A resposta já sabemos: Yoani não passa de uma traidora, mercenária patrocinada pela CIA!!!!
Yoani Sánchez: blogueira ou mercenária?
Por Altamiro Borges
Nas vésperas da visita da presidenta Dilma Rousseff a Cuba, a mídia colonizada tem feito grande alarde em torno do nome da blogueira cubana Yoani Sánchez. Ela é apresentada como uma “jornalista independente”, que mantém um blog com milhões de acessos e que enfrenta, com muitas dificuldades materiais, a “tirania comunista”, que a persegue e censura.
Na busca pelo holofote midiático, líderes demotucanos e, lamentavelmente, o senador petista Eduardo Suplicy têm posado de defensores da blogueira. Eles se juntaram para pressionar o governo a conceder visto para que Yoani venha ao Brasil assistir a pré-estréia do filme “Conexões Cuba-Honduras”, do documentarista Dado Galvão – que, por mera coincidência, é membro-convidado e articulista do Instituto Millenium, o antro da direita que reúne os barões da mídia nativa.
A falsa “jornalista independente”
Mas, afinal, quem é Yoani Sánchez? Em primeiro lugar, ela não tem nada de “jornalista independente”. Seus vínculos com o governo dos EUA, que mantém um “escritório de interesses” em Havana (Sina), são amplamente conhecidos. O Wikileaks já vazou 11 documentos da diplomacia ianque que registram as reuniões da “dissidente” com os “agentes” da Sina desde 2008.
Num deles, datado de 9 de abril de 2009, o chefe da Sina, Jonathan Farrar, escreveu ao Departamento de Estado: “Pensamos que a jovem geração de dissidentes não tradicionais, como Yoani Sánchez, pode desempenhar papel a longo prazo em Cuba pós-Castro”. Ele ainda aconselha o governo dos EUA a aumentar os subsídios financeiros à blogueira “independente”.
Subsídios e “prêmios” internacionais
Anualmente, o Departamento de Estado destina cerca de 20 milhões de dólares para incentivar a subversão contra o governo cubano. Nos últimos anos, boa parte deste “subsídio” é usada para apoiar “líderes” nas redes sociais. A própria blogueira já confessou que recebe ajuda. “Os Estados Unidos desejam uma mudança em Cuba, é o que eu desejo também”, tentou justificar numa entrevista ao jornalista francês Salim Lamrani.
Neste sentido, não dá para afirmar que Yoani Sánchez padece de enormes dificuldades na ilha – outra mentira difundida pela mídia colonizada. Pelo contrário, ela é uma privilegiada num país com tantas dificuldades econômicas. Além do subsídio do império, a blogueira também recebe fortunas de prêmios internacionais que lhe são concedidos por entidades internacionais declaradamente anticubanas. Nos últimos três anos, ela foi agraciada com US$ 200 mil dólares de instituições do exterior.
O falso prestígio da blogueira
Na maioria, os prêmios são concedidos com a justificativa de que Yoani é uma das blogueiras mais famosas do planeta, com milhões de acesso, e uma “intelectual” de prestígio. Outra bravata divulgada pela mídia colonizada. Uma rápida pesquisa no Alexa, que ranqueia a internet no mundo, confirma que seu blog não é tão influente assim, apesar da sua farta publicidade na mídia e dos enormes recursos técnicos de que dispõe – inclusive com a estranha tradução “voluntária” para 21 idiomas.
Quanto ao título de “intelectual” e principal dissidente de Cuba, a própria Sina realizou pesquisa que desmonta a tese usada para projetar a blogueira. Ela constatou que o opositor mais conhecido na ilha é o sanguinário terrorista Pousada Carriles. Yoani só é citada por 2% dos entrevistados – ela é uma desconhecida, uma falsa líder, abanada com propósitos sinistros.
O “ciberbestiário” de Yoani Sánchez
A “ilustre” blogueira, inclusive, é motivo de chacota pelas besteiras que publica e declara em entrevistas à mídia estrangeira. Vale citar algumas que já compõem o “ciberbestiário” de Yoani Sánchez:
- [Sobre a Lei de Ajuste Cubano, imposta pelos EUA para desestabilizar a economia cubana, ela afirmou que não prejudica o povo] porque nossas relações são fortes. Se joga o beisebol em Cuba como nos Estados Unidos;
- Privatizar, não gosto do termo porque tem uma conotação pejorativa, mas colocar em mãos privadas, sim.
- Não diria que [os chefões da máfia anticubana de Miami, sic] são inimigos da pátria;
- Estas pessoas que são favoráveis às sanções econômicas [dos EUA contra Cuba] não são anticubanas. Penso que defendem Cuba segundo seus próprios critérios;
- [A luta pela libertação dos cinco presos nos Estados Unidos] não é um tema que interessa à população. É propaganda política;
- [A ação terrorista de Posada Carriles contra Cuba] é um tema político que as pessoas não estão interessadas. É uma cortina de fumaça;
- [Mas os EUA já invadiram Cuba, pergunta o jornalista] Quando?;
- O regime [de Fulgencio Batista, que assassinou 20 mil cubanos] era uma ditadura, mas havia liberdade de imprensa plural e aberta;
- Cuba é uma ilha sui generis. Podemos criar um capitalismo sui generis.
Mentiras sobre censura e perseguição
Por último, vale rechaçar a mentira midiática de que Yoani Sánchez é censurada e http://t1.gstatic.com/images?q=tbn%3AANd9GcTQcvTOBX3EAgtB7yCdC3r_6LHLRQYcgrcBWTjTBtF9TEUqS6sHperseguida em Cuba. Participei no final de novembro de um seminário internacional sobre “mídias alternativas e as redes sociais” em Havana e acessei facilmente o seu blog. Segundo o governo cubano, nunca houve qualquer tipo de bloqueio à página da “jornalista independente”.
Quanto às perseguições sofridas, Yoani Sánchez tem se mostrado uma mentirosa compulsiva e cínica. Em 6 de novembro de 2009, ela afirmou à imprensa internacional que havia sido presa e espancada pela polícia em Havana, “numa tarde de golpes, gritos e insultos”. Em 8 de novembro, ela recebeu jornalistas em sua casa para mostrar as marcas das agressões. “Mas ela não tinha hematomas, marcas ou cicatrizes”, afirmou, surpreso, o correspondente da BBC em Havana, Fernando Ravsberg.
O diário La República, da Espanha, publicou um vídeo com testemunhos dos médicos que atenderam Yoani um dia após a suposta agressão. Os três especialistas disseram que ela não tinha nenhuma marca de violência. Diante dos questionamentos, ela prometeu apresentar fotos e vídeos sobre os ataques. Mas até hoje não apresentou qualquer prova. Postado por Miro às 15:35
terça-feira, 31 de janeiro de 2012
W. Allen
A graça de Woody Allen
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admin
– 30/06/2011Posted in: Posts
Meia-noite em Paris nos conduz a mundo de fantasia, cores esmaecidas-aconchegantes, sépia substituindo cinza, Cole Porter e bandas dixieland
Por José Geraldo Couto, editor do Blog do Zé Geraldo
A melhor definição de Woody Allen que eu li nos últimos tempos foi dada pelo amigo jornalista Márvio dos Anjos no Facebook: “Na categoria meio-médio-ligeiro, ele é campeão do mundo”.
Meia-noite em Paris é a comprovação disso. Resumindo drasticamente as coisas, no filme há um jovem casal americano em Paris; ele é escritor e tem uma visão romântica da criação artística; ela é patricinha e pragmática como o pai capitalista e só vê a arte como um verniz que não difere muito das roupas e jóias que consome.
Lá pelas tantas (meia-noite em Paris), o rapaz viaja fantasticamente aos anos 20, encontrando figuras carimbadas da vida parisiense da época: Hemingway, Fitzgerald, Picasso, Gertrud Stein…
Pílulas de conhecimento
Essa mudança de dimensão (temporal, no caso) não deixa de lembrar a passagem da tela de cinema para a “realidade” – e vice-versa – de A rosa púrpura do Cairo, outro sucesso de público do cineasta. Fechemos o parêntese.
O fato é que, para tornar o protagonista mais simpático aos olhos da plateia, Allen o contrapõe a um intelectual pedante (personagem recorrente em seus filmes), que lança mão de pílulas de conhecimento para se passar por culto.
Só que, reparando bem, isso não é muito diferente do que o próprio cineasta faz em seu filme. As noitadas secretas do protagonista no passado são pouco mais do que um encadeamento de clichês sobre os personagens históricos em questão: Zelda Fitzgerald sempre bêbada, Hemingway falando de boxe e coragem e indo caçar antílopes na África, Dali às voltas com imagens de rinocerontes etc.
A diferença é que, ao contrário do chato de galochas que fascina a noiva do protagonista com seu falatório pseudoculto, Woody Allen faz o seu número com graça e leveza. E insere entre os clichês algumas variações e piadas muito boas, como a do escritor do nosso tempo sugerindo ao jovem Buñuel que faça um filme sobre um grupo de pessoas que não consegue sair de uma casa (o tema de Anjo Exterminador). O engraçado da história é a reação de Buñuel, que não entende o sentido daquilo e faz uma objeção que só os críticos mais obtusos fariam, décadas depois, a sua obra-prima: “Mas por que eles não saem simplesmente pela porta aberta?”
A cena me lembrou uma passagem análoga de Peggy Sue (o De volta para o futuro de Francis Coppola) em que Peggy (Katlhleen Turner), retornada à juventude, “sopra” a seu namorado roqueiro (Nicholas Cage) a letra e a música de She loves you, dos Beatles, como receita para o sucesso. Só que ele é um palerma tão completo que muda o refrão, de She loves you, yeah, yeah, yeah para um insosso She loves you, you, you. No cinema americano, mesmo no cinema “de autor”, nada se cria, tudo se recicla.
Velho encanto hollywoodiano
O que torna irresistível o encanto desses filmes agridoces do diretor, com seu mood “allegro non troppo”, não é a exibição superficial de cultura, nem a filosofia meio de auto-ajuda que se depreende deles (no caso deste: “o passado sempre nos parece dourado porque não somos capazes de ver a poesia que nos cerca no presente”, ou algo do tipo). O que torna Woody Allen campeão do mundo é a leveza, a elegância e a sem-cerimônia com que nos leva pela mão a um mundo de fantasia, de cores esmaecidas e aconchegantes, em que o cinza cede lugar ao sépia, ao som de Cole Porter e banjos de bandas dixieland. Assim qualquer época da história fica dourada.
Falta amadurecer esta ideia, mas desconfio que, ao fim de tantos desvios aparentes, Woody Allen retorna sempre ao seio materno de Hollywood e das fábulas contadas desde que o mundo é mundo, ao persistente mecanismo de identificação e projeção que nos lança por um par de horas no interior da tela, ligeiramente estupefatos, mas crédulos. É, em suma, um entertainer, um contador de histórias e um ilusionista.
Que esta sua arte superficial e ligeira – e até fajuta, se quiserem – siga nos embalando por muito tempo ainda.
–
José Gerado Couto é crítico de cinema e tradutor. Escreve suas criticas hoje em seu próprio blog e na revista Carta Capital
(Outras Palavras)
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admin
– 30/06/2011Posted in: Posts
Meia-noite em Paris nos conduz a mundo de fantasia, cores esmaecidas-aconchegantes, sépia substituindo cinza, Cole Porter e bandas dixieland
Por José Geraldo Couto, editor do Blog do Zé Geraldo
A melhor definição de Woody Allen que eu li nos últimos tempos foi dada pelo amigo jornalista Márvio dos Anjos no Facebook: “Na categoria meio-médio-ligeiro, ele é campeão do mundo”.
Meia-noite em Paris é a comprovação disso. Resumindo drasticamente as coisas, no filme há um jovem casal americano em Paris; ele é escritor e tem uma visão romântica da criação artística; ela é patricinha e pragmática como o pai capitalista e só vê a arte como um verniz que não difere muito das roupas e jóias que consome.
Lá pelas tantas (meia-noite em Paris), o rapaz viaja fantasticamente aos anos 20, encontrando figuras carimbadas da vida parisiense da época: Hemingway, Fitzgerald, Picasso, Gertrud Stein…
Pílulas de conhecimento
Essa mudança de dimensão (temporal, no caso) não deixa de lembrar a passagem da tela de cinema para a “realidade” – e vice-versa – de A rosa púrpura do Cairo, outro sucesso de público do cineasta. Fechemos o parêntese.
O fato é que, para tornar o protagonista mais simpático aos olhos da plateia, Allen o contrapõe a um intelectual pedante (personagem recorrente em seus filmes), que lança mão de pílulas de conhecimento para se passar por culto.
Só que, reparando bem, isso não é muito diferente do que o próprio cineasta faz em seu filme. As noitadas secretas do protagonista no passado são pouco mais do que um encadeamento de clichês sobre os personagens históricos em questão: Zelda Fitzgerald sempre bêbada, Hemingway falando de boxe e coragem e indo caçar antílopes na África, Dali às voltas com imagens de rinocerontes etc.
A diferença é que, ao contrário do chato de galochas que fascina a noiva do protagonista com seu falatório pseudoculto, Woody Allen faz o seu número com graça e leveza. E insere entre os clichês algumas variações e piadas muito boas, como a do escritor do nosso tempo sugerindo ao jovem Buñuel que faça um filme sobre um grupo de pessoas que não consegue sair de uma casa (o tema de Anjo Exterminador). O engraçado da história é a reação de Buñuel, que não entende o sentido daquilo e faz uma objeção que só os críticos mais obtusos fariam, décadas depois, a sua obra-prima: “Mas por que eles não saem simplesmente pela porta aberta?”
A cena me lembrou uma passagem análoga de Peggy Sue (o De volta para o futuro de Francis Coppola) em que Peggy (Katlhleen Turner), retornada à juventude, “sopra” a seu namorado roqueiro (Nicholas Cage) a letra e a música de She loves you, dos Beatles, como receita para o sucesso. Só que ele é um palerma tão completo que muda o refrão, de She loves you, yeah, yeah, yeah para um insosso She loves you, you, you. No cinema americano, mesmo no cinema “de autor”, nada se cria, tudo se recicla.
Velho encanto hollywoodiano
O que torna irresistível o encanto desses filmes agridoces do diretor, com seu mood “allegro non troppo”, não é a exibição superficial de cultura, nem a filosofia meio de auto-ajuda que se depreende deles (no caso deste: “o passado sempre nos parece dourado porque não somos capazes de ver a poesia que nos cerca no presente”, ou algo do tipo). O que torna Woody Allen campeão do mundo é a leveza, a elegância e a sem-cerimônia com que nos leva pela mão a um mundo de fantasia, de cores esmaecidas e aconchegantes, em que o cinza cede lugar ao sépia, ao som de Cole Porter e banjos de bandas dixieland. Assim qualquer época da história fica dourada.
Falta amadurecer esta ideia, mas desconfio que, ao fim de tantos desvios aparentes, Woody Allen retorna sempre ao seio materno de Hollywood e das fábulas contadas desde que o mundo é mundo, ao persistente mecanismo de identificação e projeção que nos lança por um par de horas no interior da tela, ligeiramente estupefatos, mas crédulos. É, em suma, um entertainer, um contador de histórias e um ilusionista.
Que esta sua arte superficial e ligeira – e até fajuta, se quiserem – siga nos embalando por muito tempo ainda.
–
José Gerado Couto é crítico de cinema e tradutor. Escreve suas criticas hoje em seu próprio blog e na revista Carta Capital
(Outras Palavras)
Pensamentando
07/07/2011
A REBELIÃO DOS HOMENS
Imagine o leitor que em fevereiro de 1848 já houvesse a rede mundial de computadores. Vamos supor que, em lugar de imprimir os primeiros e poucos exemplares do Manifesto Comunista, Marx e Engels tivessem usado a internet, de forma a que todos os trabalhadores europeus e norte-americanos pudessem ler o texto. Qual teria sido o desenvolvimento do processo? Como sabemos, o ano de 1848 foi de rebeliões operárias na Europa, reprimidas com toda a violência.
O capitalismo selvagem de então, um dos filhos bastardos da Revolução Francesa, sentiu-se animado pela derrota dos trabalhadores. Na França a burguesia tomou conta do poder e, derrotada a monarquia, assumiu-o sem disfarces e sem intermediários, em um período que os historiadores denominam de “A República dos homens de negócios”. Os trabalhadores e intelectuais tentaram, mais tarde, em 1871, logo depois de a França ser derrotada pelos alemães, criar um governo autônomo e igualitário em Paris. Com a ajuda dos invasores, o Exército de Thiers executou 20.000 parisienses nas ruas.
As manifestações populares dos países árabes, que os governos e a imprensa dos Estados Unidos e da Europa saudaram como o fim dos tiranos e o início da democratização do mundo islâmico, entram em nova etapa, ao atingir os países ricos. Os analistas apressados são conduzidos a rever suas conclusões. O mal-estar que levou os povos às ruas não se limita ao norte da África: é fenômeno mundial. Uma das contradições do capitalismo, principalmente nessa nova etapa, a do imperialismo desembuçado, no qual os governos nacionais não passam de meros servidores dos donos do dinheiro, é a de sua incapacidade em estabelecer limites. Hoje, nos Estados Unidos – que foram, em um tempo, o espaço para a realização de milhões de pessoas mediante o trabalho – a diferença entre os ricos e os pobres é maior do que durante toda a sua História, incluído o tempo da escravidão. Um por cento da população norte-americana detém 40% de toda a riqueza nacional. A mesma situação se repete em quase todos os paises nórdicos.
Quando redigíamos este texto, milhares de pessoas se encontravam acampadas no centro de Madri, em continuidade ao movimento Democracia Real, Já, que se iniciou em 15 de maio, com protestos em todas as grandes cidades espanholas. A Espanha hoje está dominada pelos grandes banqueiros e companhias multinacionais, que não só exploram o trabalho nacional, como vivem de explorar os paises latino-americanos. Bancos como o Santander – cujos resultados mais expressivos ele os obtém no Brasil – dividem com os dois partidos que se revezam no poder (os socialistas e os conservadores) o resultado do assalto à economia do país. É contra esse sistema odioso que os espanhóis foram às ruas, e nas ruas continuam.
Não são apenas os jovens desempregados que se indignam. São principalmente as mulheres e homens maduros, os que estimulam o movimento. Eles sentem que seus filhos e netos estarão condenados a um futuro a cada dia mais tenebroso e mais violento, se os cidadãos não reagirem imediatamente. Os espanhóis estão promovendo a articulação internacional de movimentos semelhantes, que ocorrem em outros países, como a Islândia, a França, a Inglaterra e mesmo os Estados Unidos. Se o sistema financeiro se articulou, com o Consenso de Washington e os encontros periódicos entre os homens mais ricos do planeta, a fim de dominar e explorar globalmente os povos, é preciso que os cidadãos do mundo inteiro reajam.
Marx queria a união de todos os proletários do mundo. O movimento de hoje é mais amplo e seu lema poderia ser: Seres humanos do mundo inteiro, uni-vos.
Este texto foi publicado também no seguintes sites:
(De um emeio recebido)
A REBELIÃO DOS HOMENS
Imagine o leitor que em fevereiro de 1848 já houvesse a rede mundial de computadores. Vamos supor que, em lugar de imprimir os primeiros e poucos exemplares do Manifesto Comunista, Marx e Engels tivessem usado a internet, de forma a que todos os trabalhadores europeus e norte-americanos pudessem ler o texto. Qual teria sido o desenvolvimento do processo? Como sabemos, o ano de 1848 foi de rebeliões operárias na Europa, reprimidas com toda a violência.
O capitalismo selvagem de então, um dos filhos bastardos da Revolução Francesa, sentiu-se animado pela derrota dos trabalhadores. Na França a burguesia tomou conta do poder e, derrotada a monarquia, assumiu-o sem disfarces e sem intermediários, em um período que os historiadores denominam de “A República dos homens de negócios”. Os trabalhadores e intelectuais tentaram, mais tarde, em 1871, logo depois de a França ser derrotada pelos alemães, criar um governo autônomo e igualitário em Paris. Com a ajuda dos invasores, o Exército de Thiers executou 20.000 parisienses nas ruas.
As manifestações populares dos países árabes, que os governos e a imprensa dos Estados Unidos e da Europa saudaram como o fim dos tiranos e o início da democratização do mundo islâmico, entram em nova etapa, ao atingir os países ricos. Os analistas apressados são conduzidos a rever suas conclusões. O mal-estar que levou os povos às ruas não se limita ao norte da África: é fenômeno mundial. Uma das contradições do capitalismo, principalmente nessa nova etapa, a do imperialismo desembuçado, no qual os governos nacionais não passam de meros servidores dos donos do dinheiro, é a de sua incapacidade em estabelecer limites. Hoje, nos Estados Unidos – que foram, em um tempo, o espaço para a realização de milhões de pessoas mediante o trabalho – a diferença entre os ricos e os pobres é maior do que durante toda a sua História, incluído o tempo da escravidão. Um por cento da população norte-americana detém 40% de toda a riqueza nacional. A mesma situação se repete em quase todos os paises nórdicos.
Quando redigíamos este texto, milhares de pessoas se encontravam acampadas no centro de Madri, em continuidade ao movimento Democracia Real, Já, que se iniciou em 15 de maio, com protestos em todas as grandes cidades espanholas. A Espanha hoje está dominada pelos grandes banqueiros e companhias multinacionais, que não só exploram o trabalho nacional, como vivem de explorar os paises latino-americanos. Bancos como o Santander – cujos resultados mais expressivos ele os obtém no Brasil – dividem com os dois partidos que se revezam no poder (os socialistas e os conservadores) o resultado do assalto à economia do país. É contra esse sistema odioso que os espanhóis foram às ruas, e nas ruas continuam.
Não são apenas os jovens desempregados que se indignam. São principalmente as mulheres e homens maduros, os que estimulam o movimento. Eles sentem que seus filhos e netos estarão condenados a um futuro a cada dia mais tenebroso e mais violento, se os cidadãos não reagirem imediatamente. Os espanhóis estão promovendo a articulação internacional de movimentos semelhantes, que ocorrem em outros países, como a Islândia, a França, a Inglaterra e mesmo os Estados Unidos. Se o sistema financeiro se articulou, com o Consenso de Washington e os encontros periódicos entre os homens mais ricos do planeta, a fim de dominar e explorar globalmente os povos, é preciso que os cidadãos do mundo inteiro reajam.
Marx queria a união de todos os proletários do mundo. O movimento de hoje é mais amplo e seu lema poderia ser: Seres humanos do mundo inteiro, uni-vos.
Este texto foi publicado também no seguintes sites:
(De um emeio recebido)
segunda-feira, 30 de janeiro de 2012
Infância
Infância: O risco do pornô na Internet
por Fernanda Dias, do Opinião e Notícia
Falar sobre sexo com os filhos nunca foi uma tarefa fácil, por mais liberais que os pais sejam. Em alguns casos, a educação sexual na escola também pode parecer uma experiência difícil. Em julho, uma cartilha sobre educação sexual causou polêmica em Embu, na Grande São Paulo. Pais e alunos ficaram constrangidos com as ilustrações e conteúdos explícitos demais. Mas, a falta de diálogo sobre o assunto pode levar os jovens a procurar se informar sobre o assunto através de conteúdos pornográficos.
A pesquisadora do Centro de Convivência para Crianças e Pais do Instituto de Medicina Social da Uerj Lulli Milman lembra que as crianças têm facilidade de navegar pela internet e que, apesar dos bloqueios dos pais ou da escola, elas conseguem buscar vídeos e fotos com uma abordagem sexual:
“Todos nós ficamos de orelha em pé quando o assunto é sexo. Os próprios coleguinhas falam, indicam links. Mesmo a criança esclarecida pode buscar sites pornográficos, mas se ela teve um conhecimento prévio, vai avaliar e encarar o conteúdo de outra forma. Quem não teve instrução alguma, corre mais riscos”.
Para Lulli, os pais devem começar a falar de sexo desde quando a criança começa a questionar algo sobre o assunto ou quando ela passa a ter um comportamento da ordem sexual:
“Não tem como saber exatamente qual é o nível de maturidade da criança para falar do assunto. Há um risco de os pais dizerem algo que os filhos não estão preparados. A melhor saída é deixar a criança perguntar primeiro para depois responder”.
