sexta-feira, 28 de outubro de 2011
Steve Jobs
Steve Jobs: o mito da era virtual
Há homens que têm um instante de criatividade e são bons. Há outros que têm um “insight” genial e são melhores. Há outros ainda que durante muitos anos têm várias inspirações geniais e são muito bons. Mas há ainda outros que a todo o momento e mesmo na doença e na morte continuam estrategicamente lançando fagulhas que incendeiam as retinas e as imaginações da humanidade. Seriam estes os imprescindíveis?
A morte de Steve Jobs lançou no céu da adoração mundial um novo mito. O indubitavelmente genial inventor e fundador da Apple vinha realizando lenta e progressivamente sua saída de cena da empresa devido à saúde precária, após a descoberta de um câncer no pâncreas. Em 2009 anunciou seu primeiro afastamento. Seis meses depois voltou. Em 2011 ausentou-se pela segunda e definitiva vez. A notícia de sua morte, no dia 8 de outubro deste mesmo ano, provocou uma verdadeira comoção mundial.
Steve Jobs nasceu em São Francisco, no estado da Califórnia (EUA). Com apenas cinco anos mudou-se com seus pais adotivos para Palo Alto, cidade que posteriormente ficaria conhecida como um dos polos da tecnologia e comporia o chamado Vale do Silício. Em Palo Alto, Jobs conheceu seu amigo e futuro sócio Steve Wozniak. Juntos criaram, em 1975, o primeiro computador da companhia, o Apple I, produzido na garagem dos pais de Steve Jobs. A partir daí, a Apple mudou a maneira de as pessoas se relacionarem com a comunicação e a tecnologia.
A maçã mordida - com atraente alusão à tentação e ao desejo seduzido - marcava os produtos da Apple. E os mesmos mexiam irresistivelmente com as pulsões e desejos dos milhões de consumidores que diariamente usavam o Iphone, escutavam música no Ipod e acariciavam deleitados com seus dedos a tela do tablet Ipad.
A um gênio se admira, a inteligência e a criatividade se respeita e se reconhece. Mas o que surpreende é a reação das pessoas diante da morte de Steve Jobs. Velas são acesas diante das lojas da Apple em várias partes do mundo. Pessoas as mais variadas, em lágrimas, comparam-no a grandes figuras da história, como John F. Kennedy e John Lennon. Mensagens amorosas são escritas e dirigidas ao ilustre morto, juntamente com flores. Abate-se uma orfandade tremenda sobre esta sociedade de consumo pós-moderna, que sentiu seus impulsos estimulados e satisfeitos com as criações de Steve Jobs.
De Bill Gates – seu adversário, presidente da Microsoft - a Barack Obama – presidente dos Estados Unidos - , das mídias às redes sociais, todos só têm palavras laudatórias ao gênio Steve Jobs, chamado de audaz, ousado, visionário e outras coisas mais panegíricas ainda. Chamam-no inclusive do novo Thomas Alva Edison, inventor da eletricidade.
Diante deste fenômeno, me pergunto se a humanidade não terá perdido um pouco o prumo e a capacidade de análise e avaliação. Que Steve Jobs seja um gênio dentro do campo de trabalho que escolheu e ao qual dedicou a vida e no qual fez fortuna, nenhuma dúvida Que o legado que deixou tenha feito a humanidade crescer e tornar-se mais digna...já matizaria mais minha resposta.
Seu grande feito foi transformar algo não imprescindível nem necessário para a vida em objeto de desejo alucinante. As pessoas que poderiam viver sem aquilo passaram a perguntar-se como conseguiram fazê-lo até então. O produto do qual não imaginavam precisar passou a ser tão necessário para suas vidas como o ar ou a água. Esses milhões de pessoas vararam madrugadas em filas gigantescas de várias “black Fridays” mundo afora, ansiando freneticamente tocar com suas mãos uma das criações de Steve Jobs.
Definitivamente não estamos diante de um santo ou um herói. A vida de Jobs é preciosa como a de todo ser humano. Mas o que sua morte deixa como legado maior é a revelação do fato de que a humanidade se encontra absolutamente carente de heróis ou figuras ilustres em quem depositar seu potencial afetivo e admirativo. E por isso cria ídolos e fabrica ícones neles projetando seus desejos e frustrações. O mito da era virtual é apenas um homem extremamente inteligente e criativo. Nada mais.
Para ser guia e inspirador da humanidade, como parecem querer que seja, é preciso mais do que inventar charmosos e sedutores artefatos virtuais e colocá-los nas mãos carentes de milhões de consumidores. Como dizia Bertolt Brecht, no fragmento parafraseado no começo desta crônica, é preciso lutar a vida inteira. Só os que fazem isso são realmente imprescindíveis.
Autor: Maria Clara Bingemer
(Amaivo-os)
Há homens que têm um instante de criatividade e são bons. Há outros que têm um “insight” genial e são melhores. Há outros ainda que durante muitos anos têm várias inspirações geniais e são muito bons. Mas há ainda outros que a todo o momento e mesmo na doença e na morte continuam estrategicamente lançando fagulhas que incendeiam as retinas e as imaginações da humanidade. Seriam estes os imprescindíveis?
A morte de Steve Jobs lançou no céu da adoração mundial um novo mito. O indubitavelmente genial inventor e fundador da Apple vinha realizando lenta e progressivamente sua saída de cena da empresa devido à saúde precária, após a descoberta de um câncer no pâncreas. Em 2009 anunciou seu primeiro afastamento. Seis meses depois voltou. Em 2011 ausentou-se pela segunda e definitiva vez. A notícia de sua morte, no dia 8 de outubro deste mesmo ano, provocou uma verdadeira comoção mundial.
Steve Jobs nasceu em São Francisco, no estado da Califórnia (EUA). Com apenas cinco anos mudou-se com seus pais adotivos para Palo Alto, cidade que posteriormente ficaria conhecida como um dos polos da tecnologia e comporia o chamado Vale do Silício. Em Palo Alto, Jobs conheceu seu amigo e futuro sócio Steve Wozniak. Juntos criaram, em 1975, o primeiro computador da companhia, o Apple I, produzido na garagem dos pais de Steve Jobs. A partir daí, a Apple mudou a maneira de as pessoas se relacionarem com a comunicação e a tecnologia.
A maçã mordida - com atraente alusão à tentação e ao desejo seduzido - marcava os produtos da Apple. E os mesmos mexiam irresistivelmente com as pulsões e desejos dos milhões de consumidores que diariamente usavam o Iphone, escutavam música no Ipod e acariciavam deleitados com seus dedos a tela do tablet Ipad.
A um gênio se admira, a inteligência e a criatividade se respeita e se reconhece. Mas o que surpreende é a reação das pessoas diante da morte de Steve Jobs. Velas são acesas diante das lojas da Apple em várias partes do mundo. Pessoas as mais variadas, em lágrimas, comparam-no a grandes figuras da história, como John F. Kennedy e John Lennon. Mensagens amorosas são escritas e dirigidas ao ilustre morto, juntamente com flores. Abate-se uma orfandade tremenda sobre esta sociedade de consumo pós-moderna, que sentiu seus impulsos estimulados e satisfeitos com as criações de Steve Jobs.
De Bill Gates – seu adversário, presidente da Microsoft - a Barack Obama – presidente dos Estados Unidos - , das mídias às redes sociais, todos só têm palavras laudatórias ao gênio Steve Jobs, chamado de audaz, ousado, visionário e outras coisas mais panegíricas ainda. Chamam-no inclusive do novo Thomas Alva Edison, inventor da eletricidade.
Diante deste fenômeno, me pergunto se a humanidade não terá perdido um pouco o prumo e a capacidade de análise e avaliação. Que Steve Jobs seja um gênio dentro do campo de trabalho que escolheu e ao qual dedicou a vida e no qual fez fortuna, nenhuma dúvida Que o legado que deixou tenha feito a humanidade crescer e tornar-se mais digna...já matizaria mais minha resposta.
Seu grande feito foi transformar algo não imprescindível nem necessário para a vida em objeto de desejo alucinante. As pessoas que poderiam viver sem aquilo passaram a perguntar-se como conseguiram fazê-lo até então. O produto do qual não imaginavam precisar passou a ser tão necessário para suas vidas como o ar ou a água. Esses milhões de pessoas vararam madrugadas em filas gigantescas de várias “black Fridays” mundo afora, ansiando freneticamente tocar com suas mãos uma das criações de Steve Jobs.
Definitivamente não estamos diante de um santo ou um herói. A vida de Jobs é preciosa como a de todo ser humano. Mas o que sua morte deixa como legado maior é a revelação do fato de que a humanidade se encontra absolutamente carente de heróis ou figuras ilustres em quem depositar seu potencial afetivo e admirativo. E por isso cria ídolos e fabrica ícones neles projetando seus desejos e frustrações. O mito da era virtual é apenas um homem extremamente inteligente e criativo. Nada mais.
Para ser guia e inspirador da humanidade, como parecem querer que seja, é preciso mais do que inventar charmosos e sedutores artefatos virtuais e colocá-los nas mãos carentes de milhões de consumidores. Como dizia Bertolt Brecht, no fragmento parafraseado no começo desta crônica, é preciso lutar a vida inteira. Só os que fazem isso são realmente imprescindíveis.
Autor: Maria Clara Bingemer
(Amaivo-os)
Babel
A Torre de Babel
Antônio Mesquita Galvão
Doutor em Teologia Moral
Adital
O episódio da chamada "torre de Babel” faz parte daquele conjunto literário que encontramos na "parte mitológica” (Gn 1–11) da Bíblia. Quando éramos crianças, nos acostumamos a ver, nos livros de História Sagrada, maravilhados, as imagens dessa torre, como um grande cilindro de tijolos unidos com piche, que jogava fumaça para o alto e tocava as nuvens, com enormes escadas (uma novidade naquela época) que envolviam o prédio pelo lado de fora, dando ao edifício um aspecto majestoso e de mistério.
O fato é que depois que terminou o dilúvio, Deus deu ordens para que aquele resto de humanidade que fora preservado pela figura da arca de Noé, se espalhasse pelo mundo conhecido, povoando-o como em um novo processo de domínio e colonização da terra. Sem ter sido sensibilizado pela oferta de Deus, que proveu a salvação daquele grupo, as pessoas resolveram, quem sabe repetindo os erros e pecados de Sodoma e Gomorra, desobederem ao Criador, vivendo conforme sua maneira de pensar e entregues às paixões.
Indignado com este fato, Deus resolve "descer” para confundir a língua deles (v. 7). Se em Ex 3,8 ele decide descer para defender seu povo contra as injustiças do faraó, aqui ele empreende uma atitude de punição contra a pretensão do orgulho dos construtores infiéis.
A partir deste episódio, Babel passa a ser sinônimo de confusão ou desordem, embora, em seu sentido literal a palavra derive do acádico bab-ili (porta de Deus). As línguas confundidas em Babel só seriam harmonizadas em Pentecostes (cf. At 2) e na consumação da história humana (cf. Ap 21-22). O que foi confundido em Babel seria restaurado pelo Espírito Santo, no tempo do cristianismo, na instauração do mistério da Igreja.
Há tempos eu andei por Brasília. Lá, olhando aquelas belas obras de arquitetura, pude contemplar a suntuosidade do prédio do Congresso Nacional. Sem querer acabei por me lembrar da Torre de Babel. Qual a pedagogia teológica que o autor sagrado quer passar aos seus futuros leitores sobre o mito da torre de Babel? O que ele quis/quer dizer é que a torre enfeixa uma idéia de reducionismo sociopolítico, deixando clara uma atitude de não-participação, aliada a uma falta de abertura ao projeto divino. O que fica, como lição, da história da grande torre?
§o pecado de Babel continua sendo cometido todos os dias;
§aquelas atitudes eram/são contrárias do plano de Deus;
§havia/há a imposição radical de uma uniformidade, sem chances de adoção de outras alternativas;
§é pecado construir, não para o bem-comum, mas por vaidade;
§a síntese da opressão moderna está nas "grandes torres” (bancos, empresas públicas, corporações, empreiteiras, tribunais, ministérios, poderes da República, etc.) onde não há justiça nem decência.
(Adital)
Antônio Mesquita Galvão
Doutor em Teologia Moral
Adital
O episódio da chamada "torre de Babel” faz parte daquele conjunto literário que encontramos na "parte mitológica” (Gn 1–11) da Bíblia. Quando éramos crianças, nos acostumamos a ver, nos livros de História Sagrada, maravilhados, as imagens dessa torre, como um grande cilindro de tijolos unidos com piche, que jogava fumaça para o alto e tocava as nuvens, com enormes escadas (uma novidade naquela época) que envolviam o prédio pelo lado de fora, dando ao edifício um aspecto majestoso e de mistério.
O fato é que depois que terminou o dilúvio, Deus deu ordens para que aquele resto de humanidade que fora preservado pela figura da arca de Noé, se espalhasse pelo mundo conhecido, povoando-o como em um novo processo de domínio e colonização da terra. Sem ter sido sensibilizado pela oferta de Deus, que proveu a salvação daquele grupo, as pessoas resolveram, quem sabe repetindo os erros e pecados de Sodoma e Gomorra, desobederem ao Criador, vivendo conforme sua maneira de pensar e entregues às paixões.
Indignado com este fato, Deus resolve "descer” para confundir a língua deles (v. 7). Se em Ex 3,8 ele decide descer para defender seu povo contra as injustiças do faraó, aqui ele empreende uma atitude de punição contra a pretensão do orgulho dos construtores infiéis.
A partir deste episódio, Babel passa a ser sinônimo de confusão ou desordem, embora, em seu sentido literal a palavra derive do acádico bab-ili (porta de Deus). As línguas confundidas em Babel só seriam harmonizadas em Pentecostes (cf. At 2) e na consumação da história humana (cf. Ap 21-22). O que foi confundido em Babel seria restaurado pelo Espírito Santo, no tempo do cristianismo, na instauração do mistério da Igreja.
Há tempos eu andei por Brasília. Lá, olhando aquelas belas obras de arquitetura, pude contemplar a suntuosidade do prédio do Congresso Nacional. Sem querer acabei por me lembrar da Torre de Babel. Qual a pedagogia teológica que o autor sagrado quer passar aos seus futuros leitores sobre o mito da torre de Babel? O que ele quis/quer dizer é que a torre enfeixa uma idéia de reducionismo sociopolítico, deixando clara uma atitude de não-participação, aliada a uma falta de abertura ao projeto divino. O que fica, como lição, da história da grande torre?
§o pecado de Babel continua sendo cometido todos os dias;
§aquelas atitudes eram/são contrárias do plano de Deus;
§havia/há a imposição radical de uma uniformidade, sem chances de adoção de outras alternativas;
§é pecado construir, não para o bem-comum, mas por vaidade;
§a síntese da opressão moderna está nas "grandes torres” (bancos, empresas públicas, corporações, empreiteiras, tribunais, ministérios, poderes da República, etc.) onde não há justiça nem decência.
(Adital)
Pensamentando
Governados por cegos e irresponsáveis
Afunilando as muitas análises feitas acerca do complexo de crises que nos assolam, chegamos a algo que nos parece central e que cabe refletir seriamente. As sociedades, a globalização, o processo produtivo, o sistema econômico-financeiro, os sonhos predominantes e o objeto explícito do desejo das grandes maiorias é: consumir e consumir sem limites. Criou-se uma cultura do consumismo propalada por toda a midia. Há que consumir o último tipo de celular, de tênis, de computador. 66% do PIB norteamericano não vem da produção mas do consumo generalizado. As autoridades inglesas se surpreenderam ao constatar que entre os milhares que faziam turbulências nas várias cidades não estavam apenas os habituais estrangeiros em conflito entre si, mas muitos universitários, ingleses desempregados, professores e até recrutas. Era gente enfurecida porque não tinha acesso ao tão propalado consumo. Não questionavam o paradigma do consumo mas as formas de exclusão dele.
No Reino Unido, depois de M.Thatcher e nos USA depois de R. Reagan, como em geral no mundo, grassa grande desigualdade social. Naquele pais, as receitas dos mais ricos cresceram nos últimos anos 273 vezes mais do que as dos pobres, nos informa a Carta Maior de 12/08/2011. Então não é de se admirar a decepção dos frustrados face a um “software social” que lhes nega o acesso ao consumo e face aos cortes do orçamento social, na ordem de 70% que os penaliza pesadamente. 70% do centros de lazer para jovens foram simplesmente fechados.
O alarmante é que nem primeiro ministro David Cameron nem os membros da Câmara dos Comuns se deram ao trabalho de perguntar pelo porquê dos saques nas várias cidades. Responderam com o pior meio: mais violência institucional. O conservador Cameron disse com todas as letras:”vamos prender os suspeitos e publicar seus rostos nos meios de comunicação sem nos importarmos com as fictícias preocupações com os direitos humanos”. Eis uma solução do impiedoso capitalismo neo-liberal: se a ordem que é desigual e injusta, o exige, se anula a democracia e se passa por cima dos direitos humanos. Logo no pais onde nasceram as primeiras declarações dos direitos dos cidadãos.
Se bem reparmos, estamos enredados num círculo vicioso que poderá nos destruir: precisamos produzir para permitir o tal consumo. Sem consumo as empresas vão à falência. Para produzir, elas precisam dos recursos da natureza. Estes estão cada vez mas escassos e já delapidamos a Terra em 30% a mais do que ela pode repor. Se pararmos de extrair, produzir, vender e consumir não há crescimento econômico. Sem crescimento anual os paises entram em recessão, gerando altas taxas de desemprego. Com o desemprego, irrompem o caos social explosivo, depredações e todo tipo de conflitos. Como sair desta armadilha que nos preparamos a nós mesmos?
O contrário do consumo não é o não consumo, mas um novo “software social” na feliz expressão do cientista político Luiz Gonzaga de Souza Lima. Quer dizer, urge um novo acordo entre consumo solidário e frugal, acessivel a todos e os limites intransponíveis da natureza. Como fazer? Várias são as sugestões: um “modo sustentável de vida”da Carta da Terra, o “bem viver” das culturas andinas, fundada no equilíbrio homem/Terra, economia solidária, bio-sócio-economia, “capitalismo natural”(expressão infeliz) que tenta integrar os ciclos biológicos na vida econômica e social e outras.
Mas não é sobre isso que falam quando os chefes dos Estados opulentos se reunem. Lá se trata de salvar o sistema que veem dando água por todos os lados. Sabem que a natureza não está mais podendo pagar o alto preço que o modelo consumista cobra. Já está a ponto de pôr em risco a sobrevivência da vida e o futuro das próximas gerações. Somos governados por cegos e irresponsáveis, incapazes de dar-se conta das consequências do sistema econômico-político-cultural que defendem.
É impertivo um novo rumo global, caso quisermos garantir nossa vida e a dos demais seres vivos A civilização técnico-científica que nos permitiu niveis exacerbados de consumo pode pôr fim a si mesma, destruir a vida e degradar a Terra. Seguramente não é para isso que chegamos até a este ponto no processo de evolução. Urge coragem para mudanças radicais, se ainda alimentamos um pouco de amor a nós mesmos.
Autor: Leonardo Boff
Comente
(Amai-vos)
Afunilando as muitas análises feitas acerca do complexo de crises que nos assolam, chegamos a algo que nos parece central e que cabe refletir seriamente. As sociedades, a globalização, o processo produtivo, o sistema econômico-financeiro, os sonhos predominantes e o objeto explícito do desejo das grandes maiorias é: consumir e consumir sem limites. Criou-se uma cultura do consumismo propalada por toda a midia. Há que consumir o último tipo de celular, de tênis, de computador. 66% do PIB norteamericano não vem da produção mas do consumo generalizado. As autoridades inglesas se surpreenderam ao constatar que entre os milhares que faziam turbulências nas várias cidades não estavam apenas os habituais estrangeiros em conflito entre si, mas muitos universitários, ingleses desempregados, professores e até recrutas. Era gente enfurecida porque não tinha acesso ao tão propalado consumo. Não questionavam o paradigma do consumo mas as formas de exclusão dele.
No Reino Unido, depois de M.Thatcher e nos USA depois de R. Reagan, como em geral no mundo, grassa grande desigualdade social. Naquele pais, as receitas dos mais ricos cresceram nos últimos anos 273 vezes mais do que as dos pobres, nos informa a Carta Maior de 12/08/2011. Então não é de se admirar a decepção dos frustrados face a um “software social” que lhes nega o acesso ao consumo e face aos cortes do orçamento social, na ordem de 70% que os penaliza pesadamente. 70% do centros de lazer para jovens foram simplesmente fechados.
O alarmante é que nem primeiro ministro David Cameron nem os membros da Câmara dos Comuns se deram ao trabalho de perguntar pelo porquê dos saques nas várias cidades. Responderam com o pior meio: mais violência institucional. O conservador Cameron disse com todas as letras:”vamos prender os suspeitos e publicar seus rostos nos meios de comunicação sem nos importarmos com as fictícias preocupações com os direitos humanos”. Eis uma solução do impiedoso capitalismo neo-liberal: se a ordem que é desigual e injusta, o exige, se anula a democracia e se passa por cima dos direitos humanos. Logo no pais onde nasceram as primeiras declarações dos direitos dos cidadãos.
Se bem reparmos, estamos enredados num círculo vicioso que poderá nos destruir: precisamos produzir para permitir o tal consumo. Sem consumo as empresas vão à falência. Para produzir, elas precisam dos recursos da natureza. Estes estão cada vez mas escassos e já delapidamos a Terra em 30% a mais do que ela pode repor. Se pararmos de extrair, produzir, vender e consumir não há crescimento econômico. Sem crescimento anual os paises entram em recessão, gerando altas taxas de desemprego. Com o desemprego, irrompem o caos social explosivo, depredações e todo tipo de conflitos. Como sair desta armadilha que nos preparamos a nós mesmos?
O contrário do consumo não é o não consumo, mas um novo “software social” na feliz expressão do cientista político Luiz Gonzaga de Souza Lima. Quer dizer, urge um novo acordo entre consumo solidário e frugal, acessivel a todos e os limites intransponíveis da natureza. Como fazer? Várias são as sugestões: um “modo sustentável de vida”da Carta da Terra, o “bem viver” das culturas andinas, fundada no equilíbrio homem/Terra, economia solidária, bio-sócio-economia, “capitalismo natural”(expressão infeliz) que tenta integrar os ciclos biológicos na vida econômica e social e outras.
Mas não é sobre isso que falam quando os chefes dos Estados opulentos se reunem. Lá se trata de salvar o sistema que veem dando água por todos os lados. Sabem que a natureza não está mais podendo pagar o alto preço que o modelo consumista cobra. Já está a ponto de pôr em risco a sobrevivência da vida e o futuro das próximas gerações. Somos governados por cegos e irresponsáveis, incapazes de dar-se conta das consequências do sistema econômico-político-cultural que defendem.
É impertivo um novo rumo global, caso quisermos garantir nossa vida e a dos demais seres vivos A civilização técnico-científica que nos permitiu niveis exacerbados de consumo pode pôr fim a si mesma, destruir a vida e degradar a Terra. Seguramente não é para isso que chegamos até a este ponto no processo de evolução. Urge coragem para mudanças radicais, se ainda alimentamos um pouco de amor a nós mesmos.
