de tortura entrava em operação uma grande maquina de impunidade, criando brechas para se bloquear toda investigação.
Todos os esforços dos militares para manter o passado em segredo foram bem sucedidos. Sequer seus arquivos foram abertos.
Quando o ministro da Defesa José Viegas pediu informações sobre mortos e desaparecidos aos comandantes militares, a resposta foi que os arquivos tinham sido destruídos. Mas não se perguntou por quem, quando, por que. Foi uma destruição burocrática, automática, disseram.
Uma vez, em Brasília, tentei apurar como era possível destruir um material tão importante, tão precioso. Diziam que era isso mesmo. O Estado tem normas para guardar documentos que, salvo determinação em contrário, são incinerados depois de alguns anos e ninguém pode fazer nada.
Imagino a cena: um recruta passa nos arquivos da ditadura, atas do Alto Comando, decisões ministeriais, ordens cifradas que podem esclarecer muita coisa, e carrega processos, ordens, denúncias, gritos, dores, cadáveres, para o lixo – como se fosse integrante de uma simpática e inofensiva equipe de garis que garante a limpeza de nossas cidades.
Todos procuradores que tentaram levar um torturador para o banco dos réus foram vencidos.
Pior. De uns tempos para cá, não foram só os velhos aliados da ditadura que saíram a campo para exigir que os crimes cometidos em nome do Estado fossem esquecidos. O próprio Supremo Tribunal Federal declarou que aceitava a interpretação da Lei de Anistia, segundo a qual o perdão dos torturadores estava assegurado.
Convertidos a um neo-conservadorismo de última hora, políticos que fizeram oposição ao regime militar hoje assumem uma posição de esquecimento e tolerância em relação a antigos carrascos.
A pesquisa reflete essa situação. Criou-se um ambiente de tolerância e aceitação.
Por motivos que tem relação direta com nossa desigualdade estrutural, o país nunca discutiu a tortura a presos comuns.
Mas fez a discussão sobre presos políticos, que envolvem pessoas de certo prestígio, que foram aos jornais e contaram dramas e tragédias. Muitos receberam o devido reconhecimento social. Alguns foram até glorificados.
Tudo isso poderia ter contribuído para se avançar num debate necessário: o que fazer com a tortura e com o torturador. Não adiantou.
Sabe por que? Porque até hoje asseguramos ao crime de tortura uma impunidade única e absoluta.
Um corrupto precisa esconder-se, disfarçar o caixa 2, colocar bens em nome de laranjas e mesmo assim corre o risco de ser apanhado.
Um garoto que é apanhado com maconha na bolsa pode ser levado para a delegacia e ouvir humilhações. O sujeito que roubar um pacote de macarrão num supermercado pode até responder a processo.
Se for pobre e preto, pode ser torturado. Hoje, aqui, agora, em 2012. Com oposição de pouco mais de 50%, diz a pesquisa.
Os torturadores sequer devem dar explicações sobre seus atos. Não são chamados a contar o que sabem. Estão acima de tudo, inclusive do regimento militar, que proíbe a tortura.
A própria presidente da República, uma das mais populares da história, passou 20 dias na porrada e não sabemos quem fez isso!
Essa é a questão.
Eu tinha uns 20 anos, em pleno regime militar, quando assisti a uma cena trivial e, ao mesmo tempo, inesquecível. Estava num elevador, quando entraram duas pessoas, comentando os fatos do dia. Os jornais comentavam que algumas pessoas tinham sido presas e encaminhadas para a Oban. Não lembro quem eram os presos mas não esqueço o diálogo:
– Você viu? Pegaram aquela turma…
– É..hoje a noite o pau vai comer. Vai ter gente que vai tomar uma surra…
Não. Não havia indignação naqueles olhares nem naquelas vozes. Apenas indiferença, ódio. Era o mundo em que vivíamos.
Alguém se atreve a dizer qual será o resultado da próxima pesquisa, em 2020?
Com a palavra, a Comissão da Verdade.
(Época)
Obama e Fidel
Fidel Castro: Dias insólitos
Sob o título “O assassino em chefe”, no dia 7 de junho de 2012, em um sítio de Internet afirma-se: “…não só elegerão um presidente dos EUA; também estarão elegendo um assassino em chefe
Por Fidel Castro
“Graças a um longo artigo do New York Times, de Jo Becker e Scott Shane, ‘Secret ‘Kill List’ Proves a Test of Obama’s Principles and Will,’ (Lista secreta de assassinatos, prova dos principios e da vontade de Obama), sabemos agora que o presidente passou uma quantidade surpreendente de tempo supervisionando a “indicação” de presumíveis terroristas para assassiná-los mediante o programa de drones [aviões sem tripulação guiados por controle remoto] que herdou do presidente George W. Bush e que expandiu exponencialmente.”
“A linguagem do artigo sobre nosso presidente guerreiro […] se concentra nos dilemas de um homem que, como sabemos agora, aprovou e supervisionou o crescimento de um programa de assassinatos notavelmente poderoso no Iêmen, Somália e Paquistão baseado em uma “lista de assassinatos”. Ademais o fez regularmente, um alvo após outro, nome a nome […] Segundo Becker e Shane, o presidente Obama também esteve envolvido no uso de um método fraudulento de contagem de assassinatos por meio dos drones, que minimiza as mortes de civis.
“Falando historicamente, tudo isso é bastante estranho. O Times qualifica o papel de Obama na maquinaria de assassinatos por meio de drones como ‘sem precedentes na história presidencial’. E de fato é assim.”