O psicólogo da Universidade Federal Fluminense (UFF) Julio D’amato, que é especialista em sexualidade, também defende que falar sobre sexo tem que fazer parte da relação entre pais e filhos desde cedo. Ele lembra que as crianças já começam a mexer em seus órgãos genitais desde muito pequenas. Assim, começam a perceber as diferenças entre meninos e meninas, o que abre uma oportunidade para o assunto começar a ser tratado:
“Isso deve ser abordado com a maior naturalidade possível, mas dentro do que a criança pergunta. Não tem que ter o dia da grande revelação. Se houver clareza e tranquilidade na conversa, quando chegar à adolescência, o jovem já estará bem encaminhado. A ideia da cegonha é a ideia da mentira, de pais envergonhados e culpados da própria sexualidade. Claro que isso não vai ser falado para a criança com conotações sexuais, mas devemos informá-las no tom adequado à idade delas”.
Embora os especialistas reconheçam que a maioria dos pais tem dificuldades de falar sobre o assunto com os filhos, eles argumentam que essa abertura é a melhor forma de os jovens terem uma educação sobre sexo seguro e prazeroso:
“É complicado falar de sexo. É sempre muito difícil, principalmente com crianças. Tem-se a sensação de estar sendo pornográfico, mas é importante tentar. Muitas pessoas, por vergonha, passam a vida sem saber das coisas sobre o sexo, e a falta de informação se reflete na dificuldade sobre como lidar com o prazer”, diz Lulli.
A pesquisadora acredita que a escola ainda tem uma forma muito ruim e complicada de abordar o tema, quase sempre com enfoque na questão do corpo humano e apenas em aulas de ciência. Ela defende que a abordagem seja feita através de discussões, principalmente com adolescentes, e de forma madura e simples:
“Desde quando eu era aluna já era assim, e não houve muito avanço. É sempre o professor falando, e as piadinhas na turma rolando. Sexo é algo normal, que faz parte da vida de todo mundo. Ainda falta muita coisa para que a gente possa falar sobre isso como se fala de uma brincadeira, de passeios. Mas, sem dúvida, o caminho a trilhar passa por um diálogo com seriedade e simplicidade”.
* Publicado originalmente no site Opinião e Notícia.
(Opinião e Notícia)
por Fernanda Dias, do Opinião e Notícia
Falar sobre sexo com os filhos nunca foi uma tarefa fácil, por mais liberais que os pais sejam. Em alguns casos, a educação sexual na escola também pode parecer uma experiência difícil. Em julho, uma cartilha sobre educação sexual causou polêmica em Embu, na Grande São Paulo. Pais e alunos ficaram constrangidos com as ilustrações e conteúdos explícitos demais. Mas, a falta de diálogo sobre o assunto pode levar os jovens a procurar se informar sobre o assunto através de conteúdos pornográficos.
A pesquisadora do Centro de Convivência para Crianças e Pais do Instituto de Medicina Social da Uerj Lulli Milman lembra que as crianças têm facilidade de navegar pela internet e que, apesar dos bloqueios dos pais ou da escola, elas conseguem buscar vídeos e fotos com uma abordagem sexual:
“Todos nós ficamos de orelha em pé quando o assunto é sexo. Os próprios coleguinhas falam, indicam links. Mesmo a criança esclarecida pode buscar sites pornográficos, mas se ela teve um conhecimento prévio, vai avaliar e encarar o conteúdo de outra forma. Quem não teve instrução alguma, corre mais riscos”.
Para Lulli, os pais devem começar a falar de sexo desde quando a criança começa a questionar algo sobre o assunto ou quando ela passa a ter um comportamento da ordem sexual:
“Não tem como saber exatamente qual é o nível de maturidade da criança para falar do assunto. Há um risco de os pais dizerem algo que os filhos não estão preparados. A melhor saída é deixar a criança perguntar primeiro para depois responder”.
O psicólogo da Universidade Federal Fluminense (UFF) Julio D’amato, que é especialista em sexualidade, também defende que falar sobre sexo tem que fazer parte da relação entre pais e filhos desde cedo. Ele lembra que as crianças já começam a mexer em seus órgãos genitais desde muito pequenas. Assim, começam a perceber as diferenças entre meninos e meninas, o que abre uma oportunidade para o assunto começar a ser tratado:
“Isso deve ser abordado com a maior naturalidade possível, mas dentro do que a criança pergunta. Não tem que ter o dia da grande revelação. Se houver clareza e tranquilidade na conversa, quando chegar à adolescência, o jovem já estará bem encaminhado. A ideia da cegonha é a ideia da mentira, de pais envergonhados e culpados da própria sexualidade. Claro que isso não vai ser falado para a criança com conotações sexuais, mas devemos informá-las no tom adequado à idade delas”.
Embora os especialistas reconheçam que a maioria dos pais tem dificuldades de falar sobre o assunto com os filhos, eles argumentam que essa abertura é a melhor forma de os jovens terem uma educação sobre sexo seguro e prazeroso:
“É complicado falar de sexo. É sempre muito difícil, principalmente com crianças. Tem-se a sensação de estar sendo pornográfico, mas é importante tentar. Muitas pessoas, por vergonha, passam a vida sem saber das coisas sobre o sexo, e a falta de informação se reflete na dificuldade sobre como lidar com o prazer”, diz Lulli.
A pesquisadora acredita que a escola ainda tem uma forma muito ruim e complicada de abordar o tema, quase sempre com enfoque na questão do corpo humano e apenas em aulas de ciência. Ela defende que a abordagem seja feita através de discussões, principalmente com adolescentes, e de forma madura e simples:
“Desde quando eu era aluna já era assim, e não houve muito avanço. É sempre o professor falando, e as piadinhas na turma rolando. Sexo é algo normal, que faz parte da vida de todo mundo. Ainda falta muita coisa para que a gente possa falar sobre isso como se fala de uma brincadeira, de passeios. Mas, sem dúvida, o caminho a trilhar passa por um diálogo com seriedade e simplicidade”.
* Publicado originalmente no site Opinião e Notícia.
(Opinião e Notícia)
O Atirador
“A lenda”, “o exterminador” e “o diabo de Ramadi” são apenas algumas alcunhas pelas quais o atirador de elite reformado Chris Kyle ficou conhecido entre os colegas.
Entre 1999 e 2009, o então oficial do pelotão Charlie, terceiro grupo da força Seal da Marinha americana, construiu para si uma temida reputação como o atirador mais letal da história da corporação.
Oficialmente, o Pentágono registra 150 mortes no seu nome – o que em si já representa um recorde em relação ao anterior, de 109, até então mantido por um atirador durante a Guerra do Vietnã.
Entretanto, Kyle afirma que sua contagem é maior. Só na segunda batalha de Fallujah, no fim de 2004, diz, tirou a vida de 40 inimigos.
Em um livro da editora HarperCollins que chega às livrarias americanas, American Sniper – “Atirador de elite americano”, em uma tradução livre e literal – ele relata com detalhes o seu trabalho em quatro viagens de combate ao Iraque.
–Adorei o que fiz. Ainda adoro. Se as circunstâncias fossem diferentes – se minha família não precisasse de mim – eu voltaria em um piscar de olhos–, escreve o atirador.
‘Dever’
A narrativa é clara – “crua”, até, como definiu um crítico literário americano – e deixa entrever a complexa e tensa psicologia da guerra.
Kyle relata como ao longo da carreira deixou de hesitar ao mirar nas suas vítimas e passou a desempenhar melhor suas funções sob fogo cruzado.
Sua companhia Charlie foi uma das primeiras a desembarcar na Península de al-Faw no início da chamada Operação Liberdade, iniciada em 20 de março de 2003 pelo então presidente dos EUA, George W. Bush.
–Posso me colocar diante de Deus com uma consciência limpa em relação ao meu trabalho–, afirma.
Ódio
O americano do Texas, que aprendeu com o pai a atirar ainda na juventude e virou um boiadeiro de destaque, se converteu em mestre em uma das funções mais controversas em conflitos armados.
Na 2ª Guerra Mundial, atiradores de elite eram considerados assassinos em série. O recordista mundial de mortes é um atirador finlandês que naquele conflito tirou 475 vidas russas durante a invasão da Finlândia pela então União Soviética.
Na guerra contemporânea, onde a precisão é valiosa, esses azes da mira ganharam status especial. Kyle se orgulha de ter matado um homem a uma distância de 2.100 metros no subúrbio xiita de Sadr City, nos arredores de Bagdá, em 2008. “Deus soprou aquela bala que o atingiu”, escreve.
O recorde mundial nesse quesito é mantido por um atirador britânico que alvejou um inimigo a quase 2,5 quilômetros no Afeganistão em 2009.
Assassinatos a tiro cometidos por sociopatas e psicopatas – como o de Washington, em 2002, ou da ilha de Utoeya, na Noruega, no ano passado – reforçam uma imagem de frieza desses profissionais.
Entretanto o que as páginas de Washington Sniper revelam com candura é um ódio profundo que Kyle nutriu pelo Iraque (“o lugar fedia como um esgoto – o fedor do Iraque é algo a que nunca me acostumei”) e por seus inimigos.
–Verdadeiramente, profundamente odeio o mal que aquela mulher (sua primeira vítima) possuía. Odeio até hojev, escreve o militar. ”Mal selvagem, desprezível. É isso que estávamos combatendo no Iraque. É por isso que muitas pessoas, incluindo eu, chamavam os inimigos de ‘selvagens’.”
‘Diabo’
As quatro participações de Kyle em combates lhe renderam prestígio e fama. Os insurgentes iraquianos o batizaram de al-Shaitan (“o diabo”) e colocaram, em um sentido inclusive literal, a sua cabeça a prêmio.
O militar diz que sua fama de matador mais eficiente da história das Forças não é de grande importância.
–O número não é importante para mim. Apenas queria ter matado mais gente. Não para poder me gabar, mas porque acho que o mundo é um lugar melhor sem selvagens à solta tirando vidas americanas–, diz.
Reformado de sua função em 2009, ele hoje vive no Texas, onde é diretor de uma empresa que presta serviços para as Forças Armadas americanas, treinando atiradores de elite.
CdB
Entre 1999 e 2009, o então oficial do pelotão Charlie, terceiro grupo da força Seal da Marinha americana, construiu para si uma temida reputação como o atirador mais letal da história da corporação.
Oficialmente, o Pentágono registra 150 mortes no seu nome – o que em si já representa um recorde em relação ao anterior, de 109, até então mantido por um atirador durante a Guerra do Vietnã.
Entretanto, Kyle afirma que sua contagem é maior. Só na segunda batalha de Fallujah, no fim de 2004, diz, tirou a vida de 40 inimigos.
Em um livro da editora HarperCollins que chega às livrarias americanas, American Sniper – “Atirador de elite americano”, em uma tradução livre e literal – ele relata com detalhes o seu trabalho em quatro viagens de combate ao Iraque.
–Adorei o que fiz. Ainda adoro. Se as circunstâncias fossem diferentes – se minha família não precisasse de mim – eu voltaria em um piscar de olhos–, escreve o atirador.
‘Dever’
A narrativa é clara – “crua”, até, como definiu um crítico literário americano – e deixa entrever a complexa e tensa psicologia da guerra.
Kyle relata como ao longo da carreira deixou de hesitar ao mirar nas suas vítimas e passou a desempenhar melhor suas funções sob fogo cruzado.
Sua companhia Charlie foi uma das primeiras a desembarcar na Península de al-Faw no início da chamada Operação Liberdade, iniciada em 20 de março de 2003 pelo então presidente dos EUA, George W. Bush.
–Posso me colocar diante de Deus com uma consciência limpa em relação ao meu trabalho–, afirma.
Ódio
O americano do Texas, que aprendeu com o pai a atirar ainda na juventude e virou um boiadeiro de destaque, se converteu em mestre em uma das funções mais controversas em conflitos armados.
Na 2ª Guerra Mundial, atiradores de elite eram considerados assassinos em série. O recordista mundial de mortes é um atirador finlandês que naquele conflito tirou 475 vidas russas durante a invasão da Finlândia pela então União Soviética.
Na guerra contemporânea, onde a precisão é valiosa, esses azes da mira ganharam status especial. Kyle se orgulha de ter matado um homem a uma distância de 2.100 metros no subúrbio xiita de Sadr City, nos arredores de Bagdá, em 2008. “Deus soprou aquela bala que o atingiu”, escreve.
O recorde mundial nesse quesito é mantido por um atirador britânico que alvejou um inimigo a quase 2,5 quilômetros no Afeganistão em 2009.
Assassinatos a tiro cometidos por sociopatas e psicopatas – como o de Washington, em 2002, ou da ilha de Utoeya, na Noruega, no ano passado – reforçam uma imagem de frieza desses profissionais.
Entretanto o que as páginas de Washington Sniper revelam com candura é um ódio profundo que Kyle nutriu pelo Iraque (“o lugar fedia como um esgoto – o fedor do Iraque é algo a que nunca me acostumei”) e por seus inimigos.
–Verdadeiramente, profundamente odeio o mal que aquela mulher (sua primeira vítima) possuía. Odeio até hojev, escreve o militar. ”Mal selvagem, desprezível. É isso que estávamos combatendo no Iraque. É por isso que muitas pessoas, incluindo eu, chamavam os inimigos de ‘selvagens’.”
‘Diabo’
As quatro participações de Kyle em combates lhe renderam prestígio e fama. Os insurgentes iraquianos o batizaram de al-Shaitan (“o diabo”) e colocaram, em um sentido inclusive literal, a sua cabeça a prêmio.
O militar diz que sua fama de matador mais eficiente da história das Forças não é de grande importância.
–O número não é importante para mim. Apenas queria ter matado mais gente. Não para poder me gabar, mas porque acho que o mundo é um lugar melhor sem selvagens à solta tirando vidas americanas–, diz.
Reformado de sua função em 2009, ele hoje vive no Texas, onde é diretor de uma empresa que presta serviços para as Forças Armadas americanas, treinando atiradores de elite.
CdB
sexta-feira, 27 de janeiro de 2012
Clarice
Revelado manuscrito inédito de Clarice Lispector
5/1/2012 20:38, Por Redação, com Vermelho.org - de São Paulo
4
Clarisse Lispector
A página manuscrita aqui reproduzida contém uma frase belíssima que não chegou à versão publicada de A Hora da Estrela e que menciona Macabéa, talvez uma de suas personagens mais famosas. São apenas três frases: “Macabéa não sabia como se defender da vida numa grande cidade. Ela que tinha um sonho impossível: o de um dia possuir uma árvore. Que árvore, que nada: não havia nem grama sob os seus pés”.
No final de sua vida Clarice andava anotando coisas em pedacinhos de papel, cheques, guardanapos e até mesmo maços de cigarros. Uma de suas secretárias vivia guardando os pedaços no envelope, e nesta página manuscrita aparece uma menção em outra letra para identificar o fragmento – provavelmente na caligrafia de sua enfermeira/assistente Siléa Marchi: “(Macabéa quando vem para o Rio)”. Clarice sofrera muito com as sequelas do incêndio que quase lhe custara a mão com que escrevia. Nos últimos anos estava bastante fraca, e o ferimento na mão também explica a letra pouco legível.
Sua editora principal era sua grande amiga Olga Borelli, que ajudou Clarice a organizar suas últimas grandes obras-primas como “Água Viva”, “A Hora da Estrela”, assim como o póstumo “Sopro de Vida”. A recente biografia de Clarice por Benjamin Moser cita Olga Borelli comentando o método editorial da grande escritora:
“Respirar junto, é respirar junto … Porque existe uma lógica na vida, nos acontecimentos, como existe num livro. Eles se sucedem, é tão fatal que seja assim. Porque se eu pegasse um fragmento e quisesse colocar mais adiante, eu não encontraria onde colocar. É como um quebra-cabeça. Eu pegava os fragmentos todos e ia juntando, guardava tudo num envelope. Era um pedaço de cheque, era um papel, um guardanapo […] Eu tenho algumas coisas em casa ainda, dela, e até com cheiro de batom dela. Ela limpava o lábio e depois punha na bolsa […] de repente, ela escrevia uma anotação. Depois de coletar todos estes fragmentos, comecei a perceber, comecei a numerar. Então, não é difícil estruturar Clarice, ou é infinitamente difícil, a não ser que você comungue com ela e já tenha o hábito da leitura.”
Esse manuscrito inédito de grande interesse para a obra de Clarice me foi comunicado por seu atual detentor.
Parceiro CdB
Passagens aéreas com até 90% de desconto
Mais baratas do Brasil
As mais acessadas do CdB
• Hotel de Londres acusa Lady Gaga de realizar ritual satânico
• MEC propõe reformulação no Enem
• Promotoria quer pena de morte para ex-presidente egípcio Mubarak
• Lista de torturadores durante a ditadura militar está disponível ...
• Bezerra diz que está à disposição do Congresso afim de esclarecer...
• Nem chuva forte tira a vontade de treinar do Fla
• PM's infiltrados usam caneta especial para marcar líderes estudan...
• IPVA 2012 cai, em média, 5,46% em MG. Taxa de licenciamento sobe ...
• Revelado manuscrito inédito de Clarice Lispector
• Ronaldo Fenômeno contrai dengue nos primeiros dias de 2012
Tags: clarisse, clarisse lispector, cultura, livro
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Os comentários às matérias e artigos aqui publicados não são de responsabilidade do Correio do Brasil nem refletem a opinião do jornal.
5/1/2012 20:38, Por Redação, com Vermelho.org - de São Paulo
4
Clarisse Lispector
A página manuscrita aqui reproduzida contém uma frase belíssima que não chegou à versão publicada de A Hora da Estrela e que menciona Macabéa, talvez uma de suas personagens mais famosas. São apenas três frases: “Macabéa não sabia como se defender da vida numa grande cidade. Ela que tinha um sonho impossível: o de um dia possuir uma árvore. Que árvore, que nada: não havia nem grama sob os seus pés”.
No final de sua vida Clarice andava anotando coisas em pedacinhos de papel, cheques, guardanapos e até mesmo maços de cigarros. Uma de suas secretárias vivia guardando os pedaços no envelope, e nesta página manuscrita aparece uma menção em outra letra para identificar o fragmento – provavelmente na caligrafia de sua enfermeira/assistente Siléa Marchi: “(Macabéa quando vem para o Rio)”. Clarice sofrera muito com as sequelas do incêndio que quase lhe custara a mão com que escrevia. Nos últimos anos estava bastante fraca, e o ferimento na mão também explica a letra pouco legível.
Sua editora principal era sua grande amiga Olga Borelli, que ajudou Clarice a organizar suas últimas grandes obras-primas como “Água Viva”, “A Hora da Estrela”, assim como o póstumo “Sopro de Vida”. A recente biografia de Clarice por Benjamin Moser cita Olga Borelli comentando o método editorial da grande escritora:
“Respirar junto, é respirar junto … Porque existe uma lógica na vida, nos acontecimentos, como existe num livro. Eles se sucedem, é tão fatal que seja assim. Porque se eu pegasse um fragmento e quisesse colocar mais adiante, eu não encontraria onde colocar. É como um quebra-cabeça. Eu pegava os fragmentos todos e ia juntando, guardava tudo num envelope. Era um pedaço de cheque, era um papel, um guardanapo […] Eu tenho algumas coisas em casa ainda, dela, e até com cheiro de batom dela. Ela limpava o lábio e depois punha na bolsa […] de repente, ela escrevia uma anotação. Depois de coletar todos estes fragmentos, comecei a perceber, comecei a numerar. Então, não é difícil estruturar Clarice, ou é infinitamente difícil, a não ser que você comungue com ela e já tenha o hábito da leitura.”
Esse manuscrito inédito de grande interesse para a obra de Clarice me foi comunicado por seu atual detentor.
Parceiro CdB
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As mais acessadas do CdB
• Hotel de Londres acusa Lady Gaga de realizar ritual satânico
• MEC propõe reformulação no Enem
• Promotoria quer pena de morte para ex-presidente egípcio Mubarak
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• Ronaldo Fenômeno contrai dengue nos primeiros dias de 2012
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Beatriz
Morre Beatriz Bandeira, companheira de Olga Benário na cela 4
Morreu, aos 102 anos, Beatriz Bandeira, a última sobrevivente da famosa cela 4 – onde foram presas, na Casa de Detenção, no Rio de Janeiro, então Distrito Federal, as poucas mulheres que participaram do Levante Comunista de 1935 no Brasil.
Beatriz com os filhos gêmeos.
Foi na cela 4 que ficaram confinadas Olga Benário (esposa do líder do Levante, Luiz Carlos Prestes), a futura psicanalista Nise da Silveira, a advogada Maria Werneck de Castro e as jornalistas Eneida de Moraes e Eugênia Álvaro Moreyra.
Por conta dessa passagem, Beatriz virou personagem de livros como Memórias do Cárcere, o relato biográfico de Graciliano Ramos, que também esteve preso por causa da revolta.
Pouco antes, como militante comunista e da Aliança Nacional Libertadora (ANL), Beatriz conheceu seu marido, Raul, que viria a ser jornalista e secretário de Imprensa do governo João Goulart (1961-1964). Com ele se casou três vezes.
Os dois foram exilados duas vezes. Em 1936, depois da libertação, foram expulsos para o Uruguai. Em 1964, após o golpe militar, receberam abrigo na Iugoslávia e, posteriormente, na França.
De volta ao Brasil
Ao regressar ao Brasil, Beatriz continuou a militância política nos anos 1970 e 1980. Foi uma das fundadoras do Movimento Feminino pela Anistia e Liberdades Democráticas, que lutou pelo fim da ditadura no país.
Beatriz nasceu em uma família positivista. Seu pai, o coronel do Exército Alípio Bandeira, foi abolicionista. Como militar, trabalhou no Serviço de Proteção ao Índio (SPI) e ajudou o Marechal Cândido Rondon na instalação de linhas telegráficas no interior do país e no contato com tribos isoladas – Alípio liderou o encontro com os Waimiri Atroari em 1911, por exemplo.
Além de militante política, Beatriz foi poeta (publicou Roteiro e Profissão de Fé) e professora (foi demitida pelo regime militar da cadeira de Técnica Vocal do Conservatório Nacional de Teatro). Também escreveu crônicas e colaborou para o jornal A Manhã e as revistas Leitura e Momento Feminino. Há dez anos ela contou um pouco de sua história em uma entrevista à TV Câmara.
Beatriz morreu na noite de segunda (dia 2) após um AVC. Foi enterrada no final da tarde de terça-feira (3) no Cemitério São João Batista, em Botafogo.
Uma nota pessoal
Beatriz Bandeira Ryff era minha avó. Nos últimos anos de sua vida centenária a senilidade tinha lhe tirado totalmente a visão. Ela quase não falava e mal se comunicava com o mundo.
Há uns dez dias, fui visitá-la levado pelo meu filho de 8 anos que queria dar um beijo na “bisa”. Encontramos ela mais presente do que em todas as visitas nos anos anteriores. Chegou a cantarolar algumas músicas que costumava embalar o sono dos netos quando pequenos, como os hinos revolucionários Internacional, A Marselhesa (embora ela também cantasse obras não políticas, entre elas a Berceuse, de Brahms).
Ao me despedir, perguntei-lhe se lembrava o trecho do poema Canção do Tamoio, de Gonçalves Dias, que ela costumava recitar. Ela assentiu levemente com a cabeça e começou, puxando do fundo da memória. Foram suas últimas palavras para mim.
“Não chores, meu filho/Não chores, que a vida/É luta renhida:Viver é lutar./A vida é combate/Que os fracos abate/Que os fortes, os bravos/Só pode exaltar.”(Canção do Tamoio, Gonçalves Dias)
Beatriz Bandeira Ryff, aos 90 anos
Fonte: IG RJ
Veja também:
Nos 75 anos do Levante de 35, vídeo polemiza com "intentona"
Morreu, aos 102 anos, Beatriz Bandeira, a última sobrevivente da famosa cela 4 – onde foram presas, na Casa de Detenção, no Rio de Janeiro, então Distrito Federal, as poucas mulheres que participaram do Levante Comunista de 1935 no Brasil.
Beatriz com os filhos gêmeos.
Foi na cela 4 que ficaram confinadas Olga Benário (esposa do líder do Levante, Luiz Carlos Prestes), a futura psicanalista Nise da Silveira, a advogada Maria Werneck de Castro e as jornalistas Eneida de Moraes e Eugênia Álvaro Moreyra.