Autor: Leonardo Boff
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(Amai-vos)
Ética
Ética e Amorosidade
Ao longo da história, normas de conduta ética derivaram das religiões. Deuses e seus oráculos prescreviam aos humanos o certo e o errado, o bem e o mal. Forjou-se o conceito de pecado, tudo aquilo que contraria a vontade divina. E injetou-se no coração e na consciência dos humanos o sentimento de culpa.
Cada comunidade deveria indagar aos céus que procedimento convinha, e acatar as normas éticas ditadas pelos deuses. Sócrates (469-399 a.C.) também fitou o rumo do Olimpo à espera dos ditames éticos das divindades que ali habitavam. Em vão. O Olimpo grego era uma zorra. Ali imperava completa devassidão.
Foi a sorte da razão. E o azar de Sócrates; por buscar fundamentos éticos na razão foi acusado de herege e condenado à morte por envenenamento.
Apesar da herança filosófica socrática contida nas obras de Platão e Aristóteles, no Ocidente a hegemonia cristã ancorou a ética no conceito de pecado.
Com o prenúncio da falência da modernidade e a exacerbação da razão, o Ocidente, a partir do século 19, relativizou a noção de pecado. Inclusive entre cristãos, bafejados por uma ideia menos juridicista de Deus e mais amorosa e misericordiosa.
Estamos hoje na terceira margem do rio... Deixamos a margem em que predominava o pecado e ainda não atingimos a da ética. Nesse limbo, grassa a mais deslavada corrupção. O homem se faz lobo do homem.
Urge chegar, o quanto antes, à outra margem do rio. Daí tanta insistência no tema da ética. Empresas criam códigos de ética, governos instituem comissões de ética pública, escolas promovem debates sobre o assunto.
Basta olhar em volta para perceber a deterioração ética da sociedade: o presidente galardeado com o Nobel da Paz promove guerras; crianças praticam bullying nas escolas; estudantes agridem e até assassinam professores; políticos se apropriam descaradamente de recursos públicos; produções de entretenimento para cinema e TV banalizam o sexo e a violência.
Já que não se pode esperar ética de todos os políticos ou ética na política, é preciso instaurar a ética da política. Introduzir na reforma política mecanismos, como a Ficha Limpa, que impeçam corruptos e bandidos de se apresentarem como candidatos. Estabelecer mecanismos de rigoroso controle e eventual punição (como a revogação da mandatos) de todos que ocupam o poder público, de tal modo que os corruptos em potencial se sintam inibidos frente à ausência de impunidade.
“Tudo posso, mas nem tudo me convém”, escreveu o apóstolo Paulo na Primeira Carta aos Coríntios (6, 12). Este parâmetro sinaliza que a ética implica tolerância, respeito aos valores do outro, evitar causar desconfortos na convivência social.
O fundamento da ética é o amor. Era nele que Paulo “tudo podia”. “Ama e faze o que quiseres”, disse Santo Agostinho três séculos depois do apóstolo.
Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Veríssimo e Cristovam Buarque, de “O desafio ético” (Garamond), entre outros livros.
Frei Betto
Ao longo da história, normas de conduta ética derivaram das religiões. Deuses e seus oráculos prescreviam aos humanos o certo e o errado, o bem e o mal. Forjou-se o conceito de pecado, tudo aquilo que contraria a vontade divina. E injetou-se no coração e na consciência dos humanos o sentimento de culpa.
Cada comunidade deveria indagar aos céus que procedimento convinha, e acatar as normas éticas ditadas pelos deuses. Sócrates (469-399 a.C.) também fitou o rumo do Olimpo à espera dos ditames éticos das divindades que ali habitavam. Em vão. O Olimpo grego era uma zorra. Ali imperava completa devassidão.
Foi a sorte da razão. E o azar de Sócrates; por buscar fundamentos éticos na razão foi acusado de herege e condenado à morte por envenenamento.
Apesar da herança filosófica socrática contida nas obras de Platão e Aristóteles, no Ocidente a hegemonia cristã ancorou a ética no conceito de pecado.
Com o prenúncio da falência da modernidade e a exacerbação da razão, o Ocidente, a partir do século 19, relativizou a noção de pecado. Inclusive entre cristãos, bafejados por uma ideia menos juridicista de Deus e mais amorosa e misericordiosa.
Estamos hoje na terceira margem do rio... Deixamos a margem em que predominava o pecado e ainda não atingimos a da ética. Nesse limbo, grassa a mais deslavada corrupção. O homem se faz lobo do homem.
Urge chegar, o quanto antes, à outra margem do rio. Daí tanta insistência no tema da ética. Empresas criam códigos de ética, governos instituem comissões de ética pública, escolas promovem debates sobre o assunto.
Basta olhar em volta para perceber a deterioração ética da sociedade: o presidente galardeado com o Nobel da Paz promove guerras; crianças praticam bullying nas escolas; estudantes agridem e até assassinam professores; políticos se apropriam descaradamente de recursos públicos; produções de entretenimento para cinema e TV banalizam o sexo e a violência.
Já que não se pode esperar ética de todos os políticos ou ética na política, é preciso instaurar a ética da política. Introduzir na reforma política mecanismos, como a Ficha Limpa, que impeçam corruptos e bandidos de se apresentarem como candidatos. Estabelecer mecanismos de rigoroso controle e eventual punição (como a revogação da mandatos) de todos que ocupam o poder público, de tal modo que os corruptos em potencial se sintam inibidos frente à ausência de impunidade.
“Tudo posso, mas nem tudo me convém”, escreveu o apóstolo Paulo na Primeira Carta aos Coríntios (6, 12). Este parâmetro sinaliza que a ética implica tolerância, respeito aos valores do outro, evitar causar desconfortos na convivência social.
O fundamento da ética é o amor. Era nele que Paulo “tudo podia”. “Ama e faze o que quiseres”, disse Santo Agostinho três séculos depois do apóstolo.
Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Veríssimo e Cristovam Buarque, de “O desafio ético” (Garamond), entre outros livros.
Frei Betto
Histórias
Severina
Na quinta-feira (25), vimos nos jornais a notícia de que uma mulher de 44 anos tinha sido absolvida da acusação de mandar matar o próprio pai, em Caruaru (PE). De acordo com o processo, o pai a submetia a abuso sexual desde que ela tinha 9 anos. Por quase três décadas, a agricultora foi obrigada pelo genitor a viver maritalmente com ele. Aos 15 anos, Severina teve o primeiro dos 12 filhos, a maioria morta em decorrência de problemas genéticos, da falta de acompanhamento médico e por causa das agressões físicas praticadas pelo pai-avô dos bebês. Apenas cinco das crianças, hoje com idades entre 12 e 19 anos, sobreviveram.
A agricultora Severina Maria da Silva contratou dois homens para matar o pai, ao perceber que ele assediava uma de suas filhas-netas. No julgamento, até a Promotoria pediu a absolvição da acusada. O júri popular acatou a tese da defesa, de “inexigibilidade de conduta diversa”, ou seja, de que a ré não poderia ser condenada porque foi coagida desde a infância e agiu sem ter outra opção.
Severina, no fim do julgamento, abraça 4 de seus filhos. Imagem de Laís Telles/Diário de Pernambuco
Sabemos que, infelizmente, Severina não é a única vítima desse tipo de crime em nosso país. Toda a família sabia do que acontecia e tinha medo de denunciar, porque o genitor seria muito bruto e poderia se vingar dos familiares. Severina buscou ajuda nas delegacias de Caruaru e Brejo da Madre de Deus cinco vezes na tentativa de denunciar as agressões, todas sem sucesso. É por isso que publicamos aqui o depoimento de Severina. Para que sua voz não seja esquecida e para denunciar a violência doméstica bárbara que acomete muitas mulheres.
Eu nunca estudei, nunca tive amiga, nunca arrumei um namorado na vida, nunca saí para ir a uma festa. Até os 38 anos, vivi assim, e foi assim até quando me desliguei do meu pai, no dia em que ele foi morto.
Meu pai não deixava eu e minhas irmãs fazermos nada. Toda a minha vida eu sofri. Comecei a trabalhar na roça ainda menina, com seis anos, arrancando mato.
Aos nove, fui com meu pai para o roçado. No caminho, ele me levou para o mato, amarrou minha boca com a camisa, me jogou de cabeça e tentou ser dono de mim. Eu dei uma pezada no nariz dele, e ele puxou uma faca para me sangrar.
A faca pegou no meu pescoço e no joelho. Depois, ele tentou de novo, mas não conseguiu ser dono de mim.
Em casa, contei para minha mãe e ela me deu uma pisa. Fiquei sem almoço.
À noite, minha mãe foi me buscar e me levou para ele. Me botou de joelhos na cama, tampou minha boca com o lençol e pegou nas minhas pernas para ele pular em cima. Eu dei um grito e depois não vi mais nada.
No outro dia, fui andar e não pude. Falei: “Mãe, isso é um pecado, é horrível”. E ela: “Não é pecado. Filha tem que ser mulher do pai.”
A partir daquele dia, três dias por semana, ele ia abusando de mim. Com 14 anos, eu engravidei. Tive o filho, e ele morreu. Eu tive 12 filhos com meu pai. Sete morreram. Seis foram feitos na cama da minha mãe. Dormíamos eu, pai e mãe na mesma cama.
Um dia, uma irmã minha disse que estava interessada em um namorado. O pai quis pegar ela, disse que já tinha um touro em casa, e que não era para ninguém andar atrás de macho lá fora.
Eu mandei minha mãe correr com minha irmã, e ele correu com a faca atrás. Depois disso, minha mãe não ficou mais com ele. Foram todos embora para Caruaru, para a casa do meu avô. Ela e as minhas oito irmãs.
Só ficamos eu e meu pai na casa. Eu tinha 21 anos, e ele sempre batia em mim. Tentei me matar várias vezes, botei até corda no pescoço.
Os filhos nasciam e morriam. Os que vingavam foram se criando. Minha filha estava com 11 anos quando ele quis ser dono dela. Falou assim: “Nenê está engrossando perninha? Tá saindo peitinho, enchendo a melancia? Tá bom de experimentar, que é para ir se acostumando.” E tacou a mão nela.
Eu falei: “Seu cabra da peste, está escrito na minha testa que eu sou Maria-besta? Eu sou filha de Maria, mas besta eu não sou.” E ele: “Rapariga safada, Maria era mulher para todo acordo. E tu, não tem acordo?”
Nessa hora, eu disse para ele: “Se você ameaçar a minha filha, você morre. Minha mãe aceitou, mas eu não.” Meu pai me bateu três dias seguidos, deu um murro no meu olho que ficou roxo.
Na segunda, ele amolou uma faca e foi vender fubá [farinha de milho]. Antes, disse: “Rapariga safada, quando chegar, se você não fizer o acordo, vai ver o começo e não o fim.”
Eu respondi: “Ô pai tarado da peste, se você ameaçar a minha filha, você morre.” Ele foi para a feira e eu, para a casa da minha tia. Lá, mostrei meu corpo lapeado, o olho roxo, o ouvido estourado.
Meu pai tinha amolado uma faca de 12 polegadas na segunda-feira à noite e me mataria na terça se eu não fizesse o acordo. Foi quando paguei para matarem ele.
Peguei um dinheiro que tinha guardado, fui para Caruaru e, na casa do Edilson, paguei R$ 800 na hora.
Quando o pai chegou, o Edilson veio acompanhando. Foi quando acabou a vida dele. O rapaz arrumou um amigo e fez o homicídio. A faca que ele havia comprado, interessado na minha vida, ele morreu com ela.
A minha filha, a filha dele, eu salvei. Quem é pai, quem é mãe, dói no coração. Levar a sua filha para a cama, abrir os quartos dela, como a minha mãe fez, e o pai ir para cima da filha? Eu, como passei por isso, jamais iria aceitar.
Antes disso, eu ainda procurei os meus direitos, mas perdi. Há uns 15 anos, fui na delegacia, mas ouvi o delegado falar para eu ir embora e morar com o velhinho (o pai), que era uma boa pessoa.
O homicídio foi no dia 15 de novembro de 2005. No cemitério, já tinha um carro de polícia me esperando. Na cadeia, passei um ano e seis dias. Fiquei no castigo, depois fui para uma cela.
Depois do julgamento, fiquei feliz. Antes, pensava na liberdade e na cadeia ao mesmo tempo. Agora, quero viver e ficar com meus filhos. Quero que minha história sirva de exemplo, para que os pais e as mães procurem respeitar os seus filhos, ser amigos deles. A gente é pobre, mas pobreza não é desonra. Desonra é o cara fazer do próprio filho um urubu.
A partir de hoje eu quero é viver, porque tenho muita coisa para aproveitar pela frente. Tenho a liberdade e os meus filhos comigo.
(Blogueiras Progressistas)
Na quinta-feira (25), vimos nos jornais a notícia de que uma mulher de 44 anos tinha sido absolvida da acusação de mandar matar o próprio pai, em Caruaru (PE). De acordo com o processo, o pai a submetia a abuso sexual desde que ela tinha 9 anos. Por quase três décadas, a agricultora foi obrigada pelo genitor a viver maritalmente com ele. Aos 15 anos, Severina teve o primeiro dos 12 filhos, a maioria morta em decorrência de problemas genéticos, da falta de acompanhamento médico e por causa das agressões físicas praticadas pelo pai-avô dos bebês. Apenas cinco das crianças, hoje com idades entre 12 e 19 anos, sobreviveram.
A agricultora Severina Maria da Silva contratou dois homens para matar o pai, ao perceber que ele assediava uma de suas filhas-netas. No julgamento, até a Promotoria pediu a absolvição da acusada. O júri popular acatou a tese da defesa, de “inexigibilidade de conduta diversa”, ou seja, de que a ré não poderia ser condenada porque foi coagida desde a infância e agiu sem ter outra opção.
Severina, no fim do julgamento, abraça 4 de seus filhos. Imagem de Laís Telles/Diário de Pernambuco
Sabemos que, infelizmente, Severina não é a única vítima desse tipo de crime em nosso país. Toda a família sabia do que acontecia e tinha medo de denunciar, porque o genitor seria muito bruto e poderia se vingar dos familiares. Severina buscou ajuda nas delegacias de Caruaru e Brejo da Madre de Deus cinco vezes na tentativa de denunciar as agressões, todas sem sucesso. É por isso que publicamos aqui o depoimento de Severina. Para que sua voz não seja esquecida e para denunciar a violência doméstica bárbara que acomete muitas mulheres.
Eu nunca estudei, nunca tive amiga, nunca arrumei um namorado na vida, nunca saí para ir a uma festa. Até os 38 anos, vivi assim, e foi assim até quando me desliguei do meu pai, no dia em que ele foi morto.
Meu pai não deixava eu e minhas irmãs fazermos nada. Toda a minha vida eu sofri. Comecei a trabalhar na roça ainda menina, com seis anos, arrancando mato.
Aos nove, fui com meu pai para o roçado. No caminho, ele me levou para o mato, amarrou minha boca com a camisa, me jogou de cabeça e tentou ser dono de mim. Eu dei uma pezada no nariz dele, e ele puxou uma faca para me sangrar.
A faca pegou no meu pescoço e no joelho. Depois, ele tentou de novo, mas não conseguiu ser dono de mim.
Em casa, contei para minha mãe e ela me deu uma pisa. Fiquei sem almoço.
À noite, minha mãe foi me buscar e me levou para ele. Me botou de joelhos na cama, tampou minha boca com o lençol e pegou nas minhas pernas para ele pular em cima. Eu dei um grito e depois não vi mais nada.
No outro dia, fui andar e não pude. Falei: “Mãe, isso é um pecado, é horrível”. E ela: “Não é pecado. Filha tem que ser mulher do pai.”
A partir daquele dia, três dias por semana, ele ia abusando de mim. Com 14 anos, eu engravidei. Tive o filho, e ele morreu. Eu tive 12 filhos com meu pai. Sete morreram. Seis foram feitos na cama da minha mãe. Dormíamos eu, pai e mãe na mesma cama.
Um dia, uma irmã minha disse que estava interessada em um namorado. O pai quis pegar ela, disse que já tinha um touro em casa, e que não era para ninguém andar atrás de macho lá fora.
Eu mandei minha mãe correr com minha irmã, e ele correu com a faca atrás. Depois disso, minha mãe não ficou mais com ele. Foram todos embora para Caruaru, para a casa do meu avô. Ela e as minhas oito irmãs.
Só ficamos eu e meu pai na casa. Eu tinha 21 anos, e ele sempre batia em mim. Tentei me matar várias vezes, botei até corda no pescoço.
Os filhos nasciam e morriam. Os que vingavam foram se criando. Minha filha estava com 11 anos quando ele quis ser dono dela. Falou assim: “Nenê está engrossando perninha? Tá saindo peitinho, enchendo a melancia? Tá bom de experimentar, que é para ir se acostumando.” E tacou a mão nela.
Eu falei: “Seu cabra da peste, está escrito na minha testa que eu sou Maria-besta? Eu sou filha de Maria, mas besta eu não sou.” E ele: “Rapariga safada, Maria era mulher para todo acordo. E tu, não tem acordo?”
Nessa hora, eu disse para ele: “Se você ameaçar a minha filha, você morre. Minha mãe aceitou, mas eu não.” Meu pai me bateu três dias seguidos, deu um murro no meu olho que ficou roxo.
Na segunda, ele amolou uma faca e foi vender fubá [farinha de milho]. Antes, disse: “Rapariga safada, quando chegar, se você não fizer o acordo, vai ver o começo e não o fim.”
Eu respondi: “Ô pai tarado da peste, se você ameaçar a minha filha, você morre.” Ele foi para a feira e eu, para a casa da minha tia. Lá, mostrei meu corpo lapeado, o olho roxo, o ouvido estourado.
Meu pai tinha amolado uma faca de 12 polegadas na segunda-feira à noite e me mataria na terça se eu não fizesse o acordo. Foi quando paguei para matarem ele.
Peguei um dinheiro que tinha guardado, fui para Caruaru e, na casa do Edilson, paguei R$ 800 na hora.
Quando o pai chegou, o Edilson veio acompanhando. Foi quando acabou a vida dele. O rapaz arrumou um amigo e fez o homicídio. A faca que ele havia comprado, interessado na minha vida, ele morreu com ela.
A minha filha, a filha dele, eu salvei. Quem é pai, quem é mãe, dói no coração. Levar a sua filha para a cama, abrir os quartos dela, como a minha mãe fez, e o pai ir para cima da filha? Eu, como passei por isso, jamais iria aceitar.
Antes disso, eu ainda procurei os meus direitos, mas perdi. Há uns 15 anos, fui na delegacia, mas ouvi o delegado falar para eu ir embora e morar com o velhinho (o pai), que era uma boa pessoa.
O homicídio foi no dia 15 de novembro de 2005. No cemitério, já tinha um carro de polícia me esperando. Na cadeia, passei um ano e seis dias. Fiquei no castigo, depois fui para uma cela.
Depois do julgamento, fiquei feliz. Antes, pensava na liberdade e na cadeia ao mesmo tempo. Agora, quero viver e ficar com meus filhos. Quero que minha história sirva de exemplo, para que os pais e as mães procurem respeitar os seus filhos, ser amigos deles. A gente é pobre, mas pobreza não é desonra. Desonra é o cara fazer do próprio filho um urubu.
A partir de hoje eu quero é viver, porque tenho muita coisa para aproveitar pela frente. Tenho a liberdade e os meus filhos comigo.
(Blogueiras Progressistas)
quarta-feira, 19 de outubro de 2011
Soledad
A última mentira do Cabo Anselmo
Recife (PE) - José Anselmo dos Santos, ou Daniel, ou Jadiel, ou Jônatas... ou mais simplesmente Cabo Anselmo, se apresentou no Roda Viva na última segunda-feira. Como já se esperava, ele esteve muito à vontade, porque os entrevistadores não pesquisaram a história dos seus crimes, e se fizeram esse indispensável dever, não quiseram levá-lo às cordas, para confrontar as suas esquivas com os depoimentos de testemunhas de 1973, ano das execuções de 6 militantes socialistas no Recife.
O momento mais acintoso foi quando ele se referiu à sua mulher, Soeldad Barrett, e dela retirou a gravidez, para se isentar de um hediondo crime, que cai como um acréscimo à traição de entregá-la para a morte. Observem-no aqui neste momento, ( Veja o vídeo ) a partir do minuto 22.05 até 22.42.
Transcrevo:
“Cabo Anselmo - A Soledad usava DIU, desde que fez um aborto aqui em São Paulo, antes da ida para o Recife.
Entrevistador - O senhor contesta a gravidez da Soledad?
Cabo Anselmo - Como?
Entrevistador - O senhor contesta que ela estivesse grávida, como a versão histórica ...
Cabo Anselmo - Se eu acreditar, como dizem os médicos, que o DIU era o mais seguro dos preservativos, eu contesto, sim.
Entrevistador - Então o feto encontrado lá não era dela?
Cabo Anselmo - Eu imagino que seria da Pauline. A Pauline estava grávida, inclusive teve problema de gravidez, e Soledad a levou até o médico.”
Não vem ao caso agora observar que ele ganha tempo para responder, quando finge não ouvir bem e pergunta “Como?”. Importa mais agora confrontá-lo com três depoimentos históricos. No primeiro deles, e mais impressionante, a advogada Mércia Albuquerque assim declarou na Secretaria de Justiça de Pernambuco, em 1996:
“Soledad estava com os olhos muito abertos com expressão muito grande de terror, a boca estava entreaberta e o que mais me impressionou foi o sangue coagulado em grande quantidade que estava, eu tenho a impressão que ela foi morta e ficou algum tempo deitada e a trouxeram, e o sangue quando coagulou ficou preso nas pernas porque era uma quantidade grande e o feto estava lá nos pés dela, não posso saber como foi parar ali ou se foi ali mesmo no necrotério que ele caiu, que ele nasceu, naquele horror”.
No segundo deles, a dona da butique em Boa Viagem, onde foram presas Soledad e Pauline , lembra que em 1973 Soledad lhe dissera que iria viajar para rever a única filha, antes de dar à luz, porque estava grávida. Isso foi falado à testemunha dias antes da execução dos socialistas em janeiro, numa conversa íntima entre mulheres. Soledad estaria louca ou a dona da butique estaria inventando histórias? E agora, por fim, prestem bem atenção no que lembra um professor de história do Recife: Soledad e Anselmo foram vistos na Rua das Calçadas, no Recife, a comprar roupinhas de bebê. Que lindo e canalha, não? Será que estariam então todos enganados a fantasiar a gravidez de Soledad, somente para incriminar o pobre Anselmo?
Ontem no Roda Viva o Cabo Anselmo cometeu a sua mais escabrosa mentira. Transferiu a gravidez da mulher para outra morta. E todos os repórteres, entrevistadores, apresentador calaram diante da eloqüência do velho traidor. O DIU, dizem os médicos, tem apenas 0,1% de falha. Já um agente duplo nunca nega fogo: é 100 % mentiroso.
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Escreva seu comentário Máx. 1000 caracteres Enviar agora Comente com responsabilidadeRespeitamos sua opinião e teremos o maior prazer em publicá-la neste espaço.Lembre-se:
Mensagens de cunho ofensivo ou politicamente incorretas não serão publicadas.Sobre o autor deste artigoUrariano Mota - RecifeÉ pernambucano, jornalista e autor de "Soledad no Recife", recriação dos últimos dias de Soledad Barret, mulher do cabo Anselmo, executada pela equipe do Delegado Fleury com o auxílio de Anselmo.
