sábado, 20 de agosto de 2011

Deus

Deus joga em que time?
.
Por Marino Boeira, de Porto Alegre
.
Anteriores




Os narradores de futebol, no rádio e na televisão, cansaram de dizer que Deus era brasileiro. Na última Copa América, com o fiasco multiplicado por quatro na hora de bater os pênaltis contra o Paraguai, ficou uma dúvida. Deus não teria se bandeado para os lados dos guaranis? Afinal, o país foi uma criação dos jesuítas que sempre tiveram muito prestígio com o Grande Chefe. E no Campeonato Brasileiro será que Ele já escolheu suas cores favoritas?
Quem acompanha os jogos pela televisão já viu centenas de vezes jogadores e até juízes fazendo o clássico sinal da cruz, quando começa o jogo, quando os atacantes fazem gols ou quando o goleiro defende um pênalti. É um aviso para o público e os telespectadores: “Olha aí, o Homem está comigo”. No final dos jogos, os jogadores – os vencedores , claro – são mais explícitos: “Deus me iluminou e saímos vencedores”.
Os perdedores não cobram nada, tipo “que sacanagem, a gente contava Contigo, fez promessa e tal, e nada deu certo”. Certamente não querem incomodar o Homem e perder totalmente a confiança Dele. Afinal o campeonato é longo. Na semana passada, quem assistiu Grêmio e América de Minas, viu em detalhe o velho técnico Antônio Lopes fazer um ritual completo depois que seu time – um dos últimos na tabela – marcar um gol, incluindo além do sinal da cruz, vários beijos numa medalhinha. O narrador não informou qual era o santo do Antônio Lopes, mas não era tão forte assim porque depois o Grêmio empatou.
Alguns jogadores dizem que suas orações antes do jogo não são para obter a vitória, mas para sair ilesos no final da partida. No caso do treinador do América, ficou evidente que ele estava agradecendo pelo gol. Deve ser complicado para Deus escolher o lado vencedor, tantos são os pedidos dos concorrentes. É como nas guerras antigas, onde cada lado levava seus estandartes e seus capelães e dizia defender a causa divina. Quando, por exemplo, era uma guerra entre cristãos – tipo Alemanha contra França – devia ser muito difícil para Deus se posicionar. A menos, que ele fizesse opção pela maioria católica (França) contra maioria protestante (Alemanha). Nas cruzadas, era mais fácil. Jeová versus Alá.

Mas, voltando ao futebol: na mesma noite a televisão mostrou Flamengo e Santos, com dois dos maiores jogadores de futebol do mundo se enfrentando: Neymar e Ronaldinho. No início, pareceu claro qual o lado que tinha mais prestígio junto ao Padre Eterno. O Santos ganhava por 3 x 0 e Neymar estava infernal (com o perdão da palavra). Talvez por isso mesmo, Deus achou que assim já era desrespeito. Apesar de se chamar Santos, o time paulista certamente não é unanimidade nas hostes celestiais. Dizem que Santo Antônio é flamenguista doente e com muito prestígio na hora de gerar milagres. O Ronaldinho empatou em 3 x 3, Neymar desempatou e aí, Deus se decidiu: Ronaldinho era o escolhido: 5 a 4 para Flamengo.
Como ficamos então? É só futebol, onde ganha o melhor ou que pelo menos tenha um centro-avante como o Leandro Damião, ou tem a ver com milagres e demonstrações explícitas da vontade divina? Talvez a melhor resposta seja a de um antigo narrador de futebol no Rio Grande do Sul, que depois virou até deputado federal. Dizia o Mendes Ribeiro: “Deus não joga, mas fiscaliza”. No caso do jogo entre Santos e Flamengo, ele puniu a soberba inicial dos santistas e premiou a humildade dos flamenguistas. Afinal, está até na Bíblia que os humildes e pobres de espírito ganharão reino dos céus.
Torturador impune
O coronel Brilhante Ustra, ex-comandante do DOI-CODI no período mais negro da ditadura militar, enfrenta um novo julgamento, acusado de ter torturado até a morte o jornalista da Folha de S. Paulo Luiz Eduardo Merlino, em 1971. Esta semana, foram ouvidas as testemunhas de acusação, entre elas o ex-ministro Paulo de Tarso Vanucchi, que esteve preso junto com Merlino no centro de torturas da Rua Tutóia, em São Paulo.
Esta é a segunda vez que a família de Merlino tenta obter na justiça a condenação do coronel Ustra. Em 2008, os advogados do militar usaram um artifício jurídico para conseguir o arquivamento da ação, alegando que uma das várias pessoas que acusavam Ustra não comprovara sua legitimidade como parte do processo, porque dizia ter sido companheira de Merlino, mas não anexara documentos que comprovassem a alegação.
Em defesa de Ustra deverão depor, entre outros, o ex-presidente José Sarney, que na época presidia a Arena, partido que dava sustentação política à ditadura, o coronel Jarbas Passarinho, que passou por vários ministérios durante o regime militar e mais três generais da reserva.
Ustra é ó único oficial do exército brasileiro oficialmente declarado torturador. Isso foi feito em 2008 pelo juiz Gustavo Santini Teodoro, de uma vara cível de São Paulo, em processo movido pela família Teles contra ele. Apesar de todo esse passado tenebroso, Ustra tem espaço como colunista do jornal Folha de S. Paulo para promover seu livro A Verdade Sufocada. É o mesmo jornal que classificou em editorial o período de governo do general Médici, quando as torturas chegaram ao auge, como uma “ditadura branda”. Durante essa fase, mais de duas mil pessoas foram presas por suspeitas de subversão e terrorismo no DOI-CODI, das quais 502 denunciaram terem sido torturadas e 47, comprovadamente, foram mortas na prisão. Imagina-se o que teria sido uma ditadura não branda.
30/7/2011
Fonte: ViaPolítica/O autor
Marino Boeira é graduado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É jornalista e publicitário em Porto Alegre, e professor universitário na área de Comunicação Social. Publicou De Quatro (crônicas com outros três autores); Raul: Crime na Madrugada (novela); Tudo que você não deve fazer para ganhar dinheiro na propaganda (novela). Participações em obras coletivas: Nós e a Legalidade; Porto Alegre é assim, Salimen, uma história escrita em cores, e Publicidade e Propaganda - 200 anos de história no Brasil.

E-mail: marinobo@uol.com.br

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Pensamentando I

''Podemos não chegar ao melhor dos mundos, mas a um mundo melhor''. Entrevista com Edgar Morin


Aos 90 anos completados no dia 8 de julho, Edgar Morin se mantém em plena atividade intelectual. Do vazamento de informações sigilosas pelo site WikiLeaks ao acidente nuclear de Fukushima, uma gama ampla de acontecimentos e fenômenos é coberta pelo radar crítico do pensador, conferencista da próxima segunda-feira do ciclo Fronteiras do Pensamento. Um exemplo dessa variedade de interesses está contido no livro A Minha Esquerda, recém-lançado no Brasil pela Sulina.

A entrevista é de Luiz Antônio Araújo e publicada pelo jornal Zero Hora, 06-08-2011.

Eis a entrevista.

O senhor já afirmou que, findo o século XX com seus grandes projetos utópicos, não se trata mais de conquistar o mundo, como propuseram Descartes, Einstein e Marx, e sim civilizar a Terra. O que quer dizer isso?

Formas diversas de barbárie são evidentes no mundo. Temos, de um lado, agressões, ódio, crimes, que são barbáries odiosas associadas à guerra, à dominação, que têm fundo histórico e atualmente estão evidentes. Reduziu-se essa barbárie, mas há outra barbárie, fria, de cálculo, de origem filosófica, com a razão instrumental da qual fala Theodor W. Adorno (pensador alemão, 1903 – 1969), utilizada por seus seguidores de forma irracional, destrutiva. De modo profissional, a barbárie fria, da técnica, do cálculo, é a barbárie direcionada contra o outro. E ainda há a barbárie interior, em cada indivíduo, que dificulta o estudo e o entendimento desse ódio e de sua presa. Sempre emergem várias questões a esse respeito, porque cada um tem suas justificativas para cometer esse tipo de barbárie. Para civilizar o mundo, por assim dizer, para torná-lo livre das barbáries, devemos entregá-lo a algo mais forte. Mais forte não somente que a racionalidade, mas também que a fraternidade, a compreensão e o amor. Assim, para civilizar o mundo, devemos ter atualmente um coração patriota, no sentido de pertencimento à Terra-Pátria. Ter um coração patriota significa ter um amor fraterno pela pátria, nutrir por ela um sentimento paternal, ou no feminino, maternal, como se diz, à “Pátria Mãe os maiores sentimentos”. O pertencimento é familiar, conota um despojamento da vaidade. Compreende-se que jamais vamos eliminar fontes de conflito, as corporações, todos os males possíveis que podem advir ao mundo. Podemos não chegar ao melhor dos mundos, mas a um mundo melhor. Civilizar a Terra é isso.

Qual seria a ideia fundadora dessa civilização mundial?

A ideia fundadora deve ser, primeiramente, a ideia de comunidade de Estado. É verdade que os humanos, com problemas em comum, atualmente estão mais solidários. Esse é o lado positivo da mundialização. Acreditar na existência de mais possibilidades a partir das comunidades de Estado, a possibilidade do exercício de comunidade como pátria. A crise de consciência das comunidades de Estado avançou certamente, mas veja o problema: os perigos que ameaçam a biosfera se tornaram maiores, como mostram o acidente com o reator nuclear japonês (na usina nuclear de Fukushima, em março), o aquecimento global, sem falar da poluição, da degradação. Então, os países se tornaram maiores por tomarem consciência, e essa consciência poderá permitir talvez lutar e controlar as ações concretas. É verdade que, atualmente, na Terra, a partir da interação dos países, é possível tomar decisões únicas sobre os problemas da biosfera, das armas de destruição em massa, que evidentemente deveriam ser eliminadas, e também sobre a economia moderna, que não tem nenhum regulamento, que não tem objetivo, que antecipa crises que talvez se agravem. Então, para vivermos em comunidade, nesta grande civilização, deve haver uma comoção mental. A conclusão é que é necessário ser livre, mas fazer parte de tudo.

Sua proposta de civilização mundial chamou atenção de Nicolas Sarkozy, que chegou a convidá-lo para uma reunião no ano passado. Como foi esse encontro com o presidente da França?

Sarkozy disse que, para ele, a política de civilização é uma questão de valores e identidade. Que, para participar da política de civilização, é necessário lutar contra os modelos mais negativos. Mas há uma outra ideia de civilização ocidental que existe atualmente e que, por causa do desenvolvimento do respeito, pode provocar melhorias mais positivas. É o que posso dizer sobre as ideias do encontro com Sarkozy.

Quais são as diferenças entre sua concepção dessa política de civilização e a de Sarkozy?

Eu diria que, para ele, a política de civilização está relacionada a identidade e valores. Para mim, são as comunidades e a expressão ocidental que valem.

Muitos escritores e filósofos têm se debruçado sobre o fenômeno da internet no atual contexto mundial. O senhor acredita que, hoje, a internet possa desempenhar um papel ético?

É consenso atualmente que qualquer matemático ou profissional da informática pode ser capaz de decifrar códigos e de penetrar os segredos bem guardados dos Estados, dos bancos, de todas as instituições. E ainda tem o WikiLeaks (site dedicado a vazamento de informações sigilosas de governos e instituições privadas), que incrementou a internet como uma força libertária. Eu acho que essa é uma novidade atualmente. Pela internet há todas as possibilidades de comunicação, seja para a máfia, os terroristas e tudo o mais. Mas funciona também como força de emancipação e libertação. A comunicação pela internet tem um grande papel no sentido de emancipação. Assim, acho que a internet tenha hoje um aspecto positivo muito evidente. E eu acho que se para tudo há segredos e censura, nos Estados, na diplomacia, falta-lhes ser saudáveis e revelar o que está escondido. Os segredos estão lacrados, e nenhuma pessoa do mundo pode participar ou ter conhecimento sobre o que se passa dentro da sociedade.

Seu novo livro, La Voie (O Caminho), contém uma referência à democracia participativa e cita o Brasil como exemplo. Qual experiência específica o senhor tem em mente ao se referir a isso?