“‘O mais estranho dos rituais burocráticos: Mais ou menos a cada semana, se reúnem mais de 100 membros do crescente aparato de segurança nacional do governo, em uma vídeo-conferência segura, para estudar as biografias de presumíveis terroristas e recomendar ao presidente quais devem ser os próximos eliminados. Esse processo secreto de ‘indicações’ é um invento do governo de Obama, um nefasto círculo de discussão que estuda as imagens em PowerPoint com os nomes, codinomes e biografias de presumíveis membros da filial da Al Qaida no Iêmen ou seus aliados na milícia Shabab na Somália. As indicações vão para a Casa Branca, onde por sua própria insistência e guiado pelo ‘czar’ do contraterrorismo John O. Brennan, Obama deve aprovar cada nome’.”
“Como nos informou na semana passada o Times, não só temos um assassino em chefe no Salão Oval, mas um ciberguerreiro…”
Isto que escrevo é uma breve síntese sobre a atualidade dos EUA.
No dia anterior, igualmente sinistro, 6 de junho de 2012, a BBC Mundo, sob o título “Desinfla-se a economia da China?”, afirma:
“Vários indicadores começam a apontar para uma queda econômica no país asiático, com uma forte diminuição da demanda de eletricidade e da produção industrial, assim como no rendimento das fábricas e das vendas a varejo.
“A China sofre desde há meses por causa do vento frio que provém da Europa, que é seu maior mercado de exportação, inclusive maior do que o dos Estados Unidos.
“O setor manufatureiro do país se contrai desde há sete meses devido sobretudo à débil demanda de exportações, segundo um recente estudo.”
“O dinheiro deixou de chegar à China mais ou menos desde setembro, e em abril de fato começou a abandonar o país. Isto é altamente inusual.”
“Para evitar que o yuan se fortaleça demasiado, a China impede que os especuladores comprem a moeda.
“Desde meados de 2010, o governo chinês tinha permitido de forma diligente que o yuan se fortalecesse em relação ao dólar, mas no último mês, conforme a economia entrou em crise, começou a depreciar de novo o valor do yuan.”
“…muitas empresas financiaram a importação de matérias primas como cobre, minério de ferro e alumínio para a indústria da construção.”
“Os envios de cobre que se acumulam nos depósitos da China se tornaram tão grandes que quase não há espaço para guardar o excedente.”
“Isto poderia não ser mais do que um problema passageiro de curto prazo. Mas o temor é que isso possa ser o princípio do fim do boom imobiliário durante o qual foram construídos muito mais apartamentos do que o país verdadeiramente necessita.”
“Há cidades construídas completamente fantasmas.
“Parece que muitos destes apartamentos vazios estavam sendo comprados por empresas e famílias chinesas como um investimento mais atraente do que depositar dinheiro em uma conta bancária com baixa remuneração.”
“A taxa de crescimento da China apenas diminuiu, ficando abaixo da cifra mágica de 10% em um momento em que o Ocidente caía em sua recessão mais profunda desde a Segunda Guerra Mundial.”
“Por exemplo, o gigante asiático construiu do nada a maior rede de ferrovias de alta velocidade do mundo, cinco vezes maior do que a rede francesa de alta velocidade.”
“A China está em meio de una transição delicada, con uma nova geração de líderes que se aproxima do poder, algo que só ocorre a cada 10 anos.
“Há uma luta política em ebulição, posta em evidência pela destituição do chamativo governador de Chongqing, Bo Xilai.
“Muitos dos membros do partido se beneficiaram do boom imobiliário e do crédito dos últimos três anos. Se este auge chega a seu fim, não quererão fazer parte dos perdedores inevitáveis.
“Como se desenvolverá essa batalha, especialmente no caso em que a China se defronte com protestos multitudinários de trabalhadores desempregados nas ruas, é uma incógnita para todos.”
Estou longe de compartilhar esta sinistra infusão ianque sobre o destino da China, e me pergunto se acaso é possível ignorar que a China possui as maiores reservas de terras raras no mundo e enormes volumes de gás de xisto, que lhe permitiriam exercer seu poder sobre a produção energética mundial quando cesse o poder de mentir e avassalar. Isto já é demais.
Fidel Castro Ruz
9 de junho de 2012, 12h05
Fonte: Cubadebate
Tradução: José Reinaldo Carvalho, editor do Vermelho
..
segunda-feira, 11 de junho de 2012
Cinema
A vergonha do vazio - Steve Mcqueen
publicado em cinema por débora cambé | 1 comentário
Antes mesmo de ver "Vergonha", o mais recente filme de Steve McQueen, alguém me avisou: "Há mais gente assim [como Brandon, o viciado em sexo que protagoniza a história] do que parece". Quem viu a espiral descendente que é esta longa-metragem sabe que a afirmação é verdadeira.
carey mulligan, michael fassbender, shame, steve mcqueen, vergonha
© "Shame", Abbot Genser.
Tic-tac-tic-tac-tic-tac. É o som que ecoa sem parar ao longo dos primeiros minutos, onde, mais do que o homem, conhecemos a sua rotina sem diálogos, feita apenas de encontros casuais, tic, de flirts, tac, de desejos que se adivinham em sorrisos comprometedores, tic, da vergonha ao pisar a linha tão facilmente, tac. Um dia a seguir ao outro. E para Brandon (Michael Fassbender) é fácil: além de obviamente atraente, tudo na sua aparência diz sofisticação, como a fachada do edifício onde vive. Mas, dentro do seu apartamento, as paredes brancas e a decoração minimalista contam-nos outra história.
No seu espaço pessoal, tal como nas suas relações, não há intimidade. Há um vazio disfarçado pelas noites de copos em bares e discotecas com os colegas de trabalho - não lhe conhecemos qualquer amigo - e pela sucessão de encontros sexuais que mantém com prostitutas ou alguma bela desconhecida que com ele se cruze. Brandon é um indivíduo permanentemente solitário. E essa condição, que originalmente lhe terá sido imposta, transformou-se num estilo de vida irremediável, que a todo o custo tenta manter para continuar a alimentar a sua obsessão pelo sexo (o que é o mesmo que falar na sua sobrevivência).
carey mulligan, michael fassbender, shame, steve mcqueen, vergonha
© "Shame", Abbot Genser.
carey mulligan, michael fassbender, shame, steve mcqueen, vergonha
© "Shame", Abbot Genser.