Por conta dessa passagem, Beatriz virou personagem de livros como Memórias do Cárcere, o relato biográfico de Graciliano Ramos, que também esteve preso por causa da revolta.
Pouco antes, como militante comunista e da Aliança Nacional Libertadora (ANL), Beatriz conheceu seu marido, Raul, que viria a ser jornalista e secretário de Imprensa do governo João Goulart (1961-1964). Com ele se casou três vezes.
Os dois foram exilados duas vezes. Em 1936, depois da libertação, foram expulsos para o Uruguai. Em 1964, após o golpe militar, receberam abrigo na Iugoslávia e, posteriormente, na França.
De volta ao Brasil
Ao regressar ao Brasil, Beatriz continuou a militância política nos anos 1970 e 1980. Foi uma das fundadoras do Movimento Feminino pela Anistia e Liberdades Democráticas, que lutou pelo fim da ditadura no país.
Beatriz nasceu em uma família positivista. Seu pai, o coronel do Exército Alípio Bandeira, foi abolicionista. Como militar, trabalhou no Serviço de Proteção ao Índio (SPI) e ajudou o Marechal Cândido Rondon na instalação de linhas telegráficas no interior do país e no contato com tribos isoladas – Alípio liderou o encontro com os Waimiri Atroari em 1911, por exemplo.
Além de militante política, Beatriz foi poeta (publicou Roteiro e Profissão de Fé) e professora (foi demitida pelo regime militar da cadeira de Técnica Vocal do Conservatório Nacional de Teatro). Também escreveu crônicas e colaborou para o jornal A Manhã e as revistas Leitura e Momento Feminino. Há dez anos ela contou um pouco de sua história em uma entrevista à TV Câmara.
Beatriz morreu na noite de segunda (dia 2) após um AVC. Foi enterrada no final da tarde de terça-feira (3) no Cemitério São João Batista, em Botafogo.
Uma nota pessoal
Beatriz Bandeira Ryff era minha avó. Nos últimos anos de sua vida centenária a senilidade tinha lhe tirado totalmente a visão. Ela quase não falava e mal se comunicava com o mundo.
Há uns dez dias, fui visitá-la levado pelo meu filho de 8 anos que queria dar um beijo na “bisa”. Encontramos ela mais presente do que em todas as visitas nos anos anteriores. Chegou a cantarolar algumas músicas que costumava embalar o sono dos netos quando pequenos, como os hinos revolucionários Internacional, A Marselhesa (embora ela também cantasse obras não políticas, entre elas a Berceuse, de Brahms).
Ao me despedir, perguntei-lhe se lembrava o trecho do poema Canção do Tamoio, de Gonçalves Dias, que ela costumava recitar. Ela assentiu levemente com a cabeça e começou, puxando do fundo da memória. Foram suas últimas palavras para mim.
“Não chores, meu filho/Não chores, que a vida/É luta renhida:Viver é lutar./A vida é combate/Que os fracos abate/Que os fortes, os bravos/Só pode exaltar.”(Canção do Tamoio, Gonçalves Dias)
Beatriz Bandeira Ryff, aos 90 anos
Fonte: IG RJ
Veja também:
Nos 75 anos do Levante de 35, vídeo polemiza com "intentona"
quinta-feira, 19 de janeiro de 2012
BBB
Luís Nassif: Por que o BBB tem que ser proibido
Intimidade e privacidade são bens indisponíveis. Isto é, não é dado a outras pessoas invadirem esse tipo de bem jurídico. É um direito individual, inalienável e intransferível. Somente a própria pessoa – por ela própria (não por meio de outro) – pode abrir mão desse direito.
Exemplificando. A legislação não pune a autolesão. Mas pune quem induz ou pratica a lesão em terceiros, mesmo com sua autorização. Não pune a tentativa de suicídio, mas quem induz. Não proíbe a prática de prostituição, mas pune quem a explora.
Esses princípios derrubam a ideia de que basta a pessoa autorizar para que sua intimidade possa ser exposta por terceiros de forma degradante.
Tem um caso clássico na França do lançamento de anões. Um bar tinha uma atração que consistia em lançamento de anões. A prática passou a ser questionada nos tribunais. O depoimento de um dos anões foi de que dignidade era ter dinheiro para sustentar a família. A corte decidiu que a dignidade humana deveria prevalecer e proibiu a prática explorada pelo estabelecimento.
A análise do BBB deve ser feita a partir desses pressupostos.
Não poderia ser questionado juridicamente alguém que coloque em sua própria casa uma webcam e explore sua intimidade.
No caso do BBB, no entanto, a exploração é feita por terceiros de forma degradante. É como (com o perdão da comparação) o papel da prostituta e do cafetão. E não é qualquer terceiro, mas o titular de uma concessão pública obrigado a seguir os preceitos éticos previstos na Constituição – que não contemplam o estímulo ao voyeurismo.
Fonte; Blog do Nassif
Intimidade e privacidade são bens indisponíveis. Isto é, não é dado a outras pessoas invadirem esse tipo de bem jurídico. É um direito individual, inalienável e intransferível. Somente a própria pessoa – por ela própria (não por meio de outro) – pode abrir mão desse direito.
Exemplificando. A legislação não pune a autolesão. Mas pune quem induz ou pratica a lesão em terceiros, mesmo com sua autorização. Não pune a tentativa de suicídio, mas quem induz. Não proíbe a prática de prostituição, mas pune quem a explora.
Esses princípios derrubam a ideia de que basta a pessoa autorizar para que sua intimidade possa ser exposta por terceiros de forma degradante.
Tem um caso clássico na França do lançamento de anões. Um bar tinha uma atração que consistia em lançamento de anões. A prática passou a ser questionada nos tribunais. O depoimento de um dos anões foi de que dignidade era ter dinheiro para sustentar a família. A corte decidiu que a dignidade humana deveria prevalecer e proibiu a prática explorada pelo estabelecimento.
A análise do BBB deve ser feita a partir desses pressupostos.
Não poderia ser questionado juridicamente alguém que coloque em sua própria casa uma webcam e explore sua intimidade.
No caso do BBB, no entanto, a exploração é feita por terceiros de forma degradante. É como (com o perdão da comparação) o papel da prostituta e do cafetão. E não é qualquer terceiro, mas o titular de uma concessão pública obrigado a seguir os preceitos éticos previstos na Constituição – que não contemplam o estímulo ao voyeurismo.
Fonte; Blog do Nassif
Rede Globo
Rede Globo, poder e corrupção: tudo a ver
Escrito por João Gabriel Vieira Bordin
Quarta, 18 de Janeiro de 2012
A recente declaração do ex-braço direito do imperador midiático Roberto Marinho, o executivo José Bonifácio Sobrinho, não deve nos impressionar. Trata-se de uma cortina de fumaça para camuflar a verdadeira natureza da Rede Globo: corrupta, monopolizadora, discricionária, obsedada pelo poder. Numa entrevista concedida para a Globonews, José Bonifácio Sobrinho, o Boni, comenta sobre a influência da vetusta platinada (como a Globo procura se apresentar ao público, ou seja, como incorruptível, de moral ilibada etc.) nas eleições de 1989, primeira após a abertura democrática. O episódio diz respeito ao último debate entre Lula e Collor, ambos candidatos ao segundo turno. A Rede Globo teria sido, segundo Boni, responsável pelas jogadas de marketing do então “caçador de marajás”, assessorando-lhe em coisas como retirar a gravata, plantar suores falsos e ostentar pastas vazias que supostamente continham denúncias contra Lula.
Tais alegações são risíveis. Não porque talvez não sejam verdadeiras, mas porque estão muito longe de representar a real história do quarto poder no Brasil. Na verdade, a relação promíscua entre a Rede Globo e o poder político e econômico vai muito além da maquiagem no pescoço e no semblante de um jovem Collor no auge de sua carreira política; vai muito além, portanto, da simples assessoria à imagem de um político. Roberto Marinho e seu canal de televisão participaram ostensivamente do poder político, imiscuindo-se diretamente nos rumos do Estado brasileiro tendo em mira interesses econômicos e ideológicos próprios. Parafraseando a confissão que, em certa ocasião, fez seu fundador, podemos afirmar que “sim, a Globo usa o poder”.
A ficha policial da Rede Globo é extensa, embora muita coisa esteja ainda escondida debaixo dos tapetes. De fato, ela já nasce fecundada pelo projeto ideológico imperialista estadunidense, interessado em conter uma possível contaminação da América Latina pelo socialismo soviético. A ascensão da Rede Globo ao canal de televisão mais poderoso da América Latina, em tempo tão diminuto, não teria sido possível se não fosse a injeção de um montante enorme de capital ianque na empresa, através do grupo Time-Life, durante a década de 1960. Os negócios entre a Rede Globo e a Time-Life não significaram apenas uma violação às regras econômicas impostas pela constituição brasileira, mas sim a criação de uma arma de propaganda ideológica burguesa e imperialista no Brasil. E Roberto Marinho manteve-se sempre fiel a essa orientação ideológica.
Todo o império midiático da rede Globo foi construído em harmonia perfeita com os mais de vinte anos de Regime Militar no Brasil. Uma declaração do general-presidente Médici, em pleno AI-5, expressa muito bem essa relação: "Sinto-me feliz todas as noites quando assisto o noticiário. Porque, no noticiário da Globo, o mundo está um caos, mas o Brasil está em paz". Não à toa, a Globo resistiu até o último minuto ao lado dos militares contra o movimento pela abertura democrática. Em janeiro de 1984, uma passeata na Praça da Sé, na qual compareceram mais de duzentas mil pessoas exigindo eleições diretas para presidente, foi noticiada pelo Jornal Nacional como se tratando de uma comemoração pelo aniversário da cidade de São Paulo. Hoje, a sempre vetusta Globo, pinta sua imagem como se fosse um exemplo de luta pela democracia e pela justiça.
Mas a ingerência da Globo nos processos político e social vai muito além da manipulação da informação. Sabe-se que pelo menos durante as eleições de 1982 Roberto Marinho partiu para a corrupção ativa – contudo, dificilmente este deve ser um caso isolado. O escândalo ficou conhecido como Proconsult, nome da empresa privada contratada para apurar os votos das eleições no estado do Rio de Janeiro. A Rede Globo teria se mancomunado com a empresa para fraudar o resultado da eleição para governador, fraude que, se não descoberta, teria levado à derrota de Leonel Brizola ante o candidato conservador do PDS, Moreira Franco. Até hoje a Globo nega que tenha participado de qualquer ato fraudulento na contagem dos votos no Rio de Janeiro, admitindo apenas que noticiou equivocadamente, e sem qualquer má-fé, a vitória de Franco sobre Brizola. Tanto a fraude operada pela Proconsult quanto a deturpação na veiculação do resultado da eleição foram conscientemente orquestrados por Roberto Marinho.
O mesmo pode-se dizer quanto às eleições de 1989. O papel da Globo na eleição de Collor foi o de empreender uma campanha de manipulação de dados, de difamação, de informações desencontradas, e assim por diante, contra Lula, que tinha, no segundo turno, chance real de vitória (o resultado final foi de poucos pontos percentuais de diferença a favor de Collor). O último debate foi deliberadamente manipulado pelos jornais da rede, favorecendo evidentemente o candidato da direita. Em que medida essa ação pesou no resultado das eleições é difícil determinar, mas é certo que deve ter exercido algum impacto real. Além disso, embora tenha sido este caso o único denunciado, é certo que muitas outras formas sutis de manipulação devem ter passado despercebidas.
Em suma, a declaração do antigo executivo da Rede Globo não nos deve enganar, retirando o foco da verdadeira questão. Roberto Marinho e seu canal de TV exerceram e, decerto, exercem ainda uma atividade criminosa no país, atentando contra a soberania nacional e à independência do Estado. Não se trata de uma influência indireta, mas direta e ostensiva, e que só terá fim com a extinção do oligopólio e com a democratização do espectro radiodifusor no país. O que devemos ter em mente é a necessidade de lutar por um novo marco regulatório no âmbito das telecomunicações. De fato, há um projeto nesse sentido sendo construído no legislativo, mas trata-se de uma nova forma de garantir os mesmos privilégios e a mesma estrutura corrupta e privatista.
A revelação de Boni deve nos lembrar que a Globo tem de acabar, ou pelo menos tem de se transformar em um canal de proporções modestas, concorrendo com centenas de outros canais no interior de uma radiodifusão democratizada.
João Gabriel Vieira Bordin é cientista social.
Blog: www.laboratoriodialetico.blogspot.com
Para ajudar o Correio da Cidadania e a construção da mídia independente, você pode contribuir clicando abaixo.
Escrito por João Gabriel Vieira Bordin
Quarta, 18 de Janeiro de 2012
A recente declaração do ex-braço direito do imperador midiático Roberto Marinho, o executivo José Bonifácio Sobrinho, não deve nos impressionar. Trata-se de uma cortina de fumaça para camuflar a verdadeira natureza da Rede Globo: corrupta, monopolizadora, discricionária, obsedada pelo poder. Numa entrevista concedida para a Globonews, José Bonifácio Sobrinho, o Boni, comenta sobre a influência da vetusta platinada (como a Globo procura se apresentar ao público, ou seja, como incorruptível, de moral ilibada etc.) nas eleições de 1989, primeira após a abertura democrática. O episódio diz respeito ao último debate entre Lula e Collor, ambos candidatos ao segundo turno. A Rede Globo teria sido, segundo Boni, responsável pelas jogadas de marketing do então “caçador de marajás”, assessorando-lhe em coisas como retirar a gravata, plantar suores falsos e ostentar pastas vazias que supostamente continham denúncias contra Lula.
Tais alegações são risíveis. Não porque talvez não sejam verdadeiras, mas porque estão muito longe de representar a real história do quarto poder no Brasil. Na verdade, a relação promíscua entre a Rede Globo e o poder político e econômico vai muito além da maquiagem no pescoço e no semblante de um jovem Collor no auge de sua carreira política; vai muito além, portanto, da simples assessoria à imagem de um político. Roberto Marinho e seu canal de televisão participaram ostensivamente do poder político, imiscuindo-se diretamente nos rumos do Estado brasileiro tendo em mira interesses econômicos e ideológicos próprios. Parafraseando a confissão que, em certa ocasião, fez seu fundador, podemos afirmar que “sim, a Globo usa o poder”.
A ficha policial da Rede Globo é extensa, embora muita coisa esteja ainda escondida debaixo dos tapetes. De fato, ela já nasce fecundada pelo projeto ideológico imperialista estadunidense, interessado em conter uma possível contaminação da América Latina pelo socialismo soviético. A ascensão da Rede Globo ao canal de televisão mais poderoso da América Latina, em tempo tão diminuto, não teria sido possível se não fosse a injeção de um montante enorme de capital ianque na empresa, através do grupo Time-Life, durante a década de 1960. Os negócios entre a Rede Globo e a Time-Life não significaram apenas uma violação às regras econômicas impostas pela constituição brasileira, mas sim a criação de uma arma de propaganda ideológica burguesa e imperialista no Brasil. E Roberto Marinho manteve-se sempre fiel a essa orientação ideológica.
Todo o império midiático da rede Globo foi construído em harmonia perfeita com os mais de vinte anos de Regime Militar no Brasil. Uma declaração do general-presidente Médici, em pleno AI-5, expressa muito bem essa relação: "Sinto-me feliz todas as noites quando assisto o noticiário. Porque, no noticiário da Globo, o mundo está um caos, mas o Brasil está em paz". Não à toa, a Globo resistiu até o último minuto ao lado dos militares contra o movimento pela abertura democrática. Em janeiro de 1984, uma passeata na Praça da Sé, na qual compareceram mais de duzentas mil pessoas exigindo eleições diretas para presidente, foi noticiada pelo Jornal Nacional como se tratando de uma comemoração pelo aniversário da cidade de São Paulo. Hoje, a sempre vetusta Globo, pinta sua imagem como se fosse um exemplo de luta pela democracia e pela justiça.
Mas a ingerência da Globo nos processos político e social vai muito além da manipulação da informação. Sabe-se que pelo menos durante as eleições de 1982 Roberto Marinho partiu para a corrupção ativa – contudo, dificilmente este deve ser um caso isolado. O escândalo ficou conhecido como Proconsult, nome da empresa privada contratada para apurar os votos das eleições no estado do Rio de Janeiro. A Rede Globo teria se mancomunado com a empresa para fraudar o resultado da eleição para governador, fraude que, se não descoberta, teria levado à derrota de Leonel Brizola ante o candidato conservador do PDS, Moreira Franco. Até hoje a Globo nega que tenha participado de qualquer ato fraudulento na contagem dos votos no Rio de Janeiro, admitindo apenas que noticiou equivocadamente, e sem qualquer má-fé, a vitória de Franco sobre Brizola. Tanto a fraude operada pela Proconsult quanto a deturpação na veiculação do resultado da eleição foram conscientemente orquestrados por Roberto Marinho.
O mesmo pode-se dizer quanto às eleições de 1989. O papel da Globo na eleição de Collor foi o de empreender uma campanha de manipulação de dados, de difamação, de informações desencontradas, e assim por diante, contra Lula, que tinha, no segundo turno, chance real de vitória (o resultado final foi de poucos pontos percentuais de diferença a favor de Collor). O último debate foi deliberadamente manipulado pelos jornais da rede, favorecendo evidentemente o candidato da direita. Em que medida essa ação pesou no resultado das eleições é difícil determinar, mas é certo que deve ter exercido algum impacto real. Além disso, embora tenha sido este caso o único denunciado, é certo que muitas outras formas sutis de manipulação devem ter passado despercebidas.
Em suma, a declaração do antigo executivo da Rede Globo não nos deve enganar, retirando o foco da verdadeira questão. Roberto Marinho e seu canal de TV exerceram e, decerto, exercem ainda uma atividade criminosa no país, atentando contra a soberania nacional e à independência do Estado. Não se trata de uma influência indireta, mas direta e ostensiva, e que só terá fim com a extinção do oligopólio e com a democratização do espectro radiodifusor no país. O que devemos ter em mente é a necessidade de lutar por um novo marco regulatório no âmbito das telecomunicações. De fato, há um projeto nesse sentido sendo construído no legislativo, mas trata-se de uma nova forma de garantir os mesmos privilégios e a mesma estrutura corrupta e privatista.
A revelação de Boni deve nos lembrar que a Globo tem de acabar, ou pelo menos tem de se transformar em um canal de proporções modestas, concorrendo com centenas de outros canais no interior de uma radiodifusão democratizada.
João Gabriel Vieira Bordin é cientista social.
Blog: www.laboratoriodialetico.blogspot.com
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quarta-feira, 18 de janeiro de 2012
Modesto da Silveira
Modesto da Silveira: “O Brasil está em débito com a humanidade” – Especial para o QTMD?14/01/2012 Posted by Ana Helena Tavares - QTMD? under Brasil, DH, Ditadura, História, Jornalismo, Política 2 Comentários
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Escritório caseiro Foto: Ana Helena Tavares
Na varanda de casa Foto: Ana Helena Tavares
Por Ana Helena Tavares(*)
“Meu nome é Modesto, mas a minha origem é muito mais modesta”. Assim, o grande jurista e ex-deputado, Antonio Modesto da Silveira, deu início à entrevista exclusiva que concedeu em sua casa ao site “Quem tem medo da democracia?”. Mas esperem… Escrevi “grande”? Ele não gosta nada disso. “Não sou grande nem fisicamente”. E por isso ele é tão grande: por não achar que é. E como é! ”Você, eu, o rei e o mendigo, todos querem o quê?”, perguntou o entrevistado. E ele mesmo respondeu: “Todos querem felicidade! Buscamos permanentemente. E ela poderia ser tão mais fácil e é tão complicada! Seja por egoísmo humano, ignorância e tantas perturbações que poderíamos ficar aqui enumerando por dias”. E seria um prazer ouvi-lo narrar com ainda mais detalhes a forma guerreira como viveu e vive.
“Aprendendo a brincar trabalhando“
“Sou filho de lavradores sem-terra, do interior de Minas, a mil quilômetros da então capital federal, Rio de Janeiro. Lá era uma roça, um local chamado Ponte Alta. E meus pais com cinco filhos… Foi uma infância muito difícil mesmo. Mas não reclamo. Acho até que foi muito bom.”
“Não me arrependo de nada. Até porque tive uma família que foi bastante unida e colaboradora. Minha mãe um modelo de mulher. Meu pai um homem normal, que cometeu erros e acertos, como eu e você, uns mais outros menos.”
“E eu não era o único. Todo menino pobre é mais ou menos a mesma coisa. Eu, menino, aprendendo a brincar trabalhando, produzindo. Com 5 ou 6 anos, eu já quis plantar a minha própria lavourinha, junto de casa, e deu ótimo resultado.”
“Rompendo florestas e pedreiras“
“De lavrador eu consegui virar operário, com 16 ou 17 anos, e aí foram muitos anos de luta com pedra e aço. Eu trabalhava em pedreira, produzindo paralelepípedos, etc, e dois dos meus irmãos também.”
“E lutávamos contra a pedra mais dura que eu conheço que é a basáltica. Pedra negra, mais dura que o aço que usávamos para rompê-la. Às vezes, ela rompia o aço, que se arrebentava e nos marcava. Se um dia for feita uma autópsia no meu corpo, vai encontrar não apenas os cortes de enxada da lavoura como também inúmeros fragmentos, estilhaços de aço pelas pernas, pelos braços, pelo peito…”
Mas, segundo ele, “pedreira mais difícil mesmo foi como um jovem conseguiu estudar num ambiente em que a maioria era analfabeta. E foi isso… Rompendo florestas e pedreiras, todos nós conseguimos estudar a duras penas”
Clique aqui e assista a um trecho da narrativa de Modesto sobre sua infância e juventude.
Até que houve o golpe de Estado
“Não só no Brasil, mas em todos os países periféricos.”, lembra Modesto. “O Brasil foi apenas, num determinado momento histórico, a primeira pedra neste longo dominó de ditaduras que interessam a impérios ou, às vezes, até a uma simples grande empresa multinacional que faz as suas ditaduras regionais como quer”, definiu.
A defesa de presos políticos
O também jurista Heleno Fragoso registrou em livro que “Modesto da Silveira foi o advogado que mais defendeu presos políticos.” Modesto acredita que seja verdade.
“Fui muito solicitado. Defendi muita gente do Oiapoque ao Chuí, de Belém a Porto Alegre”, mas pondera: “Tive colegas que me ajudaram também. E, assim, realmente deu para defender milhares de pessoas. Ninguém tem estatística das vítimas e perseguidos, mas posso calcular mais ou menos em centenas de milhares. Ou milhões, se considerarmos que os familiares também foram atingidos indiretamente”
Clique aqui e assista ao jurista contando um pouco sobre a defesa de presos políticos.
Até que veio o AI-2
“Os próprios advogados se tornaram vítimas. Muitos foram seqüestrados, quase todos pelo DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna). Só pelo fato de defenderem os direitos humanos!”
“Além de mim, posso citar: Sobral Pinto, Evaristo de Moraes, Vivaldo Vasconcelos, George Tavares, Heleno Fragoso e Augusto Sussekind. Isso só no Rio de Janeiro”.
“Os militares, com o AI-2 (Ato Institucional nº 2, de 27/10/1965), tiraram os poderes da justiça comum, porque desconfiavam dos juízes civis e queriam ter seus próprios juízes, muitos dos quais absolutamente manipulizados ou manipulizáveis.” E conta que muitos nem tinham formação. “Diziam que eram sorteados, mas, na verdade, eram escolhidos”, frisou.
“A maldade desorganizada“
“Aqui, além da organização da maldade, que há em todas as ditaduras, havia a maldade desorganizada de cada doente mental que seqüestrava, torturava e matava. Ele era dono da sua liberdade, da sua moral e do seu corpo. Assim, quando, por exemplo, seqüestravam uma mulher jovem e atraente, iam desnudando logo. Para observar, comentar, manusear e usar como objeto de sexo e de violência. Tanto que eu tive clientes que se engravidaram. Se a gente pudesse reproduzir tudo daria uma enciclopédia do terror que dificilmente você vê igual na história da humanidade.”