É muito importante acreditar no governo unificado da cidade, da região. O povo, como mostra o exemplo de Porto Alegre, está mais participativo em relação ao governo e, por enquanto, a participação nas decisões de Estado se desenvolveu porque o parlamento está mais próximo dos cidadãos e as as pessoas mais conservadoras estão ausentes. Os velhos, as mulheres e os jovens, que muitas vezes são altamente participativos, pregam ideias. Há também uma outra educação para a democracia participativa, o que me parece muito bom. A descentralização deve existir também, por exemplo, no Brasil, ao nível de diferentes Estados. É verdade que, no mundo, com a governança urbana, há cidades nas quais somente os administradores, os jornalistas e os capitalistas tomam decisões. É necessário que o cidadão participe, que se informe, que faça propostas. Se você quer a democracia participativa, é necessário que se aumente a participação nas dificuldades, mas que se permita corrigir a tendência à oligarquização da representação em nível nacional, que tem como consequência a perda de contato do cidadão com seus representantes.

(Inst. Humanitas Unisinos)

Complexo Industrial-farmacêutico

complexo industrial farmacêutico
Por Ari de Oliveira Zenha

A poderosa indústria farmacêutica adquiriu ao longo do desenvolvimento do capitalismo força e importância incalculável na sociedade mundial. Seu poder político e econômico é avassalador, pois sua atividade está ligada a uma das necessidades básicas dos seres humanos, a saúde, ou seja, a superação das doenças e dos males que afetam as pessoas.
Os laboratórios farmacêuticos, cuja sede está localizada nos Estados Unidos e Europa, tentam garantir, a todo custo - e, aí vale qualquer artifício - seus lucros, que são expressivos, de qualquer forma. A produção de medicamentos se tornou um negócio como outro qualquer, como produzir sapatos, automóveis e outros bens de consumo. O que prevalece é a busca de lucros cada vez maiores, não importando que para isso ela tenha que subornar, colocar centenas de lobistas no Congresso dos países, deixar de fabricar determinados medicamentos que não são rentáveis, não investirem quase nada em Pesquisa e Desenvolvimento de novos remédios, pois isto requer anos de pesquisa e muitas vezes levam ao fracasso.
Os investimentos numa nova droga – medicamento – podem levar a nada. Isto faz com que essas empresas aleguem ter altos custos para a produção de medicamentos que salvam vidas, e aí, mora uma grande astúcia deste setor: elas recebem elevados subsídios dos governos e, além disso, usam para justificar os altos preços dos seus medicamentos declarando que atuam na Pesquisa e Desenvolvimento de novos remédios. Mas, na verdade, elas aplicam enormes recursos financeiros em marketing e em maquiar os antigos medicamentos, em patrocinar congressos e conferências médicas, em “visitas” aos consultórios médicos e na distribuição de amostras grátis.
Quem já não viu os representantes dos laboratórios, muito bem vestidos, muito bem treinados, que constantemente estão às portas dos consultórios médicos e clínicas médicas passando “informação” sobre algum “novo” medicamento?
A médica norte-americana Marcia Angell esclarece as artimanhas e as atividades que este setor – farmacêutico – realiza notadamente nos Estados Unidos e que se alastra para todo o planeta. Angell afirma:
“... Tornamos-nos uma sociedade hipermedicada. Os médicos infelizmente foram muito bem treinados pela indústria farmacêutica, e o que aprenderam foi a pegar o bloco de receituário. Acrescente-se a isso o fato de que a maioria dos médicos está muito pressionada em termos de tempo, em decorrência das exigências das administradoras de planos de saúde, e podem pegar aquele bloco com grande rapidez. Os pacientes também aprenderam muito com os anúncios da indústria farmacêutica. Eles aprenderam que, a não ser que saiam do consultório médico com uma prescrição, o médico não está fazendo um bom trabalho. O resultado é que gente demais acaba por tomar medicamentos quando pode haver modos melhores de lidar com seus problemas. Mais sério é o fato de que muito de nós estamos tomando muitos medicamentos ao mesmo tempo – freqüentemente cinco, talvez dez, ou até mais. Essa prática é denominada 'polimedicação' e traz consigo riscos reais. O problema é que muito poucos medicamentos têm apenas um efeito. Além do efeito desejado, há outros. Alguns são efeitos colaterais que os médicos conhecem, mas pode haver outros dos quais não tenham conhecimento. Quando vários medicamentos são tomados de uma vez, esses outros efeitos se somam. Pode haver também a interação medicamentosa, na qual um medicamento bloqueia a ação de outro ou retarda seu metabolismo, de modo que sua ação e seus efeitos colaterais são aumentados.”
E mais ainda:
“Muitos congressos de grande porte parecem bazares, dominados pelas exposições pomposas dos laboratórios farmacêuticos e por simpáticos vendedores ansiosos por cumular os médicos com presentes enquanto discorrem sobre os medicamentos de seus laboratórios. Os médicos perambulam pelos grandes corredores das exposições carregando sacolas de lona com logomarca dos laboratórios farmacêuticos, cheias de brindes, mastigando comida grátis e se servindo de todo tipo de serviços gratuitos, tais como testagem de colesterol e treino para golfe. Em lugar do profissionalismo sóbrio, a atmosfera dessas reuniões é agora de um mercenarismo comercial. Num brilhante artigo sobre este tema, uma repórter do Boston Globe descreveu seu encontro com uma psiquiatra no congresso anual da Associação Americana de Psiquiatria [em inglês, American Psychiatric Association – APA]: Ivonne Munez Velazquez, uma psiquiatra do México, remexia sua sacola de brindes como uma criança no dia de Halloween. Como recompensa por ter comparecido à reunião da APA, tinha ganho um pequeno relógio, em forma de ovo, dos fabricantes do antidepressivo Prozac; uma elegante garrafa térmica dos fabricantes do Paxil, também um antidepressivo; e um porta-cartões de prata, gravado, cortesia do Depakote, um anticonvulsivo [frequentemente prescrito para finalidades fora das indicações aprovadas, para uma variedade de síndromes psiquiátricas]. Ganhou também um pequeno e elegante porta-CD do Risperdol [sic], um antipsicótico, um porta-passaporte do Celexa, um antipsicótico [na verdade, um antidepressivo]; um belo peso de papel verde do Remeron, um antidepressivo, e um abridor de cartas de algum medicamento do qual ela nem se lembrava. Durante o fim de semana inteiro, porém, a lealdade de Velazquez estava com a Pfizer, que havia pago sua passagem aérea da Cidade do México (juntamente com trinta de suas colegas e seu sobrinho de 18 anos de idade) e os alojou em hotéis próximos ao local da reunião da APA. Naquela noite, também por cortesia da Pfizer, ela iria comparecer a um banquete esplendoroso na Academia de Belas Artes da Filadélfia.”
Não que não haja bons medicamentos para a nossa saúde, para que tenhamos uma vida mais longa e de melhor qualidade. Que os medicamentos sejam receitados com cuidado e os médicos quando os prescrevem estejam fundamentados em pesquisas e informações verdadeiras e que seja de acesso a todos estes profissionais, pois as indústrias farmacêuticas, quase sempre não passam todas as informações aos médicos, omitindo propositadamente informações essenciais para que estes realizem seus procedimentos com segurança e qualidade.
A máquina de fazer dinheiro dos laboratórios farmacêuticos esta baseada nas informações falsas, em subornos e propinas que se alastram em todos os setores médicos. Muitas vezes apenas com dietas e exercícios se obtém melhores resultados que os medicamentos.
Outro fato execrável é que a indústria farmacêutica utiliza, para manter seus enormes lucros, as patentes. Patentear um medicamento mesmo que maquiado, apenas modificando a dosagem e mudando a cor das pílulas é garantia para que esses tenham a patente prorrogada e mesmo aumentada em vários anos a mais.
Os medicamentos maquiados, ou melhor, medicamentos de imitação, vem sendo uma grande estratégia no intuito de manter as patentes e seus elevados lucros.
Os grandes centros de Pesquisa e Desenvolvimento de novos medicamentos estão nas Universidades nos grandes centros médicos acadêmicos sendo realizada por seus cientistas que tem contribuído para o aparecimento da grande maioria dos novos medicamentos. Estas instituições recebem recursos financeiros do Estado, o que significa dizer que são financiados pela população de seus países.
A indústria farmacêutica tem procurado, sistematicamente, se relacionar e se associar com estas instituições patrocinando com generosos recursos financeiros as pesquisas realizadas por estes cientistas. Os medicamentos comercializados quase sempre provêm de pesquisas financiadas com recursos públicos e executadas por Universidades, como disse, e pelas pequenas empresas de biotecnologia. Estes grandes laboratórios agem a nível global, sem nenhum constrangimento eles procuram adquirir de terceiros, incluindo os pequenos laboratórios espalhados pelo mundo, qualquer pesquisa que exista e que segundo suas avaliações, tem indícios de serem promissores.
Uma, dentre várias, necessidades da indústria farmacêutica é desenvolver medicamentos para clientes que podem pagar os preços estabelecidos por eles. Os laboratórios estavam, há tempos, voltados para pesquisar, desenvolver medicamentos para tratar doenças. Hoje, estes anunciam “doenças” que se encaixam nos medicamentos que produzem.
Quem já se deu ao “trabalho” de ler uma bula de remédio já deve ter observado que na sua grande maioria determinado medicamento é indicado para vários tipos de doenças. Isto também é uma forma dos grandes laboratórios burlarem a lei de patentes e ao mesmo tempo aumentar seus lucros, pois o tal remédio serve para inúmeros males, isso tudo com o olhar complacente das autoridades e órgãos públicos.
Quando um grande laboratório anuncia a criação de um novo medicamento, com grande potencial de consumo, logo suas ações na bolsa de valores sobem vertiginosamente, pois os lucros presumidos nesse novo medicamento são muito grandes e é lucro garantido não só para os laboratórios como para seus investidores/acionistas.
A indústria farmacêutica manipula resultados de pesquisas científicas, não realiza todos os procedimentos necessários para colocá-lo no mercado com segurança para a população, ou seja, a necessidade de auferir lucros, o mais rápido possível, é o que importa!
O complexo industrial farmacêutico não tem interesse em desenvolver medicamentos para tratar doenças tropicais, tais como: malária, doença do sono, esquistossomose, chagas, doenças comuns nos países em desenvolvimento e do terceiro mundo, pois esses países têm uma parcela significativa de sua população muito pobre, que não teria condições de comprar seus medicamentos. Por outro lado ela investe, com abundância, em medicamentos para reduzir o colesterol, tratar transtornos emocionais, febre do feno ou azia.
Precisamos, com urgência, tomar providências contra estas indústrias farmacêuticas que insistem em distorcer pesquisas, em aumentar seus lucros custe o que custar, em manter por meio das patentes o monopólio de produção e comercialização dos seus medicamentos e de aumentar seus preços a níveis estratosféricos. Sem que as autoridades e a população mundial tomem medidas duras contra a ganância dos laboratórios farmacêuticos e seus comportamentos, o que nos espera, além do que já estamos vivendo, é o mundo da saúde se transformar num imenso inferno dantesco.
Ari de Oliveira Zenha é economista
(Caros Amigos)

Pensamentando

Miss Météores
Ou da morte e
da consciência
.
Por Jorge Pinheiro, de Paris




Olivia Ruiz
Foto de Marcela Duarte

Estou no Buffalo Grill ouvindo country, comendo burguer e lendo Bernard Reymond, À decouverte de Schleiermacher. É, em Paris, nem sempre faço como os franceses. Mas não dá para esquecer que estou aqui, e eu nem quero.

Caí por essas bandas da Gare du Nord porque daqui a pouco parto para Bruxelas, para a casa de Marcela, minha filha. E para assistir ao show Miss Météores, de Olivia Ruiz, a nova Piaf, no Ancienne Belgique, Anspachlaan, 110. É a casa de show mais badalada de Bruxelas. Gosto de cebola roxa e esta está simplesmente deliciosa. As cebolas roxas são como as outras, só que mais suaves. Boas para comer cruas. Não, não estou tomando Coca-Cola. Nem vinho. Parei no suco de laranja.

Não sei por onde começar,
Eu devo viver a lua ou minha bela estrela
Até que a vida acabe por passar,
Ou provocar o destino fatal

Paris desvenda meu amor,
Perdida entre toda essa gente,
Paris entrega meu amor
Eu estarei sobre a ponte dos amantes
(Olivia Ruiz, Paris)

Acho que devo dar sequência à última crônica. E começarei dizendo que a fé parte da experiência e da compreensão teológica de que não existe acaso ou coincidências. A existência é sempre permeada pela atualidade e pela contingência através das quais se faz presente o incondicionado.

Por isso, a expressão “faça sem culpa” não procede: em primeiro lugar, porque para além do mal fazer ou do não fazer bem está a consciência ontológica da morte, que se traduz existencialmente como ausência e separação. E foi esse estar diante da morte que fez o hominídeo dar o salto existencial/ antropológico: passar de homo sapiens a homo sapiens sapiens. Conhece a morte, sabe que vai morrer e passa a temer a ausência e a separação definitivas.