O aparecimento de Sissy (Carey Mulligan) vai colocar tudo isso em causa. Como um alarme gritante da carência emocional que os une, ela é o oposto do irmão. Frágil, dependente e altamente emocional, tenta (desesperadamente e em vão) encontrar o equilíbrio de que também ela precisa junto de Brandon. O derradeiro confronto entre ambos é uma das cenas mais poderosas de todo o filme: diante dos cartoons que passam na televisão (como se as duas personagens tivessem presente a infância longinqua que não foi plenamente vivida), ambos expõem violentamente as fraquezas um do outro, expondo-se a si mesmos; Brandon, incapaz de qualquer compaixão, rejeita a irmã e esta falha em resgatar o único pedaço de família que lhe resta. Se um luta pelo isolamento, o outro tenta reanimar um laço afectivo que o defenda da solidão.
carey mulligan, michael fassbender, shame, steve mcqueen, vergonha
© "Shame", Abbot Genser.
A partir daqui - na sequência da maravilhosa cena em que Brandon corre pelas ruas de Nova Iorque durante a noite -, a câmara dirigida por McQueen nunca se coíbe de mostrar Fassbender na sua máxima exposição como actor, física e emocionalmente, numa violenta sucessão de acontecimentos que nos fazem acreditar num poço sem fundo para esta personagem, sem controlo sobre as suas decisões e envergonhada do vazio do qual não consegue libertar-se.
Nova Iorque - essa entidade sempre fria que ainda tem uma reputação a manter como terra de oportunidades - "it's up to you, New York", canta Mulligan noutro dos geniais (e longos) takes do filme - parece querer oferecer-lhe um momento de catarse, mas Brandon é uma bomba-relógio (tic-tac-tic-tac-tic-tac) que já não pode ser desactivada - ou pode?
carey mulligan, michael fassbender, shame, steve mcqueen, vergonha
© "Shame", Abbot Genser.
É ambígua, a pista deixada por McQueen. O realizador só não deixa dúvidas em relação ao seguinte: com um elenco absolutamente irrepreensível e em topo de forma, um argumento consistente, uma cinematografia brilhante e uma banda sonora contagiante, este filme é um dos melhores de 2011.
debora
Sobre a autora: débora cambé; Nunca foi nerd, mas gostava de o ser. Mesmo assim, acredita ser capaz de dar um ou outro bitaite sobre uma série de assuntos relativamente interessantes. Saiba como fazer parte da obvious.
Leia mais: http://obviousmag.org/archives/2012/05/a_vergonha_do_vazio_-_steve_mcqueen.html#ixzz1wtGmzkYg
Poesia
Outros viram
Jorge Mautner e Gilberto Gil
O que Whalt Withman viu
Maiakowski viu
Outros viram também
Que a humanidade vem
Renascer no Brasil!
Teddy Roosevelt viu
Rabindranath Tagore.
Stefan Zweig viu também
Todos disseram amém
A essa luz que surgiu!
Roosevelt que celebrou nossa miscigenação
Até considerou como sendo a solução
Pro seu próprio país
Pra se amalgamar
Misturar-melting pot feliz
Não conseguiu pois seu Congresso não quis!
Rabindranath Tagore profetizou
Ousou dizer que aqui surgiria o ser do amor
Ser superior, da paixão, da emoção, da canção
Terra do samba sim e do eterno perdão!
Maiakowski ouviu
A sereia do mar
Lhe falar de um gentil
De um povo mais feliz
Que habita esse lugar!
Esta terra do sol
Esta serra do mar
Esta terra Brasil
Sob este céu de anil
Sob a luz do luar!
© Gege Edições (Brasil e América do Sul) / Preta Music (Resto do Mundo)
(Blog do Nassif)
sexta-feira, 8 de junho de 2012
Horóscopo
Apóllo Nátali – Alguma arte: Quem ama e pensa, não ama, pensa (observações sobre o horóscopo)
Por Apóllo Nátali(*)
Sucede que, desde que pela primeira vez senti cheiro de mulher, em inacreditáveis verdes anos, venho empregando um procedimento científico para ver como são as mulheres de tal ou qual signo, em relação ao meu. Sempre fiz questão de combinar com elas. Bem mais para a frente, acabei conlcuindo que, quem ama e pensa, não ama, pensa.
O procedimento científico que usei é a perseverante observação, complementada pela comparação, indução e dedução. Ridículo. Homem de sucesso com as mulheres é aquele alto, bonito, cantante, voz grave, quente e magnética, belo exemplar da evolução das espécies, de Charles Darwin.
Então, antes de começar namoro, eu perguntava o signo. Meu bondoso e paciente pai me disse que ele poderia ficar pirado um dia, neste mundo qualquer um está sujeito, mas não seria fazendo essa pesquisa, desde os verdes anos até os maduros, semana após semana.
Pior era um amigo meu, da Mooca, verdade, que contava piadas e quando a eleita do seu coração abria a boca para rir, se exibisse um início de cárie no mais longínquo molar, o namoro não engatilhava.
Curioso, nas minhas observações, via uma mulher de tal ou qual signo, virtuosa, e uma outra, do mesmo signo, nem tanto. Via um colega sacerdote de um signo e outro, do mesmo signo, com problemas com a polícia. Um violento de um signo e outro um carneirinho do mesmo signo. Alguns com muita sorte de um signo e outros do mesmo signo, nem tanto.
Conclusão científica: o signo não tem nada a ver com o caráter. Minhas observações mostram que o signo não pode determinar o caráter de alguém. As deduções: o destruidor de vidas Hitler era de Áries. O mundialmente querido Charles Chaplin, um dos maiores críticos do próprio Hitler, também era de Áries. Este que vos toma o tempo escrevendo estas mal traçadas linhas, igualmente é de Áries. Choro até em inauguração de posto de gasolina.