“O povo organizado“
“Em 79, houve uma grita nas ruas do mundo, na medida em que os homens e instituições de bem militavam nos centros de poder, seja nos EUA, França ou Inglaterra, repudiando o absurdo que ocorria no Brasil. E o povo começou a vir pra rua de forma organizada para exigir anistia.”
A luta pela anistia
“A anistia é uma tradição multi-milenar dos povos considerados civilizados para os chamados “crimes evolutivos”: aqueles que chegam a cometer algum abuso ou excesso por uma finalidade maior e política. E o Brasil só conseguiu essa anistia depois de 21 anos de uma ditadura sanguinária e mortífera. Ditadura que foi se desmoralizando, foi tendo que se repensar e sofrendo pressões internacionais.”
“Até o papa (João Paulo II) fez um discurso com recado (indireto) dizendo: ‘É preciso que o maior país católico do mundo pare de praticar tantas desumanidades’. Quando o papa ousa fazer isso, é porque estava demais. E o mundo estava estarrecido. Depois (de 79), as outras ditaduras da América Latina caíram em dominó.”
“Um passo à frente no sentido do humanismo“
“As ditaduras são toleradas e até apoiadas por certos impérios, mas também há um limite além do qual nem eles toleram, porque fica muito negativo para todos. A ditadura podia ser violenta, mas não era burra.”
“Toleraram a anistia, ampla, geral e irrestrita, mas desde que eles estivessem também abrangidos por esta anistia. Houve negociações complicadas até que impuseram: ‘Até aqui aceitamos. Ou é isso ou é nada’. Então, nós fomos obrigados a aceitar aquela anistia precária, que não era a que o povo queria, mas era a possível naquele momento histórico.”
“E já deu para soltar milhares de pessoas dos presídios e que estavam expulsas no exterior. E, enfim, tentar dar um passo à frente no sentido do humanismo.”
Da cadeira de rodas para um discurso histórico
“Tudo estava tão crítico no plano político e humanístico que eu tive um problema de sangramento de úlcera que fui recolhido a um hospital em Brasília. Aí, se não me engano em 22 de Agosto de 79, houve uma votação no Congresso. Consegui negociar com o médico e ele aceitou que eu saísse do hospital para ir votar a anistia, desde que eu andasse em cadeiras de rodas, porque eu estava muito fragilizado.”
“Chegando ao Congresso (era deputado federal), fui recebido pelo líder da bancada, que era o Freitas Nobre, e pelo presidente do MDB, que era o Ulysses Guimarães. Galerias cheias, plenário cheio, debate acirrado, eles me perguntaram: ‘Você tem condições de subir à Tribuna para nos ajudar a fazer encaminhamento da votação?’ Eu disse: claro, subo, me arrastando. E fiz um discurso falando das dificuldades de se conseguir uma anistia verdadeira, mas que o caminho continuaria aberto para seguir a luta até o final”
Clique aqui para assistir ao ex-deputado contando a história da luta pela anistia.
E 32 anos depois Modesto vai às lágrimas
“Porque eu me lembro… Eu conto e revivo a história O sofrimento dos clientes… As coisas como me foram reveladas e até exibidas. E entro de novo no sofrimento da época.”
A malandragem dos crimes conexos
“Mas a anistia – publicada a 28 de agosto de 79 – foi votada de uma forma muito malandra, marota. Pela qual os juristas militares e civis a serviço da ditadura inseriram na lei uma expressão chamada “crimes conexos”, que estaria anistiando os criminosos oficiais do governo tanto quanto as vítimas. Mas você não pode nunca misturar um crime político com um crime comum”.
Passado, presente e futuro
“E eles continuaram cometendo os crimes deles, seqüestros, estupros, torturas e tudo mais, mesmo depois da aprovação da lei. Então, seria uma lei, que não existe em lugar nenhum do mundo, vigente para o passado, presente e futuro. Por exemplo, houve o caso do Rio Centro em 81 e eles queriam estar anistiados pelo terrorismo praticado dois anos depois da lei. Isso não existe! Você está perdoado pelos crimes futuros?! Não existe! Mas isto foi feito! Os tais “crimes conexos” permitiriam isso.”
A ocultação de cadáver
“Isso houve centenas. Em Petrópolis, há uma “Casa da Morte”. Quantas pessoas foram assassinadas ali e onde estão os corpos? Eles usavam mil modos… Seja jogar no fundo do mar, seja enterrar no interior de uma floresta qualquer.”
A morte brutal do ex-deputado David Capistrano
“Por exemplo, o ex-deputado David Capistrano, tem informação concreta de que ele foi não só torturado, como levado morto até a “Casa da Morte”, onde foi esquartejado, como fizeram com Tiradentes. E mais do que isso: depois, picotaram pendurando em ganchos de açougue, num varal, para terror dos demais que passassem por ali. A família está aí e quer saber: onde estão os pedaços, os ossos do esqueleto de um homem que foi deputado, que foi uma autoridade, um líder político? Cadê? Isso sem falar em Rubens Paiva e outros…”
Comissão da Verdade
“Quanto ao tempo (está previsto que seja apurado de 46 a 88) é preciso ver as condições de apuração dessa abrangência toda. A ditadura não começou em 46, começou em 64. Este é o foco central. O resto são complementos que se forem úteis devem ser apurados. De qualquer forma, eu penso que a Comissão é necessária. Os dois anos (de prazo) são insuficientes? É evidente! Tem país pequenininho aí, que não representa um décimo do Brasil, e que (começaram com prazo de dois anos) sentiram falta de estender e estenderam para quatro. E nada impede que isso aconteça aqui. Por outro lado, o número previsto na lei é de sete membros para a Comissão. É claro que é pouco. Mas é possível que funcione razoavelmente bem se eles tiverem uma estrutura básica de bom funcionamento. Se não poderá virar uma farsa. Se virar, o dever dos homens de bem é denunciá-la e se retirar. Mas se ela funcionar bem, só é preciso suprir as deficiências. Então, vamos aguardar.”
Clique aqui para assistir a Modesto da Silveira definindo os crimes conexos como artifício “malandro e maroto” e comentando a Comissão da Verdade.
A atuação de Dilma
“Acredito que a presidente Dilma, que tem uma história muito bonita, vai atuar de uma forma correta e decente. Ela tem ido bem. Lógico que a gente tem que entender que um presidente da República não é um ditador, um tirano, um dono do país. Está subordinado a uma engrenagem complicada e tem que ver o que consegue. Espero que ela consiga muito, porque ela teve e vai ter o apoio popular. E se é verdade que ‘todo poder emana do povo’ ela fará o que o povo desejar e o que for correto.”
A mídia aluga espaço, idéias e até o pensamento
“Pode haver certa indiferença do povo sobre a questão da ditadura, porque os meios que levam as informações não têm se interessado suficientemente por isso. Toda forma de sonegação da informação é sempre suspeita! Toda grande imprensa é uma grande empresa. E qual a finalidade de toda empresa privada? O lucro! E aí, é claro, depende de quem queira alugar seu espaço, as suas idéias ou até o seu pensamento.”
“Desde que não atrapalhe o seu produto de venda… Mas a partir do momento em que o povo tome conhecimento por todas as vias, desde as mais formais e interesseiras como a chamada “grande imprensa” até as pequenas organizações e personalidades, eu creio que o povo pode tomar uma boa posição como tomou tantas vezes no passado.”
A responsabilidade do Estado e de seus agentes
“Sou contra seqüestrar seqüestrador, torturar torturador, matar assassino. Aí seria revanchismo. Mas o Estado deve assumir, porque agentes seus praticaram o mal. Agora, ao assumir a culpa, ele tem ação regressiva com aquele que praticou determinado crime. E esta ação inclui tudo o que ele fez de errado ou criminoso em nome do Estado. Mas quem tem que pagar pelo dano causado é quem o cometeu.”
“Exemplificando de uma maneira muito simples: se hoje um funcionário público, seja ele policial ou o que for, causar um prejuízo material aqui no meu jardim, o Estado tem que me pagar, mas depois poderá cobrar do seu funcionário. Pois bem… O Estado brasileiro está se esquecendo disso. Vamos supor um delegado ou um soldado… Mesmo que ele não tenha como pagar, ele tem um soldo ou uma aposentadoria a receber. Então, que parte dela seja para indenizar o Estado! Eu penso assim.”
Clique aqui para assisti-lo negar o caráter revanchista da punição aos torturadores.
“O Brasil está em débito com a humanidade“
A decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos de que o Brasil deve julgar e punir os crimes do Araguaia mostra que “o país está em débito ético com a humanidade”. Esta é a posição de Modesto da Silveira, que explica seus porquês:
“Porque viola as regras mundiais! A Constituição da humanidade qual é? A Carta de Direitos Humanos da ONU! Quem viola isso aí tem que se rearrumar. O Brasil enquanto ditadura, a partir de 1º de Abril de 64, violou continuamente.”
“Eles têm medo do 1º de Abril“
“Porque o que eles impuseram foi uma grande mentira ao povo brasileiro. Dizendo coisas que não tinham nada a ver, só para dar golpe do poder contra a nação. Se você verificar nas estatísticas, logo depois do 1º de Abril, quem foi perseguido e quem foi perseguidor, você verá que nenhum sindicato dos patrões sofreu intervenção ou incômodo. Em contrapartida, em todos os sindicatos de trabalhadores suas lideranças foram presas e etc.
“Foi um golpe de patrão contra trabalhador“
“Então, o que se vê? Que foi um golpe de patrão contra trabalhador! Tanto no plano nacional, como no internacional, com o apoio das grandes potências econômicas do mundo individualista ou capitalista, que se reuniram e ainda estão no poder”.
A exceção Lula
Modesto aponta o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva como “exceção num mundo onde não há operários nem donas de casa no poder”. E avalia que ele “governou com muita habilidade, alguém sério. Antes, havia bandidos no poder, que se revelaram delinqüentes e não presidentes. Para governar o melhor que pôde, (Lula) teve que ter um bom jogo de cintura e fazer acomodações, sem o que ele não iria longe. Poderia ser desestabilizado ou até assassinado, como muitos outros foram ao longo da história do terceiro mundo.”
Os presidentes assassinados nos EUA
“Mesmo nos próprios Estados Unidos, quatro presidentes foram assassinados. Por que eram maus? Não! Eles até tinham idéias boas. Do Lincoln até o Kennedy. Não que fossem maravilhosos. Mas tinham algumas idéias que incomodavam aos donos econômicos do poder. E o mundo está cheio dessas histórias…”
“Empresários tiveram prazer em patrocinar a ditadura“
Para Modesto da Silveira, investigar os empresários, muitos deles estrangeiros, que apoiaram a ditadura brasileira “se tornará uma necessidade, sem o que você não contribui para a humanidade melhorar”. E vai além: “Há sinais, provas e documentos no sentido de que houve muitos empresários que tiveram prazer em financiar os serviços de repressão e de abuso. Houve até extremos de alguns empresários muito ricos serem verdadeiros doentes mentais e participarem da violência e da tortura junto com os torturadores.”
“Os voluntários do Lacerda“
“Havia até pessoas que se voluntariavam para perseguir políticos opositores. Os chamados “voluntários do poder” ou “voluntários do Lacerda”. Tinha gente que deixava sua profissão e se apresentava para fazer qualquer serviço.”
“Quando eu fui seqüestrado, ficou claro que os dois ou três que me levaram eram doentes mentais, pelas coisas que diziam. Tão evidente que fiquei espantado e o colega que foi levado comigo me fez sinal (com o dedo rodando em volta da orelha) para me dizer que eles eram loucos.”
Modesto, porém, assegura: “Em todo o mundo, por mais equilibrado que seja um governo, há alguém cometendo um equívoco ou um erro. Até no Vaticano ou em qualquer país, você não pode evitar que haja uma pessoa doente, um neurótico…”
Clique aqui e assista a Modesto falando sobre a patologia da maldade.
E ainda hoje
“Um policial qualquer por alguma razão psicótica pode estar torturando alguém. Mas ele sabe que está errado! E deve pagar pelo crime que cometeu. A diferença é que hoje é possível você chegar lá… Numa ditadura, você jamais chegará ao agente do crime, a não ser que a ditadura queira.”
“É claro que nós temos que lutar contra os abusos permanentes do ser humano, mas abusos sistemáticos como os das ditaduras são absolutamente inaceitáveis, porque atingem na prática a todo mundo. E, numa ditadura, quem é perseguido não é o criminoso, é o divergente de idéias. Aquele que quer um mundo melhor é que passa a ser a vítima.”
“Mas eu sei que se nós saíssemos daqui agora e pudéssemos entrar em todas as delegacias, do Brasil e do mundo, nós encontraríamos alguém abusando da lei e do ser humano. Mas é esporádico e nossa luta é para que isso desapareça da face da Terra. Para isso, temos ainda muito pela frente… Por enquanto, é apenas um sonho.”
“Lutando para se desvincular do Estado autoritário“
O Brasil ainda tem no poder muitos membros da ditadura e luta para se livrar desta herança. Essa é a visão de Modesto da Silveira. Mas ele não vê termo de comparação entre as duas situações do país. “Hoje é infinitamente melhor, está dependendo apenas das correções que nós ajudarmos a fazer. É preciso mudar muita coisa do sistema para que ele fique realmente democrático e humanístico”.
Possibilidade de novo golpe
“Existe”, sentencia Modesto, que se explica: “Porque quem dá golpe sempre faz de maneira sigilosa e clandestina, negociando com as piores espécies. Hoje não há tanto medo como no passado, mas o Estado Democrático pode e deve ser aperfeiçoado. Até por haver ainda pessoas dentro dele que não são democráticas”.
Mas, afinal, o que é democracia e quem a teme? (clique aqui para assisti-lo respondendo)
Modesto começa definindo o termo: “A expressão etimológica é muito ampla: “demo-cracia” = governo do povo. Seria tudo o que é bom e de interesse da maioria do povo.” Aí, sim, quem tem medo? Para ele, “só os autoritários, os ditadores e exploradores. Mas são muitos, infelizmente.” E garante: “O povo não gosta de ser explorado”.
“Não existe democracia perfeita“
“Você até percebe a boa intenção de ampliar (a democracia no sentido grego), mas ela foi muitas vezes deformada. Torna-se difícil, porque cada vez que há um avanço, arranjam um jeito de dar um golpe naquele avanço, de destruí-lo. Mesmo no país mais democrático do mundo, ainda não existe uma democracia perfeita. A nossa está numa marcha importante.”
Monarquia: exemplo do que não é democracia
“Ditaduras vitalícias e hereditárias que não conseguem ser democracias nunca”, assim Modesto da Silveira define as monarquias. Mesmo tendo parlamento, “o rei (ou rainha) é simbólico em termos, porque ele tem um peso muito maior do que qualquer outro cidadão, ele é totalmente diferenciado, tem vantagens infinitas e quem mantém sua fortuna é o povo”, diz exemplificando através do império britânico, que chama de “monarquia modelo”. Avalia que “o que há de deformações democráticas ali é muita coisa. Pode até ser ‘menos pior’ que uma monarquia absoluta, mas não é democracia de forma nenhuma.”
Os paraísos fiscais
“A grande monarca britânica é dona de ‘paraisinhos’ fiscais. Isso é um nojo no mundo. Os paraísos fiscais, em minha opinião são os grandes receptadores dos grandes bandidos. E há nações dedicadas a isso! Essa realidade tem que ser colocada a nu”
“Um mundo que está neste pé não é um mundo de grande evolução democrática. Temos muito a caminhar“, conclui Modesto da Silveira.
=> Esta entrevista é a continuação de uma série sobre a ditadura. Para conferir as anteriores, clique aqui.
*Ana Helena Tavares é editora do site “Quem tem medo da democracia?”
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Escritório caseiro Foto: Ana Helena Tavares
Na varanda de casa Foto: Ana Helena Tavares
Por Ana Helena Tavares(*)
“Meu nome é Modesto, mas a minha origem é muito mais modesta”. Assim, o grande jurista e ex-deputado, Antonio Modesto da Silveira, deu início à entrevista exclusiva que concedeu em sua casa ao site “Quem tem medo da democracia?”. Mas esperem… Escrevi “grande”? Ele não gosta nada disso. “Não sou grande nem fisicamente”. E por isso ele é tão grande: por não achar que é. E como é! ”Você, eu, o rei e o mendigo, todos querem o quê?”, perguntou o entrevistado. E ele mesmo respondeu: “Todos querem felicidade! Buscamos permanentemente. E ela poderia ser tão mais fácil e é tão complicada! Seja por egoísmo humano, ignorância e tantas perturbações que poderíamos ficar aqui enumerando por dias”. E seria um prazer ouvi-lo narrar com ainda mais detalhes a forma guerreira como viveu e vive.
“Aprendendo a brincar trabalhando“
“Sou filho de lavradores sem-terra, do interior de Minas, a mil quilômetros da então capital federal, Rio de Janeiro. Lá era uma roça, um local chamado Ponte Alta. E meus pais com cinco filhos… Foi uma infância muito difícil mesmo. Mas não reclamo. Acho até que foi muito bom.”
“Não me arrependo de nada. Até porque tive uma família que foi bastante unida e colaboradora. Minha mãe um modelo de mulher. Meu pai um homem normal, que cometeu erros e acertos, como eu e você, uns mais outros menos.”
“E eu não era o único. Todo menino pobre é mais ou menos a mesma coisa. Eu, menino, aprendendo a brincar trabalhando, produzindo. Com 5 ou 6 anos, eu já quis plantar a minha própria lavourinha, junto de casa, e deu ótimo resultado.”
“Rompendo florestas e pedreiras“
“De lavrador eu consegui virar operário, com 16 ou 17 anos, e aí foram muitos anos de luta com pedra e aço. Eu trabalhava em pedreira, produzindo paralelepípedos, etc, e dois dos meus irmãos também.”
“E lutávamos contra a pedra mais dura que eu conheço que é a basáltica. Pedra negra, mais dura que o aço que usávamos para rompê-la. Às vezes, ela rompia o aço, que se arrebentava e nos marcava. Se um dia for feita uma autópsia no meu corpo, vai encontrar não apenas os cortes de enxada da lavoura como também inúmeros fragmentos, estilhaços de aço pelas pernas, pelos braços, pelo peito…”
Mas, segundo ele, “pedreira mais difícil mesmo foi como um jovem conseguiu estudar num ambiente em que a maioria era analfabeta. E foi isso… Rompendo florestas e pedreiras, todos nós conseguimos estudar a duras penas”
Clique aqui e assista a um trecho da narrativa de Modesto sobre sua infância e juventude.
Até que houve o golpe de Estado
“Não só no Brasil, mas em todos os países periféricos.”, lembra Modesto. “O Brasil foi apenas, num determinado momento histórico, a primeira pedra neste longo dominó de ditaduras que interessam a impérios ou, às vezes, até a uma simples grande empresa multinacional que faz as suas ditaduras regionais como quer”, definiu.
A defesa de presos políticos
O também jurista Heleno Fragoso registrou em livro que “Modesto da Silveira foi o advogado que mais defendeu presos políticos.” Modesto acredita que seja verdade.
“Fui muito solicitado. Defendi muita gente do Oiapoque ao Chuí, de Belém a Porto Alegre”, mas pondera: “Tive colegas que me ajudaram também. E, assim, realmente deu para defender milhares de pessoas. Ninguém tem estatística das vítimas e perseguidos, mas posso calcular mais ou menos em centenas de milhares. Ou milhões, se considerarmos que os familiares também foram atingidos indiretamente”
Clique aqui e assista ao jurista contando um pouco sobre a defesa de presos políticos.
Até que veio o AI-2
“Os próprios advogados se tornaram vítimas. Muitos foram seqüestrados, quase todos pelo DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna). Só pelo fato de defenderem os direitos humanos!”
“Além de mim, posso citar: Sobral Pinto, Evaristo de Moraes, Vivaldo Vasconcelos, George Tavares, Heleno Fragoso e Augusto Sussekind. Isso só no Rio de Janeiro”.
“Os militares, com o AI-2 (Ato Institucional nº 2, de 27/10/1965), tiraram os poderes da justiça comum, porque desconfiavam dos juízes civis e queriam ter seus próprios juízes, muitos dos quais absolutamente manipulizados ou manipulizáveis.” E conta que muitos nem tinham formação. “Diziam que eram sorteados, mas, na verdade, eram escolhidos”, frisou.
“A maldade desorganizada“
“Aqui, além da organização da maldade, que há em todas as ditaduras, havia a maldade desorganizada de cada doente mental que seqüestrava, torturava e matava. Ele era dono da sua liberdade, da sua moral e do seu corpo. Assim, quando, por exemplo, seqüestravam uma mulher jovem e atraente, iam desnudando logo. Para observar, comentar, manusear e usar como objeto de sexo e de violência. Tanto que eu tive clientes que se engravidaram. Se a gente pudesse reproduzir tudo daria uma enciclopédia do terror que dificilmente você vê igual na história da humanidade.”
“O povo organizado“
“Em 79, houve uma grita nas ruas do mundo, na medida em que os homens e instituições de bem militavam nos centros de poder, seja nos EUA, França ou Inglaterra, repudiando o absurdo que ocorria no Brasil. E o povo começou a vir pra rua de forma organizada para exigir anistia.”
A luta pela anistia
“A anistia é uma tradição multi-milenar dos povos considerados civilizados para os chamados “crimes evolutivos”: aqueles que chegam a cometer algum abuso ou excesso por uma finalidade maior e política. E o Brasil só conseguiu essa anistia depois de 21 anos de uma ditadura sanguinária e mortífera. Ditadura que foi se desmoralizando, foi tendo que se repensar e sofrendo pressões internacionais.”
“Até o papa (João Paulo II) fez um discurso com recado (indireto) dizendo: ‘É preciso que o maior país católico do mundo pare de praticar tantas desumanidades’. Quando o papa ousa fazer isso, é porque estava demais. E o mundo estava estarrecido. Depois (de 79), as outras ditaduras da América Latina caíram em dominó.”
“Um passo à frente no sentido do humanismo“
“As ditaduras são toleradas e até apoiadas por certos impérios, mas também há um limite além do qual nem eles toleram, porque fica muito negativo para todos. A ditadura podia ser violenta, mas não era burra.”
“Toleraram a anistia, ampla, geral e irrestrita, mas desde que eles estivessem também abrangidos por esta anistia. Houve negociações complicadas até que impuseram: ‘Até aqui aceitamos. Ou é isso ou é nada’. Então, nós fomos obrigados a aceitar aquela anistia precária, que não era a que o povo queria, mas era a possível naquele momento histórico.”
“E já deu para soltar milhares de pessoas dos presídios e que estavam expulsas no exterior. E, enfim, tentar dar um passo à frente no sentido do humanismo.”
Da cadeira de rodas para um discurso histórico
“Tudo estava tão crítico no plano político e humanístico que eu tive um problema de sangramento de úlcera que fui recolhido a um hospital em Brasília. Aí, se não me engano em 22 de Agosto de 79, houve uma votação no Congresso. Consegui negociar com o médico e ele aceitou que eu saísse do hospital para ir votar a anistia, desde que eu andasse em cadeiras de rodas, porque eu estava muito fragilizado.”
“Chegando ao Congresso (era deputado federal), fui recebido pelo líder da bancada, que era o Freitas Nobre, e pelo presidente do MDB, que era o Ulysses Guimarães. Galerias cheias, plenário cheio, debate acirrado, eles me perguntaram: ‘Você tem condições de subir à Tribuna para nos ajudar a fazer encaminhamento da votação?’ Eu disse: claro, subo, me arrastando. E fiz um discurso falando das dificuldades de se conseguir uma anistia verdadeira, mas que o caminho continuaria aberto para seguir a luta até o final”
Clique aqui para assistir ao ex-deputado contando a história da luta pela anistia.
E 32 anos depois Modesto vai às lágrimas
“Porque eu me lembro… Eu conto e revivo a história O sofrimento dos clientes… As coisas como me foram reveladas e até exibidas. E entro de novo no sofrimento da época.”
A malandragem dos crimes conexos
“Mas a anistia – publicada a 28 de agosto de 79 – foi votada de uma forma muito malandra, marota. Pela qual os juristas militares e civis a serviço da ditadura inseriram na lei uma expressão chamada “crimes conexos”, que estaria anistiando os criminosos oficiais do governo tanto quanto as vítimas. Mas você não pode nunca misturar um crime político com um crime comum”.