Fale com o autorVisite o site do autorFeed deste autor
Artigos mais recentes do autorO Cabo Anselmo de hoje à noiteNossa Senhora Aparecida do BrasilPaulo Coelho ganha o Nobel de literaturaA elite miserável do BrasilA outra morte de TrotskyDilma e a pegadinha do FantásticoNegro vira louro de olho azulNY Times mata crescimento do NordesteA volta de Gregório BezerraPra que diabo serve a literatura?
Todos os artigos deste autor
(Direto da Redação)
Recife (PE) - José Anselmo dos Santos, ou Daniel, ou Jadiel, ou Jônatas... ou mais simplesmente Cabo Anselmo, se apresentou no Roda Viva na última segunda-feira. Como já se esperava, ele esteve muito à vontade, porque os entrevistadores não pesquisaram a história dos seus crimes, e se fizeram esse indispensável dever, não quiseram levá-lo às cordas, para confrontar as suas esquivas com os depoimentos de testemunhas de 1973, ano das execuções de 6 militantes socialistas no Recife.
O momento mais acintoso foi quando ele se referiu à sua mulher, Soeldad Barrett, e dela retirou a gravidez, para se isentar de um hediondo crime, que cai como um acréscimo à traição de entregá-la para a morte. Observem-no aqui neste momento, ( Veja o vídeo ) a partir do minuto 22.05 até 22.42.
Transcrevo:
“Cabo Anselmo - A Soledad usava DIU, desde que fez um aborto aqui em São Paulo, antes da ida para o Recife.
Entrevistador - O senhor contesta a gravidez da Soledad?
Cabo Anselmo - Como?
Entrevistador - O senhor contesta que ela estivesse grávida, como a versão histórica ...
Cabo Anselmo - Se eu acreditar, como dizem os médicos, que o DIU era o mais seguro dos preservativos, eu contesto, sim.
Entrevistador - Então o feto encontrado lá não era dela?
Cabo Anselmo - Eu imagino que seria da Pauline. A Pauline estava grávida, inclusive teve problema de gravidez, e Soledad a levou até o médico.”
Não vem ao caso agora observar que ele ganha tempo para responder, quando finge não ouvir bem e pergunta “Como?”. Importa mais agora confrontá-lo com três depoimentos históricos. No primeiro deles, e mais impressionante, a advogada Mércia Albuquerque assim declarou na Secretaria de Justiça de Pernambuco, em 1996:
“Soledad estava com os olhos muito abertos com expressão muito grande de terror, a boca estava entreaberta e o que mais me impressionou foi o sangue coagulado em grande quantidade que estava, eu tenho a impressão que ela foi morta e ficou algum tempo deitada e a trouxeram, e o sangue quando coagulou ficou preso nas pernas porque era uma quantidade grande e o feto estava lá nos pés dela, não posso saber como foi parar ali ou se foi ali mesmo no necrotério que ele caiu, que ele nasceu, naquele horror”.
No segundo deles, a dona da butique em Boa Viagem, onde foram presas Soledad e Pauline , lembra que em 1973 Soledad lhe dissera que iria viajar para rever a única filha, antes de dar à luz, porque estava grávida. Isso foi falado à testemunha dias antes da execução dos socialistas em janeiro, numa conversa íntima entre mulheres. Soledad estaria louca ou a dona da butique estaria inventando histórias? E agora, por fim, prestem bem atenção no que lembra um professor de história do Recife: Soledad e Anselmo foram vistos na Rua das Calçadas, no Recife, a comprar roupinhas de bebê. Que lindo e canalha, não? Será que estariam então todos enganados a fantasiar a gravidez de Soledad, somente para incriminar o pobre Anselmo?
Ontem no Roda Viva o Cabo Anselmo cometeu a sua mais escabrosa mentira. Transferiu a gravidez da mulher para outra morta. E todos os repórteres, entrevistadores, apresentador calaram diante da eloqüência do velho traidor. O DIU, dizem os médicos, tem apenas 0,1% de falha. Já um agente duplo nunca nega fogo: é 100 % mentiroso.
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Mensagens de cunho ofensivo ou politicamente incorretas não serão publicadas.Sobre o autor deste artigoUrariano Mota - RecifeÉ pernambucano, jornalista e autor de "Soledad no Recife", recriação dos últimos dias de Soledad Barret, mulher do cabo Anselmo, executada pela equipe do Delegado Fleury com o auxílio de Anselmo.
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(Direto da Redação)
Israel
Palestinos acertam libertação de líderes da intifada
Troca de prisioneiros acertada entre a administração israelense e representantes palestinos, anunciada nesta terça-feira (11), libertará dois importantes líderes da resistência palestina. Um deles é Marwan Barghuthi, um dos líderes da segunda Intifada, e o outro é o comunista Ahmad Sa'adat, secretário-geral da Frente Popular de Libertação da Palestina.
Campanha pró Sa'adat, no traço de Latuff
A troca de prisioneiros entre as duas partes foi confirmada por um alto funcionário palestino em Ramalá nesta terça. Sa'adat foi condenado a trinta anos de prisão enquanto Barghouti estava preso condenado a cinco penas de prisão perpétua.
Centenas de palestinos aprisionados por Israel de um total de mais de 6.000 realizam desde 27 de setembro uma greve de fome para protestar contra o isolamento carcerário, imposto aos detentos do FPLP.
O acordo, possível graças a uma mediação egípcia, deve ser implementado “em uma semana”. O outro prisioneiro envolvido na libertação é o soldado do exército de ocupação, Gilad Shalit, aprisionado pelas forças de segurança do Hamas.
“O acordo de troca será aplicado em poucos dias”, confirmou em seu site as forças de segurança do Movimento de Resistência Islâmico, as Brigadas Ezzedine al-Qassam.
Gilad Shalit, que também tem nacionalidade francesa, foi aprisionado em junho de 2006 durante uma operação do exército israelense em território palestino.
O premiê israelense, Benjamin Netanyahu, afirmou à noite que o acordo de troca já havia sido apresentado a seu governo. “Este acordo foi concluído na quinta-feira (passada) e assinado definitivamente hoje”, indicou.
Além de Netanyahu e de seu ministro da Defesa, Ehud Barak, o chefe do Estado-Maior, Benny Gantz, o líder do Shin Beth, Yoram Cohen, e o chefe do serviço de espionagem do país, o Mossad, Tamir Pardo, foram todos favoráveis ao acordo com os palestinos, indicou a televisão pública israelense.
Com agências
(vermelho.org)
Troca de prisioneiros acertada entre a administração israelense e representantes palestinos, anunciada nesta terça-feira (11), libertará dois importantes líderes da resistência palestina. Um deles é Marwan Barghuthi, um dos líderes da segunda Intifada, e o outro é o comunista Ahmad Sa'adat, secretário-geral da Frente Popular de Libertação da Palestina.
Campanha pró Sa'adat, no traço de Latuff
A troca de prisioneiros entre as duas partes foi confirmada por um alto funcionário palestino em Ramalá nesta terça. Sa'adat foi condenado a trinta anos de prisão enquanto Barghouti estava preso condenado a cinco penas de prisão perpétua.
Centenas de palestinos aprisionados por Israel de um total de mais de 6.000 realizam desde 27 de setembro uma greve de fome para protestar contra o isolamento carcerário, imposto aos detentos do FPLP.
O acordo, possível graças a uma mediação egípcia, deve ser implementado “em uma semana”. O outro prisioneiro envolvido na libertação é o soldado do exército de ocupação, Gilad Shalit, aprisionado pelas forças de segurança do Hamas.
“O acordo de troca será aplicado em poucos dias”, confirmou em seu site as forças de segurança do Movimento de Resistência Islâmico, as Brigadas Ezzedine al-Qassam.
Gilad Shalit, que também tem nacionalidade francesa, foi aprisionado em junho de 2006 durante uma operação do exército israelense em território palestino.
O premiê israelense, Benjamin Netanyahu, afirmou à noite que o acordo de troca já havia sido apresentado a seu governo. “Este acordo foi concluído na quinta-feira (passada) e assinado definitivamente hoje”, indicou.
Além de Netanyahu e de seu ministro da Defesa, Ehud Barak, o chefe do Estado-Maior, Benny Gantz, o líder do Shin Beth, Yoram Cohen, e o chefe do serviço de espionagem do país, o Mossad, Tamir Pardo, foram todos favoráveis ao acordo com os palestinos, indicou a televisão pública israelense.
Com agências
(vermelho.org)
W, Street
Occupy Wall Street redescobre a imaginação radical
Os jovens que protestam em Wall Street e além rejeitam esta ordem económica vã. Eles vieram para resgatar o futuro. Artigo de David Graeber, publicado no jornal britânico Guardian.
Artigo | 10 Outubro, 2011 - 00:15
Occupy Wall Street, 26 de Setembro de 2011, Foto de PaulS/Flickr Por que as pessoas estão a ocupar Wall Street? Por que a ocupação — apesar da mais recente repressão policial — espalhou fagulhas através dos Estados Unidos, inspirando em alguns dias centenas de pessoas a mandar pizzas, dinheiro, equipamento e, agora, a começar os seus próprios movimentos chamados OccupyChicago, OccupyFlorida, Occupy Denver ou Occupy LA?
Existem razões óbvias. Estamos a ver o começo de uma desafiadora auto-afirmação de uma nova geração de norte-americanos, uma geração que está a ver um futuro de educação sem emprego, sem futuro, mas sob o peso de uma dívida enorme e sem perdão. A maioria, descobri, é da classe trabalhadora ou de origem modesta, meninos e meninas que fizeram tudo o que lhes foi recomendado: estudaram, entraram na faculdade, e agora não apenas estão a ser punidos, mas humilhados — diante da perspectiva de serem tratados como zeros à esquerda, moralmente reprovados.
É realmente surpreendente que eles gostariam de trocar uma palavra com os magnatas financeiros que roubaram o seu futuro?
Assim como na Europa, estamos a ver o resultado colossal de um fracasso. Os ocupantes são pessoas cheias de ideias, cujas energias uma sociedade saudável deveria aproveitar para melhorar a vida de todos. Em vez disso, elas estão a usar a energia em busca de ideias para derrubar todo o sistema.
Mas o fracasso maior aqui é da imaginação. O que estamos a testemunhar pode ser também uma reivindicação para finalmente ter um debate que todos nós supostamente deveríamos ter tido em 2008. Aquele era o momento, depois do quase-colapso da arquitectura financeira do mundo, em que qualquer coisa parecia possível.
Tudo o que nos tinha sido dito nas décadas anteriores provou-se mentira. Os mercados não eram auto-reguláveis; os criadores de instrumentos financeiros não eram génios infalíveis; e as dívidas não tinham de ser verdadeiramente pagas — na verdade, o dinheiro em si mostrou-se um instrumento político, triliões de dólares podendo ser inventados durante a noite quando os bancos centrais ou governos assim quisessem. Mesmo a [revista britânica] Economist deu manchetes como “Capitalismo: Foi uma boa ideia?”.
Parecia o tempo para repensar tudo: a própria natureza dos mercados, do dinheiro, da dívida; de se perguntar para que serve uma ‘economia’. Isso durou talvez duas semanas. Então, numa das mais colossais faltas de coragem histórica, nós todos, colectivamente, colocamos as nossas mãos sobre as orelhas e tratámos de tentar colocar as coisas o mais próximas do que tinham sido antes.
Talvez não seja surpreendente. Está a tornar-se crescentemente óbvio que a verdadeira prioridade daqueles que dirigiram o mundo nas últimas décadas não era criar uma forma viável de capitalismo, mas, em vez disso, convencer-nos de que a actual forma de capitalismo é a única forma possível de sistema económico, e que os seus defeitos, portanto, são irrelevantes. Desta forma, todos assistimos sentados enquanto o aparato desaba.
O que aprendemos agora é que a crise económica dos anos 70 na verdade nunca acabou. Foi superada com crédito barato e pilhagem maciça no Exterior — esta última, de nome “crise da dívida do Terceiro Mundo”. Mas o sul global lutou de volta. O movimento de ‘alter-globalização’ foi, no fim das contas, bem sucedido: o Fundo Monetário Internacional foi expulso do Leste da Ásia e da América Latina, assim como agora está a ser expulso do Médio Oriente. Como resultado, a crise da dívida chegou à Europa e à América do Norte, repleta do mesmo tipo de solução: declarar uma crise financeira, indicar tecnocratas supostamente neutros para geri-la e em seguida lançar-se numa orgia de pilhagem em nome da ‘austeridade’.
A forma de resistência que emergiu parece marcadamente similar ao velho movimento de justiça global, também: vemos a rejeição da antiga política partidária, a adopção da mesma diversidade radical, a mesma ênfase em inventar novas formas de democracia de baixo para cima. O que é diferente é o alvo: se em 2000 os protestos eram dirigidos ao poder das novas burocracias planetárias sem precedentes (Organização Mundial do Comércio, FMI, Banco Mundial, Nafta), instituições que não prestavam contas democraticamente, que existem apenas para servir os interesses do capital transnacional; agora, é contra toda a classe política de países como a Grécia, a Espanha e agora, os Estados Unidos — exactamente pelas mesmas razões. É por isso que os manifestantes têm hesitado em fazer reivindicações formais, já que isso significa o reconhecimento implícito dos políticos contra os quais eles se revoltam.
Quando a história for finalmente escrita, no entanto, é provável que todo este tumulto — começando com a Primavera árabe — seja lembrado como o tiro de partida de uma onda de negociações sobre a dissolução do Império Norte-Americano. Trinta anos de insistente prioridade na propaganda em vez da substância, de apagar qualquer coisa que pudesse parecer base política de uma oposição, pode fazer parecer aos jovens manifestantes que as suas perspectivas são sombrias; e está claro que os ricos estão determinados a garantir uma fatia tão grande quanto possível das sobras, lançando uma geração inteira de jovens aos lobos para garantir isso; mas a História não está do lado deles.
Talvez seja bom considerarmos as consequências do colapso dos impérios coloniais europeus. Não levou ao sucesso dos ricos em agarrar toda a comida disponível, mas à criação do estado de bem-estar social. Não sabemos exactamente o que vai acontecer agora. Mas se os ocupantes finalmente conseguirem romper o controle exercido durante 30 anos sobre a imaginação humana, como aconteceu nas primeiras semanas depois de Setembro de 2008, tudo vai novamente estar em jogo — e os manifestantes de Wall Street e de outras cidades dos Estados Unidos terão feito por nós o maior dos favores.
Artigo de David Graeber, antropólogo norte-americano e activista político, publicado no jornal britânico Guardian, traduzido para português pelo site viomundo.com.br
(Esquerda.net)
Os jovens que protestam em Wall Street e além rejeitam esta ordem económica vã. Eles vieram para resgatar o futuro. Artigo de David Graeber, publicado no jornal britânico Guardian.
Artigo | 10 Outubro, 2011 - 00:15
Occupy Wall Street, 26 de Setembro de 2011, Foto de PaulS/Flickr Por que as pessoas estão a ocupar Wall Street? Por que a ocupação — apesar da mais recente repressão policial — espalhou fagulhas através dos Estados Unidos, inspirando em alguns dias centenas de pessoas a mandar pizzas, dinheiro, equipamento e, agora, a começar os seus próprios movimentos chamados OccupyChicago, OccupyFlorida, Occupy Denver ou Occupy LA?
Existem razões óbvias. Estamos a ver o começo de uma desafiadora auto-afirmação de uma nova geração de norte-americanos, uma geração que está a ver um futuro de educação sem emprego, sem futuro, mas sob o peso de uma dívida enorme e sem perdão. A maioria, descobri, é da classe trabalhadora ou de origem modesta, meninos e meninas que fizeram tudo o que lhes foi recomendado: estudaram, entraram na faculdade, e agora não apenas estão a ser punidos, mas humilhados — diante da perspectiva de serem tratados como zeros à esquerda, moralmente reprovados.
É realmente surpreendente que eles gostariam de trocar uma palavra com os magnatas financeiros que roubaram o seu futuro?
Assim como na Europa, estamos a ver o resultado colossal de um fracasso. Os ocupantes são pessoas cheias de ideias, cujas energias uma sociedade saudável deveria aproveitar para melhorar a vida de todos. Em vez disso, elas estão a usar a energia em busca de ideias para derrubar todo o sistema.
Mas o fracasso maior aqui é da imaginação. O que estamos a testemunhar pode ser também uma reivindicação para finalmente ter um debate que todos nós supostamente deveríamos ter tido em 2008. Aquele era o momento, depois do quase-colapso da arquitectura financeira do mundo, em que qualquer coisa parecia possível.
Tudo o que nos tinha sido dito nas décadas anteriores provou-se mentira. Os mercados não eram auto-reguláveis; os criadores de instrumentos financeiros não eram génios infalíveis; e as dívidas não tinham de ser verdadeiramente pagas — na verdade, o dinheiro em si mostrou-se um instrumento político, triliões de dólares podendo ser inventados durante a noite quando os bancos centrais ou governos assim quisessem. Mesmo a [revista britânica] Economist deu manchetes como “Capitalismo: Foi uma boa ideia?”.
Parecia o tempo para repensar tudo: a própria natureza dos mercados, do dinheiro, da dívida; de se perguntar para que serve uma ‘economia’. Isso durou talvez duas semanas. Então, numa das mais colossais faltas de coragem histórica, nós todos, colectivamente, colocamos as nossas mãos sobre as orelhas e tratámos de tentar colocar as coisas o mais próximas do que tinham sido antes.
Talvez não seja surpreendente. Está a tornar-se crescentemente óbvio que a verdadeira prioridade daqueles que dirigiram o mundo nas últimas décadas não era criar uma forma viável de capitalismo, mas, em vez disso, convencer-nos de que a actual forma de capitalismo é a única forma possível de sistema económico, e que os seus defeitos, portanto, são irrelevantes. Desta forma, todos assistimos sentados enquanto o aparato desaba.
O que aprendemos agora é que a crise económica dos anos 70 na verdade nunca acabou. Foi superada com crédito barato e pilhagem maciça no Exterior — esta última, de nome “crise da dívida do Terceiro Mundo”. Mas o sul global lutou de volta. O movimento de ‘alter-globalização’ foi, no fim das contas, bem sucedido: o Fundo Monetário Internacional foi expulso do Leste da Ásia e da América Latina, assim como agora está a ser expulso do Médio Oriente. Como resultado, a crise da dívida chegou à Europa e à América do Norte, repleta do mesmo tipo de solução: declarar uma crise financeira, indicar tecnocratas supostamente neutros para geri-la e em seguida lançar-se numa orgia de pilhagem em nome da ‘austeridade’.
A forma de resistência que emergiu parece marcadamente similar ao velho movimento de justiça global, também: vemos a rejeição da antiga política partidária, a adopção da mesma diversidade radical, a mesma ênfase em inventar novas formas de democracia de baixo para cima. O que é diferente é o alvo: se em 2000 os protestos eram dirigidos ao poder das novas burocracias planetárias sem precedentes (Organização Mundial do Comércio, FMI, Banco Mundial, Nafta), instituições que não prestavam contas democraticamente, que existem apenas para servir os interesses do capital transnacional; agora, é contra toda a classe política de países como a Grécia, a Espanha e agora, os Estados Unidos — exactamente pelas mesmas razões. É por isso que os manifestantes têm hesitado em fazer reivindicações formais, já que isso significa o reconhecimento implícito dos políticos contra os quais eles se revoltam.
Quando a história for finalmente escrita, no entanto, é provável que todo este tumulto — começando com a Primavera árabe — seja lembrado como o tiro de partida de uma onda de negociações sobre a dissolução do Império Norte-Americano. Trinta anos de insistente prioridade na propaganda em vez da substância, de apagar qualquer coisa que pudesse parecer base política de uma oposição, pode fazer parecer aos jovens manifestantes que as suas perspectivas são sombrias; e está claro que os ricos estão determinados a garantir uma fatia tão grande quanto possível das sobras, lançando uma geração inteira de jovens aos lobos para garantir isso; mas a História não está do lado deles.
Talvez seja bom considerarmos as consequências do colapso dos impérios coloniais europeus. Não levou ao sucesso dos ricos em agarrar toda a comida disponível, mas à criação do estado de bem-estar social. Não sabemos exactamente o que vai acontecer agora. Mas se os ocupantes finalmente conseguirem romper o controle exercido durante 30 anos sobre a imaginação humana, como aconteceu nas primeiras semanas depois de Setembro de 2008, tudo vai novamente estar em jogo — e os manifestantes de Wall Street e de outras cidades dos Estados Unidos terão feito por nós o maior dos favores.
Artigo de David Graeber, antropólogo norte-americano e activista político, publicado no jornal britânico Guardian, traduzido para português pelo site viomundo.com.br
(Esquerda.net)
terça-feira, 18 de outubro de 2011
Venezuela
A educação na Venezuela é gratuita graças à revolução
O vice-presidente da República Bolivariana da Venezuela, Elías Jaua, afirmou que a educação no país é gratuita graças à revolução que vive o país e destacou que, enquanto em outros países se trava uma batalha por este privilégio, na Venezuela este direito está consagrado na Constituição.
A declaração foi feita durante o início das aulas de mais de 2,8 milhões de alunos de todo o sistema de educação do país.
“Para vocês, não é um debate se a educação é gratuita ou não. A educação é e será gratuita na Venezuela porque aqui há uma revolução. Agora a luta é para que a educação seja de qualidade, para que a infraestrutura seja melhor e para que os professores sejam mais bem pagos”, sustentou. Ele enfatizou ainda que o governo tem tratado destes temas nos últimos anos.
O vice-presidente lembrou as lutas que, no passado, ocorreram no país para conquistar os direitos das 10 milhões de pessoas que formam parte dos registros em todo o sistema educativo venezuelano, entre alunos primários, secundários e universitários.
“Vocês não viveram o que se viveu aqui nos anos 1980, 1990, quando a única coisa que os estudantes recebiam era chumbo dos governos de plantão (...) há 20 anos os estudantes estavam por todo o país protestando na rua contra o pacote neoliberal, contra a privatização da educação” , sustentou Jaua.
Ele frisou ainda que isso é “produto de um governo que tem recursos econômicos para o povo. Antes, à educação eram negados todos os recursos. Cada dia haverá mais dinheiro para a juventude venezuelana e para a educação”.
Fonte: AVN
(vermelho.org)
O vice-presidente da República Bolivariana da Venezuela, Elías Jaua, afirmou que a educação no país é gratuita graças à revolução que vive o país e destacou que, enquanto em outros países se trava uma batalha por este privilégio, na Venezuela este direito está consagrado na Constituição.
A declaração foi feita durante o início das aulas de mais de 2,8 milhões de alunos de todo o sistema de educação do país.
“Para vocês, não é um debate se a educação é gratuita ou não. A educação é e será gratuita na Venezuela porque aqui há uma revolução. Agora a luta é para que a educação seja de qualidade, para que a infraestrutura seja melhor e para que os professores sejam mais bem pagos”, sustentou. Ele enfatizou ainda que o governo tem tratado destes temas nos últimos anos.
O vice-presidente lembrou as lutas que, no passado, ocorreram no país para conquistar os direitos das 10 milhões de pessoas que formam parte dos registros em todo o sistema educativo venezuelano, entre alunos primários, secundários e universitários.
“Vocês não viveram o que se viveu aqui nos anos 1980, 1990, quando a única coisa que os estudantes recebiam era chumbo dos governos de plantão (...) há 20 anos os estudantes estavam por todo o país protestando na rua contra o pacote neoliberal, contra a privatização da educação” , sustentou Jaua.