Tanta gente e tão poucos olhares,
Tanta gente e tão poucos sorrisos
Nunca têm tempo de se oferecer ao acaso,
Tão pouco tempo que a gente gostaria de acabar

Paris desvenda meu amor,
Perdida entre toda essa gente,
Paris entrega meu amor
Eu estarei sobre a ponte dos amantes

Em sua carta aos Romanos (5.12), o apóstolo Paulo explicita esse processo de construção do humano ao afirmar que a hamartia entrou na vida humana por um primeiro, e com a hamartia, a consciência da morte. Ora, hamartia era uma expressão militar dos gregos que se referia ao ato do arqueiro errar o alvo, quer no treinamento, quer na batalha. Paulo utiliza a expressão no sentido de que vivemos sempre sob a possibilidade de errar os alvos existenciais. Por isso, a compreensão de hamartia é ausência, separação, alienação, já que implica em distanciamento do objetivo existencial. Para um vôo antropológico sugiro o livro de Philippe Ariès, já traduzido para o português, O Homem diante da Morte.

Errar o alvo, ou seja, ausência, separação, alienação, enquanto estado da existência, leva à compreensão da origem do humano enquanto tal. E Paulo fala, então, da consciência da morte. Para o apóstolo, o estado de ausência, separação e alienação na existência produz uma consciência matricial, a consciência da morte.

A partir da consciência da morte temos a consciência do divino, a consciência da diversidade, já que não somos bichos e, por extensão, não somos apenas natureza, a consciência de que podemos escolher, e a consciência de que coisas e ações podem ser boas ou não. Dessa maneira, hamartia implica em conseqüências: necessidades diante da lei, daquilo que é ou está frente à existência, e possibilidades diante da liberdade, daquilo que não existe, mas pode ser criado.

Um pouco cansada
Ela avança em meio à multidão
em sentido contrário
Um barco embriagado sobre a onda

Bela Paris, seja generosa
para com a minha pobre alma triste
Eu direi por toda parte que és maravilhosa,
Se você me encontrar um único eu te amo

Assim, diante da ausência, do distanciamento, e da alienação presentes e futuras estão necessidade/e/lei e possibilidades/e/liberdade, que não se excluem: estão correlacionadas na existência humana, fazem parte do estado da existência.

Quando proferimos o “fazer sem culpa” rebaixamos a consciência ante os desafios da existência e negamos possibilidades: perdemos esperança e liberdade. E assim a vida é corroída pelas bordas.

Em se falando de tristeza, vejam Olivia Ruiz interpretando Piaf. Mas, não se esqueçam que Olivia é boom entre os roqueiros na Europa. E, sem dúvida, como sempre acontece, é bem melhor ver e ouvir ao vivo:



Lá fora a primavera está nublada, garoenta, nos 15 graus. Toda gente meio que esperando um pouco mais de frio, encasacados, à exceção de uma moça de mini-saia. De onde ela veio? Mistérios da urbanidade global.

Gosto de estar brasileiro. Não, não sou um cidadão do mundo. Percebo o mundo a partir de minha brasilidade, de meu gênero, de minha idade. E, por que não, das letras que me fazem delirar. Afinal, como canta Olivia Ruiz: Paris encontra meu amor,/ Perdida entre toda essa gente,/ Paris entrega meu amor/ Eu estarei sobre a ponte dos amantes. Daqui a pouco, de TGV, estarei em Bruxelas. Chez Marcela.

31/5/2009

Fonte: ViaPolítica/O autor

O teólogo e jornalista Jorge Pinheiro viajou à Paris para participar de um encontro internacional de estudos sobre a obra de Paul Tillich, o XVIIIe Colloque de l’Association Paul Tillich d’expression française. Sua primeira crônica de viagem está em http://www.viapolitica.com.br/anima_view.php?id_anima=118




sábado, 13 de agosto de 2011

Palestina

Palestina: Outra intifada é possível
Publicado em 13/05/2011 por Ana Helena Tavares


Quantas estrelas?


Começam no mundo árabe manifestações e marchas que exigem independência palestina e retorno dos refugiados. Dia-chave é próximo domingo
Por Luís F. C. Nagao, colaborador de Outras Palavras
A chama foi acesa, mais uma vez, na Praça Tahir, Cairo. Nesta sexta-feira (13/5), dezenas de milhares de pessoas voltaram a se reunir no ponto-chave onde se articulou a derrubada da ditadura egípcia. Tinham outras reivindicações. Queriam condenar as disputas entre seitas muçulmanas e cristãs, que provocaram dez mortes em seu país, há semanas. Mas estavam, mais que tudo, deflagrando a série de manifestações que voltará a exigir, a partir do dia 15, a libertação da Palestina.
O exemplo egípcio repercutiu em Aman, capital da Jordânia, onde centenas de populares tomaram as ruas do centro, contra a ocupação israelense. E, apesar das medidas de segurança adotadas por Telavive, emergiram em Jerusalém. Centenas de milhares de mensagens escritas inundaram os telefones celulares. Houve ligeiros confrontos com a polícia. Em refereência às duas ondas anteriores de protesto contra a ocupação [verWikipedia], há quem espere o início, no domingo, de uma terceira Intifada – agora impulsionada pela primavera árabe e pelo acordo de unidade entre Fatah e Hamas.
A mobilização de 15/5 está sendo convocada há dois meses, quando redes de jovens organizaram, em várias cidades palestinas, manifestações pela unidade nacional e independeência. Espalhou-se pelas redes sociais, apesar da censura praticada pelo Facebook (que tirou do ar um grupo de 300 mil pessoas). Rememora um fato simbólico: a triste data da Nakba (catástrofe) – a expulsão de 711 mil palestinos de seu país e suas terras, em 1948.
Relembrada todos os anos, a data despertou agora solidariedade ativa em todo o mundo árabe. No Egito, o sentimento é ainda mais intenso. Além da revolução em curso, o país mantém fronteira com a faixa Gaza, um dos fragmentos em que foram confinados os palestinos (o mapa abaixo mostra como as fronteiras definidas pela ONU em 1947 foram deslocadas por Israel, em 1948). Para a data da Nakba, os egípcios querem organizar uma ação ousada.

À esquerda (em cinza), o território palestino definido pela ONU em 1947. À direita (em marrom), após a guerra de 1948. A Faixa de Gaza é a minúscula área a nordeste do Egito
No sábado (14/5) sairá da Praça Tahir, às nove da manhã, um comboio de carros e ônibus. Passarão por Suez, onde encontrarão mais manifestantes. Chegarão à noite em Rafah, na fronteira com o território palestino, para uma grande manifestação. Na manhã seguinte (15/5), almejam entrar nos territórios palestinos para mais manifestações. Outras caravanas, vindas de Alexandria, Damietta, Sinai do Norte, Garbia, Beni Suef, Assiut, Qina e Sohag são esperadas. A coalizão que promove as jornadas também quer a libertação dos presos políticos palestinos no Egito; a reabertura permanente da fronteira de Rafah; a retomada de relações comerciais enre seu país a Faixa de Gaza; e o cancelamento da oferta de gás a Israel, a preços muito aviltados.
Os organizadores querem que todos os atos sejam pacíficos. T êm em mente a Assembleia Geral da ONU, que poderá votar, em setembro, o reconhecimento internacional de um Estado palestino. Mas a própria Nakba evoca outra reivindicação, novamente suscitada: o direito dos exilados palestinos retornarem à sua pátria.
Manifestações de solidariedade à independência palestina estão previstas em outras partes do mundo. Além disso, uma reunião internacional em Paris decidiu, há dias, organizar uma nova flotilha de barcos para Gaza. Desta vez, quinze barcos, com 1,5 mil pessoas de múltiplas nacionalidades a bordo (e repletos de ajuda humanitária), zarparão da Turquia na terceira semana de junho.
Charges: Carlos Latuff
(QTMD)