Passado, presente e futuro
“E eles continuaram cometendo os crimes deles, seqüestros, estupros, torturas e tudo mais, mesmo depois da aprovação da lei. Então, seria uma lei, que não existe em lugar nenhum do mundo, vigente para o passado, presente e futuro. Por exemplo, houve o caso do Rio Centro em 81 e eles queriam estar anistiados pelo terrorismo praticado dois anos depois da lei. Isso não existe! Você está perdoado pelos crimes futuros?! Não existe! Mas isto foi feito! Os tais “crimes conexos” permitiriam isso.”
A ocultação de cadáver
“Isso houve centenas. Em Petrópolis, há uma “Casa da Morte”. Quantas pessoas foram assassinadas ali e onde estão os corpos? Eles usavam mil modos… Seja jogar no fundo do mar, seja enterrar no interior de uma floresta qualquer.”
A morte brutal do ex-deputado David Capistrano
“Por exemplo, o ex-deputado David Capistrano, tem informação concreta de que ele foi não só torturado, como levado morto até a “Casa da Morte”, onde foi esquartejado, como fizeram com Tiradentes. E mais do que isso: depois, picotaram pendurando em ganchos de açougue, num varal, para terror dos demais que passassem por ali. A família está aí e quer saber: onde estão os pedaços, os ossos do esqueleto de um homem que foi deputado, que foi uma autoridade, um líder político? Cadê? Isso sem falar em Rubens Paiva e outros…”
Comissão da Verdade
“Quanto ao tempo (está previsto que seja apurado de 46 a 88) é preciso ver as condições de apuração dessa abrangência toda. A ditadura não começou em 46, começou em 64. Este é o foco central. O resto são complementos que se forem úteis devem ser apurados. De qualquer forma, eu penso que a Comissão é necessária. Os dois anos (de prazo) são insuficientes? É evidente! Tem país pequenininho aí, que não representa um décimo do Brasil, e que (começaram com prazo de dois anos) sentiram falta de estender e estenderam para quatro. E nada impede que isso aconteça aqui. Por outro lado, o número previsto na lei é de sete membros para a Comissão. É claro que é pouco. Mas é possível que funcione razoavelmente bem se eles tiverem uma estrutura básica de bom funcionamento. Se não poderá virar uma farsa. Se virar, o dever dos homens de bem é denunciá-la e se retirar. Mas se ela funcionar bem, só é preciso suprir as deficiências. Então, vamos aguardar.”
Clique aqui para assistir a Modesto da Silveira definindo os crimes conexos como artifício “malandro e maroto” e comentando a Comissão da Verdade.
A atuação de Dilma
“Acredito que a presidente Dilma, que tem uma história muito bonita, vai atuar de uma forma correta e decente. Ela tem ido bem. Lógico que a gente tem que entender que um presidente da República não é um ditador, um tirano, um dono do país. Está subordinado a uma engrenagem complicada e tem que ver o que consegue. Espero que ela consiga muito, porque ela teve e vai ter o apoio popular. E se é verdade que ‘todo poder emana do povo’ ela fará o que o povo desejar e o que for correto.”
A mídia aluga espaço, idéias e até o pensamento
“Pode haver certa indiferença do povo sobre a questão da ditadura, porque os meios que levam as informações não têm se interessado suficientemente por isso. Toda forma de sonegação da informação é sempre suspeita! Toda grande imprensa é uma grande empresa. E qual a finalidade de toda empresa privada? O lucro! E aí, é claro, depende de quem queira alugar seu espaço, as suas idéias ou até o seu pensamento.”
“Desde que não atrapalhe o seu produto de venda… Mas a partir do momento em que o povo tome conhecimento por todas as vias, desde as mais formais e interesseiras como a chamada “grande imprensa” até as pequenas organizações e personalidades, eu creio que o povo pode tomar uma boa posição como tomou tantas vezes no passado.”
A responsabilidade do Estado e de seus agentes
“Sou contra seqüestrar seqüestrador, torturar torturador, matar assassino. Aí seria revanchismo. Mas o Estado deve assumir, porque agentes seus praticaram o mal. Agora, ao assumir a culpa, ele tem ação regressiva com aquele que praticou determinado crime. E esta ação inclui tudo o que ele fez de errado ou criminoso em nome do Estado. Mas quem tem que pagar pelo dano causado é quem o cometeu.”
“Exemplificando de uma maneira muito simples: se hoje um funcionário público, seja ele policial ou o que for, causar um prejuízo material aqui no meu jardim, o Estado tem que me pagar, mas depois poderá cobrar do seu funcionário. Pois bem… O Estado brasileiro está se esquecendo disso. Vamos supor um delegado ou um soldado… Mesmo que ele não tenha como pagar, ele tem um soldo ou uma aposentadoria a receber. Então, que parte dela seja para indenizar o Estado! Eu penso assim.”
Clique aqui para assisti-lo negar o caráter revanchista da punição aos torturadores.
“O Brasil está em débito com a humanidade“
A decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos de que o Brasil deve julgar e punir os crimes do Araguaia mostra que “o país está em débito ético com a humanidade”. Esta é a posição de Modesto da Silveira, que explica seus porquês:
“Porque viola as regras mundiais! A Constituição da humanidade qual é? A Carta de Direitos Humanos da ONU! Quem viola isso aí tem que se rearrumar. O Brasil enquanto ditadura, a partir de 1º de Abril de 64, violou continuamente.”
“Eles têm medo do 1º de Abril“
“Porque o que eles impuseram foi uma grande mentira ao povo brasileiro. Dizendo coisas que não tinham nada a ver, só para dar golpe do poder contra a nação. Se você verificar nas estatísticas, logo depois do 1º de Abril, quem foi perseguido e quem foi perseguidor, você verá que nenhum sindicato dos patrões sofreu intervenção ou incômodo. Em contrapartida, em todos os sindicatos de trabalhadores suas lideranças foram presas e etc.
“Foi um golpe de patrão contra trabalhador“
“Então, o que se vê? Que foi um golpe de patrão contra trabalhador! Tanto no plano nacional, como no internacional, com o apoio das grandes potências econômicas do mundo individualista ou capitalista, que se reuniram e ainda estão no poder”.
A exceção Lula
Modesto aponta o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva como “exceção num mundo onde não há operários nem donas de casa no poder”. E avalia que ele “governou com muita habilidade, alguém sério. Antes, havia bandidos no poder, que se revelaram delinqüentes e não presidentes. Para governar o melhor que pôde, (Lula) teve que ter um bom jogo de cintura e fazer acomodações, sem o que ele não iria longe. Poderia ser desestabilizado ou até assassinado, como muitos outros foram ao longo da história do terceiro mundo.”
Os presidentes assassinados nos EUA
“Mesmo nos próprios Estados Unidos, quatro presidentes foram assassinados. Por que eram maus? Não! Eles até tinham idéias boas. Do Lincoln até o Kennedy. Não que fossem maravilhosos. Mas tinham algumas idéias que incomodavam aos donos econômicos do poder. E o mundo está cheio dessas histórias…”
“Empresários tiveram prazer em patrocinar a ditadura“
Para Modesto da Silveira, investigar os empresários, muitos deles estrangeiros, que apoiaram a ditadura brasileira “se tornará uma necessidade, sem o que você não contribui para a humanidade melhorar”. E vai além: “Há sinais, provas e documentos no sentido de que houve muitos empresários que tiveram prazer em financiar os serviços de repressão e de abuso. Houve até extremos de alguns empresários muito ricos serem verdadeiros doentes mentais e participarem da violência e da tortura junto com os torturadores.”
“Os voluntários do Lacerda“
“Havia até pessoas que se voluntariavam para perseguir políticos opositores. Os chamados “voluntários do poder” ou “voluntários do Lacerda”. Tinha gente que deixava sua profissão e se apresentava para fazer qualquer serviço.”
“Quando eu fui seqüestrado, ficou claro que os dois ou três que me levaram eram doentes mentais, pelas coisas que diziam. Tão evidente que fiquei espantado e o colega que foi levado comigo me fez sinal (com o dedo rodando em volta da orelha) para me dizer que eles eram loucos.”
Modesto, porém, assegura: “Em todo o mundo, por mais equilibrado que seja um governo, há alguém cometendo um equívoco ou um erro. Até no Vaticano ou em qualquer país, você não pode evitar que haja uma pessoa doente, um neurótico…”
Clique aqui e assista a Modesto falando sobre a patologia da maldade.
E ainda hoje
“Um policial qualquer por alguma razão psicótica pode estar torturando alguém. Mas ele sabe que está errado! E deve pagar pelo crime que cometeu. A diferença é que hoje é possível você chegar lá… Numa ditadura, você jamais chegará ao agente do crime, a não ser que a ditadura queira.”
“É claro que nós temos que lutar contra os abusos permanentes do ser humano, mas abusos sistemáticos como os das ditaduras são absolutamente inaceitáveis, porque atingem na prática a todo mundo. E, numa ditadura, quem é perseguido não é o criminoso, é o divergente de idéias. Aquele que quer um mundo melhor é que passa a ser a vítima.”
“Mas eu sei que se nós saíssemos daqui agora e pudéssemos entrar em todas as delegacias, do Brasil e do mundo, nós encontraríamos alguém abusando da lei e do ser humano. Mas é esporádico e nossa luta é para que isso desapareça da face da Terra. Para isso, temos ainda muito pela frente… Por enquanto, é apenas um sonho.”
“Lutando para se desvincular do Estado autoritário“
O Brasil ainda tem no poder muitos membros da ditadura e luta para se livrar desta herança. Essa é a visão de Modesto da Silveira. Mas ele não vê termo de comparação entre as duas situações do país. “Hoje é infinitamente melhor, está dependendo apenas das correções que nós ajudarmos a fazer. É preciso mudar muita coisa do sistema para que ele fique realmente democrático e humanístico”.
Possibilidade de novo golpe
“Existe”, sentencia Modesto, que se explica: “Porque quem dá golpe sempre faz de maneira sigilosa e clandestina, negociando com as piores espécies. Hoje não há tanto medo como no passado, mas o Estado Democrático pode e deve ser aperfeiçoado. Até por haver ainda pessoas dentro dele que não são democráticas”.
Mas, afinal, o que é democracia e quem a teme? (clique aqui para assisti-lo respondendo)
Modesto começa definindo o termo: “A expressão etimológica é muito ampla: “demo-cracia” = governo do povo. Seria tudo o que é bom e de interesse da maioria do povo.” Aí, sim, quem tem medo? Para ele, “só os autoritários, os ditadores e exploradores. Mas são muitos, infelizmente.” E garante: “O povo não gosta de ser explorado”.
“Não existe democracia perfeita“
“Você até percebe a boa intenção de ampliar (a democracia no sentido grego), mas ela foi muitas vezes deformada. Torna-se difícil, porque cada vez que há um avanço, arranjam um jeito de dar um golpe naquele avanço, de destruí-lo. Mesmo no país mais democrático do mundo, ainda não existe uma democracia perfeita. A nossa está numa marcha importante.”
Monarquia: exemplo do que não é democracia
“Ditaduras vitalícias e hereditárias que não conseguem ser democracias nunca”, assim Modesto da Silveira define as monarquias. Mesmo tendo parlamento, “o rei (ou rainha) é simbólico em termos, porque ele tem um peso muito maior do que qualquer outro cidadão, ele é totalmente diferenciado, tem vantagens infinitas e quem mantém sua fortuna é o povo”, diz exemplificando através do império britânico, que chama de “monarquia modelo”. Avalia que “o que há de deformações democráticas ali é muita coisa. Pode até ser ‘menos pior’ que uma monarquia absoluta, mas não é democracia de forma nenhuma.”
Os paraísos fiscais
“A grande monarca britânica é dona de ‘paraisinhos’ fiscais. Isso é um nojo no mundo. Os paraísos fiscais, em minha opinião são os grandes receptadores dos grandes bandidos. E há nações dedicadas a isso! Essa realidade tem que ser colocada a nu”
“Um mundo que está neste pé não é um mundo de grande evolução democrática. Temos muito a caminhar“, conclui Modesto da Silveira.
=> Esta entrevista é a continuação de uma série sobre a ditadura. Para conferir as anteriores, clique aqui.
*Ana Helena Tavares é editora do site “Quem tem medo da democracia?”
Pensamentando
O último churrasco em Santiago
Escrito por Mário Maestri
Sexta, 13 de Janeiro de 2012
Meu último assado em Santiago foi em inícios de 1973. Os dias eram ainda longos e o verão não começara a encolher-se, mantendo a ilusão que as noites geladas do inverno continuariam para sempre escondidas por detrás das cordilheiras que cercam a cidade.
A flaca Cecilia preparava o tecito com ayulla e huevitos revueltos que servia após a reunião. Eu olhava os exemplares de El Rebelde que o Chino trouxera para vendermos, ali mesmo, na Vila Macul, na manhã do dia seguinte. Mário, ao meu lado, falou-me em voz ainda mais baixa do que a normal.
– Compañero José Antonio, já comeste cabrito? Gostarias de comer um assado de cabrito, domingo? Meus companheiros de trabalho querem te conhecer.
Tínhamos grande respeito por Mário, devido a sua trajetória e idade. Entre nós, era o mais velho. Teria já quarenta anos. Era do campo, trabalhara na Concha y Tora, mudara-se para Santiago, onde dirigia, agora, pequena equipe na construção civil.
– Como no! Jamais comi cabrito! Será um prazer. Levo o vinho, respondi, al tiro!
O convite era maná dos céus! A direita, financiada pelo imperialismo, sabotava sem dó a economia para exasperar a população com o desabastecimento. Se a carne sempre fora um quase luxo para a população, agora era verdadeira raridade. Jamais comera um assado, desde minha chegada em Santiago, em fins de 1970!
Após a venda dos jornais, paramos em uma botilleria, onde Mário iniciou sua já célebre operação. Confabulou com o botillero, dirigiu-se por entre os engradados de cerveja para a prateleira de vinhos do pequeno negócio. Selecionou algumas garrafas. Leu os rótulos, cheirou as rolhas, examinou o líquido contra a luz do sol. Saímos com quatro garrafas do excelente vinho chileno. Bastariam para os cinco comensais, já que Mário bebia apenas água.
Tomamos uma liebre, sentamos nos bancos de trás, pois íamos até o final da linha. Iniciamos longa viagem em direção à cordilheira, através de poblaciones ornadas com as bandeiras orgulhosas dos partidos de esquerda. Caminhos por meia hora em direção da residência do asador, em uma toma realizada poucos meses antes da vitória da União Patriótica.
Os companheiros encontravam-se na frente de uma meia-água, acocorados em redor do fogo coroado, para meu gáudio, por não um, mas dois cabritos!
Os três anfitriões, jovens, atarracados, de cabelos negríssimos e pele bronzeada, eram mapuches que trabalhavam como peões da construção. Nativos do centro-sul chileno e argentino, os mapuches resistiram com tenacidade à invasão castellana. A vitória de Allende fora o sinal para vasto movimento de recuperação de terras históricas ocupadas por latifundiários.
Ainda mais lacônicos do que Mário, os companheiros deixaram logo claro que eu, brasileiro, refugiado e universitário, estava ali para contar e eles para ouvir. Me interrogaram, sempre em voz baixa, sobre a ditadura, sobre o futebol, sobre a comida no Brasil, a política chilena, sobre o governo de Allende. Tudo regado com o tinto generoso.
As garrafas do excepcional vinho escolhido por Mário chegavam ao fim e eu permanecia com os olhos grudados nos cabritos, que seguiam sendo girados com paciência canina sobre o fogo.
Aproveitei pausa na conversa para avançar a faca sobre o cordeiro mais carnudo e pontificar, confiante: – Al combate, sin miedo!
O companheiro ao meu lado explicou, ao segurar meu braço: – Cabrito tem que ser comido quemadito, quemadito.
Uma vida mais tarde, desmaiando de fome, provei por primeira vez a carne deliciosa de cabrito, ainda que demasiadamente passada para o gosto de rio-grandense comedor de carne sangrenta. Ao final, diante das carcaças e das duas garrafas já derreadas de vinho popular apresentadas pelos anfitriões, perguntei onde era o banheiro.
– Alivia-te no más nos fundos, compadre – responderam-me.
Meio trôpego, procurei a proteção da parede de alvenaria semi-levantada do pequeno quintal, que permitia entrever as últimas moradias da vila em construção. Ao retornar, vi os dois couros de cachorros, estaqueados com habilidade, apoiados na parede da moradia.
Dias mais tarde, um colega do curso de História me explicou que, no passado, os mapuches aproveitavam as carnes dos perros cimarrones que proliferaram quando das vacarias espanholas, que retiravam os couros e abandonavam as carnes dos animais nos pampas. Informação que jamais pude confirmar.
Mário me chamava para me acompanhar, com os companheiros, até a parada. Na vila eram todos trabalhadores, mas não havia que facilitar com os cogoteros, me explicaram.
O céu cada vez mais avermelhado anunciava que o dia findava sem piedade.
Mário Maestri, 63, historiador, professor da UPF, viveu de 1970 a 1973, como estudante, em Santiago.
E-mail: maestri(0)via-rs.net
Última atualização em Sexta, 13 de Janeiro de 2012
Para ajudar o Correio da Cidadania e a construção da mídia independente, você pode contribuir clicando abaixo.
Escrito por Mário Maestri
Sexta, 13 de Janeiro de 2012
Meu último assado em Santiago foi em inícios de 1973. Os dias eram ainda longos e o verão não começara a encolher-se, mantendo a ilusão que as noites geladas do inverno continuariam para sempre escondidas por detrás das cordilheiras que cercam a cidade.
A flaca Cecilia preparava o tecito com ayulla e huevitos revueltos que servia após a reunião. Eu olhava os exemplares de El Rebelde que o Chino trouxera para vendermos, ali mesmo, na Vila Macul, na manhã do dia seguinte. Mário, ao meu lado, falou-me em voz ainda mais baixa do que a normal.
– Compañero José Antonio, já comeste cabrito? Gostarias de comer um assado de cabrito, domingo? Meus companheiros de trabalho querem te conhecer.
Tínhamos grande respeito por Mário, devido a sua trajetória e idade. Entre nós, era o mais velho. Teria já quarenta anos. Era do campo, trabalhara na Concha y Tora, mudara-se para Santiago, onde dirigia, agora, pequena equipe na construção civil.
– Como no! Jamais comi cabrito! Será um prazer. Levo o vinho, respondi, al tiro!
O convite era maná dos céus! A direita, financiada pelo imperialismo, sabotava sem dó a economia para exasperar a população com o desabastecimento. Se a carne sempre fora um quase luxo para a população, agora era verdadeira raridade. Jamais comera um assado, desde minha chegada em Santiago, em fins de 1970!
Após a venda dos jornais, paramos em uma botilleria, onde Mário iniciou sua já célebre operação. Confabulou com o botillero, dirigiu-se por entre os engradados de cerveja para a prateleira de vinhos do pequeno negócio. Selecionou algumas garrafas. Leu os rótulos, cheirou as rolhas, examinou o líquido contra a luz do sol. Saímos com quatro garrafas do excelente vinho chileno. Bastariam para os cinco comensais, já que Mário bebia apenas água.
Tomamos uma liebre, sentamos nos bancos de trás, pois íamos até o final da linha. Iniciamos longa viagem em direção à cordilheira, através de poblaciones ornadas com as bandeiras orgulhosas dos partidos de esquerda. Caminhos por meia hora em direção da residência do asador, em uma toma realizada poucos meses antes da vitória da União Patriótica.
Os companheiros encontravam-se na frente de uma meia-água, acocorados em redor do fogo coroado, para meu gáudio, por não um, mas dois cabritos!
Os três anfitriões, jovens, atarracados, de cabelos negríssimos e pele bronzeada, eram mapuches que trabalhavam como peões da construção. Nativos do centro-sul chileno e argentino, os mapuches resistiram com tenacidade à invasão castellana. A vitória de Allende fora o sinal para vasto movimento de recuperação de terras históricas ocupadas por latifundiários.
Ainda mais lacônicos do que Mário, os companheiros deixaram logo claro que eu, brasileiro, refugiado e universitário, estava ali para contar e eles para ouvir. Me interrogaram, sempre em voz baixa, sobre a ditadura, sobre o futebol, sobre a comida no Brasil, a política chilena, sobre o governo de Allende. Tudo regado com o tinto generoso.
As garrafas do excepcional vinho escolhido por Mário chegavam ao fim e eu permanecia com os olhos grudados nos cabritos, que seguiam sendo girados com paciência canina sobre o fogo.
Aproveitei pausa na conversa para avançar a faca sobre o cordeiro mais carnudo e pontificar, confiante: – Al combate, sin miedo!
O companheiro ao meu lado explicou, ao segurar meu braço: – Cabrito tem que ser comido quemadito, quemadito.
Uma vida mais tarde, desmaiando de fome, provei por primeira vez a carne deliciosa de cabrito, ainda que demasiadamente passada para o gosto de rio-grandense comedor de carne sangrenta. Ao final, diante das carcaças e das duas garrafas já derreadas de vinho popular apresentadas pelos anfitriões, perguntei onde era o banheiro.
– Alivia-te no más nos fundos, compadre – responderam-me.
Meio trôpego, procurei a proteção da parede de alvenaria semi-levantada do pequeno quintal, que permitia entrever as últimas moradias da vila em construção. Ao retornar, vi os dois couros de cachorros, estaqueados com habilidade, apoiados na parede da moradia.
Dias mais tarde, um colega do curso de História me explicou que, no passado, os mapuches aproveitavam as carnes dos perros cimarrones que proliferaram quando das vacarias espanholas, que retiravam os couros e abandonavam as carnes dos animais nos pampas. Informação que jamais pude confirmar.
Mário me chamava para me acompanhar, com os companheiros, até a parada. Na vila eram todos trabalhadores, mas não havia que facilitar com os cogoteros, me explicaram.
O céu cada vez mais avermelhado anunciava que o dia findava sem piedade.
Mário Maestri, 63, historiador, professor da UPF, viveu de 1970 a 1973, como estudante, em Santiago.
E-mail: maestri(0)via-rs.net
Última atualização em Sexta, 13 de Janeiro de 2012
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terça-feira, 17 de janeiro de 2012
Casamento
A feroz indústria do casamento na China
Em uma sociedade na qual dinheiro e família são quase tudo, o matrimonio se converteu em um gasto multimilionário. A solidez material é condição indispensável. A competição é feroz. Os solteiros com idade legal para contrair matrimônio (22 anos para os homens, 20 para as mulheres) superam 180 milhões. Em muitos casos, os próprios pais se lançam à aventura migratória para melhorar as perspectivas casamenteiras de seus filhos. Nesta corrida os pobres arrancam com óbvia desvantagem. O artigo é de Marcelo Justo.
Marcelo Justo - Direto da China
Não é fácil se casar na China. Em uma sociedade na qual dinheiro e família são quase tudo, o matrimonio se converteu em um gasto multimilionário. A solidez material é condição indispensável. “Ter casa é o mínimo. Um carro facilita mais as coisas”, me diz rindo um taxista de origem camponesa da antiga capital chinesa, Xian. Também não basta a solidez do tijolo ou a roda. Nos banquetes comemorativos da boda, os chineses têm que jogar a casa pela janela: no ano passado gastaram uns 57 bilhões de dólares em seus festejos de casamento.
Nesta corrida os pobres arrancam com óbvia desvantagem. Com um salário médio de 1800 yuans mensais (uns 285 dólares), os trabalhadores migrantes, verdadeira coluna vertebral do “milagre chinês”, têm escassas possibilidades de poupança. Uma recente pesquisa da organização governamental Federação de Mulheres da China, mostrou que a necessidade de melhorar a renda para casar era uma razão fundamental para migrar, mas que em muitos casos a passagem do campo à cidade não melhorava em nada as coisas. “Não sobra quase nada depois de pagar o aluguel. As mulheres na cidade são muito realistas e jamais sairiam com alguém que não pode pagar uma janta ou levá-las ao cinema”, relatou à Federação Xie Kaiqiang, oriundo de um povoado em Shaanxi, norte de China que hoje trabalha na capital Beijing.