Ele frisou ainda que isso é “produto de um governo que tem recursos econômicos para o povo. Antes, à educação eram negados todos os recursos. Cada dia haverá mais dinheiro para a juventude venezuelana e para a educação”.
Fonte: AVN
(vermelho.org)
Rússia
Mundo6AAA.
30 de Setembro de 2011 - 15h35
Pravda: Em um avião na Rússia, a caminho da escravidão
Na seção dos leitores do jornal Pravda, do Partido Comunista da Federação Russa, Yaroslav Rússkikh, um professor aposentado de História da região de Voróniej, conta a história de um ex-aluno seu que reencontrou por acaso em um ônibus. A história ilustra um dos destinos que os habitantes da ex-União Soviética tiveram 20 anos depois da contrarrevolução, que levou o capitalismo "democrático e libertador" ao país.
"Neste verão tive de fazer uma viagem rodoviária entre Patropávlovsk e Voróniej. Pelo caminho, em uma das paradas, subiu ao veículo Serguei L., ex-aluno meu. Me saudou com a mão e veio sentar-se ao meu lado. Fiquei perplexo pela forma como mudou. Em seus anos de estudante era um rapaz alegre e piadista, enquanto que o rapaz que se encontrava ali a meu lado era uma pessoa completamente distinta da que conheci.
Nos cumprimentamos e fizemos as perguntas de praxe de como ia a vida. Eu contei a ele que havia me aposentado como professor. Em 2010, ano que Medviedev declarou ser o "ano do professor", um pedagogo como eu, com 30 anos de experiência, tinha visto seu salário ser reduzido em 43%, assim, eu passei a trabalhar como zelador e faxineiro.
"E que fez você, que não vejo há muito tempo?" perguntei a Serguei. "Eu virei escravo", me respondeu, ao mesmo tempo que me exibia cicatrizes no peito e nos braços. "Se quiser, lhe mostro a marca de bala na minha perna. Me surraram e torturaram durante o meu tempo por lá", afirmou.
Serguei resumiu para mim sua triste história. Em 2010 conseguiu um emprego em Moscou e ficou hospedado na casa de uma irmã. Em uma tarde, Serguei viu pela Internet uma tentadora oferta de emprego, prometendo em troca um substancioso salário. Abandonou o emprego e em seguida se apresentou a essa "firma".
Nos dois primeiros dias os 20 jovens russos foram bem-tratados. No terceiro, pediram que trouxessem seus documentos, já que o grupo se deslocaria para um novo lugar de trabalho. Levaram os rapazes para um avião e enquanto um dos responsáveis da "empresa" dizia que a viagem seria longa, outros iam passando garrafas de água mineral a eles. Quando beberam, acabaram todos dormindo.
"Quando acordamos, estavamos na Tchetchênia", continuou Serguei, "e dos 20 que iniciaram a viagem, dois deles, amigos de escola em Astrakhan, haviam desaparecido e até agora não sei o que aconteceu com eles".
Na Tchetchênia, no lugar para onde tinham seguido de ônibus, retiraram os documentos dos rapazes. Os que se negaram a entregá-los foram surrados, entre eles Serguei. Como era o mais destemido, acabou levando um tiro na perna. Para sua sorte a bala não atingiu nenhum osso.
Os 18 jovens russos se viram encerrados em um galpão de pedra. Os alimentavam de qualquer modo: em seis meses o peso de Serguei, que tem 1,85 metro de altura, chegou a 49 quilogramas. Os barbudos que vigiavam os rapazes os levavam todos os dias à obra. Aos "preguiçosos" aplicavam surras selvagens.
"Como conseguiu fugir dali?", perguntei.
No final de fevereiro os tchetchenos se preparavam para celebrar uma grande festa. Os guardas que nos vigiavam foram para a festa e eu convenci outros nove rapazes a fugir. Já não nos importava o que poderia acontecer na fuga para nós.
"Com um pouco de sorte, nada poderia ser pior do que estavamos vivendo. A fuga teve êxito. No início de março de 2011 cheguei a Moscou e de lá voltei para casa, para me recuperar. Minha mãe estava à minha procura, sem que ninguém pudesse dar nenhuma explicação crível para o meu sumiço. Uma vez recuperado, voltei a Moscou para procurar trabalho. Claro que não confio mais nos que prometem dinheiro 'fácil'. Continuo sem saber o que aconteceu."
Quando nos despedimos Serguei me pediu o número de meu telefone e prometeu que me ligaria, mas por enquanto não recebi nenhuma chamada sua.
Como cidadão da Rússia gostaria de fazer algumas perguntas aos senhores Medviédev e Pútin: Até quando continuarão existindo e se registrando "empresas" que vendem nossos rapazes e moças como escravos? Até quando se poderá continuar a transportar livremente escravos pelas estradas da Rússia? A nenhum policial rodoviário pareceu estranho um ônibus transportando 18 rapazes dormindo enquanto eram vigiados por alguns tchetchenos?
Até quando nossos políticos emitirão gritos esganiçados denunciando o suposto sequestro de um "democrata" belarusso? como é que não se escuta em mídia alguma uma palavra desses políticos em defesa dos rapazes russo, convertidos em escravos, que são sequestrados na "democrática" Moscou?
Fonte: Blog de Josafat Comín. Original em http://gazeta-pravda.ru/content/view/9061/34/. Traduzido do russo para o espanhol por Josafat Comin e vertido para o português pela redação do Vermelho.
(vermelho.org)
30 de Setembro de 2011 - 15h35
Pravda: Em um avião na Rússia, a caminho da escravidão
Na seção dos leitores do jornal Pravda, do Partido Comunista da Federação Russa, Yaroslav Rússkikh, um professor aposentado de História da região de Voróniej, conta a história de um ex-aluno seu que reencontrou por acaso em um ônibus. A história ilustra um dos destinos que os habitantes da ex-União Soviética tiveram 20 anos depois da contrarrevolução, que levou o capitalismo "democrático e libertador" ao país.
"Neste verão tive de fazer uma viagem rodoviária entre Patropávlovsk e Voróniej. Pelo caminho, em uma das paradas, subiu ao veículo Serguei L., ex-aluno meu. Me saudou com a mão e veio sentar-se ao meu lado. Fiquei perplexo pela forma como mudou. Em seus anos de estudante era um rapaz alegre e piadista, enquanto que o rapaz que se encontrava ali a meu lado era uma pessoa completamente distinta da que conheci.
Nos cumprimentamos e fizemos as perguntas de praxe de como ia a vida. Eu contei a ele que havia me aposentado como professor. Em 2010, ano que Medviedev declarou ser o "ano do professor", um pedagogo como eu, com 30 anos de experiência, tinha visto seu salário ser reduzido em 43%, assim, eu passei a trabalhar como zelador e faxineiro.
"E que fez você, que não vejo há muito tempo?" perguntei a Serguei. "Eu virei escravo", me respondeu, ao mesmo tempo que me exibia cicatrizes no peito e nos braços. "Se quiser, lhe mostro a marca de bala na minha perna. Me surraram e torturaram durante o meu tempo por lá", afirmou.
Serguei resumiu para mim sua triste história. Em 2010 conseguiu um emprego em Moscou e ficou hospedado na casa de uma irmã. Em uma tarde, Serguei viu pela Internet uma tentadora oferta de emprego, prometendo em troca um substancioso salário. Abandonou o emprego e em seguida se apresentou a essa "firma".
Nos dois primeiros dias os 20 jovens russos foram bem-tratados. No terceiro, pediram que trouxessem seus documentos, já que o grupo se deslocaria para um novo lugar de trabalho. Levaram os rapazes para um avião e enquanto um dos responsáveis da "empresa" dizia que a viagem seria longa, outros iam passando garrafas de água mineral a eles. Quando beberam, acabaram todos dormindo.
"Quando acordamos, estavamos na Tchetchênia", continuou Serguei, "e dos 20 que iniciaram a viagem, dois deles, amigos de escola em Astrakhan, haviam desaparecido e até agora não sei o que aconteceu com eles".
Na Tchetchênia, no lugar para onde tinham seguido de ônibus, retiraram os documentos dos rapazes. Os que se negaram a entregá-los foram surrados, entre eles Serguei. Como era o mais destemido, acabou levando um tiro na perna. Para sua sorte a bala não atingiu nenhum osso.
Os 18 jovens russos se viram encerrados em um galpão de pedra. Os alimentavam de qualquer modo: em seis meses o peso de Serguei, que tem 1,85 metro de altura, chegou a 49 quilogramas. Os barbudos que vigiavam os rapazes os levavam todos os dias à obra. Aos "preguiçosos" aplicavam surras selvagens.
"Como conseguiu fugir dali?", perguntei.
No final de fevereiro os tchetchenos se preparavam para celebrar uma grande festa. Os guardas que nos vigiavam foram para a festa e eu convenci outros nove rapazes a fugir. Já não nos importava o que poderia acontecer na fuga para nós.
"Com um pouco de sorte, nada poderia ser pior do que estavamos vivendo. A fuga teve êxito. No início de março de 2011 cheguei a Moscou e de lá voltei para casa, para me recuperar. Minha mãe estava à minha procura, sem que ninguém pudesse dar nenhuma explicação crível para o meu sumiço. Uma vez recuperado, voltei a Moscou para procurar trabalho. Claro que não confio mais nos que prometem dinheiro 'fácil'. Continuo sem saber o que aconteceu."
Quando nos despedimos Serguei me pediu o número de meu telefone e prometeu que me ligaria, mas por enquanto não recebi nenhuma chamada sua.
Como cidadão da Rússia gostaria de fazer algumas perguntas aos senhores Medviédev e Pútin: Até quando continuarão existindo e se registrando "empresas" que vendem nossos rapazes e moças como escravos? Até quando se poderá continuar a transportar livremente escravos pelas estradas da Rússia? A nenhum policial rodoviário pareceu estranho um ônibus transportando 18 rapazes dormindo enquanto eram vigiados por alguns tchetchenos?
Até quando nossos políticos emitirão gritos esganiçados denunciando o suposto sequestro de um "democrata" belarusso? como é que não se escuta em mídia alguma uma palavra desses políticos em defesa dos rapazes russo, convertidos em escravos, que são sequestrados na "democrática" Moscou?
Fonte: Blog de Josafat Comín. Original em http://gazeta-pravda.ru/content/view/9061/34/. Traduzido do russo para o espanhol por Josafat Comin e vertido para o português pela redação do Vermelho.
(vermelho.org)
Poesia
Arte & Cultura| 02/10/2011 | Copyleft
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A casa do poeta
Foi um pequeno alumbramento: uma senhora muito velha, neta da aia que havia cuidado do poeta, nos conduzia pela pequena casa falando de Whitman como se ele estivesse vivo. ‘Aqui ele escreve’, dizia apontando para uma mesa posta debaixo de uma janela que dava para o pátio dos fundos. ‘Aqui costuma tomar seu café da manhã, aqui escreve cartas antes do almoço, aqui ele gosta de ler antes de ir dormir’. O artigo é de Eric Nepomuceno.
Eric Nepomuceno
Em 1983, a primavera foi especialmente agradável em Nova York. A cidade celebrava o primeiro centenário da Ponte do Brooklin, e as pessoas pareciam flutuar na luz suave dos dias amenos. A cantora venezuelana Soledad Bravo estava por lá, depois do êxito desenfreado de ‘Caribe’, em que reuniu canções do cubano Silvio Rodrigues e de Chico Buarque. Costumávamos nos encontrar nos começos de noite para ouvir as novidades da jornada – ela contava histórias de músicos, Martha e eu contávamos do que tínhamos visto enquanto flanávamos pela primavera.
Num daqueles dias chegou, vindo de Washington, o boliviano Enrique Arnal, um dos grandes pintores da América Latina desses nossos tempos. Estava trabalhando num enorme mural para a Organização dos Estados Americanos, e resolveu ir até Nova York para comprar pincéis. Eu ficava pasmo com sua meticulosidade, escolhia um por um apalpando as fibras como se quisesse confirmar se alguma vez haveria diálogo entre sua mão, o pincel, as cores, a tela.
Decidimos ir com ele até Washington, de automóvel. Eu queria parar numa cidadezinha chamada Camden, em Nova Jersey, para visitar a casa que tinha sido o derradeiro pouso de Walt Whitman. Estava mergulhado até a alma na leitura de alguns de seus poemas, e lá fomos nós. Chegamos no final da tarde, e o primeiro que vimos foi uma gigantesca lata de sopa Campbell’s, plantada na porta da fábrica que eu não sabia que ficava na cidade. Ninguém sabia dizer onde ficava a casa de Whitman. Lembro que fomos parar num bairro estranho e um negro enorme, de macacão, limitou-se a olhar para nós e dizer: ‘Caiam fora, este bairro é perigoso para gente como vocês’. Decidimos perguntar no Corpo de Bombeiros. Nada. E quando já íamos desistindo vimos a casinha de madeira cor de cinza, com a pequena placa dizendo que ali o poeta Walt Whitman havia passado seus últimos anos.
Foi um pequeno alumbramento: uma senhora muito velha, neta da aia que havia cuidado do poeta, nos conduzia pela pequena casa falando de Whitman como se ele estivesse vivo. ‘Aqui ele escreve’, dizia apontando para uma mesa posta debaixo de uma janela que dava para o pátio dos fundos. ‘Aqui costuma tomar seu café da manhã, aqui escreve cartas antes do almoço, aqui ele gosta de ler antes de ir dormir’. Contava de seus hábitos mínimos, de sua enorme dificuldade em se locomover depois de ter ficado com metade do corpo paralisada, de seu humor melancólico.
Whitman tinha morrido 91 anos antes daquela tarde, ela jamais conhecera o poeta, mas falava dele como alguém que ainda estivesse por ali.
Na despedida, perguntou de onde éramos. Evidentemente não tinha a menor idéia de onde ficava o Brasil, e muito menos do que seria a Bolívia. Explicamos que eram países da América do Sul. Ela então nos disse que dias antes havia passado por ali um senhor muito velho que conhecia tudo de Walt Whitman e que também era ‘lá de baixo’, quer dizer, daquela estranha e misteriosa parte do mundo de onde nós tínhamos vindo. Pediu que assinássemos o livro de visitas. E então vi que antes de nós, apenas dois visitantes haviam assinado o livro naquele maio de 1983: uma mulher chamada Maria Kodama e um velho muito velho que deixou um garrancho disforme, onde se podia ler, com algum trabalho, o nome de Jorge Luís Borges.
Mas tudo isso foi há muito tempo, em outro lugar do mundo, quando éramos jovens, líamos Walt Whitman, e Soledad Bravo mostrava que o Caribe não tem fim.
(Carta Maior)
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A casa do poeta
Foi um pequeno alumbramento: uma senhora muito velha, neta da aia que havia cuidado do poeta, nos conduzia pela pequena casa falando de Whitman como se ele estivesse vivo. ‘Aqui ele escreve’, dizia apontando para uma mesa posta debaixo de uma janela que dava para o pátio dos fundos. ‘Aqui costuma tomar seu café da manhã, aqui escreve cartas antes do almoço, aqui ele gosta de ler antes de ir dormir’. O artigo é de Eric Nepomuceno.
Eric Nepomuceno
Em 1983, a primavera foi especialmente agradável em Nova York. A cidade celebrava o primeiro centenário da Ponte do Brooklin, e as pessoas pareciam flutuar na luz suave dos dias amenos. A cantora venezuelana Soledad Bravo estava por lá, depois do êxito desenfreado de ‘Caribe’, em que reuniu canções do cubano Silvio Rodrigues e de Chico Buarque. Costumávamos nos encontrar nos começos de noite para ouvir as novidades da jornada – ela contava histórias de músicos, Martha e eu contávamos do que tínhamos visto enquanto flanávamos pela primavera.
Num daqueles dias chegou, vindo de Washington, o boliviano Enrique Arnal, um dos grandes pintores da América Latina desses nossos tempos. Estava trabalhando num enorme mural para a Organização dos Estados Americanos, e resolveu ir até Nova York para comprar pincéis. Eu ficava pasmo com sua meticulosidade, escolhia um por um apalpando as fibras como se quisesse confirmar se alguma vez haveria diálogo entre sua mão, o pincel, as cores, a tela.
Decidimos ir com ele até Washington, de automóvel. Eu queria parar numa cidadezinha chamada Camden, em Nova Jersey, para visitar a casa que tinha sido o derradeiro pouso de Walt Whitman. Estava mergulhado até a alma na leitura de alguns de seus poemas, e lá fomos nós. Chegamos no final da tarde, e o primeiro que vimos foi uma gigantesca lata de sopa Campbell’s, plantada na porta da fábrica que eu não sabia que ficava na cidade. Ninguém sabia dizer onde ficava a casa de Whitman. Lembro que fomos parar num bairro estranho e um negro enorme, de macacão, limitou-se a olhar para nós e dizer: ‘Caiam fora, este bairro é perigoso para gente como vocês’. Decidimos perguntar no Corpo de Bombeiros. Nada. E quando já íamos desistindo vimos a casinha de madeira cor de cinza, com a pequena placa dizendo que ali o poeta Walt Whitman havia passado seus últimos anos.
Foi um pequeno alumbramento: uma senhora muito velha, neta da aia que havia cuidado do poeta, nos conduzia pela pequena casa falando de Whitman como se ele estivesse vivo. ‘Aqui ele escreve’, dizia apontando para uma mesa posta debaixo de uma janela que dava para o pátio dos fundos. ‘Aqui costuma tomar seu café da manhã, aqui escreve cartas antes do almoço, aqui ele gosta de ler antes de ir dormir’. Contava de seus hábitos mínimos, de sua enorme dificuldade em se locomover depois de ter ficado com metade do corpo paralisada, de seu humor melancólico.
Whitman tinha morrido 91 anos antes daquela tarde, ela jamais conhecera o poeta, mas falava dele como alguém que ainda estivesse por ali.
Na despedida, perguntou de onde éramos. Evidentemente não tinha a menor idéia de onde ficava o Brasil, e muito menos do que seria a Bolívia. Explicamos que eram países da América do Sul. Ela então nos disse que dias antes havia passado por ali um senhor muito velho que conhecia tudo de Walt Whitman e que também era ‘lá de baixo’, quer dizer, daquela estranha e misteriosa parte do mundo de onde nós tínhamos vindo. Pediu que assinássemos o livro de visitas. E então vi que antes de nós, apenas dois visitantes haviam assinado o livro naquele maio de 1983: uma mulher chamada Maria Kodama e um velho muito velho que deixou um garrancho disforme, onde se podia ler, com algum trabalho, o nome de Jorge Luís Borges.
Mas tudo isso foi há muito tempo, em outro lugar do mundo, quando éramos jovens, líamos Walt Whitman, e Soledad Bravo mostrava que o Caribe não tem fim.
(Carta Maior)
CIA
Documentos revelam que Kadafi, CIA e MI-6 eram “sócios do horror”
Escrito por Atilio A. Boron
Terça, 13 de Setembro de 2011
Título original: “Socios del horror”
Dias atrás, o correspondente do jornal londrino The Independent estabelecido em Trípoli trouxe à luz uma série de documentos que havia encontrado em um escritório governamental, abandonados no desespero pelos seus ocupantes. Essa matéria traz uma luz de cegar os olhos para quem crê que para se opor e condenar o criminoso ataque aéreo da OTAN sobre a Líbia é necessário enaltecer a figura de Kadafi e ocultar seus crimes, até convertê-lo em um socialista exemplar e ardente inimigo do imperialismo.
O gabinete em questão era de Moussa Koussa, ex-ministro das Relações Exteriores de Kadafi, homem da mais absoluta confiança deste e, anteriormente, chefe do aparato de segurança do líder líbio. Como se recordará sempre, nem bem estourou a revolta em Benghazi, Koussa desertou e surpreendentemente se mandou pra Londres. Apesar das numerosas acusações que existiam contra ele por torturas e desaparecimentos de milhares de vítimas, o homem não foi incomodado pelas sempre tão alertas autoridades britânicas e em pouco tempo esfumou-se.
Agora se suspeita que seus dias transcorriam sob proteção de alguma das ferozes autocracias do Golfo Pérsico. A papelada descoberta pelo correspondente do Independent ajuda a entender por que. Os documentos evidenciam os estreitos e cordiais laços existentes entre o regime de Kadafi, a CIA e o MI-6, os serviços de espionagem estadunidense e britânico, respectivamente. Graças a esse vínculo, Washington levou a Líbia pessoas suspeitas de terrorismo – ou colaboração no mesmo sentido – para serem submetidas a sessões especiais de “interrogatórios reforçados”, um eufemismo pouco sutil para se referir à tortura. Graças ao apoio de um governo como o de Kadafi, que havia jogado fora suas antigas convicções, George W. Bush pôde superar as limitações estabelecidas pela sua própria legislação em relação aos tipos de tormentos “aceitáveis” em uma confissão.
De acordo com a documentação desvendada pelo jornalista, a Casa Branca realizou pelo menos oito envios de prisioneiros – não há informação exata sobre o número de pessoas despachadas em cada viagem – para serem interrogados brutalmente nas masmorras de Kadafi, além dos que puderam ser enviados ao país sem que no momento exista registro escrito sobre isso. Esse canalhesco casamento entre o robocop do império e seu comparsa líbio chegou tão longe que em um dos documentos emitidos pela CIA aos esbirros de Kadafi se inclui uma lista de 89 perguntas que estes teriam de formular quando se “interrogasse” algum dos suspeitos. Quer dizer, nada ficava livre da improvisação.
Em troca desses infames serviços, a CIA e o MI-6 ofereciam por escrito toda sua colaboração para identificar, localizar e entregar os inimigos do regime em qualquer lugar do mundo. A agência estadunidense fez assim com Abu Abdullah Al-Sadiq – um dos dirigentes do Grupo Líbio Islâmico Combatente e, hoje em dia, líder militar dos rebeldes líbios – apenas dois dias depois de chegar uma solicitação expressa de Trípoli em tal sentido. Sadiq, cujo nome verdadeiro é Abdel Hakim Belhaj, declarou na quarta-feira, 31 de agosto, que estando em Bangcoc em companhia de sua esposa, grávida, foi detido e torturado nos cárceres líbios por agentes da CIA, tal e qual se antecipava no escrito resgatado dos escombros do escritório de Koussa. Similares trocas de favores foram freqüentes entre os organismos de segurança líbios e o MI-6, dado que numerosos exilados políticos líbios residiam no Reino Unido.
Todo isso é apenas a ponta de um iceberg atroz e aberrante. A correspondência entre o número 2 da CIA naquele momento, Stephen Kappes, e Koussa escancara uma repugnante cordialidade. O mesmo sentimento provoca a hipocrisia cúmplice de George W. Bush e Tony Blair, sabedores dos crimes que por sua causa Trípoli vinha cometendo, enquanto proclamavam sua mentirosa defesa dos direitos humanos, da justiça, da democracia e da liberdade. Farsantes supremos, igual a Kadafi, que há muito tempo deixou de ser o que havia sido, apesar de serem muitos os que ainda não se deram conta disso.
O promotor do Tribunal Penal Internacional declarou que iniciará uma investigação sobre as gravíssimas violações dos direitos humanos perpetradas por Kadafi. Porém, o que fará com George W. Bush e Tony Blair, participantes necessários, cúmplices e acobertadores desses crimes? Além do mais, terá a coragem suficiente para fazer o mesmo com Anders Fogh Rasmussen, secretário geral da OTAN, responsável (até 1º de setembro) dos 21.200 ataques aéreos contra a Líbia, causadores de inumeráveis vítimas civis e da destruição quase total do país?