Dizer que por ter tal ou qual signo alguém é bondoso ou mau, líder ou liderado, honesto ou desonesto, que pode viajar de avião ou não pode, que deve ser prudente ao volante, que está sujeito a gripe, que vai receber uma carta, que tem de ficar calmo, resistir às tentações e que terá negócios fáceis com Júpiter na triangulação, mas precisa cuidar da alimentação, é dose. Tomada de cena: sorrisinho crítico de quem ouve falar nessas coisas.
No entanto, cheguei a uma conclusão muito séria. Trata-se mais de uma percepção e isso não se explica cientificamente. Tenho a minha percepção e você tem a sua. Lembrem-se que o próprio Descartes racionalizou a civilização a partir de uma intuição. Vejam bem: somos influenciados por tudo o que nos cerca, palavras, atitudes, o berro no ouvido, a bela natureza, a cruel força bruta, o céu bordado de estrelas, a água transparente do mar, o furacão, o regato, que desce cambaleando das matas como louco, qual bêbado deixando o bar de madrugada. Quando faz Sol, temos um humor. Quando não faz, outro. Quando é Lua cheia, um. Quando ,não, outro. Vivemos ou não hipnotizados por tudo o que nos cerca? Nosso humor não estaria condicionado a essas forças, esses enormes globos flutuando no cosmo, girando, afastando-se, aproximando-se? Não estaria o nosso humor influenciado pela criação ao nosso redor?
Então. As almas que nascem sob determinadas influências, em tal ou qual momento, com tal e qual Lua, com tal e qual planeta, não seriam, talvez, possuidoras de tal ou qual fluído, uma energia, uma “atmosfera” (achei!) que pode ou não combinar com as das outras pessoas? É complicado?
As “atmosferas” se entrechocariam ou se afinariam, dando bom casamento ou não, boas amizades ou não, relações comerciais ricas, ou não. Mas daí a dizer, como ouvi de um amigo, que por ser de tal signo tinha direito a sete mulheres é o fim do mundo, embora um belo fim do mundo.
O astrólogo Omar Cardoso dissera que no mundo existe uma proporção de sete mulheres para cada homem, e disso não se pode reclamar.
Então, minha pesquisa maluca revela que, se uma pessoa pôs tanta amargura em teu pobre coração, estimado leitor, ou leitora, sejam qual forem os seus signos, as suas “atmosferas” não se casaram. O certo, então, seria cada um procurar a sua “atmosfera” gêmea, ou trigêmea, sem precisar ficar pirado.
Quanto ao meu signo, nas minhas observações de anos, constatei que numa coisa os horoscopeiros têm razão: eles dizem que Áries combina com Aquário, Sagitário e Leão. Desses três, para mim, tem sido melhor Leão. Com mulher de Leão, eu sou mais eu, embora já tenha combinado, e bem, com Aquário, Áries, Gêmeos, Capricórnio, Câncer, Libra, Touro, todos eles, e como combino bem com a doce mulher de Touro!
Estas questões não devem preocupá-los, amáveis leitores e leitoras, sejam vocês de tal ou qual signo. Com a Lua minguante em sextil a Júpiter e Saturno, nada a temer.
*Apollo Natali é jornalista, formado aos 71 anos, depois de 4 décadas atuando na imprensa. É colaborador do “Quem tem medo da democracia?”, onde mantém a coluna “Desabafos de um ancião”.
inShare
quarta-feira, 6 de junho de 2012
Outros viram
Jorge Mautner e Gilberto Gil
O que Whalt Withman viu
Maiakowski viu
Outros viram também
Que a humanidade vem
Renascer no Brasil!
Teddy Roosevelt viu
Rabindranath Tagore.
Stefan Zweig viu também
Todos disseram amém
A essa luz que surgiu!
Roosevelt que celebrou nossa miscigenação
Até considerou como sendo a solução
Pro seu próprio país
Pra se amalgamar
Misturar-melting pot feliz
Não conseguiu pois seu Congresso não quis!
Rabindranath Tagore profetizou
Ousou dizer que aqui surgiria o ser do amor
Ser superior, da paixão, da emoção, da canção
Terra do samba sim e do eterno perdão!
Maiakowski ouviu
A sereia do mar
Lhe falar de um gentil
De um povo mais feliz
Que habita esse lugar!
Esta terra do sol
Esta serra do mar
Esta terra Brasil
Sob este céu de anil
Sob a luz do luar!
© Gege Edições (Brasil e América do Sul) / Preta Music (Resto do Mundo)
(Blog do Nassif)
terça-feira, 5 de junho de 2012
Assange
unes, 4 de junio de 2012
Wikileaks, crímenes de guerra y el principio Pinochet
Amy Goodman (DEMOCRACY NOW!)
Esta semana, los esfuerzos realizados por el fundador de Wikileaks, Julian Assange, para evitar su extradición a Suecia recibieron un duro revés. La Corte Suprema de Gran Bretaña ratificó la orden de detención que había sido dictada en su contra en diciembre de 2010. Tras anunciar una decisión dividida de 5 contra 2, los magistrados sorprendieron a muchos especialistas en cuestiones jurídicas al otorgar a Assange la posibilidad de apelar su fallo.
Es la primera vez que la Corte Suprema de Gran Bretaña otorga la posibilidad de reconsiderar un fallo en más de diez años. El último precedente es el famoso juicio de extradición del ex-dictador chileno, Augusto Pinochet. El fallo contra Assange fue dictado a pocos días de que se cumplan dos años del arresto del soldado Bradley Manning en Irak, por haber presuntamente filtrado a Wikileaks miles de documentos confidenciales del gobierno estadounidense. Ambos casos nos sirven para recordar que, en la mayoría de los casos, mientras los denunciantes sufren, los criminales de guerra se salen con la suya.