A competição é feroz. Os solteiros com idade legal para contrair matrimônio (22 anos para os homens, 20 para as mulheres) superam 180 milhões. Em muitos casos, os próprios pais se lançam à aventura migratória para melhorar as perspectivas casamenteiras de seus filhos. Desde que o confucionismo se impôs finalmente como ideologia há mais de dos mil anos, a veneração dos ancestrais é quase uma religião: a descendência, uma garantia de manutenção futura e lembrança perene.
Hsiao Hung Pai, autora de “Chinese Whispers” e “Scattered sands”, dois livros fundamentais sobre a migração chinesa, comentou à Carta Maior um dos tantos casos que encontrou em sua investigação. “Este camponês de Hebei, no norte de China, trabalhou ilegalmente em Londres oito anos fazendo todo tipo de trabalhos imagináveis. Seu objetivo era comprar uma casa para que seu filho pudesse casar. Conseguiu. Como ele mesmo me disse, “cumpriu com seu dever””, disse a autora.
É um dever que atravessa todas as classes sociais. Assombrado que há alguns anos eu tivesse começado a estudar chinês, o dono do apartamento que aluguei durante meus estudos me disse com certa inveja: “nós, a partir de certa idade, deixamos de aprender: um pai ocidental tem muito menos obrigações”. Além de casa, do carro e do trabalho com promessa de futuro próspero, vem a celebração da boda.
Os banquetes matrimoniais das classes com aspirações sociais podem custar entre cinco e 10 mil yuans por mesa (770 a 1570 dólares) com cerca de 200 convidados em média. Pechinchar ou procurar atalhos e bagatelas é perigoso porque se pode incorrer em um dos piores perigos sociais: “diu lian” (literalmente “perder cara”: cair no ridículo) Alguma coisa os noivos recuperam com os presentes dos convidados. O “hong bao” (envelope vermelho), que o casal recebe, tem que conter dinheiro suficiente se não quiserem “perder sua cara”. Entre os chineses não é incomum procurar desculpas para não comparecer ao casamento e evitar o custoso gasto do “hong bao”.
Os banquetes não são o ponto final. Os recém-casados têm que pagar por fotos e filmagens especiais em lugares de “sonho”. Com suntuosos vestidos branco e fraques, os casais se deixam fotografar sobre as rochas que margeiam um lago ou ao pé de uma montanha famosa. Este cronista presenciou a aparição um tanto alucinante de dezenas de casais em traje de boda no Lago Celestial (Tian Chi) de Xinjiang ou nas montanhas de Guilin. Por casualidade presenciou o mesmo espetáculo em um lugar mais insólito - Santorini, Grécia -, prerrogativa de casais muito mais endinheirados.
A “crise” econômica (crescimento de 9% em vez de 9,5%) não parece afetar esta maquinaria. Os preços dos banquetes aumentaram 10 % no último ano, o das rosas duplicou. Além disso, por uma questão demográfica, a competição vai se intensificar. Segundo o Escritório de Estatísticas chinês, nascem 119 homens para cada 100 mulheres, em parte devido à política de só um filho instaurada há mais de 30 anos e a tradicional preferência pelo filho macho. Este desequilíbrio populacional homem-mulher implica que no final desta década haverá mais de 30 milhões de chineses em idade legal de casamento que não poderão encontrar par.
Esta vantagem demográfica feminina e a crescente explosão de riqueza que se vê em todo o país, ficam evidentes com o surgimento de academias especiais para que as mulheres possam “caçar um bom partido”. Em março abriu em Chaoyang, o distrito rico da capital Pequim, a “Escola das damas virtuosas” que oferece cursos especiais para que as mulheres aprendam a “se comunicar e amar, a fim de encontrar seu companheiro ideal”. Este fim supostamente romântico e altruísta fica um pouco embaçado pelo título de algumas das matérias, como a que ensina a “como relacionar-se com homens exitosos?” A escola gerou debate na imprensa chinesa com artigos que criticavam esta “idolatria do dinheiro”. Mas nada parece acalmar a febre. Em novembro abriu a “Escola da boa e feliz esposa” que começa seus cursos em março próximo. Fei Yang, diretor da escola, deixa claro que a missão educativa não termina com a boda. “Muitos matrimônios de gente rica terminam em divórcio porque as mulheres não podem manter felizes seus maridos”, assinala.
A febre casamenteira esteve acompanhada por um aumento vertiginoso dos casais divorciados que em 2010 alcançaram 20 milhões, 60% a mais que em 2000. Mas nada desestimula os solteiros que no dia 11 de novembro celebraram seu dia com grande fanfarra à espera do sonhado matrimônio.
Tradução: Libório Júnior
(Carta Maior)
Em uma sociedade na qual dinheiro e família são quase tudo, o matrimonio se converteu em um gasto multimilionário. A solidez material é condição indispensável. A competição é feroz. Os solteiros com idade legal para contrair matrimônio (22 anos para os homens, 20 para as mulheres) superam 180 milhões. Em muitos casos, os próprios pais se lançam à aventura migratória para melhorar as perspectivas casamenteiras de seus filhos. Nesta corrida os pobres arrancam com óbvia desvantagem. O artigo é de Marcelo Justo.
Marcelo Justo - Direto da China
Não é fácil se casar na China. Em uma sociedade na qual dinheiro e família são quase tudo, o matrimonio se converteu em um gasto multimilionário. A solidez material é condição indispensável. “Ter casa é o mínimo. Um carro facilita mais as coisas”, me diz rindo um taxista de origem camponesa da antiga capital chinesa, Xian. Também não basta a solidez do tijolo ou a roda. Nos banquetes comemorativos da boda, os chineses têm que jogar a casa pela janela: no ano passado gastaram uns 57 bilhões de dólares em seus festejos de casamento.
Nesta corrida os pobres arrancam com óbvia desvantagem. Com um salário médio de 1800 yuans mensais (uns 285 dólares), os trabalhadores migrantes, verdadeira coluna vertebral do “milagre chinês”, têm escassas possibilidades de poupança. Uma recente pesquisa da organização governamental Federação de Mulheres da China, mostrou que a necessidade de melhorar a renda para casar era uma razão fundamental para migrar, mas que em muitos casos a passagem do campo à cidade não melhorava em nada as coisas. “Não sobra quase nada depois de pagar o aluguel. As mulheres na cidade são muito realistas e jamais sairiam com alguém que não pode pagar uma janta ou levá-las ao cinema”, relatou à Federação Xie Kaiqiang, oriundo de um povoado em Shaanxi, norte de China que hoje trabalha na capital Beijing.
A competição é feroz. Os solteiros com idade legal para contrair matrimônio (22 anos para os homens, 20 para as mulheres) superam 180 milhões. Em muitos casos, os próprios pais se lançam à aventura migratória para melhorar as perspectivas casamenteiras de seus filhos. Desde que o confucionismo se impôs finalmente como ideologia há mais de dos mil anos, a veneração dos ancestrais é quase uma religião: a descendência, uma garantia de manutenção futura e lembrança perene.
Hsiao Hung Pai, autora de “Chinese Whispers” e “Scattered sands”, dois livros fundamentais sobre a migração chinesa, comentou à Carta Maior um dos tantos casos que encontrou em sua investigação. “Este camponês de Hebei, no norte de China, trabalhou ilegalmente em Londres oito anos fazendo todo tipo de trabalhos imagináveis. Seu objetivo era comprar uma casa para que seu filho pudesse casar. Conseguiu. Como ele mesmo me disse, “cumpriu com seu dever””, disse a autora.
É um dever que atravessa todas as classes sociais. Assombrado que há alguns anos eu tivesse começado a estudar chinês, o dono do apartamento que aluguei durante meus estudos me disse com certa inveja: “nós, a partir de certa idade, deixamos de aprender: um pai ocidental tem muito menos obrigações”. Além de casa, do carro e do trabalho com promessa de futuro próspero, vem a celebração da boda.
Os banquetes matrimoniais das classes com aspirações sociais podem custar entre cinco e 10 mil yuans por mesa (770 a 1570 dólares) com cerca de 200 convidados em média. Pechinchar ou procurar atalhos e bagatelas é perigoso porque se pode incorrer em um dos piores perigos sociais: “diu lian” (literalmente “perder cara”: cair no ridículo) Alguma coisa os noivos recuperam com os presentes dos convidados. O “hong bao” (envelope vermelho), que o casal recebe, tem que conter dinheiro suficiente se não quiserem “perder sua cara”. Entre os chineses não é incomum procurar desculpas para não comparecer ao casamento e evitar o custoso gasto do “hong bao”.
Os banquetes não são o ponto final. Os recém-casados têm que pagar por fotos e filmagens especiais em lugares de “sonho”. Com suntuosos vestidos branco e fraques, os casais se deixam fotografar sobre as rochas que margeiam um lago ou ao pé de uma montanha famosa. Este cronista presenciou a aparição um tanto alucinante de dezenas de casais em traje de boda no Lago Celestial (Tian Chi) de Xinjiang ou nas montanhas de Guilin. Por casualidade presenciou o mesmo espetáculo em um lugar mais insólito - Santorini, Grécia -, prerrogativa de casais muito mais endinheirados.
A “crise” econômica (crescimento de 9% em vez de 9,5%) não parece afetar esta maquinaria. Os preços dos banquetes aumentaram 10 % no último ano, o das rosas duplicou. Além disso, por uma questão demográfica, a competição vai se intensificar. Segundo o Escritório de Estatísticas chinês, nascem 119 homens para cada 100 mulheres, em parte devido à política de só um filho instaurada há mais de 30 anos e a tradicional preferência pelo filho macho. Este desequilíbrio populacional homem-mulher implica que no final desta década haverá mais de 30 milhões de chineses em idade legal de casamento que não poderão encontrar par.
Esta vantagem demográfica feminina e a crescente explosão de riqueza que se vê em todo o país, ficam evidentes com o surgimento de academias especiais para que as mulheres possam “caçar um bom partido”. Em março abriu em Chaoyang, o distrito rico da capital Pequim, a “Escola das damas virtuosas” que oferece cursos especiais para que as mulheres aprendam a “se comunicar e amar, a fim de encontrar seu companheiro ideal”. Este fim supostamente romântico e altruísta fica um pouco embaçado pelo título de algumas das matérias, como a que ensina a “como relacionar-se com homens exitosos?” A escola gerou debate na imprensa chinesa com artigos que criticavam esta “idolatria do dinheiro”. Mas nada parece acalmar a febre. Em novembro abriu a “Escola da boa e feliz esposa” que começa seus cursos em março próximo. Fei Yang, diretor da escola, deixa claro que a missão educativa não termina com a boda. “Muitos matrimônios de gente rica terminam em divórcio porque as mulheres não podem manter felizes seus maridos”, assinala.
A febre casamenteira esteve acompanhada por um aumento vertiginoso dos casais divorciados que em 2010 alcançaram 20 milhões, 60% a mais que em 2000. Mas nada desestimula os solteiros que no dia 11 de novembro celebraram seu dia com grande fanfarra à espera do sonhado matrimônio.
Tradução: Libório Júnior
(Carta Maior)
J. Amado
O centenário de Jorge Amado, o contador de histórias
Houve um tempo em que os escritores brasileiros de ficção costumavam despertar paixão entre os leitores. Jorge Amado era um deles, possivelmente o que mais paixão provocava no grande público, num grupo que incluía Guimarães Rosa, Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Érico Veríssimo, entre outros. Esse tempo acabou. Hoje, a relação dos brasileiros com seus autores contemporâneos é de outra ordem.
"Assistimos a um momento em que não há mais a mesma paixão", reconhece o poeta Alberto da Costa e Silva, representante da Academia Brasileira de Letras (ABL) na comissão que organiza as atividades do centenário de Amado, que nasceu em 9 de agosto de 1912, em Ferradas, na região cacaueira do sul da Bahia.
Nessa comemoração, o Brasil vai reviver a antiga paixão por meio de uma série de atividades que lembrarão o escritor. A começar pelo Carnaval da Bahia e do Rio, nos quais personagens amadianos vão protagonizar eventos populares que trarão novamente à cena as tramas pitorescas que, quando lançadas, atraíam milhares de pessoas ávidas para lê-las.
A Rede Globo prepara a readaptação de "Gabriela, Cravo e Canela" e o Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, vai inaugurar neste primeiro semestre uma grande exposição sobre o autor. De vários países, chegam à família Amado propostas de homenagens que se pretende prestar a ele.
Um escritor de ficção só atinge seu grande momento junto ao público quando cria grandes personagens, observa Costa e Silva: "Jorge Amado foi mestre nisso, com personagens inesquecíveis". E esta peculiaridade: além dos protagonistas, seus romances se apoiam "numa multidão de outros personagens, coadjuvantes do maior interesse".
A obra de Amado já foi traduzida para 48 idiomas, em 54 países, segundo dados da Fundação Casa de Jorge Amado. As reedições realizadas desde 2008 pela Companhia das Letras, que já publicou 37 títulos do autor, venderam 240 mil exemplares em livrarias, sem contar encomendas de governo.
Para saber o total vendido até hoje, a pesquisadora Ilana Goldstein, autora de "O Brasil Best Seller de Jorge Amado" (Senac), realizou um levantamento junto às editoras antigas do escritor e estima que o montante se encontre na casa dos 30 milhões. "É um autor extraordinariamente importante para nossa história. Iniciou muita gente na leitura e ajudou um país inteiro a aprender a ler. Foi o escritor brasileiro mais popular do século XX, e com qualidade literária", destaca João Ubaldo Ribeiro.
Mesmo com a popularidade e elogios como esses, não se deve esperar unanimidade nas discussões em torno de seu legado. Os livros de Amado sempre foram alvo de fortes ressalvas. A severidade no julgamento - seus personagens seriam rasos, estereotipados, o português descuidado, etc. - fez com que fosse menosprezado nas análises universitárias de letras, apesar de sempre apreciado por antropólogos e sociólogos.
A postura dos críticos literários contribuiu para um certo descrédito de sua obra e possivelmente para o afastamento dos leitores, sobretudo os mais jovens, algo que as reedições iniciadas em 2008 pela Companhia das Letras têm buscado reverter. O centenário será um momento-chave nessa reconquista, com debates, filmes, show, peças teatrais, livros, além da novela. Toda essa movimentação será uma oportunidade para que se renove também o debate sobre a nova relação da literatura e da crítica com os leitores.
A escritora Myriam Fraga, diretora-executiva da Fundação Casa de Jorge Amado, com sede no Pelourinho, em Salvador, recorda-se do furor que o surgimento de "Gabriela, Cravo e Canela" provocou, em 1958: "Eu era adolescente quando o livro foi publicado e o lançamento levou horas, com filas e mais filas".
Myriam, no cargo desde quando a Fundação foi criada, há 25 anos, convivia quase diariamente com Amado, que morreu em 2001. O Partido Comunista do Brasil, do qual o escritor foi dirigente, ajudava na sua projeção, mas não explicava o arrebatamento. "Muitos autores comunistas não chegaram a lugar nenhum", constata Myriam. O mesmo tipo de fenômeno ocorria no exterior.
O húngaro Ferenc Pál, professor de literatura brasileira em Budapeste, reconhece que os livros de Amado circulavam nos países do Leste europeu em virtude da filiação política do autor, mas não por esse motivo as pessoas os liam. O baiano foi o escritor estrangeiro mais popular da Hungria em meados do século passado.
Nos países lusófonos, Amado era igualmente muito estimado. Quando a reedição de sua obra foi anunciada, há três anos, escritores portugueses e africanos (de língua portuguesa) demonstraram grande entusiasmo - ainda mais que os brasileiros, conta o editor da Companhia das Letras Thyago Nogueira. "Eu me surpreendi, e ainda hoje me surpreendo, ao constatar a penetração que Jorge Amado teve no mundo todo. Sua obra circulou num grau do qual eu acho difícil termos a exata dimensão."
Em sua opinião, o escritor combinava boa literatura com apelo popular. "Atualmente, existe um certo pudor em relação a isso, como se tudo que fosse popular fosse menor. Mas, para Jorge Amado, o povo era a matéria-prima. Ele tinha ouvido grande para o que acontecia nas ruas e fazia uma transposição interessante do ponto de vista literário. Sua escrita é oral, engraçada, irônica e incorpora uma série de registros. Para editar seus livros, precisei ir milhões de vezes ao dicionário. Muitas vezes, ele usava palavras que tinha ouvido apenas na rua", afirma Nogueira.
O mergulho no universo popular, como o do candomblé, foi motivo de crítica e preconceito, lembra Myriam. "Essa aproximação com a cultura afro-baiana, muito viva na Bahia, começou no romance "Jubiabá" [1935] e não foi bem aceita." Pois é justamente a maneira como Amado lida com esses temas um dos motivos da admiração do escritor Alberto Mussa, que, em sua obra, transita entre o erudito e o popular:
"Jorge Amado trata as pessoas do povo e do candomblé com respeito e consegue tirar desse ambiente uma matéria literária. Não se vê isso o tempo inteiro e é algo pouco valorizado. Ou existe um distanciamento ou uma representação muito estereotipada".
Temas populares teriam saído de moda. A média dos autores contemporâneos, segundo Mussa, prefere personagens urbanos, confinados a apartamentos, que sofrem com angústias psicológicas e exercem a mesma profissão que eles, como a de escritores ou professores. "Mas uma literatura em que o personagem é a cópia do autor resulta empobrecedora. Jorge Amado tem a vantagem de se lançar em outros mundos. É difícil retratar bem um marujo, nunca tendo sido um", elogia Mussa.
O romance "Terras do Sem-Fim" (1943), sobre a disputa de coronéis pelo cacau, é considerado pelo escritor um dos melhores da literatura brasileira no século XX. Outros títulos de Amado que destaca são "Dona Flor e Seus Dois Maridos" (1966) e "Os Velhos Marinheiros" (1961), composto da novela "A Morte e a Morte de Quincas Berro D'Água" e do romance "O Capitão-de-Longo-Curso".
"Em termos de linguagem, prefiro algo mais trabalhado e clássico, mas suas histórias são muito boas. Retratam uma parte do Brasil pouco conhecida, como a região baiana do cacau, e trazem personagens exuberantes. Os livros são extremamente bem construídos em termos de fruição e prazer. Se sua valorização é sinal de que estamos recuperando a vontade narrativa, isto já será muito bom", diz Mussa.
Os escritores, hoje, não dão prioridade à opção de contar histórias, analisa Musa. "É como se fosse algo inferior, que relacionam talvez ao modelo narrativo do cinema. A literatura verdadeira estaria, então, em outro lugar."
Sem histórias interessantes, corre-se o risco de tornar os leitores arredios, comenta Costa e Silva. "Jorge Amado se propôs ser um contador de histórias, e logrou sua proposta. Ele escolheu por assunto a vida cotidiana, com seus dramas e alegrias, e não lida com grandes angústias."
Esse universo - aparentemente simples - dificultaria a tarefa dos críticos. "É mais fácil escrever teses sobre quem traz muita coisa nova na forma de escrever, como Rosa ou João Cabral de Melo Neto. Autores como Jorge Amado ou Manuel Bandeira são um bocado difíceis. Mas a crítica está mudando. Vamos assistir a um cansaço muito grande do formalismo pelo formalismo."
O centenário, na opinião de Costa e Silva, será uma ótima oportunidade para o reexame, sobretudo estético, da obra amadiana. "É necessário recolocar seus livros no lugar em que merecem estar."
Se suas frases soam descuidadas, trata-se de efeito proposital, analisa Costa e Silva: "Ele era cônscio de suas responsabilidades artísticas e escrevia querendo escrever de determinada maneira. O estudo do Jorge criador de linguagem e artista poderá abrir novos caminhos para o entendimento de sua obra. Ficou uma ideia de que ele era um improvisador, mas não há nada de frouxo nele". Seus personagens tampouco seriam rasos: "Não vejo nenhum deles que não seja repleto de contradições e de mudanças no desenrolar da história".
No entanto, quem defende o autor de "Mar Morto" sabe que a controvérsia pode não tardar. "Jorge Amado sempre foi polêmico", assinala Myriam. A crítica costuma se dividir entre os que o consideram um mestre do romance e os que o veem como um trivial contador de histórias, e ainda sobre outras questões, como o elogio que faz da mestiçagem.
"Sua obra encerra uma utopia. E ele sentia muito orgulho em ser reconhecido como contador de histórias. Jorge queria fazer uma obra acessível, acreditava que a literatura poderia ser um meio de libertação", diz Myriam.
Costa e Silva destaca outro aspecto positivo: "É algo curioso, uma de suas grandes qualidades, apreciada pelo leitor. Todo livro de Jorge Amado que se leia, seja 'Capitães da "Areia' [1937] ou 'Tocaia Grande' [1984], apesar da violência e das indignidades que apresentam, sempre nos deixa de cabeça alta. Ninguém sai acabrunhado de um livro de Jorge. É um autor que destila esperança".
Com Valor Econômico
Houve um tempo em que os escritores brasileiros de ficção costumavam despertar paixão entre os leitores. Jorge Amado era um deles, possivelmente o que mais paixão provocava no grande público, num grupo que incluía Guimarães Rosa, Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Érico Veríssimo, entre outros. Esse tempo acabou. Hoje, a relação dos brasileiros com seus autores contemporâneos é de outra ordem.
"Assistimos a um momento em que não há mais a mesma paixão", reconhece o poeta Alberto da Costa e Silva, representante da Academia Brasileira de Letras (ABL) na comissão que organiza as atividades do centenário de Amado, que nasceu em 9 de agosto de 1912, em Ferradas, na região cacaueira do sul da Bahia.
Nessa comemoração, o Brasil vai reviver a antiga paixão por meio de uma série de atividades que lembrarão o escritor. A começar pelo Carnaval da Bahia e do Rio, nos quais personagens amadianos vão protagonizar eventos populares que trarão novamente à cena as tramas pitorescas que, quando lançadas, atraíam milhares de pessoas ávidas para lê-las.
A Rede Globo prepara a readaptação de "Gabriela, Cravo e Canela" e o Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, vai inaugurar neste primeiro semestre uma grande exposição sobre o autor. De vários países, chegam à família Amado propostas de homenagens que se pretende prestar a ele.
Um escritor de ficção só atinge seu grande momento junto ao público quando cria grandes personagens, observa Costa e Silva: "Jorge Amado foi mestre nisso, com personagens inesquecíveis". E esta peculiaridade: além dos protagonistas, seus romances se apoiam "numa multidão de outros personagens, coadjuvantes do maior interesse".
A obra de Amado já foi traduzida para 48 idiomas, em 54 países, segundo dados da Fundação Casa de Jorge Amado. As reedições realizadas desde 2008 pela Companhia das Letras, que já publicou 37 títulos do autor, venderam 240 mil exemplares em livrarias, sem contar encomendas de governo.
Para saber o total vendido até hoje, a pesquisadora Ilana Goldstein, autora de "O Brasil Best Seller de Jorge Amado" (Senac), realizou um levantamento junto às editoras antigas do escritor e estima que o montante se encontre na casa dos 30 milhões. "É um autor extraordinariamente importante para nossa história. Iniciou muita gente na leitura e ajudou um país inteiro a aprender a ler. Foi o escritor brasileiro mais popular do século XX, e com qualidade literária", destaca João Ubaldo Ribeiro.
Mesmo com a popularidade e elogios como esses, não se deve esperar unanimidade nas discussões em torno de seu legado. Os livros de Amado sempre foram alvo de fortes ressalvas. A severidade no julgamento - seus personagens seriam rasos, estereotipados, o português descuidado, etc. - fez com que fosse menosprezado nas análises universitárias de letras, apesar de sempre apreciado por antropólogos e sociólogos.
A postura dos críticos literários contribuiu para um certo descrédito de sua obra e possivelmente para o afastamento dos leitores, sobretudo os mais jovens, algo que as reedições iniciadas em 2008 pela Companhia das Letras têm buscado reverter. O centenário será um momento-chave nessa reconquista, com debates, filmes, show, peças teatrais, livros, além da novela. Toda essa movimentação será uma oportunidade para que se renove também o debate sobre a nova relação da literatura e da crítica com os leitores.
A escritora Myriam Fraga, diretora-executiva da Fundação Casa de Jorge Amado, com sede no Pelourinho, em Salvador, recorda-se do furor que o surgimento de "Gabriela, Cravo e Canela" provocou, em 1958: "Eu era adolescente quando o livro foi publicado e o lançamento levou horas, com filas e mais filas".