A operação “reconquista colonial” da Líbia – ensaio geral de uma metodologia destinada a se aplicar nos mais diversos cenários regionais – fez cair muitas máscaras, que deixaram a nu personagens sinistros e instituições como o TPI, tão farsesco como o “anti-imperialismo” de Kadafi e os “direitos humanos” de Bush, Blair, Cameron, Sarkozy e Berlusconi.
Atilio Borón é doutor em Ciência Política pela Harvard University, professor titular de Filosofia Política da Universidade de Buenos Aires e ex-secretário-executivo do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (CLACSO).
Traduzido por Gabriel Brito, jornalista do Correio da Cidadania.
Última atualização em Sábado, 17 de Setembro de 2011
Escrito por Atilio A. Boron
Terça, 13 de Setembro de 2011
Título original: “Socios del horror”
Dias atrás, o correspondente do jornal londrino The Independent estabelecido em Trípoli trouxe à luz uma série de documentos que havia encontrado em um escritório governamental, abandonados no desespero pelos seus ocupantes. Essa matéria traz uma luz de cegar os olhos para quem crê que para se opor e condenar o criminoso ataque aéreo da OTAN sobre a Líbia é necessário enaltecer a figura de Kadafi e ocultar seus crimes, até convertê-lo em um socialista exemplar e ardente inimigo do imperialismo.
O gabinete em questão era de Moussa Koussa, ex-ministro das Relações Exteriores de Kadafi, homem da mais absoluta confiança deste e, anteriormente, chefe do aparato de segurança do líder líbio. Como se recordará sempre, nem bem estourou a revolta em Benghazi, Koussa desertou e surpreendentemente se mandou pra Londres. Apesar das numerosas acusações que existiam contra ele por torturas e desaparecimentos de milhares de vítimas, o homem não foi incomodado pelas sempre tão alertas autoridades britânicas e em pouco tempo esfumou-se.
Agora se suspeita que seus dias transcorriam sob proteção de alguma das ferozes autocracias do Golfo Pérsico. A papelada descoberta pelo correspondente do Independent ajuda a entender por que. Os documentos evidenciam os estreitos e cordiais laços existentes entre o regime de Kadafi, a CIA e o MI-6, os serviços de espionagem estadunidense e britânico, respectivamente. Graças a esse vínculo, Washington levou a Líbia pessoas suspeitas de terrorismo – ou colaboração no mesmo sentido – para serem submetidas a sessões especiais de “interrogatórios reforçados”, um eufemismo pouco sutil para se referir à tortura. Graças ao apoio de um governo como o de Kadafi, que havia jogado fora suas antigas convicções, George W. Bush pôde superar as limitações estabelecidas pela sua própria legislação em relação aos tipos de tormentos “aceitáveis” em uma confissão.
De acordo com a documentação desvendada pelo jornalista, a Casa Branca realizou pelo menos oito envios de prisioneiros – não há informação exata sobre o número de pessoas despachadas em cada viagem – para serem interrogados brutalmente nas masmorras de Kadafi, além dos que puderam ser enviados ao país sem que no momento exista registro escrito sobre isso. Esse canalhesco casamento entre o robocop do império e seu comparsa líbio chegou tão longe que em um dos documentos emitidos pela CIA aos esbirros de Kadafi se inclui uma lista de 89 perguntas que estes teriam de formular quando se “interrogasse” algum dos suspeitos. Quer dizer, nada ficava livre da improvisação.
Em troca desses infames serviços, a CIA e o MI-6 ofereciam por escrito toda sua colaboração para identificar, localizar e entregar os inimigos do regime em qualquer lugar do mundo. A agência estadunidense fez assim com Abu Abdullah Al-Sadiq – um dos dirigentes do Grupo Líbio Islâmico Combatente e, hoje em dia, líder militar dos rebeldes líbios – apenas dois dias depois de chegar uma solicitação expressa de Trípoli em tal sentido. Sadiq, cujo nome verdadeiro é Abdel Hakim Belhaj, declarou na quarta-feira, 31 de agosto, que estando em Bangcoc em companhia de sua esposa, grávida, foi detido e torturado nos cárceres líbios por agentes da CIA, tal e qual se antecipava no escrito resgatado dos escombros do escritório de Koussa. Similares trocas de favores foram freqüentes entre os organismos de segurança líbios e o MI-6, dado que numerosos exilados políticos líbios residiam no Reino Unido.
Todo isso é apenas a ponta de um iceberg atroz e aberrante. A correspondência entre o número 2 da CIA naquele momento, Stephen Kappes, e Koussa escancara uma repugnante cordialidade. O mesmo sentimento provoca a hipocrisia cúmplice de George W. Bush e Tony Blair, sabedores dos crimes que por sua causa Trípoli vinha cometendo, enquanto proclamavam sua mentirosa defesa dos direitos humanos, da justiça, da democracia e da liberdade. Farsantes supremos, igual a Kadafi, que há muito tempo deixou de ser o que havia sido, apesar de serem muitos os que ainda não se deram conta disso.
O promotor do Tribunal Penal Internacional declarou que iniciará uma investigação sobre as gravíssimas violações dos direitos humanos perpetradas por Kadafi. Porém, o que fará com George W. Bush e Tony Blair, participantes necessários, cúmplices e acobertadores desses crimes? Além do mais, terá a coragem suficiente para fazer o mesmo com Anders Fogh Rasmussen, secretário geral da OTAN, responsável (até 1º de setembro) dos 21.200 ataques aéreos contra a Líbia, causadores de inumeráveis vítimas civis e da destruição quase total do país?
A operação “reconquista colonial” da Líbia – ensaio geral de uma metodologia destinada a se aplicar nos mais diversos cenários regionais – fez cair muitas máscaras, que deixaram a nu personagens sinistros e instituições como o TPI, tão farsesco como o “anti-imperialismo” de Kadafi e os “direitos humanos” de Bush, Blair, Cameron, Sarkozy e Berlusconi.
Atilio Borón é doutor em Ciência Política pela Harvard University, professor titular de Filosofia Política da Universidade de Buenos Aires e ex-secretário-executivo do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (CLACSO).
Traduzido por Gabriel Brito, jornalista do Correio da Cidadania.
Última atualização em Sábado, 17 de Setembro de 2011
segunda-feira, 10 de outubro de 2011
E. no Dedo
De Cipó p o mundo!!
N esqueçamos: primeiro conquistaremos Cipó, depois o Orkut, depois a Internet. Depois o mundo!!!!
N esqueçamos: primeiro conquistaremos Cipó, depois o Orkut, depois a Internet. Depois o mundo!!!!
Pensamentando II
A Boca Maldita manchada de Batom
Publicado em 7 de outubro de 2011 por Antonio Martins
Lábios de mulher no coração de Curitiba
Por Stéphany Mattanó, de Mulheres Livres em Movimento
na boca maldita, antigo reduto machista,
hoje fui eu a desenhar um beijinho.
o engraxate logo falou:
- risca não!
e eu lhe soltei um beijinho.
e ele apontou pra sua bochecha:
- só se for aqui.
e eu prontamente, compartilho um espaço do meu coração.
com amor se faz revolução!
A história da Boca Maldita
Por Mulheres de Segunda
A Boca Maldita é uma confraria curitibana e o termo também é associado ao local em que seus membros se encontram para discutirem os assuntos do momento.
Boca Maldita é a denominação de um espaço, sem área determinada mas ao redor dos cafés, bancas de revista e bancos do calçadão na Avenida Luiz Xavier (Rua das Flores) no centro da cidade, onde se reúnem os “Cavaleiros da Boca Maldita de Curitiba”, confraria esta que disseca todos os assuntos presentes nas manchetes dos jornais do momento em uma tribuna livre de palavras e pensamentos.
O obelisco existente em frente ao hotel Braz, faz uma homenagem ao local e a confraria.
Reduto prioritariamente masculino, tribuna livre para quaisquer comentários ou críticas, a Boca Maldita surgiu em 13 de dezembro de 1956, fundada por um grupo que reunia, entre outros, o presidente Anfrísio Siqueira e o jornalista Adherbal Fortes de Sá Junior. A institucionalização do espaço de conversas, no calçadão da Rua das Flores, se deu em 13 de dezembro de 1966, quando da criação dos estatutos e seu registro ocorreu em 29 de setembro de 1975.
O lema da entidade é: “nada vejo, nada ouço, nada falo“. (Nada mais manipulador que isso)
A confraria existe para debater e criticar tudo e todos sem qualquer restrição, expressando as vontades e indignações populares. Entre seus confrades reunem-se pessoas de diversas opiniões ou setores, como artistas, profissionais liberais, políticos, esportistas e aposentados. A Boca Maldita se destaca em diversos acontecimentos históricos do estado e do país, como por exemplo, a campanha das Diretas Já, além de diversas ações de caráter filantrópico-cultural. O maior evento da “Boca” é o seu jantar de aniversário quando cerca de 40 pessoas recebem o título de “Cavaleiros da Boca Maldita.”
Antes exclusivamente era um espaço masculino. Mas agora algumas mulheres marcam presença toda a sexta-feira para discutir sobre política e temas diversos. Vá até lá às 17h e nos encontre!
No related posts.
Esse post foi publicado em Sem categoria e marcado feminismo, intervenções urbanas, poesia por Antonio Martins. Guardar link permanente
(Outras PAlavras)
Publicado em 7 de outubro de 2011 por Antonio Martins
Lábios de mulher no coração de Curitiba
Por Stéphany Mattanó, de Mulheres Livres em Movimento
na boca maldita, antigo reduto machista,
hoje fui eu a desenhar um beijinho.
o engraxate logo falou:
- risca não!
e eu lhe soltei um beijinho.
e ele apontou pra sua bochecha:
- só se for aqui.
e eu prontamente, compartilho um espaço do meu coração.
com amor se faz revolução!
A história da Boca Maldita
Por Mulheres de Segunda
A Boca Maldita é uma confraria curitibana e o termo também é associado ao local em que seus membros se encontram para discutirem os assuntos do momento.
Boca Maldita é a denominação de um espaço, sem área determinada mas ao redor dos cafés, bancas de revista e bancos do calçadão na Avenida Luiz Xavier (Rua das Flores) no centro da cidade, onde se reúnem os “Cavaleiros da Boca Maldita de Curitiba”, confraria esta que disseca todos os assuntos presentes nas manchetes dos jornais do momento em uma tribuna livre de palavras e pensamentos.
O obelisco existente em frente ao hotel Braz, faz uma homenagem ao local e a confraria.
Reduto prioritariamente masculino, tribuna livre para quaisquer comentários ou críticas, a Boca Maldita surgiu em 13 de dezembro de 1956, fundada por um grupo que reunia, entre outros, o presidente Anfrísio Siqueira e o jornalista Adherbal Fortes de Sá Junior. A institucionalização do espaço de conversas, no calçadão da Rua das Flores, se deu em 13 de dezembro de 1966, quando da criação dos estatutos e seu registro ocorreu em 29 de setembro de 1975.
O lema da entidade é: “nada vejo, nada ouço, nada falo“. (Nada mais manipulador que isso)
A confraria existe para debater e criticar tudo e todos sem qualquer restrição, expressando as vontades e indignações populares. Entre seus confrades reunem-se pessoas de diversas opiniões ou setores, como artistas, profissionais liberais, políticos, esportistas e aposentados. A Boca Maldita se destaca em diversos acontecimentos históricos do estado e do país, como por exemplo, a campanha das Diretas Já, além de diversas ações de caráter filantrópico-cultural. O maior evento da “Boca” é o seu jantar de aniversário quando cerca de 40 pessoas recebem o título de “Cavaleiros da Boca Maldita.”
Antes exclusivamente era um espaço masculino. Mas agora algumas mulheres marcam presença toda a sexta-feira para discutir sobre política e temas diversos. Vá até lá às 17h e nos encontre!
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(Outras PAlavras)
Europa
Adeus Europa
Escrito por Frei Betto
Sábado, 01 de Outubro de 2011
Lembram-se da Europa resplandecente dos últimos 20 anos, do luxo das avenidas Champs-Élysées, em Paris, ou da Knightsbridge, em Londres? Lembram-se do consumismo exagerado, dos eventos da moda em Milão, das feiras de Barcelona e da sofisticação dos carros alemães?
Tudo isso continua lá, mas já não é a mesma coisa. As cidades européias são, hoje, caldeirões de etnias. A miséria empurrou milhões de africanos para o velho continente em busca de sobrevivência; o Muro de Berlim, ao cair, abriu caminho para os jovens do Leste europeu buscarem, no Oeste, melhores oportunidades de trabalho; as crises no Oriente Médio favorecem hordas de novos imigrantes.
A crise do capitalismo, iniciada em 2008, atinge fundo a Europa Ocidental. Irlanda, Portugal e Grécia, países desenvolvidos em plena fase de subdesenvolvimento, estendem seus pires aos bancos estrangeiros e se abrigam sob o implacável guarda-chuva do FMI.
O trem descarrilou. A locomotiva – os EUA – emperrou, não consegue retomar sua produtividade e atola-se no crescimento do desemprego. Os vagões europeus, como a Itália, tombam sob o peso de dívidas astronômicas. A festa acabou.
Previa-se que a economia global cresceria, nos próximos dois anos, de 4,3% a 4,5%. Agora o FMI adverte: preparem-se, apertem os cintos, pois não passará de 4%. Saudades de 2010, quando cresceu 5,1%.
O mundo virou de cabeça pra baixo. Europa e EUA, juntos, não haverão de crescer, em 2012, mais de 1,9%. Já os países emergentes deverão avançar de 6,1% a 6,4%. Mas não será um crescimento homogêneo. A China, para inveja do resto do mundo, deverá avançar 9,5%. O Brasil, 3,8%.
Embora o FMI evite falar em recessão, já não teme admitir estagnação. O que significa proliferação do desemprego e de todos os efeitos nefastos que ele gera. Há hoje, nos 27 países da União Européia, 22,7 milhões de desempregados. Os EUA deverão crescer apenas 1% e, em 2012, 0,9%. Muitos brasileiros, que foram para lá em busca de vida melhor, estão de volta.
Frente à crise de um sistema econômico que aprendeu a acumular dinheiro, mas não a produzir justiça, o FMI, que padece de crônica falta de imaginação, tira da cartola a receita de sempre: ajuste fiscal, o que significa cortar gastos do governo, aumentar impostos, reduzir o crédito etc. Nada de subsídios, de aumentos de salários, de investimentos que não sejam estritamente necessários.
Resultado: o capital volátil, a montanha de dinheiro que circula pelo planeta em busca de multiplicação especulativa, deverá vir de armas e bagagens para os países emergentes. Portanto, estes que se cuidem para evitar o superaquecimento de suas economias. E, por favor, clama o FMI, não reduzam muito os juros, para não prejudicar o sistema financeiro e os rendimentos do cassino da especulação.
O fato é que a zona do euro entrou em pânico. A ponto de os governos, sem risco de serem acusados de comunismo, se prepararem para taxar as grandes fortunas. Muitos países se perguntam se não cometeram uma monumental burrada ao abrir mão de suas moedas nacionais para aderir ao euro. Olham com inveja para o Reino Unido e a Suíça, que preservam suas moedas.
A Grécia, endividada até o pescoço, o que fará? Tudo indica que a sua melhor saída será decretar moratória (afetando diretamente bancos alemães e franceses) e pular fora do euro.
Quem cair fora do euro terá de abandonar a União Européia. E, portanto, ficar à margem do atual mercado unificado. Ora, quando os primeiros sintomas dessa deserção aparecerem, vai ser um deus nos acuda: corrida aos saques bancários, quebra de empresas, desemprego crônico, turbas de emigrantes em busca de, sabe Deus onde, um lugar ao sol.
Nos anos 80, a Europa decretou a morte do Estado de bem-estar social. Cada um por si e Deus por ninguém. O consumismo desenfreado criou a ilusão de prosperidade perene. Agora a bancarrota obriga governos e bancos a pôr as barbas de molho e repensar o atual modelo econômico mundial, baseado na ingênua e perversa crença da acumulação infinita.
Frei Betto é escritor, autor do romance “Minas do ouro” (Rocco), entre outros livros.
Website: http://www.freibetto.org/
Twitter: @freibetto
Copyright 2011 – FREI BETTO – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor. Assine todos os artigos do escritor e os receberá diretamente em seu e-mail. Contato – MHPAL – Agência Literária (mhpal(0)terra.com.br)
Última atualização em Segunda, 03 de Outubro de 2011
Correio da Cidadania)
Escrito por Frei Betto
Sábado, 01 de Outubro de 2011
Lembram-se da Europa resplandecente dos últimos 20 anos, do luxo das avenidas Champs-Élysées, em Paris, ou da Knightsbridge, em Londres? Lembram-se do consumismo exagerado, dos eventos da moda em Milão, das feiras de Barcelona e da sofisticação dos carros alemães?
Tudo isso continua lá, mas já não é a mesma coisa. As cidades européias são, hoje, caldeirões de etnias. A miséria empurrou milhões de africanos para o velho continente em busca de sobrevivência; o Muro de Berlim, ao cair, abriu caminho para os jovens do Leste europeu buscarem, no Oeste, melhores oportunidades de trabalho; as crises no Oriente Médio favorecem hordas de novos imigrantes.
A crise do capitalismo, iniciada em 2008, atinge fundo a Europa Ocidental. Irlanda, Portugal e Grécia, países desenvolvidos em plena fase de subdesenvolvimento, estendem seus pires aos bancos estrangeiros e se abrigam sob o implacável guarda-chuva do FMI.
O trem descarrilou. A locomotiva – os EUA – emperrou, não consegue retomar sua produtividade e atola-se no crescimento do desemprego. Os vagões europeus, como a Itália, tombam sob o peso de dívidas astronômicas. A festa acabou.
Previa-se que a economia global cresceria, nos próximos dois anos, de 4,3% a 4,5%. Agora o FMI adverte: preparem-se, apertem os cintos, pois não passará de 4%. Saudades de 2010, quando cresceu 5,1%.
O mundo virou de cabeça pra baixo. Europa e EUA, juntos, não haverão de crescer, em 2012, mais de 1,9%. Já os países emergentes deverão avançar de 6,1% a 6,4%. Mas não será um crescimento homogêneo. A China, para inveja do resto do mundo, deverá avançar 9,5%. O Brasil, 3,8%.
Embora o FMI evite falar em recessão, já não teme admitir estagnação. O que significa proliferação do desemprego e de todos os efeitos nefastos que ele gera. Há hoje, nos 27 países da União Européia, 22,7 milhões de desempregados. Os EUA deverão crescer apenas 1% e, em 2012, 0,9%. Muitos brasileiros, que foram para lá em busca de vida melhor, estão de volta.
Frente à crise de um sistema econômico que aprendeu a acumular dinheiro, mas não a produzir justiça, o FMI, que padece de crônica falta de imaginação, tira da cartola a receita de sempre: ajuste fiscal, o que significa cortar gastos do governo, aumentar impostos, reduzir o crédito etc. Nada de subsídios, de aumentos de salários, de investimentos que não sejam estritamente necessários.
Resultado: o capital volátil, a montanha de dinheiro que circula pelo planeta em busca de multiplicação especulativa, deverá vir de armas e bagagens para os países emergentes. Portanto, estes que se cuidem para evitar o superaquecimento de suas economias. E, por favor, clama o FMI, não reduzam muito os juros, para não prejudicar o sistema financeiro e os rendimentos do cassino da especulação.
O fato é que a zona do euro entrou em pânico. A ponto de os governos, sem risco de serem acusados de comunismo, se prepararem para taxar as grandes fortunas. Muitos países se perguntam se não cometeram uma monumental burrada ao abrir mão de suas moedas nacionais para aderir ao euro. Olham com inveja para o Reino Unido e a Suíça, que preservam suas moedas.
A Grécia, endividada até o pescoço, o que fará? Tudo indica que a sua melhor saída será decretar moratória (afetando diretamente bancos alemães e franceses) e pular fora do euro.
Quem cair fora do euro terá de abandonar a União Européia. E, portanto, ficar à margem do atual mercado unificado. Ora, quando os primeiros sintomas dessa deserção aparecerem, vai ser um deus nos acuda: corrida aos saques bancários, quebra de empresas, desemprego crônico, turbas de emigrantes em busca de, sabe Deus onde, um lugar ao sol.
Nos anos 80, a Europa decretou a morte do Estado de bem-estar social. Cada um por si e Deus por ninguém. O consumismo desenfreado criou a ilusão de prosperidade perene. Agora a bancarrota obriga governos e bancos a pôr as barbas de molho e repensar o atual modelo econômico mundial, baseado na ingênua e perversa crença da acumulação infinita.
Frei Betto é escritor, autor do romance “Minas do ouro” (Rocco), entre outros livros.
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Copyright 2011 – FREI BETTO – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor. Assine todos os artigos do escritor e os receberá diretamente em seu e-mail. Contato – MHPAL – Agência Literária (mhpal(0)terra.com.br)
Última atualização em Segunda, 03 de Outubro de 2011
Correio da Cidadania)
Nikita
Ao tempo do camarada Nikita
Documentos secretos da CIA e do Departamento de Estado norte-americano, recentemente revelados confirmaram existência de uma proposta do ex-chanceler Ludwig Ehrard no sentido de “comprar” a reunificação alemã dos soviéticos por algo em torno de 25 bilhões de dólares, além de outros benefícios.
Flávio Aguiar
Depois da “Nota de Março” de 1952, do camarada Koba, a reunificação da Alemanha voltaria a ser assunto de proa – igualmente secreto – ao tempo do camarada Nikita Krushchev como chefe de governo soviético. Mas a iniciativa não partiria dele, embora haja indícios de que ele possivelmente tenha sabido dela e tenha inclusive encorajado políticas e propostas do seu mentor. Este era o chanceler alemão Ludwig Erhard, que ocupou o posto de 1963 a 1966, sucedendo a Konrad Adenauer, que caíra do poder depois de um escândalo envolvendo um de seus ministros e conhecido como o “caso Spiegel” algum tempo antes. Neste caso, jornalistas da revista alemã foram presos, acusados de “traição”, escritórios dela foram invadidos e documentos confiscados, numa série de atos que foram declarados atentados à liberdade de imprensa e ilegais pelas cortes alemãs. Adenauer não estava implicado no “caso”, mas sua sustentação inicial ao ministro envolvido, da Defesa, Franz Josef Strauss, custou-lhe perda de prestígio e ao fim e ao cabo, o cargo.
Contra sua vontade, Adenauer entregou o cargo de chanceler a Erhard, que fora seu ministro da Economia. Uma das discordâncias entre Adenauer e Ehrard estava no modo de tratar a União Soviética e a Alemanha Oriental. Adenauer era mais duro, privilegiando a integração da Alemanha Federal ao Ocidente em todos os sentidos, político e militar, ao invés de promover uma aproximação com o Leste. Erhard depois seria descrito pelo então embaixador norte-americano George McGhee como alguém que privilegiava visões econômicas, ao invés de políticas em todos os campos, inclusive na Guerra Fria.