Alimentação

Possíveis animais sem donos
By
admin
– 3 de maio de 2011
57Share
1

Filósofo diz que impedir sofrimento de seres sensíveis é imperativo moral e julga que seremos capazes de eliminar crueldades impostas aos bichos quando deixarmos de vê-los como propriedades
Por Letícia Freire no IHU On-Line
Uma eterna Treblinka. Assim é a vida dos animais criados para alimentar as pessoas, dispara o filósofo britânico David Pearce. “Suspeito que nossos descendentes venham a considerar o modo como seus ancestrais trataram membros de outras espécies não apenas como não ético, mas como um crime no mesmo nível do Holocausto”, afirmou na entrevista que concedeu, por e-mail, à IHU On-Line.
Em seu ponto de vista, não é preciso que o ente seja inteligente para sofrer profunda aflição: “uma convergência de indícios evolutivos, comportamentais, genéticos e neurocientíficos sugere que os animais não humanos que exploramos e matamos sofrem intensamente – da mesma maneira como ‘nós’”. Assim, é necessário desenvolver um “senso mais inclusivo e solidário de ‘nós’ que abranja todos os seres sencientes”. E completa: “as limitações intelectuais de animais não humanos são uma razão para lhes dar maior cuidado e proteção, não para explorá-los”.
Pearce questiona, também, sobre o sentido ético de consumir carne: “o prazer que muitos consumidores têm ao comer carne de animais mortos tem moralmente mais peso do que o sofrimento embutido em sua produção?” Uma de suas ideias é a produção de carne in vitro, alimentação “isenta de crueldade” que daria um passo importante para o desenvolvimento da civilização. “Os maiores obstáculos a um mundo sem sofrimento serão éticos e ideológicos, não técnicos”, emenda.
David Pearce é filósofo e pesquisador inglês, representante do chamado “utilitarismo negativo” em ética. Destacou-se em 1995, ao escrever um manifesto online nomeado The hedonistic imperative, no qual defendeu a utilização de biotecnologias para abolir o sofrimento em toda a vida senciente. Os principais escritos de David Pearce baseiam-se na ideia de que há um forte imperativo moral que impele os seres humanos a abolirem o sofrimento em toda a vida senciente. Em 1988, com Nick Bostrom, fundou a Associação Mundial Transumanista.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Em que aspectos o abolicionismo e o veganismo são importantes na construção de uma sociedade mais ética e solidária em nossos dias?
David Pearce - Tomemos um exemplo concreto: um porco. Um porco tem a capacidade intelectual – e, criticamente, a capacidade de sofrer – de uma criança pequena de 1 a 3 anos. Nós reconhecemos que as crianças pequenas têm direito a amor e cuidado. Em contraposição a isso, criamos intensivamente em confinamento e matamos milhões de porcos usando métodos que acarretariam uma sentença de prisão perpétua se nossas vítimas fossem humanas.
É claro que um porco não é um membro de “nossa” espécie. Mas a questão não é se existem diferenças genéticas entre membros de raças ou espécies diferentes, mas se essas diferenças são moralmente relevantes. Diferentemente dos humanos, os animais não humanos carecem da estrutura neocortical que possibilita o uso da linguagem. Entretanto, por que esse módulo funcional haveria de conferir alguma espécie de status moral singular a seu proprietário? Deveriam os surdos-mudos humanos ser tratados da forma como tratamos os “animais irracionais”? Intuitivamente, nós imaginamos que os seres humanos sejam “mais conscientes” do que os não humanos que exploramos. Isto é porque a maioria dos adultos humanos são mais inteligentes do que a maioria dos animais não humanos. Mas existe qualquer prova dessa ligação entre destreza intelectual e intensidade de consciência? O que é notável é como as mais “primitivas” experiências pelas quais passamos – por exemplo, a agonia pura ou o pânico cego – são também as mais intensas, ao passo que as mais cerebrais – por exemplo, a geração de linguagem ou a demonstração de teoremas matemáticos – são fenomenologicamente tão tênues que quase não são acessíveis à introspecção.
Em suma, não é necessário ser inteligente para passar por profunda aflição. Uma convergência de indícios evolutivos, comportamentais, genéticos e neurocientíficos sugere que os animais não humanos que exploramos e matamos sofrem intensamente – da mesma maneira como “nós”. Portanto, o que se faz necessário, em minha opinião, é um senso mais inclusivo e solidário de “nós” que abranja todos os seres sencientes.
Abolicionistas e veganos
Um consumidor de carne poderia responder que nós deveríamos valorizar uma criança pequena mais do que um animal não humano funcionalmente equivalente porque a criança humana tem o “potencial” de se tornar um ser humano adulto intelectualmente maduro. Mas este argumento simplesmente não funciona, pois nós reconhecemos que uma criança com uma doença progressiva que nunca completará 3 anos é digna de amor e respeito da mesma forma que as crianças que estão se desenvolvendo normalmente. Dentro da mesma lógica, as limitações intelectuais de animais não humanos são uma razão para lhes dar maior cuidado e proteção, não para explorá-los.
Talvez uma observação terminológica seja útil neste ponto. O termo “vegano” está bastante bem definido. Um vegano é um vegetariano rigoroso que não consome produtos de origem animal. Em contraposição a ele, o termo “abolicionista” tem sentidos múltiplos. Dois deles são relevantes neste contexto. Um sentido se deriva da bioética: os abolicionistas creem que deveríamos usar a biotecnologia para eliminar progressivamente todas as formas de sofrimento, tanto humano quanto não humano. O segundo sentido se deriva dos textos do jurista americano Gary Francione. Francione sustenta que os animais não humanos só precisam de um direito, a saber, o direito de não ser considerados propriedade. Por conseguinte, deveríamos abolir o status dos animais não humanos como propriedade. Bem, certamente é viável ser abolicionista em ambos os sentidos. Mas eles refletem perspectivas diferentes: é possível ser abolicionista num sentido, e não no outro.
IHU On-Line – Por que não deveríamos comer produtos de origem animal?
David Pearce – Atualmente, milhões de pessoas no mundo desfrutam de um estilo de vida vegano isento de crueldade. As tradições culturais do subcontinente indiano são em grande parte veganas. Uma minoria pequena mas crescente de pessoas no mundo ocidental também adotaram um estilo de vida vegano isento de crueldade. Comer, ou não, produtos de origem animal é, em última análise, uma questão de opção. Abrir mão de alimentos de origem animal não exige um sacrifício pessoal heroico, mas meramente uma branda inconveniência pessoal.
Na verdade, se a pessoa se der o trabalho de explorar a culinária vegana, verá que há uma variedade imensa de pratos entre os quais se podem escolher. Afinal, há literalmente milhares de vegetais ou verduras diferentes, mas apenas alguns poucos tipos de carne. Então, em termos éticos, acho que temos de perguntar o seguinte: o prazer que muitos consumidores têm ao comer carne de animais mortos tem moralmente mais peso do que o sofrimento embutido em sua produção? Podemos alguma vez justificar a “posse” de outro ser senciente – quer humano, quer não humano? Segundo que direito?
Não vou tentar me confrontar aqui com os amoralistas ou os niilistas morais. Os niilistas morais sustentam que todos os juízos de valor são puramente subjetivos, isto é, nem verdadeiros, nem falsos. Mas até mesmo eles normalmente deploram o abuso de crianças. Na medida em que o abuso de crianças é moralmente errado, é arbitrário negar que o abuso de criaturas funcionalmente equivalentes também seja moralmente errado.
IHU On-Line – Quais são os diferentes desafios dessas duas correntes hoje, frente à indústria da carne e as plantações massivas de soja e milho, cultivadas para alimentar o gado?
David Pearce – Talvez o desafio mais desanimador seja a apatia moral. George Bernard Shaw observou sagazmente que “o costume reconcilia as pessoas com qualquer atrocidade”. Infelizmente, essa observação não é menos verdade hoje em dia. Se pressionadas, muitas pessoas – talvez a maioria das pessoas – reconhecerão que a criação intensiva de animais em confinamento é cruel. Mas, na maior parte, depois elas vão encolher os ombros e continuar a consumir carne e produtos de origem animal como antes. Outros consumidores de carne parecem imaginar que a criação intensiva de animais em confinamento é apenas um pouco superlotada e que o “gado” é sacrificado sem dor, como um animal de estimação doente que sofre a eutanásia nas mãos de um veterinário gentil. Poucos e poucas de nós jamais estiveram dentro de um matadouro.
Nem todos os consumidores de carne estão tão pouco dispostos a se envolver com argumentos morais. Alguns intelectuais consumidores de carne tentam racionalizar o egoísmo com a chamada Lógica da Despensa. A Lógica da Despensa é o argumento de que, se os animais não humanos não fossem criados em escala industrial para nosso consumo, eles não existiriam – o que se pressupõe, neste caso, é que a vida na criação intensiva em confinamento vale ao menos minimamente a pena viver. Assim, em algum sentido, nossas vítimas estão, sem querer, em dívida conosco. Assim como é formulado, esse argumento justificaria que se criassem bebês para consumo humano, e não apenas animais não humanos. Por analogia, o argumento também permitiria a escravidão humana, ao menos se os escravos fossem criados para essa finalidade. Mais relevante, porém, é que os animais criados intensivamente em confinamento passam quase toda a sua vida abaixo do “zero hedônico”. Em muitas casos, a aflição deles é tão desesperada que precisam ser impedidos de se automutilar. A crença de que os seres humanos estejam fazendo alguma espécie de favor aos animais criados em escala industrial exige uma extraordinária capacidade de enganar a si mesmo.
Sofrimento institucionalizado
Vale a pena enfatizar que a miséria suportada por animais criados intensivamente em confinamento é sofrimento institucionalizado, e não apenas um “abuso” isolado. As empresas da “indústria” da carne têm uma obrigação jurídica de maximizar os lucros dos acionistas. Mesmo que essas empresas quisessem tratar os animais cativos menos insensivelmente, essas reformas seriam contrárias à lei se as medidas de bem-estar diminuíssem o retorno para os acionistas, uma vez que o custo tiraria as firmas “ineficientes” do mercado.
IHU On-Line – O que se pode fazer, então?
David Pearce – Bem, creio que uma estratégia de mão dupla é vital. Por um lado, precisamos usar argumentos morais e campanhas políticas para conscientizar as pessoas da difícil situação dos animais não humanos. Muitos consumidores de carne ficam genuinamente chocados quando veem vídeos saídos clandestinamente de criadouros industriais de animais ou matadouros que mostram o que realmente acontece lá. “Se os matadouros tivessem paredes de vidro, todos nós seríamos vegetarianos”, disse Paul McCartney. Talvez não, mas o processo de conversão certamente se aceleraria.
O que é mais controvertido, entretanto, é minha opinião de que nós precisamos de uma opção de reserva para usar quando a persuasão moral fracassa: tecnologia de produção de carne in vitro. O desenvolvimento de carne deliciosa, produzida artificialmente sem uso de crueldade, de um gosto e uma textura que sejam indistinguíveis da carne produzida a partir de animais intactos será potencialmente escalável, sadia e barata. A primeira conferência mundial sobre produção de carne in vitro foi realizada em Oslo, na Noruega, em 2008. Eu urgiria todo o mundo a apoiar a New Harvest, a organização sem fins lucrativos que está trabalhando para desenvolver carne produzida em laboratório.
Poder-se-ia supor que a maioria dos consumidores jamais venha a comer um produto tão “não natural” quando a carne produzida artificialmente chegar ao mercado. Mas um momento de reflexão sobre as condições não sadias e não naturais dos animais criados intensivamente em confinamento mostra que o argumento do “desagrado” não pesa muito. Na verdade, nosso sentimento de repugnância pode até atuar a favor dos produtos isentos de crueldade em lugar dos animais abatidos. Se os consumidores soubessem o que entra atualmente em produtos de carne e frango – os úberes das vacas com mastite e tumores que caem dentro do leite, os porcos com tumores que entram diretamente no moedor, a gripe suína (H1N1), o hormônio de crescimento de bovinos, toneladas de antibióticos que diminuem a resistência humana, contaminação desenfreada com E. coli, etc. –, não iriam querer comprá-los a preço nenhum. É preciso admitir que com a tecnologia atual só conseguimos produzir carne in vitro com uma qualidade semelhante à carne moída; mas no futuro deveria ser possível produzir em massa bifes de primeira qualidade. A maior incerteza são as escalas de tempo.
Treblinka animal
Sei que muitos militantes em defesa dos animais não se sentem à vontade com a perspectiva da produção de carne in vitro. Eu também me sinto assim. Será que a clareza moral total não seria melhor? Se vejo um açougue ou carne de qualquer espécie, penso em Auschwitz. Ainda assim, muitos consumidores de carne sentem água na boca ao ver carne de animal morto e afirmam que jamais poderiam abrir mão dela.
Do ponto de vista nutricional, isso não faz sentido, mas acho que temos de aceitar o desenvolvimento de carne artificial porque sua fabricação e comercialização em massa possibilitará que as pessoas moralmente apáticas também tenham uma alimentação isenta de crueldade. Quando a maioria da população mundial tiver feito a transição para uma alimentação vegana ou com carne produzida in vitro, prevejo que criar outros seres sencientes para o consumo humano será tornado ilegal sob o direito internacional – assim como é o caso da escravidão humana atualmente. É claro que prever os valores de gerações futuras é algo que contém muitas armadilhas. Mas suspeito que nossos descendentes venham a considerar o modo como seus ancestrais trataram membros de outras espécies não apenas como não ético, mas como um crime no mesmo nível do Holocausto. Como observa o autor judeu Isaac Bashevis Singer, ganhador do Prêmio Nobel, em The Letter Writer (1968): “Em relação aos animais, todas as pessoas são nazistas; para os animais, há um eterno Treblinka.”
IHU On-Line – Em que medida a prática do veganismo e o abolicionismo demonstra preocupação com a alteridade e com a saúde do Planeta Terra em sentido mais amplo?
David Pearce - Tanto um estilo de vida vegano quanto um compromisso com o projeto abolicionista em sentido mais amplo certamente podem expressar uma reverência pela vida na Terra. Ahimsa, que significa não causar dano (literalmente: evitar a violência – himsa) é uma característica importante das religiões do subcontinente indiano, particularmente do budismo, do hinduísmo e em especial do jainismo.
A abolição do consumo de carne vermelha também reduziria os gases emitidos por vacas, ovelhas e cabras que contribuem para o aquecimento global – uma das principais ameaças planetárias com que nos defrontamos nesse século e além dele. Mas a prática do veganismo também pode expressar um ódio puramente secular à crueldade e ao sofrimento. Um ateu cuja vida interior seja um deserto espiritual pode assumir um compromisso com o bem-estar de toda a senciência também. Para ter êxito, precisaremos construir a mais ampla coalizão possível de ativistas e simpatizantes, tanto religiosos quanto seculares.
IHU On-Line – Como podemos compreender o anunciado “pós-humano” no século XXI, quando milhões de pessoas seguem se alimentando de carne e, portanto, de sofrimento e morte?
David Pearce - A adoção global de uma alimentação isenta de crueldade assinalará uma importante transição evolutiva no desenvolvimento da civilização. Talvez a transição leve séculos. Por outro lado, é possível que uma combinação da militância em favor dos animais e do desenvolvimento de tecnologia de produção de carne in vitro produza a revolução alimentar no mundo todo dentro de décadas. Mas tornar-se pós-humano tem um alcance maior do que adotar pessoalmente um estilo de vida isento de crueldade.
Os animais que vivem livremente, “selvagens”, muitas vezes também sofrem terrivelmente – através de fome, sede, doença e predação. A vida darwiniana na Terra está baseada na exploração – basicamente, em que criaturas vivas devorem umas às outras. A “cadeia alimentar” poderia parecer um fato perene da Natureza, no mesmo nível da Segunda Lei da Termodinâmica. Isto tem sido verdade ao longo de centenas de milhões de anos.
Entretanto, uma reação fatalista à “Natureza vermelha [de sangue] em seus dentes e garras” [alusão ao famoso poema “In Memoriam A. H. H.” de Alfred Tennyson] subestima o inaudito poder transformador da ciência moderna em relação ao mundo vivo. Agora deciframos o código genético, a biotecnologia nos permite potencialmente reescrever o genoma dos vertebrados, reprojetar o ecossistema global, regular a fertilidade da espécie toda por meio da imunocontracepção e, em última análise, abolir o sofrimento em todo o mundo vivo.
Neste momento, essa espécie de cenário parece fantasiosa, para não dizer ecologicamente analfabeta. Mas esse projeto será tecnicamente viável no decorrer deste século. Os maiores obstáculos a um mundo sem sofrimento serão éticos e ideológicos, não técnicos.
IHU On-Line – Em que aspectos o veganismo e o abolicionismo destronam a condição antropocêntrica do homem?
David Pearce - A tradição judaico-cristã – e, na verdade, todas as religiões abraâmicas – situa o Homem no centro do universo. É difícil reconciliar esta concepção da humanidade com a teoria da evolução por seleção natural e a síntese neodarwiniana. Mas suponhamos que Deus exista. Todas as tradições concordam que o Deus todo-poderoso é infinitamente compassivo. Se reles mortais conseguem visionar o bem-estar de toda a senciência, deveríamos supor que Deus seja mais limitado na amplitude ou profundeza de Sua compaixão? Essa limitação da benevolência de Deus não parece coerente. Lembre-se também de que o livro de Isaíasprediz que um dia o leão e o cordeiro se deitarão lado a lado. Bem, a engenhosidade humana pode fazer assim – só que não apenas pela oração. Um mundo livre de crueldade só pode surgir pelo uso compassivo da biotecnologia: reengenharia genética obrigatória para carnívoros e outros predadores; controle da fertilidade transespécies, implantes de neurochips, vigilância e rastreamento por GPS, nanorrobôs em ecossistemas marinhos e toda uma gama de intervenções técnicas que estão além da imaginação pré-científica.
IHU On-Line – Como o veganismo pode apoiar uma mudança da forma como as pessoas comem e,também, diminuir a fome no mundo?
David Pearce - Uma transição global para uma alimentação vegana isenta de crueldade não irá ajudar apenas os animais não humanos. A transição também ajudará humanos subnutridos que poderiam se beneficiar dos cereais que atualmente são destinados aos animais criados em escala industrial. Ocorre que a criação intensiva em confinamento não é só cruel, mas também energeticamente ineficiente. Tomemos apenas um exemplo. Ao longo das últimas décadas, milhões de etíopes morreram de “escassez de alimentos”, enquanto a Etiópia plantava cereais para vender ao Ocidente para alimentar o gado. Os hábitos de consumo de carne do Ocidente sustentam o preço dos cereais, de modo que os pobres nos países em desenvolvimento não têm condições de comprá-los. Em consequência disso, eles morrem aos milhões. Em meu trabalho, eu exploro soluções futurísticas, de alta tecnologia para o problema do sofrimento. Mas qualquer pessoa que queira seriamente reduzir o sofrimento tanto humano quanto não humano deveria adotar um estilo de vida vegano isento de crueldade hoje.
57Share
1
(Outras Palavras)

Pensamentando I

Quando estive no deserto
.
Por Atenea Acevedo




Aquellas pequenas cosas

Traduzido por
Cristina Santos
Em uma viagem ao Saara Ocidental, a descoberta de um povo que tem os olhos postos no futuro, os pés enraizados na história e asas a crescer nos braços.