Myriam, no cargo desde quando a Fundação foi criada, há 25 anos, convivia quase diariamente com Amado, que morreu em 2001. O Partido Comunista do Brasil, do qual o escritor foi dirigente, ajudava na sua projeção, mas não explicava o arrebatamento. "Muitos autores comunistas não chegaram a lugar nenhum", constata Myriam. O mesmo tipo de fenômeno ocorria no exterior.
O húngaro Ferenc Pál, professor de literatura brasileira em Budapeste, reconhece que os livros de Amado circulavam nos países do Leste europeu em virtude da filiação política do autor, mas não por esse motivo as pessoas os liam. O baiano foi o escritor estrangeiro mais popular da Hungria em meados do século passado.
Nos países lusófonos, Amado era igualmente muito estimado. Quando a reedição de sua obra foi anunciada, há três anos, escritores portugueses e africanos (de língua portuguesa) demonstraram grande entusiasmo - ainda mais que os brasileiros, conta o editor da Companhia das Letras Thyago Nogueira. "Eu me surpreendi, e ainda hoje me surpreendo, ao constatar a penetração que Jorge Amado teve no mundo todo. Sua obra circulou num grau do qual eu acho difícil termos a exata dimensão."
Em sua opinião, o escritor combinava boa literatura com apelo popular. "Atualmente, existe um certo pudor em relação a isso, como se tudo que fosse popular fosse menor. Mas, para Jorge Amado, o povo era a matéria-prima. Ele tinha ouvido grande para o que acontecia nas ruas e fazia uma transposição interessante do ponto de vista literário. Sua escrita é oral, engraçada, irônica e incorpora uma série de registros. Para editar seus livros, precisei ir milhões de vezes ao dicionário. Muitas vezes, ele usava palavras que tinha ouvido apenas na rua", afirma Nogueira.
O mergulho no universo popular, como o do candomblé, foi motivo de crítica e preconceito, lembra Myriam. "Essa aproximação com a cultura afro-baiana, muito viva na Bahia, começou no romance "Jubiabá" [1935] e não foi bem aceita." Pois é justamente a maneira como Amado lida com esses temas um dos motivos da admiração do escritor Alberto Mussa, que, em sua obra, transita entre o erudito e o popular:
"Jorge Amado trata as pessoas do povo e do candomblé com respeito e consegue tirar desse ambiente uma matéria literária. Não se vê isso o tempo inteiro e é algo pouco valorizado. Ou existe um distanciamento ou uma representação muito estereotipada".
Temas populares teriam saído de moda. A média dos autores contemporâneos, segundo Mussa, prefere personagens urbanos, confinados a apartamentos, que sofrem com angústias psicológicas e exercem a mesma profissão que eles, como a de escritores ou professores. "Mas uma literatura em que o personagem é a cópia do autor resulta empobrecedora. Jorge Amado tem a vantagem de se lançar em outros mundos. É difícil retratar bem um marujo, nunca tendo sido um", elogia Mussa.
O romance "Terras do Sem-Fim" (1943), sobre a disputa de coronéis pelo cacau, é considerado pelo escritor um dos melhores da literatura brasileira no século XX. Outros títulos de Amado que destaca são "Dona Flor e Seus Dois Maridos" (1966) e "Os Velhos Marinheiros" (1961), composto da novela "A Morte e a Morte de Quincas Berro D'Água" e do romance "O Capitão-de-Longo-Curso".
"Em termos de linguagem, prefiro algo mais trabalhado e clássico, mas suas histórias são muito boas. Retratam uma parte do Brasil pouco conhecida, como a região baiana do cacau, e trazem personagens exuberantes. Os livros são extremamente bem construídos em termos de fruição e prazer. Se sua valorização é sinal de que estamos recuperando a vontade narrativa, isto já será muito bom", diz Mussa.
Os escritores, hoje, não dão prioridade à opção de contar histórias, analisa Musa. "É como se fosse algo inferior, que relacionam talvez ao modelo narrativo do cinema. A literatura verdadeira estaria, então, em outro lugar."
Sem histórias interessantes, corre-se o risco de tornar os leitores arredios, comenta Costa e Silva. "Jorge Amado se propôs ser um contador de histórias, e logrou sua proposta. Ele escolheu por assunto a vida cotidiana, com seus dramas e alegrias, e não lida com grandes angústias."
Esse universo - aparentemente simples - dificultaria a tarefa dos críticos. "É mais fácil escrever teses sobre quem traz muita coisa nova na forma de escrever, como Rosa ou João Cabral de Melo Neto. Autores como Jorge Amado ou Manuel Bandeira são um bocado difíceis. Mas a crítica está mudando. Vamos assistir a um cansaço muito grande do formalismo pelo formalismo."
O centenário, na opinião de Costa e Silva, será uma ótima oportunidade para o reexame, sobretudo estético, da obra amadiana. "É necessário recolocar seus livros no lugar em que merecem estar."
Se suas frases soam descuidadas, trata-se de efeito proposital, analisa Costa e Silva: "Ele era cônscio de suas responsabilidades artísticas e escrevia querendo escrever de determinada maneira. O estudo do Jorge criador de linguagem e artista poderá abrir novos caminhos para o entendimento de sua obra. Ficou uma ideia de que ele era um improvisador, mas não há nada de frouxo nele". Seus personagens tampouco seriam rasos: "Não vejo nenhum deles que não seja repleto de contradições e de mudanças no desenrolar da história".
No entanto, quem defende o autor de "Mar Morto" sabe que a controvérsia pode não tardar. "Jorge Amado sempre foi polêmico", assinala Myriam. A crítica costuma se dividir entre os que o consideram um mestre do romance e os que o veem como um trivial contador de histórias, e ainda sobre outras questões, como o elogio que faz da mestiçagem.
"Sua obra encerra uma utopia. E ele sentia muito orgulho em ser reconhecido como contador de histórias. Jorge queria fazer uma obra acessível, acreditava que a literatura poderia ser um meio de libertação", diz Myriam.
Costa e Silva destaca outro aspecto positivo: "É algo curioso, uma de suas grandes qualidades, apreciada pelo leitor. Todo livro de Jorge Amado que se leia, seja 'Capitães da "Areia' [1937] ou 'Tocaia Grande' [1984], apesar da violência e das indignidades que apresentam, sempre nos deixa de cabeça alta. Ninguém sai acabrunhado de um livro de Jorge. É um autor que destila esperança".
Com Valor Econômico
quarta-feira, 11 de janeiro de 2012
Política
Endemia política
Escrito por Frei Betto
Sexta, 26 de Agosto de 2011
A política brasileira sempre se alimentou do dinheiro da corrupção. Não todos os políticos. Muitos são íntegros, têm vergonha na cara e lisura no bolso. Porém, as campanhas são caras, o candidato não dispõe de recursos ou evita reduzir sua poupança e os interesses privados no investimento público são vorazes.
Arma-se, assim, a maracutaia. O candidato promete, por baixo dos panos, facilitar negócios privados junto à administração pública. Como por encanto, aparecem os recursos de campanha.
Eleito, aprova concorrências sem licitações, nomeia indicados pelo lobby da iniciativa privada, dá sinal verde a projetos superfaturados e embolsa o seu quinhão, ou melhor, o milhão.
Para uma empresa que se propõe a fazer uma obra no valor de R$ 30 milhões – e na qual, de fato, não gastará mais de 20, sobretudo em tempos de terceirização – é excelente negócio embolsar 10 e ainda repassar 3 ou 4 ao político que facilitou a negociata.
Conhecemos todos a qualidade dos serviços públicos. Basta recorrer ao SUS ou confiar os filhos à escola pública (todo político deveria ser obrigado, por lei, a tratar-se pelo SUS e matricular, como propõe o senador Cristovam Buarque, os filhos em escolas públicas). Vejam ruas e estradas: o asfalto cede com chuva um pouco mais intensa, os buracos exibem enormes bocas, os reparos são freqüentes. Obras intermináveis...
Isso me lembra o conselho de um preso comum, durante o regime militar, a meu confrade Fernando de Brito, preso político: “Padre, ao sair da cadeia trate de ficar rico. Comece a construir uma igreja. Promova quermesses, bingos, sorteios. Arrecade muito dinheiro dos fiéis. Mas não seja bobo de terminar a obra. Não termine nunca. Assim o senhor poderá comprar fazendas e viver numa boa”.
Com o perdão da rima, a idéia que se tem é que o dinheiro público não é de ninguém. É de quem meter a mão primeiro. E como são raros os governantes que, como a presidente Dilma, vão atrás dos ladrões, a turma do Ali Babá se farta.
Meu pai contava a história de um político mineiro que enriqueceu à base de propinas. Como tinha apenas dois filhos, confiou boa parcela de seus recursos (ou melhor, nossos) à conta de um genro, meio pobretão. Um dia, o beneficiário decidiu se separar da mulher. O ex-sogro foi atrás: “Cadê meu dinheiro?”. O ex-genro fez aquela cara de indignado: “Que dinheiro? Prova que há dinheiro seu comigo”. Ladrão que rouba ladrão... Hoje, o ex-genro mora com a nova mulher num condomínio de alto luxo.
Sou cético quanto à ética dos políticos ou de qualquer outro grupo social, incluídos frades e padres. Acredito, sim, na ética da política, e não na política. Ou seja, criar instituições e mecanismos que coíbam quem se sente tentado a corromper ou ser corrompido. A carne é fraca, diz o Evangelho. Mas as instituições devem ser suficientemente fortes, as investigações rigorosas e as punições severas. A impunidade faz o bandido. E, no caso de políticos, ela se soma à imunidade. Haja ladroeira!
Daí a urgência da reforma política – tema que anda esquecido – e de profunda reforma do nosso sistema judiciário. Adianta a Polícia Federal prender se, no dia seguinte, todos voltam à rua ansiosos por destruir provas? E ainda se gasta saliva quanto ao uso de algemas, olvidando os milhões surrupiados... e jamais devolvidos aos cofres públicos.
Ainda que o suspeito fique em liberdade, por que a Justiça não lhe congela os bens e o impede de movimentar contas bancárias? A parte mais sensível do corpo humano é o bolso. Os corruptos sabem muito bem o quanto ele pode ser agraciado ou prejudicado.
As escolas deveriam levar casos de corrupção às salas de aula. Incutir nos alunos a suprema vergonha de fazer uso privado dos bens coletivos. Já que o conceito de pecado deixou de pautar a moral social, urge cultivar a ética como normatizadora do comportamento. Desenvolver em crianças e jovens a auto-estima de ser honesto e de preservar o patrimônio público.
Frei Betto é escritor, autor do romance “Minas do Ouro”, que a editora Rocco faz chegar às livrarias esta semana. http://www.freibetto.org/> twitter:@freibetto.
Copyright 2011 – FREI BETTO – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor. Assine todos os artigos do escritor e os receberá diretamente em seu e-mail. Contato – MHPAL – Agência Literária (mhpal(0)terra.com.br)
Última atualização em Sexta, 26 de Agosto de 2011
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Escrito por Frei Betto
Sexta, 26 de Agosto de 2011
A política brasileira sempre se alimentou do dinheiro da corrupção. Não todos os políticos. Muitos são íntegros, têm vergonha na cara e lisura no bolso. Porém, as campanhas são caras, o candidato não dispõe de recursos ou evita reduzir sua poupança e os interesses privados no investimento público são vorazes.
Arma-se, assim, a maracutaia. O candidato promete, por baixo dos panos, facilitar negócios privados junto à administração pública. Como por encanto, aparecem os recursos de campanha.
Eleito, aprova concorrências sem licitações, nomeia indicados pelo lobby da iniciativa privada, dá sinal verde a projetos superfaturados e embolsa o seu quinhão, ou melhor, o milhão.
Para uma empresa que se propõe a fazer uma obra no valor de R$ 30 milhões – e na qual, de fato, não gastará mais de 20, sobretudo em tempos de terceirização – é excelente negócio embolsar 10 e ainda repassar 3 ou 4 ao político que facilitou a negociata.
Conhecemos todos a qualidade dos serviços públicos. Basta recorrer ao SUS ou confiar os filhos à escola pública (todo político deveria ser obrigado, por lei, a tratar-se pelo SUS e matricular, como propõe o senador Cristovam Buarque, os filhos em escolas públicas). Vejam ruas e estradas: o asfalto cede com chuva um pouco mais intensa, os buracos exibem enormes bocas, os reparos são freqüentes. Obras intermináveis...
Isso me lembra o conselho de um preso comum, durante o regime militar, a meu confrade Fernando de Brito, preso político: “Padre, ao sair da cadeia trate de ficar rico. Comece a construir uma igreja. Promova quermesses, bingos, sorteios. Arrecade muito dinheiro dos fiéis. Mas não seja bobo de terminar a obra. Não termine nunca. Assim o senhor poderá comprar fazendas e viver numa boa”.
Com o perdão da rima, a idéia que se tem é que o dinheiro público não é de ninguém. É de quem meter a mão primeiro. E como são raros os governantes que, como a presidente Dilma, vão atrás dos ladrões, a turma do Ali Babá se farta.
Meu pai contava a história de um político mineiro que enriqueceu à base de propinas. Como tinha apenas dois filhos, confiou boa parcela de seus recursos (ou melhor, nossos) à conta de um genro, meio pobretão. Um dia, o beneficiário decidiu se separar da mulher. O ex-sogro foi atrás: “Cadê meu dinheiro?”. O ex-genro fez aquela cara de indignado: “Que dinheiro? Prova que há dinheiro seu comigo”. Ladrão que rouba ladrão... Hoje, o ex-genro mora com a nova mulher num condomínio de alto luxo.
Sou cético quanto à ética dos políticos ou de qualquer outro grupo social, incluídos frades e padres. Acredito, sim, na ética da política, e não na política. Ou seja, criar instituições e mecanismos que coíbam quem se sente tentado a corromper ou ser corrompido. A carne é fraca, diz o Evangelho. Mas as instituições devem ser suficientemente fortes, as investigações rigorosas e as punições severas. A impunidade faz o bandido. E, no caso de políticos, ela se soma à imunidade. Haja ladroeira!
Daí a urgência da reforma política – tema que anda esquecido – e de profunda reforma do nosso sistema judiciário. Adianta a Polícia Federal prender se, no dia seguinte, todos voltam à rua ansiosos por destruir provas? E ainda se gasta saliva quanto ao uso de algemas, olvidando os milhões surrupiados... e jamais devolvidos aos cofres públicos.
Ainda que o suspeito fique em liberdade, por que a Justiça não lhe congela os bens e o impede de movimentar contas bancárias? A parte mais sensível do corpo humano é o bolso. Os corruptos sabem muito bem o quanto ele pode ser agraciado ou prejudicado.
As escolas deveriam levar casos de corrupção às salas de aula. Incutir nos alunos a suprema vergonha de fazer uso privado dos bens coletivos. Já que o conceito de pecado deixou de pautar a moral social, urge cultivar a ética como normatizadora do comportamento. Desenvolver em crianças e jovens a auto-estima de ser honesto e de preservar o patrimônio público.
Frei Betto é escritor, autor do romance “Minas do Ouro”, que a editora Rocco faz chegar às livrarias esta semana. http://www.freibetto.org/> twitter:@freibetto.
Copyright 2011 – FREI BETTO – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor. Assine todos os artigos do escritor e os receberá diretamente em seu e-mail. Contato – MHPAL – Agência Literária (mhpal(0)terra.com.br)
Última atualização em Sexta, 26 de Agosto de 2011
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Poesia
A juventude da poesia
A entrevista é antiga mas vale a pena reproduzir. A poeta fluminense Bruna Beber, jovem, de Duque de Caxias (RJ), e que adotou São Paulo para morar, falou ao Portal Literal, desde a paparicagem em torno de seu nome, até poesia e arte. Autora dos livros A fila sem fim dos demônios descontentes (7Letras, 2006) e os Balés (Língua Geral, 2009). Em 2008 venceu o 2º Prêmio Quem Acontece, na categoria revelação literária. O portal Vermelho reproduz aqui trechos daquela entrevista (José Carlos Ruy).
Bruna Beber
Ganhando o mundo:
Saí das casas dos meus pais, mudei de cidade e de estado. Mas já saí do Rio pra São Paulo com o Balés na mala, comecei a escrevê-lo no comecinho desde 2007. E aí convivi com ele aqui esse tempo todo até finalmente lançá-lo.
Mudei bastante o livro nesse tempo, entrei num processo esquisitofrênico de gravar poema por poema e ouvir o conjunto e cada um em sua solteirice. E no meio dessa falação descobri que o Balés era um livro muito musical. Então o reescrevi inteiro, a mão e à máquina. E passei muitas dezenas de dias numerando e catalogando várias formas diferentes de dispor os poemas.
Até que cheguei a uma seleção de três para escolher uma só, a final. E aí entra o momento em que você põe de lado toda técnica e maluquice aplicada pra sentir o que verdadeiramente deve ser feito. Ele virou o extremoposto do resultado que julguei final um dia.
........................
Perguntada sobre as influências que recebeu (Maiakovsky, Rô Rô, Graciliano, Neil Young, Nara, Cage), diz:
Explicitamente acho que só o Benito di Paula, o Nicanor Parra e o Último tango em Paris, que é um filme que nem gosto tanto, mas vazou. Risos. Mas, implicitamente, acho que um conjunto muito extenso de sensações que só uma grande mudança pode provocar.
.........................
Quando o entrevistador compara sua poesia com a coloquialidade de Manuel Bandeira, ela não se intimida:
O autor do poema "Alumbramento", escrito em 1913. Está no livro Carnaval e me tocou como poucos poemas até hoje. Antes de Carnaval só tinha lido Libertinagem e Estrela da Manhã, duma edição dupla pequenininha que ganhei. Acho uma honra que me comparem ao Bandeira pelo que conheço dele e gosto, mas, honestamente, li pouco sua obra.
...........................
Sobre ser encarada como "uma das principais referências da novíssima geração", lembra da avó:
Como diz minha avó "é, tão dizendo por aí..." e aí ela sempre emenda com lendas urbanas, teorias científicas não comprovadas e modas que a imprensa espalha e todas as pessoas começam a adotar, do tipo "adoçante dá câncer". Ninguém nunca sabe se é verdade, mas todo mundo vai parando de tomar adoçante. Eu me acho muito nova para ser referência de alguma coisa, ainda mais na velocidade que as coisas vão.
E só digo que já posso morrer porque um feitiço que joguei pro mundo no primeiro livro virou contra mim mesma. No poema "a novíssima literatura", no qual dizia que a novíssima se preocupava demais em ser estudada, reconhecida etc. E eu provocava dizendo que as crianças, estudando os novos poetas daqui a 100 anos, estariam entendiadas como eu estive lendo Camões com 13 anos e fazendo chifrinho nas fotos, pintando os dentes de caneta azul.
E eis que a Ática e a Scipione lançaram duas antologias que vão na contramão de que a garotada tá estudando a dita "poesia contemporânea" (conceito muito amplo rs) Hoje. Inclusive eu! E pra dizer a verdade, acho emocionante ser lida e discutida enquanto estou viva, e mais ainda por quem tá descobrindo a poesia, a literatura. Do futuro ninguém sabe nada, continuo não me preocupando se meus poemas vão "sobreviver".
Outro dia recebi um e-mail de um menino de 15 que disse ter chegado ao meu livro por uma das antologias, que o colégio dele adotou. Ele me descreveu as coisas que ele sentiu lendo os meus poemas, e isso é tão caro pra mim! Quase chorei de saber que participei do pontapé inicial poético de alguém, fiquei lembrando dos meus primeiros encontros na leitura. Foi lindo.
Dois poemas de Bruna Beber
verbo irregular
pra sempre é passado
é mais uma promessa apostando corrida
com todas as outras
na escadaria da igreja da penha
voltaria atrás
de joelhos
pra chegar primeiro
no futuro
porque se o tempo cura tudo
e o tal futuro a deus pertence
não vou duvidar
que milagres acontecem
mas pra sempre vou achar
não quero me especializar
em ter certezas, em fabricar
situações definitivas
toda vez que me vierem à cabeça
seus lábios de algodão
doce se dissolvendo
nos meus.
Neighborhoods
se o mundo não fosse
esse aterro de
máquinas
barbas
pilhas
débitos
prazos
e canetas
marca-texto
medos
dúvidas
e embalagens
tetrapak
se o mundo não fosse
um aterro de babacas
ou se o mundo não fosse
um abrangente
e resumido
aterro de sinônimos
e se essa rua
se essa rua
fosse tua
eu ia me mudar pra lá.
Fonte: Portal Literal
A entrevista é antiga mas vale a pena reproduzir. A poeta fluminense Bruna Beber, jovem, de Duque de Caxias (RJ), e que adotou São Paulo para morar, falou ao Portal Literal, desde a paparicagem em torno de seu nome, até poesia e arte. Autora dos livros A fila sem fim dos demônios descontentes (7Letras, 2006) e os Balés (Língua Geral, 2009). Em 2008 venceu o 2º Prêmio Quem Acontece, na categoria revelação literária. O portal Vermelho reproduz aqui trechos daquela entrevista (José Carlos Ruy).
Bruna Beber
Ganhando o mundo:
Saí das casas dos meus pais, mudei de cidade e de estado. Mas já saí do Rio pra São Paulo com o Balés na mala, comecei a escrevê-lo no comecinho desde 2007. E aí convivi com ele aqui esse tempo todo até finalmente lançá-lo.
Mudei bastante o livro nesse tempo, entrei num processo esquisitofrênico de gravar poema por poema e ouvir o conjunto e cada um em sua solteirice. E no meio dessa falação descobri que o Balés era um livro muito musical. Então o reescrevi inteiro, a mão e à máquina. E passei muitas dezenas de dias numerando e catalogando várias formas diferentes de dispor os poemas.
Até que cheguei a uma seleção de três para escolher uma só, a final. E aí entra o momento em que você põe de lado toda técnica e maluquice aplicada pra sentir o que verdadeiramente deve ser feito. Ele virou o extremoposto do resultado que julguei final um dia.
........................
Perguntada sobre as influências que recebeu (Maiakovsky, Rô Rô, Graciliano, Neil Young, Nara, Cage), diz:
Explicitamente acho que só o Benito di Paula, o Nicanor Parra e o Último tango em Paris, que é um filme que nem gosto tanto, mas vazou. Risos. Mas, implicitamente, acho que um conjunto muito extenso de sensações que só uma grande mudança pode provocar.
.........................
Quando o entrevistador compara sua poesia com a coloquialidade de Manuel Bandeira, ela não se intimida:
O autor do poema "Alumbramento", escrito em 1913. Está no livro Carnaval e me tocou como poucos poemas até hoje. Antes de Carnaval só tinha lido Libertinagem e Estrela da Manhã, duma edição dupla pequenininha que ganhei. Acho uma honra que me comparem ao Bandeira pelo que conheço dele e gosto, mas, honestamente, li pouco sua obra.
...........................
Sobre ser encarada como "uma das principais referências da novíssima geração", lembra da avó:
Como diz minha avó "é, tão dizendo por aí..." e aí ela sempre emenda com lendas urbanas, teorias científicas não comprovadas e modas que a imprensa espalha e todas as pessoas começam a adotar, do tipo "adoçante dá câncer". Ninguém nunca sabe se é verdade, mas todo mundo vai parando de tomar adoçante. Eu me acho muito nova para ser referência de alguma coisa, ainda mais na velocidade que as coisas vão.
E só digo que já posso morrer porque um feitiço que joguei pro mundo no primeiro livro virou contra mim mesma. No poema "a novíssima literatura", no qual dizia que a novíssima se preocupava demais em ser estudada, reconhecida etc. E eu provocava dizendo que as crianças, estudando os novos poetas daqui a 100 anos, estariam entendiadas como eu estive lendo Camões com 13 anos e fazendo chifrinho nas fotos, pintando os dentes de caneta azul.
E eis que a Ática e a Scipione lançaram duas antologias que vão na contramão de que a garotada tá estudando a dita "poesia contemporânea" (conceito muito amplo rs) Hoje. Inclusive eu! E pra dizer a verdade, acho emocionante ser lida e discutida enquanto estou viva, e mais ainda por quem tá descobrindo a poesia, a literatura. Do futuro ninguém sabe nada, continuo não me preocupando se meus poemas vão "sobreviver".