Documentos secretos da CIA e do Departamento de Estado norte-americano, recentemente revelados (ver Spiegel International, 04/10/2011, “Former German Chancellor Considered Buying East Germany”; além disso os documentos estão disponíveis no site do Departamento de Estado norte-americano,
e seguintes, sob o título “The Berlin Crisis 1962 – 1963”) confirmaram amplamente a existência de uma proposta de Ehrard no sentido de “comprar” a reunificação alemã dos soviéticos por algo em torno de 25 bilhões de dólares, além de outros benefícios.
Na Alemanha, poucas souberam do plano de Ehrard. Entre elas estavam seu chefe de Pessoal e confidente, Ludger Westrick, o futuro chanceler Willy Brandt (do SPD) e o embaixador McGhee. Este, no entanto, fez detalhados relatórios sobre a idéia já desde o tempo em que Erhard era ministro da Economia, a partir de suas conversas pessoais com ele.
Na avaliação de Ehrard (de passagem: apontado como o grande responsável pelo “milagre alemão” no pós-guerra), a União Soviética enfrentava dois grandes problemas naquele tempo: desenvolver uma Guerra Fria em duas frentes, contra os Estados Unidos e contra uma China Comunista progressivamente hostil, e problemas econômicos graves, com o esgotamento de suas reservas em ouro e dificuldades crescentes para obter empréstimos no mercado internacional. Isso poderia ser usado como instrumento de barganha com Krushchev, achava ele, sendo melhor barganhar do que confrontar.
McGhee achava a proposta “mal cozida” e “ingênua”, mas, ao que tudo indica, ela progrediu, ao ponto dele ter trocado idéias com Kennedy sobre o assunto.
A base de sua proposta era garantir um empréstimo à União Soviética no valor de 25 bilhões de dólares. Na prática, esse empréstimo jamais seria pago. Além disso, a Alemanha Ocidental ajudaria a industrialização da Sibéria, com a transferência de equipamentos e tecnologia, e garantiria empréstimos anuais para a Alemanha Oriental de 2,5 bilhões de dólares durante dez anos, depois da reunificação.
Não se sabe (ainda pelo menos) o quanto Nikita Krushchev sabia dessa proposta. É possível e até provável que algo soubesse ou pelo menos farejasse. Em todo caso, é certo que ele, secretamente, apoiava e estimulava essa política de “distensão” entre Oeste e Leste formulada pelo menos teoricamente por Ehrard.
Analistas do Departamento de Estado norte-americano levantaram toda a sorte de objeções, no entanto, afirmando (talvez sem conhecimento de causa, ou ainda, com conhecimento de causa, para sabotar a tentativa) que Krushchev jamais consideraria uma proposta que não fosse global, envolvendo a desnuclearização da Alemanha e a retirada das tropas estrangeiras. Por isso, insistiam, a proposta tinha de ser levada também à consideração da França e da Grã-Bretanha antes de ser levada aos soviéticos e a Alemanha Oriental.
No fundo, Ehrard temia que os norte-americanos e os soviéticos chegassem a um acordo que mantivesse eternamente o status quo da divisão alemã. Na prática, foi o que aconteceu no curto prazo, ainda que não eternamente.
Muita coisa mudou em pouco tempo, “desativando” a idéia de Ehrard. Kennedy foi assassinado e substituído por Lyndon Johnson. Ehrard, que assistiu ao funeral do presidente assassinado em novembro de 1963, visitou Johnson no ano seguinte, sendo recebido, aliás, com o primeiro churrasco (barbecue) presidencial para um visitante de Estado na história dos Estados Unidos. Mas ele encontrou um Lyndon Johnson muito mais preocupado com a sua próxima reeleição e com a escalada da guerra no Vietnã do que com a reunificação da Alemanha.
Na União Soviética, Krushchev caiu em 1964, sendo substituído pela dupla Brezhnev/Kossygin, que não tinha a largueza de vista nem a coragem política do camarada Nikita.
Ele próprio, Erhard, deixou a chancelaria em 1966, em meio a uma crise de sua coligação (ele era, como Adenauer, da União Democrata Cristã) com o FDP. Sucedeu-lhe uma coligação entre a CDU e o SPD, que abriu caminho para Willy Brandt chegar à chancelaria em 1969, pondo fim à linhagem ininterrupta de chanceleres da CDU desde a criação da Alemanha Ocidental.
Willy Brandt continuaria uma linha de distensão com o Leste europeu, sendo famoso seu gesto de se ajoelhar no Gueto de Varsóvia e pedir perdão pelos crimes de guerra dos nazistas.
Mas a idéia de Ehrard já fora engavetada para a História.
O preço também: quando as tropas soviéticas deixaram Berlim e a Alemanha Oriental depois da queda do muro, em 1989, a Alemanha pagou à agonizante URSS 15 bilhões de dólares. Houve, portanto, uma economia de 10 bilhões de dólares. É possível que Ehrard, se estivesse vivo, aprovasse a redução do custo.
Flávio Aguiar é correspondente internacional da Carta Maior em Berlim.
(Carta Maior)
Documentos secretos da CIA e do Departamento de Estado norte-americano, recentemente revelados confirmaram existência de uma proposta do ex-chanceler Ludwig Ehrard no sentido de “comprar” a reunificação alemã dos soviéticos por algo em torno de 25 bilhões de dólares, além de outros benefícios.
Flávio Aguiar
Depois da “Nota de Março” de 1952, do camarada Koba, a reunificação da Alemanha voltaria a ser assunto de proa – igualmente secreto – ao tempo do camarada Nikita Krushchev como chefe de governo soviético. Mas a iniciativa não partiria dele, embora haja indícios de que ele possivelmente tenha sabido dela e tenha inclusive encorajado políticas e propostas do seu mentor. Este era o chanceler alemão Ludwig Erhard, que ocupou o posto de 1963 a 1966, sucedendo a Konrad Adenauer, que caíra do poder depois de um escândalo envolvendo um de seus ministros e conhecido como o “caso Spiegel” algum tempo antes. Neste caso, jornalistas da revista alemã foram presos, acusados de “traição”, escritórios dela foram invadidos e documentos confiscados, numa série de atos que foram declarados atentados à liberdade de imprensa e ilegais pelas cortes alemãs. Adenauer não estava implicado no “caso”, mas sua sustentação inicial ao ministro envolvido, da Defesa, Franz Josef Strauss, custou-lhe perda de prestígio e ao fim e ao cabo, o cargo.
Contra sua vontade, Adenauer entregou o cargo de chanceler a Erhard, que fora seu ministro da Economia. Uma das discordâncias entre Adenauer e Ehrard estava no modo de tratar a União Soviética e a Alemanha Oriental. Adenauer era mais duro, privilegiando a integração da Alemanha Federal ao Ocidente em todos os sentidos, político e militar, ao invés de promover uma aproximação com o Leste. Erhard depois seria descrito pelo então embaixador norte-americano George McGhee como alguém que privilegiava visões econômicas, ao invés de políticas em todos os campos, inclusive na Guerra Fria.
Documentos secretos da CIA e do Departamento de Estado norte-americano, recentemente revelados (ver Spiegel International, 04/10/2011, “Former German Chancellor Considered Buying East Germany”; além disso os documentos estão disponíveis no site do Departamento de Estado norte-americano,
e seguintes, sob o título “The Berlin Crisis 1962 – 1963”) confirmaram amplamente a existência de uma proposta de Ehrard no sentido de “comprar” a reunificação alemã dos soviéticos por algo em torno de 25 bilhões de dólares, além de outros benefícios.
Na Alemanha, poucas souberam do plano de Ehrard. Entre elas estavam seu chefe de Pessoal e confidente, Ludger Westrick, o futuro chanceler Willy Brandt (do SPD) e o embaixador McGhee. Este, no entanto, fez detalhados relatórios sobre a idéia já desde o tempo em que Erhard era ministro da Economia, a partir de suas conversas pessoais com ele.
Na avaliação de Ehrard (de passagem: apontado como o grande responsável pelo “milagre alemão” no pós-guerra), a União Soviética enfrentava dois grandes problemas naquele tempo: desenvolver uma Guerra Fria em duas frentes, contra os Estados Unidos e contra uma China Comunista progressivamente hostil, e problemas econômicos graves, com o esgotamento de suas reservas em ouro e dificuldades crescentes para obter empréstimos no mercado internacional. Isso poderia ser usado como instrumento de barganha com Krushchev, achava ele, sendo melhor barganhar do que confrontar.
McGhee achava a proposta “mal cozida” e “ingênua”, mas, ao que tudo indica, ela progrediu, ao ponto dele ter trocado idéias com Kennedy sobre o assunto.
A base de sua proposta era garantir um empréstimo à União Soviética no valor de 25 bilhões de dólares. Na prática, esse empréstimo jamais seria pago. Além disso, a Alemanha Ocidental ajudaria a industrialização da Sibéria, com a transferência de equipamentos e tecnologia, e garantiria empréstimos anuais para a Alemanha Oriental de 2,5 bilhões de dólares durante dez anos, depois da reunificação.
Não se sabe (ainda pelo menos) o quanto Nikita Krushchev sabia dessa proposta. É possível e até provável que algo soubesse ou pelo menos farejasse. Em todo caso, é certo que ele, secretamente, apoiava e estimulava essa política de “distensão” entre Oeste e Leste formulada pelo menos teoricamente por Ehrard.
Analistas do Departamento de Estado norte-americano levantaram toda a sorte de objeções, no entanto, afirmando (talvez sem conhecimento de causa, ou ainda, com conhecimento de causa, para sabotar a tentativa) que Krushchev jamais consideraria uma proposta que não fosse global, envolvendo a desnuclearização da Alemanha e a retirada das tropas estrangeiras. Por isso, insistiam, a proposta tinha de ser levada também à consideração da França e da Grã-Bretanha antes de ser levada aos soviéticos e a Alemanha Oriental.
No fundo, Ehrard temia que os norte-americanos e os soviéticos chegassem a um acordo que mantivesse eternamente o status quo da divisão alemã. Na prática, foi o que aconteceu no curto prazo, ainda que não eternamente.
Muita coisa mudou em pouco tempo, “desativando” a idéia de Ehrard. Kennedy foi assassinado e substituído por Lyndon Johnson. Ehrard, que assistiu ao funeral do presidente assassinado em novembro de 1963, visitou Johnson no ano seguinte, sendo recebido, aliás, com o primeiro churrasco (barbecue) presidencial para um visitante de Estado na história dos Estados Unidos. Mas ele encontrou um Lyndon Johnson muito mais preocupado com a sua próxima reeleição e com a escalada da guerra no Vietnã do que com a reunificação da Alemanha.
Na União Soviética, Krushchev caiu em 1964, sendo substituído pela dupla Brezhnev/Kossygin, que não tinha a largueza de vista nem a coragem política do camarada Nikita.
Ele próprio, Erhard, deixou a chancelaria em 1966, em meio a uma crise de sua coligação (ele era, como Adenauer, da União Democrata Cristã) com o FDP. Sucedeu-lhe uma coligação entre a CDU e o SPD, que abriu caminho para Willy Brandt chegar à chancelaria em 1969, pondo fim à linhagem ininterrupta de chanceleres da CDU desde a criação da Alemanha Ocidental.
Willy Brandt continuaria uma linha de distensão com o Leste europeu, sendo famoso seu gesto de se ajoelhar no Gueto de Varsóvia e pedir perdão pelos crimes de guerra dos nazistas.
Mas a idéia de Ehrard já fora engavetada para a História.
O preço também: quando as tropas soviéticas deixaram Berlim e a Alemanha Oriental depois da queda do muro, em 1989, a Alemanha pagou à agonizante URSS 15 bilhões de dólares. Houve, portanto, uma economia de 10 bilhões de dólares. É possível que Ehrard, se estivesse vivo, aprovasse a redução do custo.
Flávio Aguiar é correspondente internacional da Carta Maior em Berlim.
(Carta Maior)
Lula
Lula em Paris: imprensa dá vexame
Ricardo Kotscho
Jornalista. Blog Balaio do Kotscho
Adital
‘Por que Lula e não Fernando Henrique Cardoso, seu antecessor, para receber uma homenagem da instituição?’
Começa assim, acreditem, com esta pergunta indecorosa, a entrevista de Deborah Berlinck, correspondente de "O Globo" em Paris, com Richard Descoings, diretor do Instituto de Estudos Políticos de Paris, o Sciences- Po, que entregou o título de Doutor Honoris Causa ao ex-presidente Lula, na tarde desta terça-feira.
Resposta de Descoings:
"O antigo presidente merecia e, como universitário, era considerado um grande acadêmico (...) O presidente Lula fez uma carreira política de alto nível, que mudou muito o país e, radicalmente, mudou a imagem do Brasil no mundo. O Brasil se tornou uma potência emergente sob Lula, e ele não tem estudo superior. Isso nos pareceu totalmente em linha com a nossa política atual no Sciences- Po, a de que o mérito pessoal não deve vir somente do diploma universitário. Na França, temos uma sociedade de castas. E o que distingue a casta é o diploma. O presidente Lula demonstrou que é possível ser um bom presidente, sem passar pela universidade".
A entrevista completa de Berlinck com Descoings foi publicada no portal de "O Globo" às 22h56 do dia 22/9. Mas a história completa do vexame que a imprensa nativa sabuja deu estes dias, inconformada por Lula ter sido o primeiro latino-americano a receber este título, que só foi outorgado a 16 personalidades mundiais em 140 anos de história da instituição, foi contada por um jornalista argentino, Martin Granovsky, no jornal Página 12.
Tomei emprestada de Mino Carta a expressão imprensa sabuja porque é a que melhor qualifica o que aconteceu na cobertura do sétimo e mais importante título de Doutor Honoris Causa que Lula recebeu este ano. Sabujo, segundo as definições encontradas no Dicionário Informal, significa servil, bajulador, adulador, baba-ovo, lambe-cu, lambe-botas, capacho.
Sob o título "Escravocratas contra Lula", Granovsky relata o que aconteceu durante uma exposição feita na véspera pelo diretor Richard Descoings para explicar as razões da iniciativa do Science- Po de entregar o título ao ex-presidente brasileiro.
"Naturalmente, para escutar Descoings, foram chamados vários colegas brasileiros. O professor Descoings quis ser amável e didático (...). Um dos colegas perguntou se era o caso de se premiar a quem se orgulhava de nunca ter lido um livro. O professor manteve sua calma e deu um olhar de assombrado(...).
"Por que premiam a um presidente que tolerou a corrupção", foi a pergunta seguinte. O professor sorriu e disse: "Veja, Sciences Po não é a Igreja Católica. Não entra em análises morais, nem tira conclusões apressadas. Deixa para o julgamento da História este assunto e outros muito importantes, como a eletrificação das favelas em todo o Brasil e as políticas sociais" (...). Não desculpamos, nem julgamos. Simplesmente, não damos lições de moral a outros países.
"Outro colega brasileiro perguntou, com ironia, se o Honoris Causa de Lula era parte da ação afirmativa do Sciences Po. Descoings o observou com atenção, antes de responder. "As elites não são apenas escolares ou sociais, disse. "Os que avaliam quem são os melhores, também. Caso contrário, estaríamos diante de um caso de elitismo social. Lula é um torneiro-mecânico que chegou à presidência, mas pelo que entendi foi votado por milhões de brasileiros em eleições democráticas".
No final do artigo, o jornalista argentino Martin Granovsky escreve para vergonha dos jornalistas brasileiros:
"Em meio a esta discussão, Lula chegará à França. Convém que saiba que, antes de receber o doutorado Honoris Causa da Sciences Po, deve pedir desculpas aos elitistas de seu país. Um trabalhador metalúrgico não pode ser presidente. Se por alguma casualidade chegou ao Planalto, agora deveria exercer o recato. No Brasil, a Casa Grande das fazendas estava reservada aos proprietários de terra e escravos. Assim, Lula, silêncio por favor. Os da Casa Grande estão irritados".
Desde que Lula passou o cargo de presidente da República para Dilma Rousseff há nove meses, a nossa grande imprensa tenta jogar um contra o outro e procura detonar a imagem do seu governo, que chegou ao final dos oito anos com índices de aprovação acima de 80%.
Como até agora não conseguiram uma coisa nem outra, tentam apagar Lula do mapa. O melhor exemplo foi dado hoje pelo maior jornal do país, a "Folha de S. Paulo", que não encontrou espaço na sua edição de 74 páginas para publicar uma mísera linha sobre o importante título outorgado a Lula pelo Instituto de Estudos Políticos de Paris.
Em compensação, encontrou espaço para publicar uma simpática foto de Marina Silva ao lado de Fernando Henrique Cardoso, em importante evento do instituto do mesmo nome, com este texto-legenda:
"AFAGOS - FHC e Marina em debate sobre Código Florestal no instituto do ex-presidente; o tucano creditou ao fascínio que Marina gera o fato de o auditório estar lotado".
Assim como decisões da Justiça, criterios editoriais não se discute, claro.
Enquanto isso, em Paris, segundo relato publicado no portal de "O Globo" pela correspondente Deborah Berlinck, às 16h37, ficamos sabendo que:
"O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi recebido com festa no Instituto de Estudos Políticos de Paris -o Sciences-Po-, na França, para receber mais um título de Doutor Honoris Causa, nesta terça-feira. Tratado como uma estrela desde sua entrada na instituição, ele foi cercado por estudantes e, aos gritos, foi saudado. Antes de chegar à sala de homenagem, em um corredor, Lula ouviu, dos franceses, a música de Geraldo Vandré, "para não dizer que eu não falei das flores.
"A sala do instituto onde ocorreu a cerimônia tinha capacidade para 500 pessoas, mas muitos estudantes ficaram do lado de fora. O diretor da universidade, Richard Descoings, abriu a cerimônia explicando que a escolha do ex-presidente tinha sido feita por unanimidade".
Em seu discurso de agradecimento, Lula disse:
"Embora eu tenha sido o único governante do Brasil que não tinha diploma universitário, já sou o presidente que mais fez universidades na história do Brasil, e isso possivelmente porque eu quisesse que parte dos filhos dos brasileiros tivesse a oportunidade que eu não tive".
Para certos brasileiros, certamente deve ser duro ouvir estas coisas. É melhor nem ficar sabendo.
[Fonte: Blog Balaio do Kotscho].
(vermelho.org)
Ricardo Kotscho
Jornalista. Blog Balaio do Kotscho
Adital
‘Por que Lula e não Fernando Henrique Cardoso, seu antecessor, para receber uma homenagem da instituição?’
Começa assim, acreditem, com esta pergunta indecorosa, a entrevista de Deborah Berlinck, correspondente de "O Globo" em Paris, com Richard Descoings, diretor do Instituto de Estudos Políticos de Paris, o Sciences- Po, que entregou o título de Doutor Honoris Causa ao ex-presidente Lula, na tarde desta terça-feira.
Resposta de Descoings:
"O antigo presidente merecia e, como universitário, era considerado um grande acadêmico (...) O presidente Lula fez uma carreira política de alto nível, que mudou muito o país e, radicalmente, mudou a imagem do Brasil no mundo. O Brasil se tornou uma potência emergente sob Lula, e ele não tem estudo superior. Isso nos pareceu totalmente em linha com a nossa política atual no Sciences- Po, a de que o mérito pessoal não deve vir somente do diploma universitário. Na França, temos uma sociedade de castas. E o que distingue a casta é o diploma. O presidente Lula demonstrou que é possível ser um bom presidente, sem passar pela universidade".
A entrevista completa de Berlinck com Descoings foi publicada no portal de "O Globo" às 22h56 do dia 22/9. Mas a história completa do vexame que a imprensa nativa sabuja deu estes dias, inconformada por Lula ter sido o primeiro latino-americano a receber este título, que só foi outorgado a 16 personalidades mundiais em 140 anos de história da instituição, foi contada por um jornalista argentino, Martin Granovsky, no jornal Página 12.
Tomei emprestada de Mino Carta a expressão imprensa sabuja porque é a que melhor qualifica o que aconteceu na cobertura do sétimo e mais importante título de Doutor Honoris Causa que Lula recebeu este ano. Sabujo, segundo as definições encontradas no Dicionário Informal, significa servil, bajulador, adulador, baba-ovo, lambe-cu, lambe-botas, capacho.
Sob o título "Escravocratas contra Lula", Granovsky relata o que aconteceu durante uma exposição feita na véspera pelo diretor Richard Descoings para explicar as razões da iniciativa do Science- Po de entregar o título ao ex-presidente brasileiro.
"Naturalmente, para escutar Descoings, foram chamados vários colegas brasileiros. O professor Descoings quis ser amável e didático (...). Um dos colegas perguntou se era o caso de se premiar a quem se orgulhava de nunca ter lido um livro. O professor manteve sua calma e deu um olhar de assombrado(...).
"Por que premiam a um presidente que tolerou a corrupção", foi a pergunta seguinte. O professor sorriu e disse: "Veja, Sciences Po não é a Igreja Católica. Não entra em análises morais, nem tira conclusões apressadas. Deixa para o julgamento da História este assunto e outros muito importantes, como a eletrificação das favelas em todo o Brasil e as políticas sociais" (...). Não desculpamos, nem julgamos. Simplesmente, não damos lições de moral a outros países.
"Outro colega brasileiro perguntou, com ironia, se o Honoris Causa de Lula era parte da ação afirmativa do Sciences Po. Descoings o observou com atenção, antes de responder. "As elites não são apenas escolares ou sociais, disse. "Os que avaliam quem são os melhores, também. Caso contrário, estaríamos diante de um caso de elitismo social. Lula é um torneiro-mecânico que chegou à presidência, mas pelo que entendi foi votado por milhões de brasileiros em eleições democráticas".
No final do artigo, o jornalista argentino Martin Granovsky escreve para vergonha dos jornalistas brasileiros:
"Em meio a esta discussão, Lula chegará à França. Convém que saiba que, antes de receber o doutorado Honoris Causa da Sciences Po, deve pedir desculpas aos elitistas de seu país. Um trabalhador metalúrgico não pode ser presidente. Se por alguma casualidade chegou ao Planalto, agora deveria exercer o recato. No Brasil, a Casa Grande das fazendas estava reservada aos proprietários de terra e escravos. Assim, Lula, silêncio por favor. Os da Casa Grande estão irritados".
Desde que Lula passou o cargo de presidente da República para Dilma Rousseff há nove meses, a nossa grande imprensa tenta jogar um contra o outro e procura detonar a imagem do seu governo, que chegou ao final dos oito anos com índices de aprovação acima de 80%.
Como até agora não conseguiram uma coisa nem outra, tentam apagar Lula do mapa. O melhor exemplo foi dado hoje pelo maior jornal do país, a "Folha de S. Paulo", que não encontrou espaço na sua edição de 74 páginas para publicar uma mísera linha sobre o importante título outorgado a Lula pelo Instituto de Estudos Políticos de Paris.
Em compensação, encontrou espaço para publicar uma simpática foto de Marina Silva ao lado de Fernando Henrique Cardoso, em importante evento do instituto do mesmo nome, com este texto-legenda:
"AFAGOS - FHC e Marina em debate sobre Código Florestal no instituto do ex-presidente; o tucano creditou ao fascínio que Marina gera o fato de o auditório estar lotado".
Assim como decisões da Justiça, criterios editoriais não se discute, claro.
Enquanto isso, em Paris, segundo relato publicado no portal de "O Globo" pela correspondente Deborah Berlinck, às 16h37, ficamos sabendo que:
"O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi recebido com festa no Instituto de Estudos Políticos de Paris -o Sciences-Po-, na França, para receber mais um título de Doutor Honoris Causa, nesta terça-feira. Tratado como uma estrela desde sua entrada na instituição, ele foi cercado por estudantes e, aos gritos, foi saudado. Antes de chegar à sala de homenagem, em um corredor, Lula ouviu, dos franceses, a música de Geraldo Vandré, "para não dizer que eu não falei das flores.