Assange no ha sido formalmente acusado de cometer ningún delito, y, sin embargo, ha permanecido en arresto domiciliario desde que hace casi dos años Suecia emitiera una “Orden de Detención Europea”. Es importante resaltar que la orden de detención por cargos de violación, coerción ilegal y acoso sexual no fue emitida por un juez sino por un fiscal que busca interrogar a Assange en Suecia. Por su parte, Assange ofreció reunirse con las autoridades suecas en su embajada de Londres o en Scotland Yard, pero la propuesta fue rechazada.
Assange y sus simpatizantes sostienen que la orden de detención forma parte de un intento del gobierno estadounidense para encarcelarlo, o incluso ejecutarlo, y dar de baja su sitio de denuncias. En abril de 2010, Wikileaks difundió un video del ejército estadounidense con el nombre de “Asesinato colateral”, en el que se muestra cómo un helicóptero Apache mata a por lo menos 12 civiles iraquíes, entre los que se encontraban un camarógrafo de Reuters y su chofer.
En julio de 2010, Wikileaks difundió los llamados Diarios de la Guerra de Afganistán: miles y miles de comunicaciones secretas del ejército estadounidense que exponen el registro oficial de la violenta ocupación de Afganistán, la cantidad de víctimas civiles y hechos que podrían ser catalogados como crímenes de guerra. Pocas semanas después, las autoridades suecas emitieron la orden de detención.
Hay tantas personalidades públicas estadounidenses que han llamado a asesinar a Assange que se creó un sitio web para catalogar las amenazas. El ex gobernador del estado de Arkansas, candidato a la presidencia y comentador de Fox News, Mike Huckabee, afirmó: “Me parece que cualquier castigo inferior a la ejecución sería una pena muy ligera.” Asimismo, el prominente conservador Bill Kristol declaró: “¿Por qué no hacer uso de nuestros diversos recursos para hostigar, secuestrar o neutralizar a Julian Assange y a sus colaboradores, donde sea que estén?”
Las amenazas de muerte proferidas por ideólogos de la derecha son una cosa. Sin embargo, lo que más preocupa a Assange de su extradición a Suecia es que ello pueda derivar en una extradición a Estados Unidos. Wikileaks también difundió lo que denominó los “Archivos de inteligencia global”, un paquete de cinco millones de correos electrónicos de una empresa privada de inteligencia a nivel mundial llamada Stratfor, cuyas oficinas se encuentran en Austin, Texas. El 26 de enero de 2011, el vice-presidente de inteligencia de la empresa, Fred Burton, escribió en un correo electrónico: “No publicar. Tenemos un auto de procesamiento secreto contra Assange. Por favor, proteger.” Si se ha dictado una orden de procesamiento en secreto, es posible que Assange sea puesto en custodia de Estados Unidos poco después de aterrizar en Suecia. En ese caso, se podrían presentar cargos contra él por espionaje (el gobierno de Obama ha invocado la ley en más ocasiones que todos los demás gobiernos anteriores juntos), lo cual podría conducir a una cadena perpetua o a la pena de muerte.
En el Reino Unido siempre se evalúan cuidadosamente las solicitudes de extradición. Prueba de ello fue la celebre cruzada del juez Baltasar Garzón con miras a procesar al ex-dictador chileno, Augusto Pinochet, por los casos de tortura cometidos durante su gobierno, entre 1973 y 1990. En base a la orden de procesamiento de Garzón, Pinochet fue arrestado durante un viaje a Londres, en 1998. Después de 16 meses de audiencias, los tribunales británicos finalmente decidieron que Pinochet podría ser extraditado a España. Tras la resolución, el gobierno británico intervino y anuló la sentencia, permitiendo a Pinochet que volviera a Chile.
Garzón es famoso por defender casos relacionados a los derechos humanos en todo el mundo siguiendo el principio de jurisdicción universal, lo cual lo llevó a procesar a Osama bin Laden por los ataques del 11 de septiembre y a investigar las denuncias de abusos contra los prisioneros de la prisión estadounidense de la Bahía de Guantánamo. Cuando Garzón inició sus investigaciones sobre los abusos cometidos durante el gobierno fascista del General Francisco Franco, quien mantuvo el poder en España durante 40 años, la derecha española inició una ofensiva en contra del juez. A principios de 2012, Garzón fue inhabilitado, hecho que puso fin a su carrera en la magistratura.
Tanto el juez Garzón como Julian Assange se enfrentaron a poderes bien afianzados, ya sea que se trate del gobierno, del ejército o de las empresas. Bradley Manning está siendo acusado por las mismas razones. Sus vidas han cambiado, en diferentes grados, para siempre. Su libertad, sus carreras y sus reputaciones han sido amenazadas o destruidas. Esta semana, Hillary Clinton hará la primera visita oficial estadounidense a Suecia en años. ¿Por qué? ¿Qué papel está jugando el gobierno estadounidense en el caso Assange? Los acontecimientos de esta semana están relacionados de manera crucial con el derecho de la población a la información y dan cuenta clara de por qué los que denuncian las prácticas ilegítimas deben ser protegidos por la ley.
Denis Moynihan colaboró en la producción periodística de esta columna.
Texto en inglés traducido por Diego Guzmán. Edición: María Eva Blotta y Democracy Now!.
Pessoa
Há doenças piores que as doenças
Há doenças piores que as doenças,
Há dores que não doem, nem na alma
Mas que são dolorosas mais que as outras.
Há angústias sonhadas mais reais
Que as que a vida nos traz, há sensações
Sentidas só com imaginá-las
Que são mais nossas do que a própria vida.
Há tanta coisa que, sem existir,
Existe, existe demoradamente,
E demoradamente é nossa e nós...
Por sobre o verde turvo do amplo rio
Os circunflexos brancos das gaivotas...