Outro dia recebi um e-mail de um menino de 15 que disse ter chegado ao meu livro por uma das antologias, que o colégio dele adotou. Ele me descreveu as coisas que ele sentiu lendo os meus poemas, e isso é tão caro pra mim! Quase chorei de saber que participei do pontapé inicial poético de alguém, fiquei lembrando dos meus primeiros encontros na leitura. Foi lindo.
Dois poemas de Bruna Beber
verbo irregular
pra sempre é passado
é mais uma promessa apostando corrida
com todas as outras
na escadaria da igreja da penha
voltaria atrás
de joelhos
pra chegar primeiro
no futuro
porque se o tempo cura tudo
e o tal futuro a deus pertence
não vou duvidar
que milagres acontecem
mas pra sempre vou achar
não quero me especializar
em ter certezas, em fabricar
situações definitivas
toda vez que me vierem à cabeça
seus lábios de algodão
doce se dissolvendo
nos meus.
Neighborhoods
se o mundo não fosse
esse aterro de
máquinas
barbas
pilhas
débitos
prazos
e canetas
marca-texto
medos
dúvidas
e embalagens
tetrapak
se o mundo não fosse
um aterro de babacas
ou se o mundo não fosse
um abrangente
e resumido
aterro de sinônimos
e se essa rua
se essa rua
fosse tua
eu ia me mudar pra lá.
Fonte: Portal Literal
Somália
Somália: Mulheres enfrentam a dor de serem espólio de guerra
A voz da menina quase sumiu quando ela narrou a tarde ensolarada em que saiu de sua cabana e viu sua melhor amiga enterrada até o pescoço na areia. Ela tinha cometido o erro de recusar-se a casar com um comandante do Al-Shabab. Agora, estava prestes a ter sua cabeça esmagada, pedra por pedra. "Você é a próxima", disse o comandante do Al-Shabab. A menina, uma frágil jovem de 17 anos de idade, vivia com seu irmão em um miserável campo de refugiados.
Por Jeffrey Gettleman
NYT
Fartuun Adan, que coordena centro Elman, uma das poucas organizações para ajudar vítimas de estupro, se reúne com mulheres nessa situação
Vários meses depois, os homens voltaram. Cinco militantes invadiram seu barraco, a prenderam e a estupraram, segundo seu relato. Eles alegaram estar em uma jihad, ou guerra santa, e que qualquer resistência seria considerada um crime contra o Islã, punível com a morte. "Eu tenho muitos sonhos ruins sobre esses homens", disse ela, que recentemente escapou da área que o grupo controla. "Eu não sei qual é a religião deles."
A Somália tem sofrido décadas de conflitos e caos, as suas cidades estão em ruínas e o seu povo passa fome. Apenas esse ano, dezenas de milhares de somalis morreram de fome, com inúmeras outros perdidos em batalhas intermináveis. Agora, eles enfrentam outro terror generalizado: um aumento alarmante no número de estupros e abusos sexuais de mulheres e meninas.
O grupo militante Al-Shabab, que se apresenta como uma força rebelde moralmente justa e defensora do puro Islã, tem se apropriado de mulheres e meninas como espólios de guerra, estuprando em grupos e abusando delas como parte de seu reinado de terror no sul do país, segundo as vítimas, trabalhadores humanitários e funcionários da ONU. Sem dinheiro e perdendo terreno, os militantes estão forçando famílias a entregar a mão de suas meninas para casamentos arranjados que não duram mais que algumas semanas de escravidão sexual, essencialmente uma forma barata de aumentar a moral de suas tropas.
Fome aumenta a vulnerabilidade
Mas não é apenas o Al-Shabab. Nos últimos meses, trabalhadores humanitários e vítimas têm culpado grupos de homens armados por atacar mulheres e meninas deslocadas pela fome que atinge a Somália, que muitas vezes caminham centenas quilômetros em busca de alimento e acabam em campos de refugiados lotados e sem lei onde militantes islâmicos, milicianos e até soldados do governo estupram, roubam e matam impunemente.
"A situação está se intensificando", disse Radhika Coomaraswamy, representante especial da ONU para Crianças e Conflitos Armados. Segundo ela, todas as fugas recentes criaram uma onda de estupros oportunistas, e "para o Shabab o casamento forçado é outro aspecto usado para controlar a população".
Nos últimos dois meses, apenas em Mogadíscio, as Nações Unidas disseram ter recebido relatos de mais de 2,5 mil atos de violência baseados no gênero, um número incomumente elevado. Como a Somália é uma zona proibida, a ONU afirmou não ser capaz de confirmar os relatos, passando a responsabilidade para organizações locais.
A Somália é um lugar profundamente tradicional, onde 98% das mulheres são sujeitas à mutilação genital, segundo pesquisas. A maioria das meninas são analfabetas e relegadas a permanecer em suas casas. Quando se aventuram fora, geralmente é para trabalhar, caminhando através dos becos cheios de entulho das cidades do país, envoltas em tecidos espessos da cabeça aos pés, carregando muitas vezes algo sobre a cabeça, sob o incessante sol equatorial.
A fome e o deslocamento das massas tornaram mulheres e meninas mais vulneráveis. Muitas comunidades somalis foram encerradas, com homens e rapazes forçados a entrar para milícias, e mulheres solteiras, com filhos a tiracolo, partindo para campos de refugiados.
"Casamento" como pagamento militar
Ao mesmo tempo, trabalhadores humanitários e funcionários da ONU dizem que o Al-Shabab, que está lutando contra o governo de transição para impor uma versão dura do Islã nas áreas que controla, já não pode pagar seus vários milhares de combatentes como antigamente. Ao mesmo tempo que apreende colheitas e gado, o grupo concede aos militantes "esposas temporárias" como gratificação.
Mas esses casamentos dificilmente são reais, explicou o xeque Said Mohamed Ali Farah, ex-combatente do Al-Shabab que desertou para o comando do exército do governo. "Não há clérigo, cerimônia, nada", disse, acrescentando que combatentes do Al-Shabab foram casados com meninas de até 12 anos de idade, que são usadas por contingentes inteiros e abandonadas. Se uma garota se recusar, "ela é morta por pedras ou balas".
Uma jovem acaba de ter um bebê, metade somali, metade árabe. Ela disse que foi selecionada por um comandante Al-Shabab da Somália que conhecia, levada para uma casa cheia de armas e entregue a um árabe, um dos muitos estrangeiros que lutam pelo Al-Shabab. "Ele fez o que quisesse comigo", disse ela. "Noite e dia." Ela disse que fugiu enquanto ele dormia.
A difícil ajuda
O Centro Elman para a Paz e os Direitos Humanos é uma das poucas organizações somalis que ajudam vítimas de estupro. Ela é dirigida por Fartuun Adan, uma mulher cujo marido, Elman, foi morto a tiros por senhores da guerra anos atrás. Adan diz que desde que a fome começou, ela tem recebido centenas de mulheres que foram violadas e centenas mais que fugiram de casamentos forçados.
"Você não tem ideia de como é difícil para elas procurar ajuda", disse. "Não há justiça aqui, nenhuma proteção, as pessoas dizem que 'você é lixo' se foi estuprada."
Muitas vezes, as mulheres ficam feridas ou grávidas e são forçadas a procurar ajuda. Adan quer expandir seu aconselhamento e serviços médicos para vítimas de estupro e, possivelmente, abrir uma casa segura, mas isso é difícil de fazer com um orçamento de US$ 5 mil mensais, fornecido por uma pequena organização de ajuda chamada Sister Somália.
Durona, mas não impenetrável, Adan chorou outro dia ao ouvir uma menina de 17 anos contando a história de como foi ver sua amiga ser apedrejada até a morte e depois ser estuprada por um grupo de homens. "Essas meninas me perguntam: 'Como é que eu vou casar, o que vai ser do meu futuro, o que vai acontecer comigo?' Não podemos responder a isso."
Algumas das mulheres no escritório de Adan parecem ter vindo de outro tempo. Elas chegaram com a ajuda da rede de contatos de Elman, que chega a mais longínqua região rural da Somália, onde as mulheres ainda são tratadas como bens.
Uma jovem de 18 anos, que pediu para ser chamada de senhorita Nur, um sobrenome comum no país, se casou aos dez anos. Ela era nômade e diz que até hoje nunca usou um telefone ou viu televisão.
Ela disse ter sido estuprada por dois combatentes Al-Shabab em um acampamento de pessoas deslocadas, em outubro. Segundo seu relato, os homens não se preocuparam em falar muito quando entraram em sua tenda. Eles apenas apontaram suas armas para o seu peito e proferiram três palavras: fique em silêncio.
Fonte: The New York Times
Tradução: iG
A voz da menina quase sumiu quando ela narrou a tarde ensolarada em que saiu de sua cabana e viu sua melhor amiga enterrada até o pescoço na areia. Ela tinha cometido o erro de recusar-se a casar com um comandante do Al-Shabab. Agora, estava prestes a ter sua cabeça esmagada, pedra por pedra. "Você é a próxima", disse o comandante do Al-Shabab. A menina, uma frágil jovem de 17 anos de idade, vivia com seu irmão em um miserável campo de refugiados.
Por Jeffrey Gettleman
NYT
Fartuun Adan, que coordena centro Elman, uma das poucas organizações para ajudar vítimas de estupro, se reúne com mulheres nessa situação
Vários meses depois, os homens voltaram. Cinco militantes invadiram seu barraco, a prenderam e a estupraram, segundo seu relato. Eles alegaram estar em uma jihad, ou guerra santa, e que qualquer resistência seria considerada um crime contra o Islã, punível com a morte. "Eu tenho muitos sonhos ruins sobre esses homens", disse ela, que recentemente escapou da área que o grupo controla. "Eu não sei qual é a religião deles."
A Somália tem sofrido décadas de conflitos e caos, as suas cidades estão em ruínas e o seu povo passa fome. Apenas esse ano, dezenas de milhares de somalis morreram de fome, com inúmeras outros perdidos em batalhas intermináveis. Agora, eles enfrentam outro terror generalizado: um aumento alarmante no número de estupros e abusos sexuais de mulheres e meninas.
O grupo militante Al-Shabab, que se apresenta como uma força rebelde moralmente justa e defensora do puro Islã, tem se apropriado de mulheres e meninas como espólios de guerra, estuprando em grupos e abusando delas como parte de seu reinado de terror no sul do país, segundo as vítimas, trabalhadores humanitários e funcionários da ONU. Sem dinheiro e perdendo terreno, os militantes estão forçando famílias a entregar a mão de suas meninas para casamentos arranjados que não duram mais que algumas semanas de escravidão sexual, essencialmente uma forma barata de aumentar a moral de suas tropas.
Fome aumenta a vulnerabilidade
Mas não é apenas o Al-Shabab. Nos últimos meses, trabalhadores humanitários e vítimas têm culpado grupos de homens armados por atacar mulheres e meninas deslocadas pela fome que atinge a Somália, que muitas vezes caminham centenas quilômetros em busca de alimento e acabam em campos de refugiados lotados e sem lei onde militantes islâmicos, milicianos e até soldados do governo estupram, roubam e matam impunemente.
"A situação está se intensificando", disse Radhika Coomaraswamy, representante especial da ONU para Crianças e Conflitos Armados. Segundo ela, todas as fugas recentes criaram uma onda de estupros oportunistas, e "para o Shabab o casamento forçado é outro aspecto usado para controlar a população".
Nos últimos dois meses, apenas em Mogadíscio, as Nações Unidas disseram ter recebido relatos de mais de 2,5 mil atos de violência baseados no gênero, um número incomumente elevado. Como a Somália é uma zona proibida, a ONU afirmou não ser capaz de confirmar os relatos, passando a responsabilidade para organizações locais.
A Somália é um lugar profundamente tradicional, onde 98% das mulheres são sujeitas à mutilação genital, segundo pesquisas. A maioria das meninas são analfabetas e relegadas a permanecer em suas casas. Quando se aventuram fora, geralmente é para trabalhar, caminhando através dos becos cheios de entulho das cidades do país, envoltas em tecidos espessos da cabeça aos pés, carregando muitas vezes algo sobre a cabeça, sob o incessante sol equatorial.
A fome e o deslocamento das massas tornaram mulheres e meninas mais vulneráveis. Muitas comunidades somalis foram encerradas, com homens e rapazes forçados a entrar para milícias, e mulheres solteiras, com filhos a tiracolo, partindo para campos de refugiados.
"Casamento" como pagamento militar
Ao mesmo tempo, trabalhadores humanitários e funcionários da ONU dizem que o Al-Shabab, que está lutando contra o governo de transição para impor uma versão dura do Islã nas áreas que controla, já não pode pagar seus vários milhares de combatentes como antigamente. Ao mesmo tempo que apreende colheitas e gado, o grupo concede aos militantes "esposas temporárias" como gratificação.
Mas esses casamentos dificilmente são reais, explicou o xeque Said Mohamed Ali Farah, ex-combatente do Al-Shabab que desertou para o comando do exército do governo. "Não há clérigo, cerimônia, nada", disse, acrescentando que combatentes do Al-Shabab foram casados com meninas de até 12 anos de idade, que são usadas por contingentes inteiros e abandonadas. Se uma garota se recusar, "ela é morta por pedras ou balas".
Uma jovem acaba de ter um bebê, metade somali, metade árabe. Ela disse que foi selecionada por um comandante Al-Shabab da Somália que conhecia, levada para uma casa cheia de armas e entregue a um árabe, um dos muitos estrangeiros que lutam pelo Al-Shabab. "Ele fez o que quisesse comigo", disse ela. "Noite e dia." Ela disse que fugiu enquanto ele dormia.
A difícil ajuda
O Centro Elman para a Paz e os Direitos Humanos é uma das poucas organizações somalis que ajudam vítimas de estupro. Ela é dirigida por Fartuun Adan, uma mulher cujo marido, Elman, foi morto a tiros por senhores da guerra anos atrás. Adan diz que desde que a fome começou, ela tem recebido centenas de mulheres que foram violadas e centenas mais que fugiram de casamentos forçados.
"Você não tem ideia de como é difícil para elas procurar ajuda", disse. "Não há justiça aqui, nenhuma proteção, as pessoas dizem que 'você é lixo' se foi estuprada."
Muitas vezes, as mulheres ficam feridas ou grávidas e são forçadas a procurar ajuda. Adan quer expandir seu aconselhamento e serviços médicos para vítimas de estupro e, possivelmente, abrir uma casa segura, mas isso é difícil de fazer com um orçamento de US$ 5 mil mensais, fornecido por uma pequena organização de ajuda chamada Sister Somália.
Durona, mas não impenetrável, Adan chorou outro dia ao ouvir uma menina de 17 anos contando a história de como foi ver sua amiga ser apedrejada até a morte e depois ser estuprada por um grupo de homens. "Essas meninas me perguntam: 'Como é que eu vou casar, o que vai ser do meu futuro, o que vai acontecer comigo?' Não podemos responder a isso."
Algumas das mulheres no escritório de Adan parecem ter vindo de outro tempo. Elas chegaram com a ajuda da rede de contatos de Elman, que chega a mais longínqua região rural da Somália, onde as mulheres ainda são tratadas como bens.
Uma jovem de 18 anos, que pediu para ser chamada de senhorita Nur, um sobrenome comum no país, se casou aos dez anos. Ela era nômade e diz que até hoje nunca usou um telefone ou viu televisão.
Ela disse ter sido estuprada por dois combatentes Al-Shabab em um acampamento de pessoas deslocadas, em outubro. Segundo seu relato, os homens não se preocuparam em falar muito quando entraram em sua tenda. Eles apenas apontaram suas armas para o seu peito e proferiram três palavras: fique em silêncio.
Fonte: The New York Times
Tradução: iG
terça-feira, 10 de janeiro de 2012
Esquerda
Carta às esquerdas
Voltou a ser urgente reconstruir as esquerdas para evitar a barbárie. Como recomeçar? Eis uma lista de nove ideias.
Artigo | 27 Agosto, 2011 - 11:42 | Por Boaventura Sousa Santos
Não há internacionalismo sem interculturalismo. Foto de Paulete Matos Não ponho em causa que haja um futuro para as esquerdas mas o seu futuro não vai ser uma continuação linear do seu passado. Definir o que têm em comum equivale a responder à pergunta: o que é a esquerda? A esquerda é um conjunto de posições políticas que partilham o ideal de que os humanos têm todos o mesmo valor, e são o valor mais alto. Esse ideal é posto em causa sempre que há relações sociais de poder desigual, isto é, de dominação. Neste caso, alguns indivíduos ou grupos satisfazem algumas das suas necessidades, transformando outros indivíduos ou grupos em meios para os seus fins. O capitalismo não é a única fonte de dominação mas é uma fonte importante.
Os diferentes entendimentos deste ideal levaram a diferentes clivagens. As principais resultaram de respostas opostas às seguintes perguntas. Poderá o capitalismo ser reformado de modo a melhorar a sorte dos dominados, ou tal só é possível para além do capitalismo? A luta social deve ser conduzida por uma classe (a classe operária) ou por diferentes classes ou grupos sociais? Deve ser conduzida dentro das instituições democráticas ou fora delas? O Estado é, ele próprio, uma relação de dominação, ou pode ser mobilizado para combater as relações de dominação?
As respostas opostas as estas perguntas estiveram na origem de violentas clivagens. Em nome da esquerda cometeram-se atrocidades contra a esquerda; mas, no seu conjunto, as esquerdas dominaram o século XX (apesar do nazismo, do fascismo e do colonialismo) e o mundo tornou-se mais livre e mais igual graças a elas. Este curto século de todas as esquerdas terminou com a queda do Muro de Berlim. Os últimos trinta anos foram, por um lado, uma gestão de ruínas e de inércias e, por outro, a emergência de novas lutas contra a dominação, com outros actores e linguagens que as esquerdas não puderam entender.
Entretanto, livre das esquerdas, o capitalismo voltou a mostrar a sua vocação anti-social. Voltou a ser urgente reconstruir as esquerdas para evitar a barbárie. Como recomeçar? Pela aceitação das seguintes ideias.
Primeiro, o mundo diversificou-se e a diversidade instalou-se no interior de cada país. A compreensão do mundo é muito mais ampla que a compreensão ocidental do mundo; não há internacionalismo sem interculturalismo.
Segundo, o capitalismo concebe a democracia como um instrumento de acumulação; se for preciso, ele a reduz à irrelevância e, se encontrar outro instrumento mais eficiente, dispensa-a (o caso da China). A defesa da democracia de alta intensidade é a grande bandeira das esquerdas.
Terceiro, o capitalismo é amoral e não entende o conceito de dignidade humana; a defesa desta é uma luta contra o capitalismo e nunca com o capitalismo (no capitalismo, mesmo as esmolas só existem como relações públicas).
Quarto, a experiência do mundo mostra que há imensas realidades não capitalistas, guiadas pela reciprocidade e pelo cooperativismo, à espera de serem valorizadas como o futuro dentro do presente.
Quinto, o século passado revelou que a relação dos humanos com a natureza é uma relação de dominação contra a qual há que lutar; o crescimento económico não é infinito.
Sexto, a propriedade privada só é um bem social se for uma entre várias formas de propriedade e se todas forem protegidas; há bens comuns da humanidade (como a água e o ar).
Sétimo, o curto século das esquerdas foi suficiente para criar um espírito igualitário entre os humanos que sobressai em todos os inquéritos; este é um patrimônio das esquerdas que estas têm vindo a dilapidar.
Oitavo, o capitalismo precisa de outras formas de dominação para florescer, do racismo ao sexismo e à guerra e todas devem ser combatidas.
Nono, o Estado é um animal estranho, meio anjo meio monstro, mas, sem ele, muitos outros monstros andariam à solta, insaciáveis à cata de anjos indefesos. Melhor Estado, sempre; menos Estado, nunca.
Com estas ideias, vão continuar a ser várias as esquerdas, mas já não é provável que se matem umas às outras e é possível que se unam para travar a barbárie que se aproxima.
Publicado originalmente na revista Visão
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O desassossego da oportunidade As Mulheres não são Homens Sobre o autor »
Boaventura Sousa Santos
Sociólogo, professor universitário
.
(Esquerda.net)
Voltou a ser urgente reconstruir as esquerdas para evitar a barbárie. Como recomeçar? Eis uma lista de nove ideias.
Artigo | 27 Agosto, 2011 - 11:42 | Por Boaventura Sousa Santos
Não há internacionalismo sem interculturalismo. Foto de Paulete Matos Não ponho em causa que haja um futuro para as esquerdas mas o seu futuro não vai ser uma continuação linear do seu passado. Definir o que têm em comum equivale a responder à pergunta: o que é a esquerda? A esquerda é um conjunto de posições políticas que partilham o ideal de que os humanos têm todos o mesmo valor, e são o valor mais alto. Esse ideal é posto em causa sempre que há relações sociais de poder desigual, isto é, de dominação. Neste caso, alguns indivíduos ou grupos satisfazem algumas das suas necessidades, transformando outros indivíduos ou grupos em meios para os seus fins. O capitalismo não é a única fonte de dominação mas é uma fonte importante.
Os diferentes entendimentos deste ideal levaram a diferentes clivagens. As principais resultaram de respostas opostas às seguintes perguntas. Poderá o capitalismo ser reformado de modo a melhorar a sorte dos dominados, ou tal só é possível para além do capitalismo? A luta social deve ser conduzida por uma classe (a classe operária) ou por diferentes classes ou grupos sociais? Deve ser conduzida dentro das instituições democráticas ou fora delas? O Estado é, ele próprio, uma relação de dominação, ou pode ser mobilizado para combater as relações de dominação?
As respostas opostas as estas perguntas estiveram na origem de violentas clivagens. Em nome da esquerda cometeram-se atrocidades contra a esquerda; mas, no seu conjunto, as esquerdas dominaram o século XX (apesar do nazismo, do fascismo e do colonialismo) e o mundo tornou-se mais livre e mais igual graças a elas. Este curto século de todas as esquerdas terminou com a queda do Muro de Berlim. Os últimos trinta anos foram, por um lado, uma gestão de ruínas e de inércias e, por outro, a emergência de novas lutas contra a dominação, com outros actores e linguagens que as esquerdas não puderam entender.
Entretanto, livre das esquerdas, o capitalismo voltou a mostrar a sua vocação anti-social. Voltou a ser urgente reconstruir as esquerdas para evitar a barbárie. Como recomeçar? Pela aceitação das seguintes ideias.
Primeiro, o mundo diversificou-se e a diversidade instalou-se no interior de cada país. A compreensão do mundo é muito mais ampla que a compreensão ocidental do mundo; não há internacionalismo sem interculturalismo.
Segundo, o capitalismo concebe a democracia como um instrumento de acumulação; se for preciso, ele a reduz à irrelevância e, se encontrar outro instrumento mais eficiente, dispensa-a (o caso da China). A defesa da democracia de alta intensidade é a grande bandeira das esquerdas.
Terceiro, o capitalismo é amoral e não entende o conceito de dignidade humana; a defesa desta é uma luta contra o capitalismo e nunca com o capitalismo (no capitalismo, mesmo as esmolas só existem como relações públicas).
Quarto, a experiência do mundo mostra que há imensas realidades não capitalistas, guiadas pela reciprocidade e pelo cooperativismo, à espera de serem valorizadas como o futuro dentro do presente.
Quinto, o século passado revelou que a relação dos humanos com a natureza é uma relação de dominação contra a qual há que lutar; o crescimento económico não é infinito.
Sexto, a propriedade privada só é um bem social se for uma entre várias formas de propriedade e se todas forem protegidas; há bens comuns da humanidade (como a água e o ar).
Sétimo, o curto século das esquerdas foi suficiente para criar um espírito igualitário entre os humanos que sobressai em todos os inquéritos; este é um patrimônio das esquerdas que estas têm vindo a dilapidar.
Oitavo, o capitalismo precisa de outras formas de dominação para florescer, do racismo ao sexismo e à guerra e todas devem ser combatidas.
Nono, o Estado é um animal estranho, meio anjo meio monstro, mas, sem ele, muitos outros monstros andariam à solta, insaciáveis à cata de anjos indefesos. Melhor Estado, sempre; menos Estado, nunca.
Com estas ideias, vão continuar a ser várias as esquerdas, mas já não é provável que se matem umas às outras e é possível que se unam para travar a barbárie que se aproxima.
Publicado originalmente na revista Visão
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Boaventura Sousa Santos
Sociólogo, professor universitário
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