"A sala do instituto onde ocorreu a cerimônia tinha capacidade para 500 pessoas, mas muitos estudantes ficaram do lado de fora. O diretor da universidade, Richard Descoings, abriu a cerimônia explicando que a escolha do ex-presidente tinha sido feita por unanimidade".
Em seu discurso de agradecimento, Lula disse:
"Embora eu tenha sido o único governante do Brasil que não tinha diploma universitário, já sou o presidente que mais fez universidades na história do Brasil, e isso possivelmente porque eu quisesse que parte dos filhos dos brasileiros tivesse a oportunidade que eu não tive".
Para certos brasileiros, certamente deve ser duro ouvir estas coisas. É melhor nem ficar sabendo.
[Fonte: Blog Balaio do Kotscho].
(vermelho.org)
domingo, 9 de outubro de 2011
Futebol
Vermelhos no futebol
By admin– 30 de junho de 2011
Buzz A história do Red Star, da quarta divisão da França, está ligada aos ideais de esquerda. Por Gianni Carta, CartaCapital
Sexta-feira 13 de maio, Stade Bauer, Saint-Ouen, subúrbio ao norte de Paris. Trinta minutos do segundo tempo, entra em campo o atacante brasileiro Wellington Dantas, a substituir Jérémy Gazeau. E eis que o lateral-esquerdo Peguy Ngman dribla o zagueiro perto da área e marca, com a esquerda, um golaço. Restam dez minutos de jogo, mas o Red Star, jogando em casa, manterá o resultado de 2 a 1 contra o Bastia. “Demos uma lição a esses corsos”, exulta um torcedor.
O jogo não foi ruim. Especialmente levando-se em conta que o Red Star, também conhecido como l’Étoile Rouge, é um time da quarta divisão. Fofana, o autor do primeiro gol do AC Bastia aos 24 minutos do primeiro tempo, joga muito. Do outro lado, os destaques são o capitão do Red Star, Vincent Doukantié, de 34 anos, que foi da seleção do Mali, e o goleiro Michael Germain, que fez incríveis defesas.
A história do l’Étoile Rouge é pontuada por altos e baixos e momentos de glória. “Trata-se de um clube mítico”, me diz Jean Cormier, jornalista esportivo do diário Le Parisien e biógrafo de Che Guevara. O que explicaria a presença de 2.124 torcedores no jogo contra o CA Bastia, excluídos os que vieram da Córsega? Um número superior a qualquer evento de terceira divisão na Espanha ou na Itália.
Paixão e lealdade ao seu time são traços transparentes entre os torcedores do Red Star. E embora a estrela vermelha, símbolo do time, não tenha sido inspirada por inclinações políticas, o pendor ideológico do time e de vários torcedores é de esquerda. Olivier Hercy, presidente do Collectif des Amis du Red Star, associação independente, mas ligada ao Red Star, é claro: “Os tempos mudaram, mas continuamos firmes na esquerda”.
A história do Red Star remonta ao início de 1897, num café em cujas redondezas dois anos mais tarde seria erguida a Torre Eiffel, para a famosa Exposição Universal. Seu fundador é tão lendário quanto o próprio Red Star: Jules Rimet, criador da Copa do Mundo de Futebol. Rimet fez muito mais: presidiu, décadas a fio, a Federação Francesa de Futebol. Seus 33 anos na chefia da Fifa, de 1921 a 1954, o tornam o mais longevo dos presidentes da federação internacional de futebol. Rimet era um homem elegante e honesto, nada parecido com a turma que comanda o esporte nos tempos atuais.
Num primeiro momento, o presidente do Red Star era o cunhado de Rimet. O secretário era seu irmão. O comitê reunia-se no café, aquele onde nasceu a ideia. O clube promovia esgrima, tênis e ciclismo, já então bastante populares. O futebol viria depois. O Red Star era financiado pelos seus cem integrantes, com contribuições de 1 franco por mês.
E por que o nome Red Star? No livro sobre a história do time, Pierre Laporte e Gilles Saillant lembram que, no fim do século XIX, o único meio de locomoção entre a Franca e a Inglaterra, e desses países para as Américas, eram os navios. Quando Rimet pediu conselho à sua ex-governanta, a britânica Miss Jenny, sobre o nome mais apropriado para o novo clube, ela “tirou da bolsa um vestígio de sua última viagem”. Tratava-se de um bilhete, ou etiqueta, de bagagem com as cores da companhia, na qual jazia a famosa estrela vermelha. Com seu sotaque britânico, Miss Jenny sugeriu: “Red Star”.
Por numerosas temporadas o Red Star esteve na primeira divisão. Venceu nada mais do que cinco Copas da França (1921, 1922, 1923, 1928 e 1948), o segundo torneio mais importante do país,- atrás do campeonato nacional. Em 2006, l’Étoile Rouge venceu o Campeonato da França da segunda divisão. Em 1930, integrou o grupo de fundadores do futebol profissional francês. Naquela temporada foram rebaixados para a segunda divisão.
Laporte e Saillant chamam o Red Star de “time elevador”. Ao longo dos anos, a equipe oscilou entre a primeira e a quarta divisão. Em 1981, alcançou a terceira divisão. No ano seguinte, a segunda. Dez anos depois, disputou as quartas de final da Copa da França contra o Cannes. Ao mesmo tempo, ao longo de sua história, foi um time camaleão. Fez várias fusões com outros times, mudou de nome, de estádios, retomou as tradições. Uma coisa, porém, não mudou desde a década de 1930: as cores branca e verde.
Mas, no estádio em Saint-Ouen, ao lado de um mercado de pulgas, constata-se que os torcedores não são vira-casacas. Imene, por exemplo, vende produtos do time: bolas, camisetas, livros. “Adoro esse time. Trata-se de um legado familiar.” A jovem de 17 anos conta que seu pai, operário, era torcedor. Imene joga no time júnior feminino do Red Star.
Olivier, do Amis du Red Star, parece ligado ao time porque adora futebol – e política. Seu collectif organiza, entre outros eventos, coletas de roupas e concertos beneficentes. Mas Olivier concorda: a estrela vermelha do Red Star não foi criada por conta de movimentos de esquerda. Em outros tempos, Georges Marchais, líder do Partido Comunista Francês, vinha ver os jogos de seu genro, o goleiro Xavier Perez.
Olivier pondera: a história do time continua ligada à esquerda. O maior exemplo é Rino della Negra, homenageado com uma placa na entrada do estádio. Filho de um antifascista italiano, o operário Della Negra era atacante do Red Star nos anos 1940. Exímio driblador, chutava com os dois pés e corria 100 metros rasos em 11 segundos. Ao mesmo tempo, fazia parte do grupo de resistência do poeta armênio Missak Manouchian. Em fevereiro de 1944, os nazistas fuzilaram Della Negra e os outros 21 de seu grupo. Antes de morrer, o atacante, então com 21 anos, escreveu para o irmão: “Mande um bom-dia e um adeus para todos do Red Star”.
(Outras Palavras)
By admin– 30 de junho de 2011
Buzz A história do Red Star, da quarta divisão da França, está ligada aos ideais de esquerda. Por Gianni Carta, CartaCapital
Sexta-feira 13 de maio, Stade Bauer, Saint-Ouen, subúrbio ao norte de Paris. Trinta minutos do segundo tempo, entra em campo o atacante brasileiro Wellington Dantas, a substituir Jérémy Gazeau. E eis que o lateral-esquerdo Peguy Ngman dribla o zagueiro perto da área e marca, com a esquerda, um golaço. Restam dez minutos de jogo, mas o Red Star, jogando em casa, manterá o resultado de 2 a 1 contra o Bastia. “Demos uma lição a esses corsos”, exulta um torcedor.
O jogo não foi ruim. Especialmente levando-se em conta que o Red Star, também conhecido como l’Étoile Rouge, é um time da quarta divisão. Fofana, o autor do primeiro gol do AC Bastia aos 24 minutos do primeiro tempo, joga muito. Do outro lado, os destaques são o capitão do Red Star, Vincent Doukantié, de 34 anos, que foi da seleção do Mali, e o goleiro Michael Germain, que fez incríveis defesas.
A história do l’Étoile Rouge é pontuada por altos e baixos e momentos de glória. “Trata-se de um clube mítico”, me diz Jean Cormier, jornalista esportivo do diário Le Parisien e biógrafo de Che Guevara. O que explicaria a presença de 2.124 torcedores no jogo contra o CA Bastia, excluídos os que vieram da Córsega? Um número superior a qualquer evento de terceira divisão na Espanha ou na Itália.
Paixão e lealdade ao seu time são traços transparentes entre os torcedores do Red Star. E embora a estrela vermelha, símbolo do time, não tenha sido inspirada por inclinações políticas, o pendor ideológico do time e de vários torcedores é de esquerda. Olivier Hercy, presidente do Collectif des Amis du Red Star, associação independente, mas ligada ao Red Star, é claro: “Os tempos mudaram, mas continuamos firmes na esquerda”.
A história do Red Star remonta ao início de 1897, num café em cujas redondezas dois anos mais tarde seria erguida a Torre Eiffel, para a famosa Exposição Universal. Seu fundador é tão lendário quanto o próprio Red Star: Jules Rimet, criador da Copa do Mundo de Futebol. Rimet fez muito mais: presidiu, décadas a fio, a Federação Francesa de Futebol. Seus 33 anos na chefia da Fifa, de 1921 a 1954, o tornam o mais longevo dos presidentes da federação internacional de futebol. Rimet era um homem elegante e honesto, nada parecido com a turma que comanda o esporte nos tempos atuais.
Num primeiro momento, o presidente do Red Star era o cunhado de Rimet. O secretário era seu irmão. O comitê reunia-se no café, aquele onde nasceu a ideia. O clube promovia esgrima, tênis e ciclismo, já então bastante populares. O futebol viria depois. O Red Star era financiado pelos seus cem integrantes, com contribuições de 1 franco por mês.
E por que o nome Red Star? No livro sobre a história do time, Pierre Laporte e Gilles Saillant lembram que, no fim do século XIX, o único meio de locomoção entre a Franca e a Inglaterra, e desses países para as Américas, eram os navios. Quando Rimet pediu conselho à sua ex-governanta, a britânica Miss Jenny, sobre o nome mais apropriado para o novo clube, ela “tirou da bolsa um vestígio de sua última viagem”. Tratava-se de um bilhete, ou etiqueta, de bagagem com as cores da companhia, na qual jazia a famosa estrela vermelha. Com seu sotaque britânico, Miss Jenny sugeriu: “Red Star”.
Por numerosas temporadas o Red Star esteve na primeira divisão. Venceu nada mais do que cinco Copas da França (1921, 1922, 1923, 1928 e 1948), o segundo torneio mais importante do país,- atrás do campeonato nacional. Em 2006, l’Étoile Rouge venceu o Campeonato da França da segunda divisão. Em 1930, integrou o grupo de fundadores do futebol profissional francês. Naquela temporada foram rebaixados para a segunda divisão.
Laporte e Saillant chamam o Red Star de “time elevador”. Ao longo dos anos, a equipe oscilou entre a primeira e a quarta divisão. Em 1981, alcançou a terceira divisão. No ano seguinte, a segunda. Dez anos depois, disputou as quartas de final da Copa da França contra o Cannes. Ao mesmo tempo, ao longo de sua história, foi um time camaleão. Fez várias fusões com outros times, mudou de nome, de estádios, retomou as tradições. Uma coisa, porém, não mudou desde a década de 1930: as cores branca e verde.
Mas, no estádio em Saint-Ouen, ao lado de um mercado de pulgas, constata-se que os torcedores não são vira-casacas. Imene, por exemplo, vende produtos do time: bolas, camisetas, livros. “Adoro esse time. Trata-se de um legado familiar.” A jovem de 17 anos conta que seu pai, operário, era torcedor. Imene joga no time júnior feminino do Red Star.
Olivier, do Amis du Red Star, parece ligado ao time porque adora futebol – e política. Seu collectif organiza, entre outros eventos, coletas de roupas e concertos beneficentes. Mas Olivier concorda: a estrela vermelha do Red Star não foi criada por conta de movimentos de esquerda. Em outros tempos, Georges Marchais, líder do Partido Comunista Francês, vinha ver os jogos de seu genro, o goleiro Xavier Perez.
Olivier pondera: a história do time continua ligada à esquerda. O maior exemplo é Rino della Negra, homenageado com uma placa na entrada do estádio. Filho de um antifascista italiano, o operário Della Negra era atacante do Red Star nos anos 1940. Exímio driblador, chutava com os dois pés e corria 100 metros rasos em 11 segundos. Ao mesmo tempo, fazia parte do grupo de resistência do poeta armênio Missak Manouchian. Em fevereiro de 1944, os nazistas fuzilaram Della Negra e os outros 21 de seu grupo. Antes de morrer, o atacante, então com 21 anos, escreveu para o irmão: “Mande um bom-dia e um adeus para todos do Red Star”.
(Outras Palavras)
EUA
3.09.11 - EUA
Declínio da democracia americana
Eliakim Araujo
Jornalista. Direto da Redação
Adital
(Fim da detenção indefinida: acusem ou libertem)
Não adianta Obama dizer que "dez anos depois os EUA estão muito mais seguros” porque verdadeiramente não estão. Os fatos estão aí para comprovar que a declaração do presidente não passa de uma frase de ocasião. Afinal, o que mais poderia dizer o inquilino da Casa Branca em um momento como este, em que a emoção toma conta do país de costa a costa, e a televisão não se cansa de rememorar passo a passo, sinistramente, os acontecimentos daquele Onze de Setembro, há dez anos?
É preciso dar uma injeção de ânimo numa sociedade que enfrenta hoje as maiores dificuldades econômicas desde a Grande Depressão dos anos trinta. Só assim se justifica a frase de Obama que está nas manchetes dos jornais deste domingo nos EUA.
O que aconteceu de imediato depois dos atentados de 2001 foi a entrada do país em duas guerras absolutamente desnecessárias e, sobejamente provado, declaradas com base em mentiras.
Guerras que, enquanto servem para enriquecer o complexo industrial-militar e as corporações ligadas à reconstrução dos países destruídos, levaram os EUA à (quase) bancarrota, como no recente episódio do aumento do teto da dívida, impagável, de, pasmem, mais de 14 trilhões de dólares, quando o governo declarou, para o mundo inteiro ouvir, que não teria dinheiro para pagar seus compromissos sociais e os juros da dívida.
Guerras que, além de perdas humanas (6.236 até este domingo, no Iraque e no Afeganistão), consomem recursos incalculáveis, que poderiam estar sendo empregados em setores deficientes, como educação, pesquisa de energia limpa, combate ao desemprego e à pobreza, que atinge quase um sexto da população.
Mas, talvez, pior do que o colapso econômico, a queda das torres em NY há dez anos mostrou a vulnerabilidade da outrora maior potência do planeta, num item em que se autoproclamavam campeões, o da democracia. Os acontecimentos posteriores aos atentados jogaram o país no fundo do poço nas questões dos direitos individuais e constitucionais.
A tão decantada democracia e o respeito aos direitos humanos foram substituídos pelas prisões ilegais, por tempo indeterminado, sem uma acusação formal contra suspeitos, cujos direitos constitucionais de ver um advogado ou parentes e amigos foram solenemente ignorados.
Na semana que passou, o site da CNN divulgou o artigo "Como o 11 de setembro deu início ao declínio de nossa democracia”,de Warren Vincent, diretor executivo do Centro de Direitos Constitucionais. Dele, transcrevo alguns trechos para a reflexão do leitor:
"O 11 de setembro foi trágico de muitas maneiras, e marcou o início do declínio da democracia em nosso país...
Foi o dia em que começamos a deixar que o medo corroesse a nossa crença em nosso próprio sistema de governo, com todas as suas leis e tratados. Apostando no medo, nosso governo começou a operar fora da lei e, nesse processo, destruiu muito mais vidas do que aquelas perdidas nos ataques.
Nosso governo envolveu-se na vigilância e espionagem dos cidadãos, sem a aprovação judicial exigida por lei. A administração Bush fez mais do que isso, porém. Pouco depois de 11/09, autorizou a Agência de Segurança Nacional para escutar, sem um mandado, as chamadas telefônicas e outras comunicações eletrônicas de milhões de americanos, a maioria dos quais não eram suspeitos de praticar algum crime.
Depois de 11/09, o presidente Bush jogou pela janela os procedimentos legais, mantendo prisioneiros em Guantánamo sem acusação formal e sujeitando alguns deles a injustos tribunais militares. O presidente Obama alargou esse esses aspectos ilegais e injustos em Guantánamo. No início deste ano, ele assinou uma ordem executiva criando um sistema formal de detenção indefinida em Guantánamo e autorizou a formação de novos tribunais militares para os que lá estão detidos.
Nosso governo subcontratou corporações privadas, com pouca responsabilidade por suas ações, para conduzir interrogatórios e outros deveres exclusivos dos militares.
Escondeu os detidos em Abu Ghraib, em violação ao direito internacional e doméstico e os manteve afastados da Cruz Vermelha. E criou, na Baía de Guantánamo, um buraco negro legal que se tornou um símbolo mundial da maneira como o nosso país virou as costas aos direitos humanos e à lei.
No Centro de Direitos Constitucionais, vemos os rostos destas novas vítimas a cada dia. Nossos clientes são homens e mulheres apanhados em varreduras ilegais, de perfil racial definido, negociados por recompensas em aldeias distantes. Eles foram detidos indefinidamente, torturados e sofreram abusos. Suas vidas foram destruídas porque eles eram "os outros" e não merecem o nosso respeito, ou mesmo de nossas proteções.
Mas a democracia é a presunção de inocência. O direito ao devido processo legal e ao corpo de leis e acordos internacionais que foram cuidadosamente construídos ao longo dos séculos para proteger todas as pessoas da perseguição de autoridades arbitrárias”.
E Warren Vincent assim conclui o artigo:
"Talvez seja a hora de admitir que perdemos o nosso caminho e começar um novo”.
(Adital)
Declínio da democracia americana
Eliakim Araujo
Jornalista. Direto da Redação
Adital
(Fim da detenção indefinida: acusem ou libertem)
Não adianta Obama dizer que "dez anos depois os EUA estão muito mais seguros” porque verdadeiramente não estão. Os fatos estão aí para comprovar que a declaração do presidente não passa de uma frase de ocasião. Afinal, o que mais poderia dizer o inquilino da Casa Branca em um momento como este, em que a emoção toma conta do país de costa a costa, e a televisão não se cansa de rememorar passo a passo, sinistramente, os acontecimentos daquele Onze de Setembro, há dez anos?
É preciso dar uma injeção de ânimo numa sociedade que enfrenta hoje as maiores dificuldades econômicas desde a Grande Depressão dos anos trinta. Só assim se justifica a frase de Obama que está nas manchetes dos jornais deste domingo nos EUA.
O que aconteceu de imediato depois dos atentados de 2001 foi a entrada do país em duas guerras absolutamente desnecessárias e, sobejamente provado, declaradas com base em mentiras.
Guerras que, enquanto servem para enriquecer o complexo industrial-militar e as corporações ligadas à reconstrução dos países destruídos, levaram os EUA à (quase) bancarrota, como no recente episódio do aumento do teto da dívida, impagável, de, pasmem, mais de 14 trilhões de dólares, quando o governo declarou, para o mundo inteiro ouvir, que não teria dinheiro para pagar seus compromissos sociais e os juros da dívida.
Guerras que, além de perdas humanas (6.236 até este domingo, no Iraque e no Afeganistão), consomem recursos incalculáveis, que poderiam estar sendo empregados em setores deficientes, como educação, pesquisa de energia limpa, combate ao desemprego e à pobreza, que atinge quase um sexto da população.
Mas, talvez, pior do que o colapso econômico, a queda das torres em NY há dez anos mostrou a vulnerabilidade da outrora maior potência do planeta, num item em que se autoproclamavam campeões, o da democracia. Os acontecimentos posteriores aos atentados jogaram o país no fundo do poço nas questões dos direitos individuais e constitucionais.
A tão decantada democracia e o respeito aos direitos humanos foram substituídos pelas prisões ilegais, por tempo indeterminado, sem uma acusação formal contra suspeitos, cujos direitos constitucionais de ver um advogado ou parentes e amigos foram solenemente ignorados.
Na semana que passou, o site da CNN divulgou o artigo "Como o 11 de setembro deu início ao declínio de nossa democracia”,de Warren Vincent, diretor executivo do Centro de Direitos Constitucionais. Dele, transcrevo alguns trechos para a reflexão do leitor:
"O 11 de setembro foi trágico de muitas maneiras, e marcou o início do declínio da democracia em nosso país...
Foi o dia em que começamos a deixar que o medo corroesse a nossa crença em nosso próprio sistema de governo, com todas as suas leis e tratados. Apostando no medo, nosso governo começou a operar fora da lei e, nesse processo, destruiu muito mais vidas do que aquelas perdidas nos ataques.
Nosso governo envolveu-se na vigilância e espionagem dos cidadãos, sem a aprovação judicial exigida por lei. A administração Bush fez mais do que isso, porém. Pouco depois de 11/09, autorizou a Agência de Segurança Nacional para escutar, sem um mandado, as chamadas telefônicas e outras comunicações eletrônicas de milhões de americanos, a maioria dos quais não eram suspeitos de praticar algum crime.
Depois de 11/09, o presidente Bush jogou pela janela os procedimentos legais, mantendo prisioneiros em Guantánamo sem acusação formal e sujeitando alguns deles a injustos tribunais militares. O presidente Obama alargou esse esses aspectos ilegais e injustos em Guantánamo. No início deste ano, ele assinou uma ordem executiva criando um sistema formal de detenção indefinida em Guantánamo e autorizou a formação de novos tribunais militares para os que lá estão detidos.
Nosso governo subcontratou corporações privadas, com pouca responsabilidade por suas ações, para conduzir interrogatórios e outros deveres exclusivos dos militares.
Escondeu os detidos em Abu Ghraib, em violação ao direito internacional e doméstico e os manteve afastados da Cruz Vermelha. E criou, na Baía de Guantánamo, um buraco negro legal que se tornou um símbolo mundial da maneira como o nosso país virou as costas aos direitos humanos e à lei.
No Centro de Direitos Constitucionais, vemos os rostos destas novas vítimas a cada dia. Nossos clientes são homens e mulheres apanhados em varreduras ilegais, de perfil racial definido, negociados por recompensas em aldeias distantes. Eles foram detidos indefinidamente, torturados e sofreram abusos. Suas vidas foram destruídas porque eles eram "os outros" e não merecem o nosso respeito, ou mesmo de nossas proteções.
Mas a democracia é a presunção de inocência. O direito ao devido processo legal e ao corpo de leis e acordos internacionais que foram cuidadosamente construídos ao longo dos séculos para proteger todas as pessoas da perseguição de autoridades arbitrárias”.
E Warren Vincent assim conclui o artigo:
"Talvez seja a hora de admitir que perdemos o nosso caminho e começar um novo”.