Por sobre a alma o adejar inútil
Do que não foi, nem pôde ser, e é tudo.
Dá-me mais vinho, porque a vida é nada.
Fernando Pessoa
(1888-1935)
(Poemblog)
Pré-sal
'Pré-sal pode ser bênção, mas também é maldição'
Alfredo Sirkis, deputado federal - PV-RJ, vê riscos de retrocesso da agenda ambiental do País e propõe que Rio+20 aprove 'New Deal verde'.
A entrevista é de Lourival Sant'Anna e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 03-06-2012.
Eis a entrevista.
Já existe a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, que tem uma rotina de reuniões anuais. Por que vocês consideram importante trazer a discussão da mudança climática para a Rio+20?
Eu acho que seria grave se, durante a Rio+20, não se tocasse na questão do clima. Os dois temas oficiais da reunião da ONU são economia verde e governança. Os dois têm interfaces importantes com o clima. A economia verde não pode ser discutida fora do contexto do que seria uma economia de baixo carbono. No tema da governança internacional, que eu temo que não vá avançar praticamente nada, a principal estrutura que existe é a das Nações Unidas vinculada à Convenção do Clima, que foi aprovada inicialmente na Rio-92. Pretendemos fazer recomendações, pelo menos no tocante à economia verde, para a reunião de chefes de Estado.
Que tipo de recomendações?
Em relação à Rio+20, estamos discutindo quatro pontos. Um é a necessidade de se mudar o PIB como grande referencial de desenvolvimento, incorporando a ele variáveis ambientais e sociais e corrigindo certas deformações. Contribuem para elevar o PIB acidentes de trânsito, desmatamento, destruições ambientais, derramamento de petróleo. Um segundo ponto é a necessidade de um "New Deal" verde planetário, ou seja, um grande investimento público, dos governos e dos organismos multilaterais, na pesquisa de inovação tecnológica em energias limpas - algo da magnitude da corrida espacial dos anos 60 ou mesmo de uma corrida armamentista. Por outro lado, a atividade de recomposição do meio ambiente destruído - reflorestamento e grandes projetos desse tipo, que ao mesmo tempo geram emprego e contribuem para a absorção do carbono. E investimento em saneamento, habitação, etc. O terceiro ponto seria substituir os tributos ambientalmente regressivos por uma forma de tributação que leve em conta a intensidade de (emissão de) carbono. O último é a atribuição de valor econômico a serviços prestados por ecossistemas. Fora isso, você tem toda a agenda especificamente ligada ao clima.
Como é essa agenda?
Haverá quatro grupos de estudo: mitigação (redução de emissão), financiamento da economia de baixo carbono, adaptação e uma métrica unificada para metas nacionais de redução de (emissão de) carbono. Esses grupos vão trabalhar em cima de técnicas de construção de cenários. No caso da mitigação, o objetivo é manter a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera abaixo de 450 ppm (partes por milhão) e a temperatura média do planeta abaixo de um aumento de 2°C neste século. O grupo de financiamento discutirá uma forma de financiar a adaptação, de compartilhar dessa despesa. Outro aspecto desse grupo de financiamento é a discussão de uma espécie de Bretton Woods do baixo carbono: como formatar as suas instituições e produtos financeiros para poder lastrear uma economia de baixo carbono, para atrair esses trilhões que estão em capital especulativo pelo mundo afora.
E o grupo de adaptação?
Como é um tema vasto e diversificado, pensamos em focar em dois aspectos primordiais: a segurança alimentar e as águas. Nos cenários que estão sendo cogitados, se não houver mudanças importantes, a temperatura média subirá de 4,5°C a 5°C até o fim do século. Isso tem uma implicação dramática para a produção de alimentos em uma série de regiões do mundo. A desertificação e a escassez de água hoje já são um problema. Com o aumento da temperatura, vai ser um problema dez vezes maior. Há a elevação dos níveis dos oceanos, as enchentes.
Por que o sr. está pessimista em relação à governança?
Sou favorável a uma Organização Mundial da Sustentabilidade e do Meio Ambiente, com poderes análogos aos da Organização Mundial do Comércio, que são de poderes de fato de governança supranacional. Mas vejo o momento muito desfavorável a esse tipo de avanço. O que se começou a discutir, mas também não avançou, é o Pnuma (programa da ONU para meio ambiente) ser transformado em agência.
O Brasil não é favorável a isso, não é?
O Brasil está jogando na retranca. O momento não é favorável por causa da zona do euro, que é exemplo de governança supranacional avançada e que nesse momento está em crise. Por outro lado, na campanha eleitoral americana, o Partido Republicano alimenta a paranoia de que as Nações Unidas querem dominar os Estados Unidos. Então, qualquer aceitação por parte dos EUA de governança supranacional tem implicações eleitorais.
E o Brasil tem receio de uma regulação que alie a questão ambiental com a comercial e o protecionismo?
Sim, o Itamaraty há muito tempo vocaliza preocupações de que determinado arcabouço de governança supranacional e metas obrigatórias e critérios impostos possam ser usados por países do Norte numa disputa comercial. Não excluo que isso possa acontecer topicamente numa outra situação. Mas transformar isso no eixo da discussão é focar na árvore e esquecer a floresta.
O Brasil procura se projetar com suas credenciais ambientais. Há o uso de fontes renováveis de energia, de um lado, e o investimento no pré-sal, de outro. Qual o balanço entre essas duas dinâmicas?