Para J.O.

A sonoridade da palavra Saara tem a suavidade esponjosa das dunas, a tirania do sol, o azul profundo de um céu salpicado de estrelas, a visão fantástica do infinito. Nela também cabem a guerra, o espólio, a precariedade, o desterro e a injustiça. A força irreprimível de um povo faz com que há 33 anos dizer Saara também é dizer resistência, anseio, temperança.

Chegar a Dakhla, um dos acampamentos de refugiados saarauís na Argélia cujo nome corresponde a uma das suas cidades sob a ocupação militar marroquina, é uma grande odisseia. É como se as peripécias se conjugassem para pôr à prova a determinação e a dureza da pele da viajante, apenas para recompensá-la com imagens e emoções irrepetíveis. As horas num avião charter, que mais parece uma camioneta, alugado por um grupo de conhecidos e a massagem cruel que me oferece o transporte todo-o-terreno desde Tindouf são o preço a pagar para ver o primeiro amanhecer no deserto. Os meus olhos deixam de espreitar e abrem-se como leques, enfeitiçados diante do vigor do fogo que se levanta com o impulso de um deus absoluto. Não se fecharão por muito tempo, apenas para dormitar na jaima ou no gueton quando o corpo se nega a acompanhar a minha necessidade de recorrer e recordar tudo.

Como uma ordem a realidade dos acampamentos vem ao meu encontro. A reflexão imediata evoca o que aprendi a entender como “comodidades” ou “vida moderna”, eufemismos para uma torneira, uma tomada elétrica, uma rua asfaltada e uma porta cheia de trincos. Aqui, onde o tempo adotou a forma do horizonte ilimitado, basta um instante para reconhecer esses objetos peculiares como veículos de esbanjamento e desperdício. Precisamos de pouco e queremos tudo, e não importa se no caminho atropelamos ou arrebatamos. O povo saarauí, imerso na brutalidade da ocupação de um lado do maior muro do mundo ou no rigor do exílio do outro, sabe que a sua sobrevivência depende do sentido de coletividade. Os dias e as noites em Dajla levam a uma reflexão mais detalhada sobre aquilo que no meu mundo se perdeu e que não é pouco: a noção de comunidade, a motivação para nos reconhecermos em outras humanidades, o ânimo de rebeldia, a celebração da vida por si mesma.

Tal como as centenas de pessoas que estão de passagem, desfruto do ritual do chá, do abrigo de uma família, das bondades do turbante, da luz que pressagia o amanhecer, da sábia cadência dos dromedários. A tranquilidade de cada momento obsequia uma aprendizagem. Ouço atenta a saudação saarauí, um intercâmbio de perguntas sobre o bem-estar da família e do gado, sobre os caminhos percorridos e a desejada presença de água num terreno sem dono. Trata-se de algo mais do que uma tradição de errantes, aquele diálogo útil para traçar a própria rota e atenuar as probabilidades de perecer ou perder-se em caminhos avermelhados: ao preservar a saudação que distingue o seu espírito nômade, o povo saarauí assinala a sua convicção na vitória e persegue a teia da sua identidade legendária.

A imaginação reina no Saara, espaço ideal para a organização delirante de um festival internacional de cinema. Projetar filmes na imensidade de um mal chamado “nada” não só refresca os sentidos marcados por uma paciência que se esgota. Que melhor meio para se aproximar a outras realidades e apresentar a própria que a linguagem audiovisual, insígnia dos nossos tempos? Por isso o festival oferece seminários de documentário, fotografia, edição, som e rádio. Por isso se trabalha na construção da primeira escola de cinema e acaba de se inaugurar as transmissões da televisão saarauí. Tudo serve para fortalecer a trincheira da dignidade e defender o sorriso dessa gente que não pede permissão para ser e empunhar a sua bandeira.

É normal que a perspectiva se apure depois de viajar a um acampamento saarauí, um lugar onde o inepto pulso humano supera adversidades inimagináveis, uma paisagem singular num planeta onde o pensamento único eliminou todos os sinais de originalidade e as cidades e as pessoas são cada vez mais fastidiosamente parecidas.

Talvez assim se explique o sorriso que nasce nos meus lábios quando falo do Saara e de um povo que tem os olhos postos no futuro, os pés enraizados na história e asas a crescer nos braços. Mas a minha fascinação não vale a ferida deles. Por muito que aqueles que chegam de longe precisem de um tratamento contra o consumismo e a superficialidade, por mais intensa que seja a experiência, ninguém deveria ter de viver a inventar maneiras de gritar ao mundo a sua tristeza e o seu direito à justiça. Junto a minha voz ao coro que exige liberdade para o Saara Ocidental JÁ.

Fonte: ViaPolítica/Tlaxcala

www.tlaxcala.es

URL: http://www.tlaxcala.es/...

Título do original em espanhol: “Cuando estuve en el desierto”

http://my.opera.com/mujerypalabra/blog/

Tradução para o português de Cristina Santos, colaboradora de Tlaxcala, a rede de tradutores pela diversidade lingüística. Esta tradução pode ser reproduzida livremente na condição de que sua integridade seja respeitada, bem como a menção à autora, à tradutora, e à fonte.

Mais sobre a autora:
Atenea Acevedo nasceu e vive no mundo que é a Cidade do México, e todas as suas recordações estão invariavelmente vinculadas às palavras. É graduada em Relações Internacionais, especializada em estudos da Europa Central, diplomada em interpretação e tradução Inglês/Espanhol, e em relações de gênero e equidade entre homens e mulheres. Trabalhou três anos no Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, foi professora de história universal, política mundial contemporânea, organismos internacionais e geopolítica.

Também ministra workshops de escrita criativa e reflexão feminista para mulheres e homens. Tem oito anos de experiência como tradutora e intérprete independente com ênfase em temas vinculados ao feminismo e ao gênero, às relações internacionais, ao meio ambiente, às ciências política e às finanças. Teve o privilégio de traduzir conferências de personalidades como Herb Cohen, Klaus Toepfer, Baron Wolman, Marta Lamas, Gustavo Esteva e Dom Samuel Ruiz. O seu portfólio inclui trabalhos de tradução para instituições como a Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales (Flacso), o Centro de Investigación y Docencia Económicas (CIDE), o Centro de Estudios Monetarios Latinoamericanos (CEMLA), o Centro de Investigaciones y Estudios Superiores en Antropología Social (CIESAS), a Ford Foundation, o Consejo Nacional para la Cultura y las Artes (Conaculta), a Organização das Nações Unidas (ONU), a Oficina de la Superintendencia de Instituciones Financieras de Canadá (OSFI) e a consultoria ambiental canadense FiveWinds International, além de organizações não governamentais e do setor privado. Atenea Acevedo encontrou na tradução e na interpretação os meios idôneos para estruturar o seu ativismo pelos direitos humanos, a equidade de gênero e a mudança social.
Deu voz a grupos tais como as Madres de las Muertas de Juárez, o Movimento dos Sem Terra e a Coordinación de Apoyo al Pueblo Saharaui. Pertence à rede de intérpretes voluntários Babels e faz parte da equipe fundadora de Babels México. Participou no Forum Social Mundial e coordenou o voluntariado de intérpretes nos workshops “Mulheres e globalização” e “Outro mundo é necessário”, organizado pelo Centro para la Justicia Global. Participou como oradora convidada na Quarta Conferência de Tradutores e Intérpretes, organizada por ProZ.com em Buenos Aires, Argentina, com o tema “Tradução e gênero”, e como oradora convidada na Conferência Interpreta2007, organizada por José Luis Villanueva Senchuk e Lucille Barnes em julho de 2007, em Buenos Aires, Argentina, com o tema “Ativismo e interpretação”.
Confessa-se escritora com pudor e feminista descarada. Viajou a 24 países e viveu no México, Estados Unidos da América e República Checa.












(Via Política)

Poesia

Nem sempre

Nem sempre sou igual no que digo e escrevo.
Mudo, mas não mudo muito.
A cor das flores não é a mesma ao sol
De que quando uma nuvem passa
Ou quando entra a noite
E as flores são cor da sombra.

Mas quem olha bem vê que são as mesmas flores.
Por isso quando pareço não concordar comigo.
Reparem bem em mim:
Se estava virado para a direita,
Voltei-me agora para a esquerda,
Mas sou sempre eu, assente sobre os mesmos pés -
O mesmo sempre, graças ao céu e à terra
E aos meus olhos e ouvidos atentos
E à minha clara simplicidade de alma...

Fernando Pessoa
(1888-1935)

Pensamentando I







.








Nonato
.
Por Myrian Beck


Chorei por ti ao contemplar a luminosidade desse outono seco. Não vi teu rosto, não te dei um nome, não ouvi tua voz. Mas teu lugar continua vago nas gangorras dos parquinhos. No espelho da orla do mar da Gamboa que cederia docilmente ao teu pisar. Na infância pulando a janela dos fundos em dia de chuva.

Imagino que devas estar por aí, em algum cantinho. Espero que me ouças. Por isso à noite boto o CD dos Beatles, aquele com arranjos de ninar. Brotavas silencioso e alheio aos meus tormentos. Tanta coisa feia acontecendo. Feia mesmo. Tive medo e foi então que te arranquei com raiz e tudo e quase nem doeu, me perdoa? Perdoa porque te neguei abraços e jamais estenderei sobre ti um cobertor.

Como o anzol que atinge rápido em seu fisgão mortal, doeu menos que depilação com cera quente. Alguns “ais” e pronto... Não eras mais eu. Meus olhos pendurados no canto do forro da clínica e uma lágrima pendurada no canto do olho. Assim, num estalar de dedos. Higiênico. Seguro. Tanto que voltei dirigindo pra casa.

Com que clareza de timbre elevarias tua voz? Qual parcela de poder assumirias neste mundo? Desde que ele é ele, as pessoas curvam-se ao generoso movimento das nuvens que as protegem do sol que esturrica tudo. Vês? Na real, as novidades são poucas.

Não terás minha imagem num porta-retratos. Não me velarás. Vês? Não perdes muita coisa. O universo, sim, é tão vasto... estás por aí? Temo que me apontes e me condenes. Estás em alguma chispa de estrela? Energiza-me, se acaso tiveres te tornado fóton; consola-me, dá-me teu perdão, sou tua mãe. Ou fui.

No sonho esfrego teus pezinhos encardidos do barro vermelho do fundo do açude. Tu ris, eu digo que te amo e ofereço minhas tetas. Agarra-te firme a elas, pois a qualquer momento podem voltar a ser rio de puro leite. Carrego comigo este poder. Eu te batizo, mas não direi teu nome a ninguém. Te chamarei, agora e sempre, de sentimento. Eu te batizo e te dou um rosto. De anjo. Pronto. Ou de Peter Pan.

31/5/2009

Fonte: ViaPolítica/A autora

Myrian Beck é colaboradora permanente de ViaPolítica em Porto Alegre, Rio Grande do Sul.