Em terra de cego, quem tem um olho é rei. O Brasil está bem na fita, por força de sua matriz energética limpa; de uma conquista importante, que foi a redução do desmatamento na Amazônia na última década; e de ter assumido em Copenhague (em 2009) metas de redução (de emissão de gases). Agora, no horizonte do Brasil perfilam-se riscos de retrocesso. Eu fico muito preocupado com térmicas a carvão que estão sendo construídas apenas para rentabilizar negócios de exportação de minérios. Para os navios não voltarem vazios, voltam com carvão a baixíssimo custo, usado nas térmicas. A simples operação do pré-sal já implica significativo aumento de emissões. É fundamental que uma parte do produto do pré-sal vá para investimento em energias limpas: eólica, solar e geotérmica. O pré-sal tem de ser visto como uma transição. O governo parece ver o pré-sal como uma bênção. Mas ele é ao mesmo tempo uma maldição.
(I.H.U.)
segunda-feira, 4 de junho de 2012
Imprensa
Imprensa e democracia
Está na história: assim como a imprensa pode tirar a Constituição do papel, tira também o papel da Constituição, na sociedade e no país. A força agitadora para a preparação do golpe de 64 foi a imprensa. Com agitação diuturna.
Por Jânio de Freitas*, na Folha de S. Paulo de 3 de Junho de 2012
Já que o ministro Carlos Ayres Britto é do Supremo Tribunal Federal, mas não se sente sob perseguições, e muito menos imagina que queiram “destruí-lo”, acredito não haver risco em negar a ideia que faz da imprensa. E nela, sobretudo, da relação entre imprensa e democracia.
O ministro falou no 5º Congresso Brasileiro da Indústria de Comunicação, no qual também esteve o bispo Desmond Tutu. Foi o presidente da Comissão da Verdade e Reconciliação criada na África do Sul, em 1995, por Nelson Mandela.
Espera da nossa Comissão da Verdade que busque “curar as feridas de uma nação traumatizada”. A idade não lhe diminuiu a percepção nem a determinação de dizer as palavras adequadas.
Em seu tema, o ministro Ayres Britto não se limitou à esperança. Tem a convicção de que “a metáfora de que a imprensa e a democracia são irmãs siamesas não é exagerada. É, de fato, um vínculo umbilical, a ponto de que, se for cortado esse cordão, é a morte das duas -da imprensa e da democracia”.
A relação siamesa entre imprensa e democracia não se ajusta, no entanto, aos 21 anos brasileiros entre 1964 e 1985, por exemplo.
Não só ao decorrer do período, mas também àquilo mesmo que lhe deu origem.
Durante os 21 anos sem nem sequer os seus mínimos componentes da democracia, a imprensa brasileira (vamos englobar assim jornais, TV, revistas e rádio) teve lucros e outros enriquecimentos maiores, muito maiores, do que em qualquer fase anterior na sua história.
A par desse benefício generalizado, quanto mais próximo e a serviço do regime antidemocrático, maior a compensação.
Tanto a proporcionada diretamente ou indiretamente por ligação ao poder, como pela preferência publicitária por meios de comunicação identificados com o regime. Do qual a publicidade foi instrumento fundamental, talvez decisivo.
Mais importante jornal em todos aqueles anos, o “Jornal do Brasil”, como principal órgão criador de opinião pró iniciativas do regime (“milagre brasileiro”, “Brasil grande”, a designação de “terroristas” para os oposicionistas, nem todos armados, e muito mais) proporcionou o exemplo definitivo da ligação ideológica-econômica dos meios de comunicação com a antidemocracia.
Habituara-se tanto aos ganhos estupendos e fáceis com sua posição, que, vinda a democracia, foi rápido para o colapso. Não o único a seguir tal percurso.
“A censura à imprensa teve duração pequena” -é uma afirmação muito repetida sob variadas formas. E inverdadeira.
Todo o período ditatorial foi atravessado por uma modalidade de censura sem evidência pública: o afastamento, impositivo sobre as direções ou proprietários, de jornalistas profissionais.
A base da convicção “siamesa” de Ayres Britto está na ideia de que, “por ser a instância que oferta à população uma alternativa, uma explicação diferente da que o governo dá aos fatos, a imprensa tira a Constituição do papel, vitaliza a Constituição”.
Está na história: assim como a imprensa pode tirar a Constituição do papel, tira também o papel da Constituição, na sociedade e no país. A força agitadora para a preparação do golpe de 64 foi a imprensa. Com agitação diuturna.
Todos os demais agentes foram insignificantes em comparação com a imprensa, e dependentes dela. Quando ganharam significação, já a imprensa e o golpismo estavam muito à sua frente, vindo apenas a aproveitar, para a consumação do seu propósito, os múltiplos e estimulantes erros da chamada “esquerda”.
A Constituição vigente até 64 foi rasgada, muito antes, pela imprensa. A pregação de Carlos Lacerda, de brilho incomum, afrontava a democracia e, pelas leis de então, como seria pelas atuais, era crime indiscutível contra a Constituição já desde os primeiros anos 50.
E seus seguidores, só por sê-lo, puderam multiplicar a ação agitadora em jornais, TV, rádio e Forças Armadas tão sem incômodo quanto seu líder.
Se há siameses na relação de imprensa e democracia, então são trigêmeas. A imprensa tem, de um lado, a democracia e, de outro, o regime de prepotência. O que vier estará bom. E exceção na imprensa, se houver, não passa de exceção.
*Jânio de Freitas é jornalista.
(QTMD)
Argentina
Argentina: o que há por trás de um jornal chamado Clarín (II)
"Até hoje lembro os rostos de meus torturadores. Porém, nenhum desses rostos, nenhum desses olhares, me persegue e amedronta mais em meus pesadelos que o olhar de Héctor Magnetto me dizendo que ou assinava a venda de Papel Prensa, ou eu e minha filha seríamos mortas", relatou Lidia Papaleo, viúva de David Graiver, ex-proprietário de Papel Prensa, diante de um tribunal. Héctor Magnetto era e continua sendo o principal executivo do grupo Clarín. O artigo é de Eric Nepomuceno.