Mais sobre Myrian Beck


























Pensamentando

PRIMEIRO DIA DE AULA

Márcia Denser


Saia marrom, camisa bege, meias três quartos de lã, mocassins com sola de borracha, trança loura na cintura arrematada por um laço de seda. Idos de fevereiro, final de um verão impiedoso, mas Júlia tremia.

A aula começaria às 13h30. Ao meio-dia almoçaram ouvindo A Parada de Sucessos, cujo prefixo St.Louis Blues a orquestra de Glenn Miller desfigurava com um arranjo estupidamente marcial, o locutor mandava sua saudação para os céus do Brasil, meio sorriso irônico de seu pai: persistiam esses cacoetes de após-guerra?

Saíram, Vivien com Amanda no colo, na retaguarda, Álvaro e Júlia na frente. Com As lavadeiras de Portugal zumbindo estupidamente em seus ouvidos, a menina esforçava-se por acompanhar os passos do pai, orgulhosa por andar ao lado dele, ocupar o lugar de Vivien, a carinha na altura dumas pernas impecavelmente vestidas de tropical inglês, mais acima, adivinhava a gravata de seda azul com o prendedor de ouro e madrepérola, os cabelos esticados resplandecendo de brilhantina, porque ele gastava uma fortuna no Minelli, dizia sua mãe: quem seria o Minelli?

A menina evitava os verdes olhos mareados do pai, recebia um sorriso condescendente, ligeiro alçar de sobrancelhas: ria dela? Era parecido com Tyrone Power, mais ainda com Lewis Howard em Ricardo Coração de Leão: apresse o passo, Júlia, não aperte tanto minha mão, ele não ia fugir.

Na esquina, ele fez sinal para um táxi, acariciou-lhe distraidamente os cabelos, entrou no automóvel e partiu. Júlia prosseguiu com a mãe e Amanda. Não lembrava o trajeto, apenas o sol implacável, o uniforme pesado, o suor e as lágrimas molhando o rosto torcido pelo choro. E Vivien: não seja boba, Júlia, ela não pudera estudar em colégio de freiras. Apesar da chupeta, Amanda choramingava no colo. No pátio, a madre superiora: sua filha tem cabelos lindos, qual é seu nome, meu bem?

Então tocou o sino. Já era o sino, um latido metálico que ouviria durante doze anos. Agarrou-se às saias de Vivien soluçando aquela palavra que contém todas as súplicas humanas: mãe, mãe. Mas esta enrijecera cerrando os lábios e se afastara sem olhar para trás, embalando Amanda que chorava aos gritos pela irmã. Júlia misturou-se às outras medrosamente aproximando-se com infinitos de temor e esperança. Então foi aí. Uma delas apontou-lhe o rosto: o que é que você tem na boca?

Era uma cicatriz no lábio superior. Pais, tios, avós, primos, ninguém parecia se importar com ela. Ou apenas estavam acostumados? Afinal não estava lá desde que nascera? Por isso era tão mimada? Porque talvez fosse por isso que Vivien chorava em silêncio e Álvaro saía batendo a porta ou então mandava-a calar-se e beijava-a e trancavam-se no quarto por um tempo enorme e Amanda ainda não era nascida? Então era isso? Então era ela?

As crianças cercaram-na: pilhas de caras caretas hediondas curiosas espantadas, murmúrios, frases que morriam ao chocar-se com o cordão avermelhado da cicatriz enquanto Júlia recuava encolhendo-se para dentro dum limite de si que até então desconhecia. Inesperadamente as outras afastaram-se, isolando-a junto à paineira, recompondo-se em grupinhos cochichantes que espreitavam, que irrompiam em risinhos agudos. O espelho fora colocado, o mundo a reconhecera e selara sua sorte: ela seria uma solitária.

E Júlia ficou só naquele primeiro recreio recostada ao tronco da paineira florida e, soluçando como um animal ferido, começou a odiar aquela paineira, uma a uma das suas flores, todos os seus odores, o vento que salgava sua boca com a poeira dos rodamoinhos que pés velozes levantavam, correndo, saltando, batendo pegador: fugindo dela.

Odiar o manto das freiras perpetuamente agitado numa ameaça de vôo, o toucado branco rígido onde um crucifixo com um Cristo de prata balançava e batia e batia em corações sem resposta. Odiar e jamais esquecer os ladrilhos e os corredores, sua fatigante e inextricável simetria, cacos do caleidoscópio, não, da rosácea petrificada do caleidoscópio da dor.

Naquele dia conheceu sua orfandade e compreendeu que viver é um inferno. Sem espanto, sem desespero, quase com serenidade, talvez com secreto orgulho, e então com perversa alegria: Júlia só teria a si mesma, de modo que estava tudo certo, estava tudo em paz. Às cinco horas, sua mãe lá estava, aguardando-a no portão.

Levou outra menina para casa.



(A escritora paulistana Márcia Denser publicou, entre outros, Tango fantasma (1977), O animal dos motéis (1981), Exercícios para o pecado (1984), Diana caçadora/Tango Fantasma (Global, 1986, Ateliê, 2003, 2010, 2ª edição), A ponte das estrelas (Best-Seller, 1990), Caim (Record, 2006), Toda prosa II - obra escolhida (Record, 2008). É traduzida em nove países e em dez línguas. Dois de seus contos - "O vampiro da Alameda Casabranca" e "Hell's Angel" - foram incluídos nos Cem melhores contos brasileiros do século, organizado por Ítalo Moriconi, sendo que "Hell's Angel" está também entre os Cem melhores contos eróticos universais. Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, é pesquisadora de literatura e jornalista. Foi curadora de literatura da Biblioteca Sérgio Milliet em São Paulo)
(Diversos Afins)





Poesia

Ausência

A mulher deitada, a mulher que se perdeu,
durante o sonho, e não sabe que o caminho
estava indicado nos seus olhos, procura o vazio
com a mão segura entre lençol e cobertor,
como se nesse intervalo houvesse ainda
uma saída para o desejo. No sono em que
a maré da noite se desfez num impulso
de névoa, os seus lábios murmuraram
o nome que não tem corpo; e em vão
esperaram o beijo que os iria selar,
os dedos que se afundariam no oceano
dos cabelos, a respiração que
lhe daria o ritmo da manhã. Por isso,
a mulher que acorda pede à noite que não
a deixe sozinha, como se o abraço antigo
se pudesse prolongar, ou o sol
não trouxesse o dia para junto dela.

Nuno Júdice
(1949)

(Poemblog)

domingo, 7 de agosto de 2011

Caetano

Caetano Veloso na frente do espelho

Um dos mais emblemáticos compositores da música popular brasileira, polemista de primeira ordem, já faz parte da história da MPB com sua verve criativa, com melodias e poesias que atingem o âmago do brasileiro, numa das muitas faces deste país. Caetano Emanuel Viana Telles Veloso completa 69 anos neste dia 7 de agosto.

Por Marcos Aurélio Ruy*


O compositor baiano, Santo Amaro, Tem seu primeiro compacto simples gravado em 1965, com as músicas “Cavaleiro” e “Samba em Paz”, portanto, já são 46 anos de carreira profissional de um dos maiores compositores da MPB de todos os tempos. Sofre influências que vão de Luiz Gonzaga, como qualquer nordestino, a Bob Dylan passando por Beatles, Rolling Stones, Jimi Hendrix, Nelson Gonçalves e outros. Sua maior influência, no entanto, é (o que não é novidade para essa geração) o toque do violão e o modo de cantar inovadores da bossa nova de João Gilberto.

Como todos de sua geração enfrentou a barra da ditadura (1964-1985) pela qual se viu forçado a uma resistência à censura e à própria ditadura fascista. E, mesmo não sendo de esquerda, foi preso pelo regime, juntamente com Gilberto Gil e exilado em Londres onde ficou até 1972, quando retornou definitivamente ao país. Antes do exílio, porém, participou dos grandes festivais de MPB dos anos 1960. Quando em 1967 ficou em quarto lugar no Festival da Record com a canção “Alegria Alegria”.

Mas em 1968 já mostrava uma de suas faces mais marcantes: o tom polemista ao proferir famoso discurso sob sonoras vaias no Festival da Globo ao interpretar a música “É Proibido Proibir”. E num rompante emotivo, compreensível por ele ter apenas 26 anos na época esculachou com o público perguntou “mas isso que é a juventude que diz que quer tomar o poder?” e ainda emendou “vocês têm a coragem de aplaudir, este ano, uma música, um tipo de música que vocês não teriam coragem de aplaudir no ano passado? São a mesma juventude que vão sempre, sempre, matar amanhã o velhote inimigo que morreu ontem?”, além disso, Caetano comparou os que o vaiavam aos truculentos integrantes do Comando de Caça aos Comunistas que invadiram o Teatro Ruth Escobar em São Paulo, em 1967, para espancar os atores da peça “Roda Viva”, de Chico Buarque.

Exageros a parte, Caetano Veloso já mostrava uma de suas características principais: o gosto pela polêmica e certo ar narcisista que ele mesmo escreve na música “Sampa”, onde diz que “Narciso acha feio o que não é espelho.” Em termos ideológicos Caetano está para mais para o liberalismo de Bob Dylan do que para a visão revolucionária de John Lennon. Talvez essa visão direitista o tenha colocado em cheque quando na se vê saída nas crises agudas do capitalismo e de governos neoliberais como o de FHC, que contou com apoio explícito de Caetano, se veem sem saída para os dilemas criados por sua política de desmantelamento do Estado e das nações, submetendo-se aos ditames imperialistas.

Sem fazer patrulhamento ideológico, outro termo muito utilizado por Caetano Veloso para atacar quem o detratava, o compositor baiano entra em polêmicas, por vezes inteiramente desnecessárias, como quando atacou o ex-presidente Lula, taxando-o de “analfabeto” e de oratória “cafona”, com intuito de favorecer a sua suposta candidata à Presidência da República. O resultado de sua verborragia foi um sonoro pito público que tomou de sua centenária mãe, a dona Canô, desautorizando-o a falar em nome da família. O problema de Caetano Veloso é justamente a suas maneira ácida e expressar suas opiniões, as quais respeitamos desde que sejam baseadas em ideias e não em ataques virulentos e pessoais.

Como um dos grandes pilares do tropicalismo, Caetano Veloso elevou a MPB a níveis altíssimos, juntamente com Gilberto Gil, Milton Nascimento e Chico Buarque. Tornou-se dos maiores representantes da cultura brasileira através de sua música em que mostra uma face do Brasil inconformado como em “Alegria, Alegria” ou “Você Não Entende Nada”, “Terra”, “Um Índio”, “Canto de um Povo de um Lugar”, “Panis et Circenses”, “Enquanto Seu Lobo Não Vem” - em que há citação do hino “A Internacional” no fundo musical -, “Você É Linda”, “Leãozinho”, “Língua”, “Podres Poderes”, “Haiti”, “Rap popconcreto”, entre muitas outras canções guardadas nos corações e mentes dos brasileiros. Neste dia 7 parabéns Caetano Veloso pelos seus 69 anos e por toda sua extensa obra que nos retrata tão bem.

*Marcos Aurélio Ruy é jornalista e colaborador do Vermelho

É proibido proibir (1968)



A mãe da virgem diz que não
E o anúncio da televisão
E estava escrito no portão
E o maestro ergueu o dedo
E além da porta há o porteiro, sim
Eu digo não
Eu digo não ao não
Eu digo
É proibido proibir
É proibido proibir
É proibido proibir
É proibido proibir

Me dê um beijo, meu amor
Eles estão nos esperando
Os automóveis ardem em chamas
Derrubar as prateleiras
As estantes, as estátuas
As vidraças, louças, livros, sim
Eu digo sim
Eu digo não ao não
Eu digo
É proibido proibir
É proibido proibir
É proibido proibir
É proibido proibir


Canto do povo de um lugar (1975)



Todo dia o sol levanta
E a gente canta
Ao sol de todo dia

Fim da tarde a terra cora
E a gente chora
Porque finda a tarde

Quando a noite a lua mansa
E a gente dança
Venerando a noite

Madrugada, céu de estrelas
E a gente dorme
sonhando com elas.


Terra (1986)



Quando eu me encontrava preso
Nas celas de uma cadeia
Foi que eu vi pela primeira vez
As tais fotografias
Em que apareces inteira
Porém lá não estavas nua
E sim coberta de nuvens

Terra, Terra
Por mais distante o errante navegante
Quem jamais te esqueceria?

Ninguém supõe a morena
Dentro da estrela azulada
Na vertigem do cinema
Manda um abraço pra ti, pequenina
Como se eu fosse o saudoso poeta
E fosses a Paraíba

Terra, Terra
Por mais distante o errante navegante
Quem jamais te esqueceria?

Eu estou apaixonado
Por uma menina terra
Signo do elemento terra
Do mar se diz terra à vista
Terra para o pé, firmeza
Terra para a mão, carícia
Outros astros lhe são guia

Terra, Terra
Por mais distante o errante navegante
Quem jamais te esqueceria?

Eu sou um leão de fogo
Sem ti me consumiria
A mim mesmo eternamente
E de nada valeria
Acontecer de eu ser gente
E gente é outra alegria
Diferente das estrelas

Terra, Terra
Por mais distante o errante navegante
Quem jamais te esqueceria?

De onde nem tempo nem espaço
Que a força mande coragem
Pra gente te dar carinho
Durante toda a viagem
Que realizas no nada
Através do qual carregas
O nome da tua carne

Terra, Terra
Por mais distante o errante navegante
Quem jamais te esqueceria?

"Nas sacadas dos sobrados
Da velha São Salvador
Há lembranças de donzelas
Do tempo do imperador
Tudo, tudo na Bahia
Faz a gente querer bem
A Bahia tem um jeito"

Terra,Terra
Por mais distante o errante navegante
Quem jamais te esqueceria?


Zera a reza (2000)



Vela leva a seta tesa
Rema na maré
Rima mira a terça certa
E zera a reza

Zera a reza, meu amor
Canta o pagode do nosso viver
Que a gente pode entre dor e prazer
Pagar pra ver o que pode
E o que não pode ser
A pureza desse amor
Espalha espelhos pelo carnaval
E cada cara e corpo é desigual
Sabe o que é bom e o que é mau
Chão é céu
E é seu e meu
E eu sou quem não morre nunca

Vela leva a seta tesa
Rema na maré
Rima mira a terça certa
E zera a reza


Enquanto Seu Lobo Não Vem (1967)



Vamos passear na floresta escondida, meu amor
Vamos passear na avenida
Vamos passear nas veredas, no alto meu amor
Há uma cordilheira sob o asfalto

(Os clarins da banda militar…)
A Estação Primeira da Mangueira passa em ruas largas
(Os clarins da banda militar…)
Passa por debaixo da Avenida Presidente Vargas
(Os clarins da banda militar…)
Presidente Vargas, Presidente Vargas, Presidente Vargas
(Os clarins da banda militar…)

Vamos passear nos Estados Unidos do Brasil
Vamos passear escondidos
Vamos desfilar pela rua onde Mangueira passou
Vamos por debaixo das ruas

(Os clarins da banda militar…)
Debaixo das bombas, das bandeiras
(Os clarins da banda militar…)
Debaixo das botas
(Os clarins da banda militar…)
Debaixo das rosas, dos jardins
(Os clarins da banda militar…)
Debaixo da lama
(Os clarins da banda militar…)
Debaixo da cama


Língua (1984)



Gosto de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões
Gosto de ser e de estar
E quero me dedicar a criar confusões de prosódia
E uma profusão de paródias
Que encurtem dores
E furtem cores como camaleões
Gosto do Pessoa na pessoa
Da rosa no Rosa
E sei que a poesia está para a prosa
Assim como o amor está para a amizade
E quem há de negar que esta lhe é superior?
E deixe os Portugais morrerem à míngua
"Minha pátria é minha língua"
Fala Mangueira! Fala!

Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó
O que quer
O que pode esta língua?

Vamos atentar para a sintaxe dos paulistas
E o falso inglês relax dos surfistas
Sejamos imperialistas! Cadê? Sejamos imperialistas!
Vamos na velô da dicção choo-choo de Carmem Miranda
E que o Chico Buarque de Holanda nos resgate
E – xeque-mate – explique-nos Luanda
Ouçamos com atenção os deles e os delas da TV Globo
Sejamos o lobo do lobo do homem
Lobo do lobo do lobo do homem
Adoro nomes
Nomes em ã
De coisas como rã e ímã
Ímã ímã ímã ímã ímã ímã ímã ímã
Nomes de nomes
Como Scarlet Moon de Chevalier, Glauco Mattoso e Arrigo Barnabé
e Maria da Fé

Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó
O que quer
O que pode esta língua?

Se você tem uma ideia incrível é melhor fazer uma canção
Está provado que só é possível filosofar em alemão
Blitz quer dizer corisco
Hollywood quer dizer Azevedo
E o Recôncavo, e o Recôncavo, e o Recôncavo meu medo
A língua é minha pátria
E eu não tenho pátria, tenho mátria
E quero frátria
Poesia concreta, prosa caótica
Ótica futura
Samba-rap, chic-left com banana
(– Será que ele está no Pão de Açúcar?
– Tá craude brô
– Você e tu
– Lhe amo
– Qué queu te faço, nego?
– Bote ligeiro!
– Ma’de brinquinho, Ricardo!? Teu tio vai ficar desesperado!
– Ó Tavinho, põe camisola pra dentro, assim mais pareces um espantalho!
– I like to spend some time in Mozambique
– Arigatô, arigatô!)
Nós canto-falamos como quem inveja negros
Que sofrem horrores no Gueto do Harlem
Livros, discos, vídeos à mancheia
E deixa que digam, que pensem, que falem
(vermelho.org)

Cinema

"Meia noite em Paris", a câmara de descompressão e o cheiro da pipoca




Arte e Cultura

Fernando Carneiro
Ter, 12 de Julho de 2011 15:06
E quando a poesia te rouba o tempo, te captura e transporta? Assim é "meia noite em Paris". Uma epifania cinematográfica. Uma viagem onde a neutralidade inexiste. Um filme desse porte, assim como uma final de copa do mundo, precisa ser um evento. Não deveria ocorrer sem uma certa pompa.
O Shopping Center é um lugar razoável para muitas coisas, até para se ver um filme. Mas não todos. Deveria haver algum tipo de proibição para filmes como "meia noite em Paris" serem exibidos em shoppings centers. O choque ao sairmos da sala de exibição é traumático. É como sair do útero materno para um centro cirúrgico. Mas não é um parto, ou melhor, é um parto invertido. Da Paris da década de 1920 ou da belle époque para o salão refrigerado e fedendo a pipoca de um shopping. Em casos como esse deveria haver um período de transição, similar ao que existe para os mergulhadores. Uma espécie de câmara de descompressão que nos permitisse voltar paulatinamente à realidade.
O filme de Woody Allen é de uma delicadeza brutal. A fotografia é belíssima, o humor, na medida certa, o romantismo, humano e real. Uma das mensagens mais provocantes do filme é sobre como enfrentamos a realidade. Você pode escolher entre viver na superfície, sem intensidade ou pode escolher a profundidade, a essencialidade. Futilidade e conteúdo se enfrentam de forma emblemática, mas real.
O não lugar é sempre mais confortável que a materialidade doméstica de nosso presente. Por isso viajamos, e isso é bom. Indispensável até. A fantasia precisa do homem para se realizar. Sem o humano a fantasia seria uma utopia irrealizável, impensável. Impossível até.
Allen é preciso, cirúrgico. Seu bisturi nos transporta ao filme pelo filete mágico da identidade que criamos com o protagonista. Torcemos por ele. O invejamos. Queremos ser ele, ou pelo menos estar com ele na sua jornada em busca de si. Seu dilema sobre a condição humana é o nosso dilema. Queremos que o final seja feliz. Um lugar comum, mas sincero.
"Meia noite" não é apenas uma viagem: é várias. Viajamos pela Cidade Luz, viajamos no tempo, viajamos na poesia, na pintura, música... enfim, uma viagem pelas outras seis artes que "precedem" o cinema, ele mesmo uma arte, a sétima.
Se nunca foi a Paris, veja o filme, vale a pena. Se já foi, vê-lo é uma obrigação. Certamente você reconhecerá alguma rua, praça, teatro ou bar. Em qualquer dos casos prepare-se para ser arrebatado, para ficar na sala de projeção torcendo por mais alguns minutos da película. Esse é um filme daqueles que precisa ser visto no cinema. Um filme lindo, porque humano em sua dimensão mais concreta: a fantasia.
Fernando Carneiro é historiador e dirigente do PSol/PA.
(Fund. Lauro Campos)

Amor

O que é o amor?
Posted: 23/07/2011 by Antonio Ozaí da Silva in reflexões do quotidiano
1
“Não há você sem mim,
eu não existo sem você”
(Vinicius de Moraes / Antonio Carlos Jobim)
“As águas da torrente, jamais poderão
apagar o amor,
nem os rios afogá-lo”
(Cântico dos cânticos 8, 7)
No século XVIII, um pequeno livro escrito por Goethe, provoca uma febre romântica que se alastrou pela Europa. Os sofrimentos do jovem Werther, escrito na primeira pessoa, é composto por várias cartas enviadas ao narrador, as quais expõem a paixão dilacerante e tempestuosa do jovem Werther por Charlotte, noiva de Albert. A impossibilidade do amor, diante da decisão dela em casar-se, leva o jovem apaixonado a um desenlace trágico: o suicídio. Muitos dos leitores, identificados intensamente com o personagem do célebre escritor alemão, fizeram o mesmo. Uma onda de suicídio sacudiu a Europa e, diante de repercussão tão trágica, alguns governos tentaram a circulação da obra. O livro foi um best-seller, é um clássico da literatura mundial e considerado a obra inaugural do romantismo moderno.
O romantismo, enquanto corrente literária e filosófica, é uma reação à sociedade burguesa, um apelo ao sentimento contra a razão iluminista. Expressa o desencanto com a modernidade. Não obstante, o amor romântico, tão tragicamente expressado pelos sofrimentos do jovem Werther, é uma invenção anterior à publicação da obra de Johann Wolfgang von Goethe. Qual leitor moderno não leu Romeu e Julieta, de Shakespeare – ou pelo menos assistiu alguma peça, filme, etc., inspirado na obra? Recordemos Abelardo e Heloísa, Tristão e Isolda, outros casais emblemáticos da mitologia romântica que povoa o imaginário ocidental.
Seria preciso analisar as obras românticas, enquanto representações literárias do amor em determinados contextos históricos, para compreender as sociedades que elas expressam e, ainda, a invenção e evolução do conceito e dos valores que configuram o amor-romântico tal qual o concebemos e o sentimos na atualidade. Então, talvez seja possível compreender o amor do ponto de vista histórico e sociológico.
Este, porém, é um exercício puramente teórico. Quem ama não fica a perguntar-se sobre tais questões, a problematizar racionalmente. Ama-se simplesmente e não há teorias explicativas que dêem conta. Como afirma a música, “sinônimo de amor é amar”. É simples, ama-se e ponto! Como afirma Fernando Pessoa: “Amo como ama o amor. Não conheço nenhuma outra razão para amar senão amar. Que queres que te diga, além de que te amo, se o que quero dizer-te é que te amo?”

É extremamente complexo compreender as razões do amor. Por que entre milhares de seres humanos a paixão direciona-se a alguém particular? O que torna esse alguém tão especial? Como explicar que o amor brote entre duas pessoas tão díspares como “Eduardo e Mônica” (Renato Russo)? Por que este sentimento se impõe a despeito das impossibilidades ditadas pela razão? É possível encontrar o equilíbrio necessário entre a razão e a sensibilidade, entre o pensar o amor e senti-lo? E se o amor dilacera a razão ao ponto de submetê-la e a torná-la refém? O fim trágico ditado pela insana paixão, não é, infelizmente, restrito à ficção.