Eric Nepomuceno, de Buenos Aires
Na América Latina, não é nada incomum – aliás, muito pelo contrário – que, durante regimes de exceção, que é como os delicados de vocabulário e os débeis de caráter chamam as ditaduras, grandes conglomerados de comunicações tenham surgido, se consolidado e se transformado em impérios.
É curioso reparar como a forma em que esses grupos e organizações foram criados corresponde a uma clara divisão do mercado, cuidando sempre de reservar espaço para que atuem, na prática, como monopólios. Assim, passam a impor suas vontades e suas visões do mundo, que no fundo são o eco exato do que dita a voz do poder econômico. Dizem não depender do governo, o que, a propósito, é mentira. Nada dizem de sua dependência vital, direta, do poder econômico, sua verdadeira verdade.
Observar essa espécie de fenômeno comum às nossas comarcas mostra a clara existência de um modelo, implantado aqui e acolá com leves variações, mas sempre ao redor do mesmo mecanismo.
Por trás da furiosa oposição que o grupo Clarín faz ao governo de Cristina Fernández de Kirchner existe uma história linear, típica desse mecanismo.
O grupo apoiou sem pejos uma ditadura espúria, com todos os ingredientes comuns às nossas comarcas (favorecimento do poder econômico à custa do atropelo dos direitos civis mais elementares, sedução e cumplicidade de parcelas das classes médias, omissão diante da atuação brutal dos agentes encarregados de impor o terrorismo de Estado, através de prisões ilegais, torturas, assassinatos e desaparecimentos de opositores). Nesse período, se fortaleceu enormemente.
Assim, o retorno da democracia encontrou o grupo consolidado, e oscilando levemente ao sabor dos novos ares. Soube ser crítico na medida exata – medida limite – durante todos os governos seguintes, observando sempre que não fossem tocados de forma direta seus interesses (ou seja, os do poder econômico preponderante, o interno e o externo) e que as manchas do passado não fossem trazidas à luz do sol.
Até que tropeçou com um governo de outra tintura, que resolveu correr o risco de enfrentar os tais interesses e atiçar o passado. A crescente polarização que a Argentina vive nos últimos anos não faz mais que fortalecer esse embate.
O espaço para a crítica clara e frontal – e o governo de Cristina Kirchner merece e deve ser criticado em copiosos aspectos – perdeu lugar para a confrontação aberta, sem regras e princípios. A manipulação e a distorção de fatos e informações passaram a ser o pão de cada dia.
Acontece que, muitas vezes, não basta com ocultar ou sabotar informação. A vida tem seus próprios caminhos, e esses caminhos frequentemente escapam do controle dos que se acreditam capazes de controlar a própria realidade.
Agora mesmo tornou a saltar ao sol uma das fontes de tamanha fúria, um dos grandes nós desta questão: o passado do Clarín. Trata-se de uma série de revelações que o jornal já não consegue mais tapar.
Dia desses, e uma vez mais, Lidia Papaleo, viúva de David Graiver, falou. Agora, diante de um tribunal. E tornou a repetir, com mais detalhes que antes, o que viveu depois da misteriosa morte do marido no México, em agosto de 1976 (a ditadura de Videla tinha escassos cinco meses de vida), num desastre de avião jamais explicado.
Agora, e de novo, ela contou, com todas as letras, como foi coagida a vender ao Clarín as ações com que Graiver, um financistas astuto e brilhante, controlava a Papel Prensa, única fornecedora e distribuidora de papel-jornal no país.
Contou como foi presa depois – depois – de ter fechado o negócio. Os compradores foram o desaparecido jornal ‘La Razón’, o ‘La Nación’, e, levando a maior parte, o ‘Clarín’.
A certa altura de seu depoimento, Lidia Papaleo contou das sevícias que padeceu. Muitas vezes, depois de vexada, era largada estendida no chão da cela ou da sala de tormento. ‘E então eles vinham e cuspiam e ejaculavam em cima de mim’, contou ela.
Antes que o juiz interrompesse a sessão para que o público abandonasse o recinto e ela pudesse continuar com seu rosário de horrores, Lidia disse:
– Até hoje lembro os rostos de meus torturadores. Porém, nenhum desses rostos, nenhum desses olhares, me persegue e amedronta mais em meus pesadelos que o olhar de Héctor Magnetto me dizendo que ou assinava a venda de Papel Prensa, ou eu e minha filha seríamos mortas.
Pois bem: Héctor Magnetto era e continua sendo o principal executivo do grupo Clarín. Foi quem, naquele distante 1976, e antes do sequestro e das torturas de Lidia Papaleo, se reuniu com ela, e foi diante dele que ela capitulou.
Meses depois, assim que a transação foi sacramentada, Lidia acabou sendo levada para os calabouços do horror. Por quê não a prenderam antes? Por uma questão legal: havia uma lei que passava diretamente às mãos do Estado as propriedades dos subversivos presos. E a ditadura não queria se apoderar da fábrica Papel Prensa: queria compensar os bons serviços prestados ao regime pelos três jornais contemplados.
Por quê a prenderam? Por achar que havia mais patrimônio a ser espoliado. E porque era mulher, tinha sido casada com um financista acusado de cuidar do dinheiro dos Montoneros e, enfim, porque prender, violar e vexar era parte da rotina do sistema que compensou o silêncio cúmplice e interessado dos Magnettos da vida.
Assim começou a fortaleza e o império do grupo Clarín. Depois vieram as concessões de rádio e televisão em cascata, depois veio todo o resto.
Essa a história que há por trás da história. Os mesmos métodos aplicados contra Lidia Papaleo continuam sendo aplicados no dia-a-dia do grupo.
Nisso, pelo menos, há que se reconhecer uma consistente coerência: os que controlam o grupo Clarín jamais deixaram de ser o que foram. Continuam agindo como agiram, e cuidando, sempre, de jamais se aproximar da perigosa linha que marca o início de um território que desconhecem, chamado dignidade.
(Carta Maior)
Assinar:
Comentários (Atom)