Afinal, o que é o amor? O que é amar? Recordo de um tempo em que a moda era figurinhas com a frase “amar é…” e uma resposta breve. Era uma forma simples e popular de definir o amor e o amar, não tão rebuscada como os poemas dos grandes poetas clássicos. O amor é egoísta, suicida e até há quem admita que ele é assassino (quem já não ouviu a absurda expressão “matar por amor”?!) O amor, porém, também pode ser altruísta e, sobretudo, se expressar de várias formas. O amor está presente nas relações humanas para além dos nossos estereótipos monogâmicos e heterossexuais.
O amor é incondicional, ele brota no ser, tem vida própria e ninguém é capaz de obrigar o outro a amar ou deixar de amar. Daí as dores e sofrimentos dos amores não correspondidos, como os do jovem Werther. E como dói a certeza do amar sem ser amado, ainda que a razão deseje extirpar o mínimo vestígio da presença do amor que se revela impossível! Felizes os que encontram o amor e se encontram no ser amado, ainda que sob as mais difíceis circunstâncias. Sofre quem ama sem ser amado. Mas, se o amor é incondicional, como evitar o sofrimento alheio quando não se compartilham os mesmos sentimentos? Imagino, porém, que os mais infelizes são os incapazes de amar.
O amor é indecifrável, inexplicável. É da ordem do sentir, ainda que a razão tente entender. Poetas, compositores e outros tentam defini-lo em metáforas, poemas… E muitos têm a capacidade de fazer-nos sentir o amor apenas pelas palavras, especialmente quando proferidas como doces melodias que encantam nossos sentidos. O amor, contudo, permanece incógnito, inacessível à razão. No entanto, me encanta a definição bíblica da Primeira Carta aos Coríntios, do apóstolo Paulo:
“O amor é paciente, é benfazejo; não é invejoso, não é presunçoso nem se incha de orgulho; não se faz nada de vergonhoso, não é interesseiro, não se encoleriza, não leva em conta o mal sofrido; não se alegra com a injustiça, mas fica alegre com a verdade. Ele desculpa tudo, crê tudo, espera tudo, suporta tudo” (1Cor 13, 4-7).
Eis uma definição ideal do amor, entre outras possíveis. O amor humano real, porém, não é tão puro quanto estas palavras expressam. Paulo se refere ao amor caridade. O amor, para além do ideal paulino, pode ser tudo isto, parte disto ou até mesmo o oposto. Afinal, é do humano demasiado humano que se trata e não dos anjos e candidatos à canonização. O amor, portanto, é imperfeito – como é próprio do humano. Não é por acaso que a moral religiosa o condena quando ele escapa às suas amarras. Nada, porém, pode detê-lo. A despeito do medo da condenação e do que dita a razão e a moral convencional, o amor é incontrolável. É difícil defini-lo!
(REA)

O. Médio

ORIENTE MÉDIO
Homem pode agredir esposa se não deixar marcas, diz tribunal árabe
Tariq Saleh
De Beirute, Líbano, para a BBC Brasil

Para especialistas, sharia não permite que homens agridam filhos adultos
A Suprema Corte dos Emirados Árabes Unidos anunciou nesta segunda-feira que um homem tem o direito de “disciplinar” sua mulher e seus filhos no país - desde que não deixe marcas físicas neles.
O parecer foi emitido depois do julgamento de um morador de Sharjah, uma das sete cidades-Estado que compõem os Emirados Árabes, que agrediu com tapas e chutes sua mulher e sua filha.
A mulher sofreu ferimentos nos lábios e dentes, enquanto a filha teve arranhões na mão e no joelho.
De acordo com o tribunal, os ferimentos nas duas mulheres provavam que o pai abusou de deu direito na sharia, a lei islâmica que rege o país.
A corte também entendeu que a filha, de 23 anos, era muito velha para receber a punição do pai. Na sharia, segundo juristas, alcançar a puberdade é o primeiro passo para uma pessoa ser considerada adulta.
‘Engano’
“Todo homem tem o direito de disciplinar a mulher e os filhos. A lei é clara quanto a isso, desde que se respeitem os limites”, disse ao jornal local The Nation o chefe de justiça Falah Al-Hajeri.
Segundo juristas, a lei islâmica dá ao homem o direito de “disciplinar” esposa e filhos, o que pode incluir agressões físicas caso ele não tenha sucesso nas duas outras opções: uma repreensão verbal ou a recusa do marido em dormir com sua esposa.
O homem já havia sido condenado em primeira instância a uma multa de US$ 136 (o equivalente a R$ 226) pelas agressões, mas apelou à Suprema Corte Federal.
Ele alegou que acertou a mulher por engano, enquanto tentava punir a filha.
Divergências da lei
A decisão da Suprema Corte não foi bem recebida por entidades que defendem uma maior abertura e modernização do país.
Especialistas dizem que a aplicação da sharia mancha a imagem dos Emirado Árabes, cuja população é majoritariamente estrangeira.
Casos de violência doméstica em países árabes são muito comuns, mas raramente são levados a tribunais ou ganham repercussão.
Segundo o chefe de pesquisa da Fundação Tabah, Jihad Hashim Brown, “bater na esposa está em conflito com os textos islâmicos, claros e concisos, que encorajam muçulmanos a tratar suas esposas com amor e com paixão”.
“A imensa maioria dos acadêmicos concorda que é proibido ferir ou insultar a dignidade de uma esposa”, disse à BBC Brasil o pesquisador.
Ahmed Al-Kubaisi, chefe de Estudos da Sharia da Universidade dos Emirados Árabes Unidos e da Universidade de Bagdá, diz que, sob a lei islâmica, bater numa esposa é válido para prevenir a dissolução da família.
No entanto, ele diz que a agressão deve ser usada somente como um substituto à intervenção da polícia.
“Se uma esposa cometeu algo errado, um marido pode denunciá-la à polícia. Mas, às vezes, ela não faz algo tão sério ou ele não quer que outros saibam, se for ferir a imagem da família. Nesse caso, bater é a melhor opção.”
Outro acadêmico, Jassim Al-Shamsi, coordenador da faculdade de Direito da Universidade dos Emirados Árabes Unidos, diz que a lei do país não dá aos maridos a permissão de bater em suas esposas.
“A lei não instrui maridos a agredir suas esposas, somente (diz) que um homem não pode ser punido se a agressão não deixar marcas físicas”, disse. “É uma agressão para disciplinar, não uma agressão violenta e vingativa.”
(BBC Brasil)

Saúde

Dez alimentos para ajudar na saúde da pele

por Redação O que eu tenho
Incluir na alimentação proteínas de alta qualidade, como as encontradas em mariscos, peixes, tofu, soja e feijão, pode ajudar a evitar o aparecimento precoce das indesejáveis ruguinhas e ajudar na saúde da pele. É o que afirma a nutricionista Andrezza Botelho, especializada em estética e cosmetologia.
De acordo com Botelho, alimentos como abóbora, cenoura e pêssego possuem vitaminas essenciais para a pele, sendo assim ótimos aliados no combate às rugas. Estes alimentos aceleram a cicatrização e diminuem o envelhecimento da pele.
Conheça outros alimentos que podem melhorar a saúde da pele e deixá-la com a aparência mais jovem.
• Iogurtes naturais, que são ricos em cálcio, ajudam a manter a saúde dos músculos, fortalecendo-os e cuidando da pele. São as bactérias do bem presentes na bebida, conhecidas como probióticos, que fazem merecer a boa fama. Uma espécie de antibiótico natural.
• Atum e a linhaça que são ricos em ômega-3 retardam o envelhecimento, podendo ajudar a reduzir as linhas de expressão.
• Frutas ricas em vitamina C, que estimulam a formação de colágeno, que é responsável por manter a elasticidade da pele, mantendo-a firme e livre de rugas. Além disso, a vitamina C combate os radicais livres, um dos principais responsáveis pelo envelhecimento.
• Tomate é rico em licopeno. Essa substância pode proteger a pele contra os efeitos nocivos dos radicais livres, prevenindo manchas, rugas e flacidez da pele. Quando o tomate é cozido, o corpo consegue aproveitar melhor o licopeno, potencializando seus benefícios.
• Uva é riquíssima em substâncias antioxidantes, principalmente o resveratrol. Portanto, tomar um copo de vinho regularmente também pode trazer benefícios ao corpo.
• Soja é rica em isoflavonas, que atuam prevenindo que a pele se torne fina e sensível, o que favorece o aparecimento das rugas.
• Castanha-do-pará. O que faz a oleaginosa ser um ótimo aliado do combate às rugas e ao envelhecimento é o selênio, um mineral com excelentes propriedades antioxidantes.
• Canela, que previne a hipoglicemia, pois força a insulina a metabolizar o açúcar no sangue de forma mais eficiente, combatendo, assim, a sensação de cansaço.
• Romã, a vedete do momento quando se fala em manchas e rejuvenescimento. Contém ácido elágico, um antioxidante com potencial de “clareamento” da pele, deixando-a mais uniforme.
• Mirtilo e açaí, que possuem antioxidantes que realinham as fibras de colágeno e protegem a pele de radicais livres.
* Publicado originalmente no site O que eu tenho.
(O que eu tenho)

Facundo Cabral

Facundo Cabral: daqui, de lá, de Deus


Escrito por Maria Clara Lucchetti Bingemer
Sexta, 15 de Julho de 2011

Não sou daqui nem de lá, cantava o cantor e compositor Facundo Cabral, argentino de La Plata, Província de Buenos Aires, nascido em 1937 e assassinado na Guatemala no último dia 9 de julho, data nacional de seu país. Calou-se a voz do trovador, que depois de uma difícil trajetória por uma infância e juventude pobres, uma viuvez trágica acontecida aos 40 anos, conquistou os corações de milhares e milhares de admiradores que hoje choram sua perda.

Facundo nasceu e morreu migrante e errante, nem daqui nem de lá, como cantava em seu maior sucesso musical “No soy de aqui, ni soy de allá”. Um dia antes de seu nascimento, o pai de Facundo abandonou a casa, esposa e sete filhos. O oitavo - Facundo - nasceu nas ruas de La Plata, pois após a partida do filho, o avô paterno expulsou nora e netos de sua propriedade. De La Plata mãe e filhos emigraram para a Terra do Fogo, extremo sul da Argentina.

A infância pobre e desprotegida levou Facundo à marginalidade e ao reformatório quando ainda jovem. O álcool onde afogava suas mágoas e dores o fez ser violento e considerado perigoso para a liberdade. Na prisão, um jesuíta o ensinou a ler e escrever, e o jovem inteligente e inquieto tomou contato com a literatura universal, terminando o curso primário e secundário em tempo recorde.

Foi um vagabundo errante e errático como ele, companheiro da rua, que o fez conhecer a religião, despertando sua espiritualidade sem pertença institucional alguma. Segundo ele mesmo, “comecei a cantar com a gente simples... E no dia 24 de fevereiro de 1954, um vagabundo me recitou o Sermão da Montanha e descobri que estava nascendo. Corri para escrever uma canção de ninar”.

Assim começou o amor pela música e a carreira musical, em um hotel de Mar del Plata. Mas foi em 1970 que gravou seu maior sucesso, “No soy de aqui ni soy de allá”, que o projetou internacionalmente e o fez ser traduzido em nove idiomas. Juntamente com o talento artístico, Facundo Cabral era alguém profundamente espiritualizado. Citava entre suas maiores influências Jesus de Nazaré, Mahatma Gandhi e Madre Teresa de Calcutá. E literariamente reconhecia paternidade em Borges e Walt Whitman.

Suas letras e canções são marcadas por uma observação comprometida e militante, inconformada e crítica. Tudo isso o fez ser persona non grata por parte da cruel ditadura argentina, que perdurou de 1976 a 1983. O talentoso cantor errante teve que exilar-se no México, continuando ali sua carreira musical, sempre itinerante, percorrendo lugares e países, levando sua música.

Regressou a Buenos Aires em 1984, dando shows multitudinários com enorme sucesso. No peito de Facundo, uma ferida sangrou até sua morte quando perdeu tragicamente a mulher e a filha em um acidente de avião. Novamente sem lar como quando nascera, Facundo passa a residir em quartos de hotel, enfatizando ainda mais a errância que o caracterizava.

Assim se descrevia quando completou 70 anos: “Foi mudo até os nove anos, analfabeto até os 14, enviuvou tragicamente aos 40 e conheceu seu pai aos 46. O mais pagão dos pregadores completa 70 anos e repassa sua vida em um quarto de hotel que escolheu como última morada.”

Facundo Cabral tinha 74 anos ao morrer assassinado no último dia 9 de julho, enquanto seu país celebrava a festa nacional. Havia dado grandes recitais na capital da Guatemala nos dias 5 e 7, aplaudido por centenas de fãs. Partia para a Nicarágua quando foi brutalmente assassinado por um grupo de homens armados de metralhadoras.

Apenas a morte imobilizou o inquieto peregrino e viajante que não era daqui nem de lá. A violência assassina das pobres cidades latino-americanas dirigiu-se contra ele e interrompeu seu canto. O mundo que amava sua música contempla estarrecido essa morte brutal que há muito vitima e fustiga os pobres, e que parece agora lançar-se também contra os artistas.

Facundo, que não era daqui nem de lá, agora é totalmente de Deus, do Deus que buscou sem cessar desde a infância desprotegida e pobre até a errância solitária e nostálgica da companheira e da filha que se foram antes da hora. Calou-se o cantor, mas não o canto. Este ficará para inspirar e mobilizar aqueles que como ele ainda acreditam que o sonho de Deus pode realizar-se neste mundo se não formos tão distraídos que sejamos incapazes de escutá-lo.

Maria Clara Bingemer, teóloga e professora da PUC-Rio, é autora de "Simone Weil - A força e a fraqueza do amor” (Ed. Rocco), entre outros livros. (www.users.rdc.puc-rio.br/ágape)
Copyright 2011 – MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER - É proibida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização. Contato – MHPAL – Agência Literária (mhpal(0)terra.com.br)