(Adital)
Cuba
A imperdível volta de Fernando Morais a Cuba
By
admin
– 7 de outubro de 2011
Buzz
Aos 65 anos, o escritor mineiro atinge seu melhor nível formal, numa narrativa cinematográfica – além de impagáveis incursões ao humor, como na caracterização de García Márquez como dublê de diplomata internacional
Por Maurício Caleiro de Cinema & Outras Artes
É uma leitura fascinante a que nos oferece o último livro de Fernando Morais, Os Últimos Soldados da Guerra Fria (Companhia das Letras).
A pretexto de retratar a infiltração de agentes castristas entre as organizações terroristas mantidas, em Miami, por cubanos no exílio, o livro oferece um saboroso painel humano e uma introdução realista ao complicado xadrez geopolítico jogado por Cuba e EUA nos estertores da Guerra Fria.
O resultado é um exame aguçado das relações entre o país caribenho e a então maior potência mundial durante o chamado “período especial”, nos anos 90 – em que, ante o colapso soviético, Cuba teve de se reinventar como atração turística internacional para salvar sua economia.
Apoiado em farta documentação, a obra reconstitui a escalada da violência anti-castrista, baseada em violação sistemática do espaço aéreo cubano (para fins propagandísticos ou por mera provocação) e em ataques terroristas a alvos turísticos, visando espalhar o pânico e minar o fluxo de capital estrangeiro na ilha – tudo sob o silêncio cúmplice dos EUA. (Visto sob a perspectiva histórica pós-11 de setembro, o alerta de Fidel Castro a Clinton de que tais ataques tinham de ser combatidos, pois no futuro qualquer país poderia ser vítima deles, soa não só premonitório, mas como mais uma evidência da leniência dos EUA com sua própria segurança interna).
Ápice formal
Aos 65 anos, o escritor mineiro radicado em São Paulo, autor de best-sellers como Olga (1985) e Chatô, o Rei do Brasil (1994), atinge, em termos formais, seu melhor nível, dotando a narrativa de uma estrutura inteligente, cinematográfica, com um começo arrebatador e uma tensão permanente a perpassá-la – além de impagáveis incursões ocasionais ao humor, como na caracterização pícara de Gabriel García Márquez como dublê de diplomata internacional.
A artificialidade de tais estratagemas, no entanto, jamais se evidencia como tal, encoberta por uma aparência de objetividade jornalística e mitigada por um texto informativo porém escorreito, que flui com rapidez. Não obstante tais qualidades, por diversas vezes a narrativa produz sentidos epifânicos que se projetam para além da superfície do texto.O capítulo em que se fornece um retrato do lúmpen terrorista Cruz Léon a partir de sua obsessão pelo Silvester Stalonne do filme O Especialista (1994) é, a despeito da objetividade do texto, um primor nesse sentido, resultando em um pequeno ensaio sobre a banalidade do mal através da ligação entre a ideologia belicistahollywoodiana, a trip egóica de um jovem segurança de boate e a desfaçatez com que este perpetua, por algumas centenas de dólares, uma série de atentados terroristas – que acabam resultado em dezenas de feridos e na morte do turista italiano Fabio Di Celmo.
Mesmo estudiosos de Cuba familiarizados com os principais livros publicados sobre a ilha em inglês, espanhol ou português terão, através da nova obra de Morais – a segunda sobre Cuba, depois do seminal A Ilha(1976) -, uma visão diferenciada da relação entre o poder castrista, o terrorismo cubano made in Miami e os EUA. Isso se deve, sobretudo, ao acesso privilegiado a fontes cubanas, a entrevistas exclusivas com protagonistas do período e ao tratamento criterioso que Morais dispensa às evidências materiais.
Direitos Humanos
Embora não esteja entre as principais temáticas do livro, o bloqueio dos EUA a Cuba (no período em questão, agravado pelas improcedentes e insensatas medidas de endurecimento impostas por Clinton) evidencia-se, uma vez mais, como um ato covarde contra um país e um povo vítimas de uma privação material longa e despropositada, a qual constitui uma grave violação dos direitos humanos.Que tal constatação não justifica a violação de tais direitos por parte do governo cubano é um fato que não a torna perdoável ou menos grave, ainda mais se se leva em conta o disparate de forças em conflito. Tal assimetria se evidencia a todo instante em Os Últimos Soldados da Guerra Fria, notadamente na diferença de postura de cada um dos dois governos ante os acontecimentos e durante as tratativas diplomáticas.
O autor constrói, assim, de forma indireta, por contraste e sem enunciá-la explicitamente, uma denúncia contra uma das mais perversas manifestações de imperialismo ao final do século XX: aquela que opôs uma então toda-poderosa potência militar e econômica a uma ilhota que ousou livrar-se do jugo das potências capitalistas e adotar o socialismo. Não há como não ter lado nessa história.
Reportagem de fôlego
Além de todos os atrativos que o livro oferece para o público em geral, ele deveria ser adotado e estudado nas faculdades de Jornalismo do país, pois oferece o equivalente a um curso de como pautar,
(Outras Palavras)
By
admin
– 7 de outubro de 2011
Buzz
Aos 65 anos, o escritor mineiro atinge seu melhor nível formal, numa narrativa cinematográfica – além de impagáveis incursões ao humor, como na caracterização de García Márquez como dublê de diplomata internacional
Por Maurício Caleiro de Cinema & Outras Artes
É uma leitura fascinante a que nos oferece o último livro de Fernando Morais, Os Últimos Soldados da Guerra Fria (Companhia das Letras).
A pretexto de retratar a infiltração de agentes castristas entre as organizações terroristas mantidas, em Miami, por cubanos no exílio, o livro oferece um saboroso painel humano e uma introdução realista ao complicado xadrez geopolítico jogado por Cuba e EUA nos estertores da Guerra Fria.
O resultado é um exame aguçado das relações entre o país caribenho e a então maior potência mundial durante o chamado “período especial”, nos anos 90 – em que, ante o colapso soviético, Cuba teve de se reinventar como atração turística internacional para salvar sua economia.
Apoiado em farta documentação, a obra reconstitui a escalada da violência anti-castrista, baseada em violação sistemática do espaço aéreo cubano (para fins propagandísticos ou por mera provocação) e em ataques terroristas a alvos turísticos, visando espalhar o pânico e minar o fluxo de capital estrangeiro na ilha – tudo sob o silêncio cúmplice dos EUA. (Visto sob a perspectiva histórica pós-11 de setembro, o alerta de Fidel Castro a Clinton de que tais ataques tinham de ser combatidos, pois no futuro qualquer país poderia ser vítima deles, soa não só premonitório, mas como mais uma evidência da leniência dos EUA com sua própria segurança interna).
Ápice formal
Aos 65 anos, o escritor mineiro radicado em São Paulo, autor de best-sellers como Olga (1985) e Chatô, o Rei do Brasil (1994), atinge, em termos formais, seu melhor nível, dotando a narrativa de uma estrutura inteligente, cinematográfica, com um começo arrebatador e uma tensão permanente a perpassá-la – além de impagáveis incursões ocasionais ao humor, como na caracterização pícara de Gabriel García Márquez como dublê de diplomata internacional.
A artificialidade de tais estratagemas, no entanto, jamais se evidencia como tal, encoberta por uma aparência de objetividade jornalística e mitigada por um texto informativo porém escorreito, que flui com rapidez. Não obstante tais qualidades, por diversas vezes a narrativa produz sentidos epifânicos que se projetam para além da superfície do texto.O capítulo em que se fornece um retrato do lúmpen terrorista Cruz Léon a partir de sua obsessão pelo Silvester Stalonne do filme O Especialista (1994) é, a despeito da objetividade do texto, um primor nesse sentido, resultando em um pequeno ensaio sobre a banalidade do mal através da ligação entre a ideologia belicistahollywoodiana, a trip egóica de um jovem segurança de boate e a desfaçatez com que este perpetua, por algumas centenas de dólares, uma série de atentados terroristas – que acabam resultado em dezenas de feridos e na morte do turista italiano Fabio Di Celmo.
Mesmo estudiosos de Cuba familiarizados com os principais livros publicados sobre a ilha em inglês, espanhol ou português terão, através da nova obra de Morais – a segunda sobre Cuba, depois do seminal A Ilha(1976) -, uma visão diferenciada da relação entre o poder castrista, o terrorismo cubano made in Miami e os EUA. Isso se deve, sobretudo, ao acesso privilegiado a fontes cubanas, a entrevistas exclusivas com protagonistas do período e ao tratamento criterioso que Morais dispensa às evidências materiais.
Direitos Humanos
Embora não esteja entre as principais temáticas do livro, o bloqueio dos EUA a Cuba (no período em questão, agravado pelas improcedentes e insensatas medidas de endurecimento impostas por Clinton) evidencia-se, uma vez mais, como um ato covarde contra um país e um povo vítimas de uma privação material longa e despropositada, a qual constitui uma grave violação dos direitos humanos.Que tal constatação não justifica a violação de tais direitos por parte do governo cubano é um fato que não a torna perdoável ou menos grave, ainda mais se se leva em conta o disparate de forças em conflito. Tal assimetria se evidencia a todo instante em Os Últimos Soldados da Guerra Fria, notadamente na diferença de postura de cada um dos dois governos ante os acontecimentos e durante as tratativas diplomáticas.
O autor constrói, assim, de forma indireta, por contraste e sem enunciá-la explicitamente, uma denúncia contra uma das mais perversas manifestações de imperialismo ao final do século XX: aquela que opôs uma então toda-poderosa potência militar e econômica a uma ilhota que ousou livrar-se do jugo das potências capitalistas e adotar o socialismo. Não há como não ter lado nessa história.
Reportagem de fôlego
Além de todos os atrativos que o livro oferece para o público em geral, ele deveria ser adotado e estudado nas faculdades de Jornalismo do país, pois oferece o equivalente a um curso de como pautar,
(Outras Palavras)
quarta-feira, 5 de outubro de 2011
Pensamentando
e eu fosse Presidente da República
By brunocarmelo– 30/06/2011
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Misturando documentário e ficção, Pater recria um governo nacional entre quatro paredes e questiona a representação do poder.
Por Bruno Carmelo, editor do blog Discurso-Imagem.
Toda criança já brincou algum dia de se imaginar em funções adultas prestigiosas, dizendo “Seu eu fosse astronauta” (ou jogador de futebol, ou rei, etc.). Esta idealização das profissões pode ser explicada pela ausência total de conhecimento das funções reais de cada uma – algo mais que normal para uma criança.
Pater é, de certo modo, a extensão deste faz de conta ao mundo adulto, tendo como presidente autoproclamado Alain Cavalier, diretor famoso por seus filmes intimistas e solitários, e como Primeiro-ministro, Vincent Lindon, grande ator francês bastante versátil. Ambas figuras públicas e célebres na França brincam de interpretar, apenas os dois, outra forma de reconhecimento público: o poder. Eles o fazem com a mesma ingenuidade de uma criança curiosa, sem pesquisa, dando vazão a todos os estereótipos e pré-conceitos associados à política.
Aí entra o interesse real do projeto. O primeiro aspecto bastante inovador é o estabelecimento desta comédia do poder, assumidamente inverossímil, na qual dois artistas vestem terno e gravata e perambulam pelos cômodos de uma casa chamando um ao outro de “presidente”, “primeiro-ministro”. Esta confrontação acaba por criar situações risíveis quando ambos assumem seus papéis, tanto na questão de poder financeiro – eles comem trufas negras no jantar, e mal sabem distingui-las de cogumelos quaisquer – quanto no poder legislativo – eles tentam criar a lei do “salário máximo”, sem conseguir decidir a quantidade de salários permitidos aos chefes de grandes empresas.
Toda a argumentação política é de uma grande simplicidade, falha por diversas questões de economia elementar, mas os dois homens persistem e continuam escrevendo cartas, relatórios. Eles são seguidos por duas câmeras de vídeo, frequentemente carregadas pelos próprios protagonistas, diante das quais o improviso parece ser a regra geral. Como numa escrita automática, ou numa dinâmica de grupo, eles dão vazão ao seu imaginário do poder, algo curioso vindo de dois homens de celebridade e poder aquisitivo importantes. A política, elemento público por definição, torna-se uma prática privada e individual.
Enquanto ambos discutem o futuro do país entre o quarto e a cozinha, a câmera começa aos poucos a dar espaço aos bastidores, filmando momentos de Alain Cavalier, o diretor, e Vincent Lindon, o ator, quando não estão encarnando seus papéis. As discussões selecionadas pela montagem são todas de evidente caráter engajado, revelando as posições (supostamente) pessoais de cada um, em suas práticas cidadãs quotidianas. Entra em cena o segundo aspecto de grande interesse de Pater: a difícil separação entre o documentário e a ficção. Num contexto tão claramente fictício como este, algumas falas fora de contexto não permitem mais distinguir se são os atores ou os personagens que vemos, se a tal opinião sobre a invasão de estabelecimentos comerciais no sul de Paris vem do Primeiro-ministro ou do ator que o interpreta.
Ao envolver o espectador neste jogo aberto de falsidades, Pater acaba construindo uma relação de transparência com o público, assumindo a todo momento que tal cenário pode ter sido roteirizado ou não – cabendo ao espectador fazer tal discernimento. O projeto enriquece-se pelo desenvolvimento do processo criativo, com ambos os protagonistas construindo seus papéis e os interpretando diante das cenas de igual maneira, com a mesma naturalidade, sem mudança estética alguma. Entre crônica grotesca do poder e retrato ingênuo do mundo político, entre mistura ficção-documentário e jogo de cena dos mais infantis, Pater surpreende principalmente pela originalidade de seu projeto e pela complexa estrutura de representações, mais do que pelo eventual discurso político que se articula diante das câmeras.
Pater (2011)
Filme francês dirigido por Alain Cavalier.
Com Alain Cavalier, Vincent Lindon.
(Outras Palavras)
By brunocarmelo– 30/06/2011
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Misturando documentário e ficção, Pater recria um governo nacional entre quatro paredes e questiona a representação do poder.
Por Bruno Carmelo, editor do blog Discurso-Imagem.
Toda criança já brincou algum dia de se imaginar em funções adultas prestigiosas, dizendo “Seu eu fosse astronauta” (ou jogador de futebol, ou rei, etc.). Esta idealização das profissões pode ser explicada pela ausência total de conhecimento das funções reais de cada uma – algo mais que normal para uma criança.
Pater é, de certo modo, a extensão deste faz de conta ao mundo adulto, tendo como presidente autoproclamado Alain Cavalier, diretor famoso por seus filmes intimistas e solitários, e como Primeiro-ministro, Vincent Lindon, grande ator francês bastante versátil. Ambas figuras públicas e célebres na França brincam de interpretar, apenas os dois, outra forma de reconhecimento público: o poder. Eles o fazem com a mesma ingenuidade de uma criança curiosa, sem pesquisa, dando vazão a todos os estereótipos e pré-conceitos associados à política.
Aí entra o interesse real do projeto. O primeiro aspecto bastante inovador é o estabelecimento desta comédia do poder, assumidamente inverossímil, na qual dois artistas vestem terno e gravata e perambulam pelos cômodos de uma casa chamando um ao outro de “presidente”, “primeiro-ministro”. Esta confrontação acaba por criar situações risíveis quando ambos assumem seus papéis, tanto na questão de poder financeiro – eles comem trufas negras no jantar, e mal sabem distingui-las de cogumelos quaisquer – quanto no poder legislativo – eles tentam criar a lei do “salário máximo”, sem conseguir decidir a quantidade de salários permitidos aos chefes de grandes empresas.
Toda a argumentação política é de uma grande simplicidade, falha por diversas questões de economia elementar, mas os dois homens persistem e continuam escrevendo cartas, relatórios. Eles são seguidos por duas câmeras de vídeo, frequentemente carregadas pelos próprios protagonistas, diante das quais o improviso parece ser a regra geral. Como numa escrita automática, ou numa dinâmica de grupo, eles dão vazão ao seu imaginário do poder, algo curioso vindo de dois homens de celebridade e poder aquisitivo importantes. A política, elemento público por definição, torna-se uma prática privada e individual.
Enquanto ambos discutem o futuro do país entre o quarto e a cozinha, a câmera começa aos poucos a dar espaço aos bastidores, filmando momentos de Alain Cavalier, o diretor, e Vincent Lindon, o ator, quando não estão encarnando seus papéis. As discussões selecionadas pela montagem são todas de evidente caráter engajado, revelando as posições (supostamente) pessoais de cada um, em suas práticas cidadãs quotidianas. Entra em cena o segundo aspecto de grande interesse de Pater: a difícil separação entre o documentário e a ficção. Num contexto tão claramente fictício como este, algumas falas fora de contexto não permitem mais distinguir se são os atores ou os personagens que vemos, se a tal opinião sobre a invasão de estabelecimentos comerciais no sul de Paris vem do Primeiro-ministro ou do ator que o interpreta.
Ao envolver o espectador neste jogo aberto de falsidades, Pater acaba construindo uma relação de transparência com o público, assumindo a todo momento que tal cenário pode ter sido roteirizado ou não – cabendo ao espectador fazer tal discernimento. O projeto enriquece-se pelo desenvolvimento do processo criativo, com ambos os protagonistas construindo seus papéis e os interpretando diante das cenas de igual maneira, com a mesma naturalidade, sem mudança estética alguma. Entre crônica grotesca do poder e retrato ingênuo do mundo político, entre mistura ficção-documentário e jogo de cena dos mais infantis, Pater surpreende principalmente pela originalidade de seu projeto e pela complexa estrutura de representações, mais do que pelo eventual discurso político que se articula diante das câmeras.
Pater (2011)
Filme francês dirigido por Alain Cavalier.
Com Alain Cavalier, Vincent Lindon.
(Outras Palavras)
Amor
Revelación de amor
María Cristina Garay Andrade (Desde Monte Grande, Buenos Aires. Argentina. Especial para ARGENPRESS CULTURAL)
Esta revelación de amor vertiente permanente
Fortaleza de mi ser que en devoción complaciente
Ahogo las ansias de tenerte en la espera celadora
Dominando el inquieto erotismo que me acalora
¿Por qué el amar incondicional a veces duele tanto?
¿Por qué termino siempre perdida por tus encantos?
Eres como manantial del río que continuo lega
Demandante exigencia de tu querer que me doblega
Qué llama viva arde en encendidas horas
Aplacando la sed cuando con la mirada me devoras
Bañada de tus deseos lentamente me despojas
Haciendo de mis sentidos erizados lo que te antojas
Intensidad de besos acoplado mi cuerpo hace que aliente
Cálidas caricias en roce ardiente fluyendo frente a frente
El paraíso de tu ser cubriéndome imantado se apega
Y con deleite entre tus brazos me pierdo en jadeante entrega.
Haga click aquí para recibir gratis Argenpress en su correo electrónico.
Publicado por ARGENPRESS en 12:38
Etiquetas: María Cristina Garay Andrade, Poesía
María Cristina Garay Andrade (Desde Monte Grande, Buenos Aires. Argentina. Especial para ARGENPRESS CULTURAL)
Esta revelación de amor vertiente permanente
Fortaleza de mi ser que en devoción complaciente
Ahogo las ansias de tenerte en la espera celadora
Dominando el inquieto erotismo que me acalora
¿Por qué el amar incondicional a veces duele tanto?
¿Por qué termino siempre perdida por tus encantos?
Eres como manantial del río que continuo lega
Demandante exigencia de tu querer que me doblega
Qué llama viva arde en encendidas horas
Aplacando la sed cuando con la mirada me devoras
Bañada de tus deseos lentamente me despojas
Haciendo de mis sentidos erizados lo que te antojas
Intensidad de besos acoplado mi cuerpo hace que aliente
Cálidas caricias en roce ardiente fluyendo frente a frente
El paraíso de tu ser cubriéndome imantado se apega
Y con deleite entre tus brazos me pierdo en jadeante entrega.
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Etiquetas: María Cristina Garay Andrade, Poesía
11 de Setembro
Onze de setembro: dez anos depois
16/09/2011 | José Farhat
Onze de setembro: dez anos depoispor José FarhatLogo após o ataque às Torres Gêmeas, em 9 de setembro de 2001, e até há poucos anos depois, quem ousasse interromper um jogo de gamão ou a baforada de um narguilé, em qualquer café de Beirute ou Clube de árabes em São Paulo e perguntasse quem foi o autor do atentado, é provável que ouvisse uma quase unânime resposta: “C.I.A. e Mossad”! Escrevemos um relato intitulado Onze de Setembro Sete Anos Depois, em 11/09/11, dando conta desta linha de pensamento árabe e também muçulmano, por andarem em paralelo.Hoje, no entanto, já não se atribui este ato terrorista às duas agências de inteligência e sim a seus reais autores: al-Qaida e seus pupilos. Alguma insistência naquela errônea versão ainda ocorre, tal como existem pessoas que ainda consideram uma farsa televisiva a chegada de Neil Alden Armstrong à lua e seu pronunciamento em nome da humanidade.A grande maioria de árabes e muçulmanos nunca apoiou a al-Qaida e sobretudo o crime que cometeu em território estadunidense, salvo as desprezíveis exceções de sempre que se manifestaram em 2001. Boa parte destes segue atualmente a mesma linha traçada por Peter L. Bergen, em seu livro The Longest War: The Enduring Conflict Between America and Al-Qaeda [A mais longa guerra: O conflito duradouro entre América e al-Qaida] no qual é analisado o sentido do que ocorreu naquele dia nefasto, mas também as consequências daquela agressão desumana, entender a guerra no Afeganistão, a ocupação do Iraque, as relações perturbadas dos Estados Unidos com o Paquistão, as perspectivas do relacionamento entre árabes e muçulmanos com o chamado Ocidente, liderado pelos Estados Unidos, às vezes ocultados pela couraça da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), as torturas cometidas e os programas de remessa às escondidas de prisioneiros a outros países para que fossem cruelmente interrogados e às vezes até eliminados e a caça e a morte de Bin Ladin. Seguindo Bergen, analista de segurança nacional da Rede CNN e diretor de estudos de segurança da New American Foundation que coletou dados junto a autores e organizações, fizemos o mesmo, salvo por uma única exceção, procuramos trazer para este estudo a opinião de não árabes e não muçulmanos. A bem da verdade, Bergen chegou a ser criticado pelo establishment estadunidense, à falta de outra desculpa, por não ter dado maiores detalhes sobre o Afeganistão.Aquilo que árabes e muçulmanos, inclusive na Tríplice Fronteira de Brasil, Argentina e Paraguai, em todo o Brasil, em países árabes ou de maioria muçulmana indagam não é diferente daquilo que fazem os próprios cidadãos estadunidenses. Atualmente em sua grande maioria eles se impressionam: uma década depois do 11/9 os Estados Unidos continuam lutando no Afeganistão e ainda não saíram do Iraque (e apesar de acordo firmado com o governo iraquiano estão procurando encontrar um meio, qualquer um, para lá ficar), tudo apesar de não ter ocorrido qualquer ataque terrorista desde então. O espanto maior é que foi gasto mais de US$ 1 trilhão nos combates, milhares de estadunidenses foram mortos e não há dúvida que Tio Sam inspirou o surgimento de oposição odiosa por parte de árabes e muçulmanos, onde quer que se encontrem. Cada árabe ou muçulmano lamenta a perda de centenas de milhares de vidas dos seus, tão inocentes quanto os cerca de três milhares de vítimas das Torres Gêmeas. É-lhes dolorido constatarem o que pode ser considerado uma discriminação entre vítimas civis inocentes: “as deles e as nossas”. O mundo ouviu as palavras de George W. Bush no dia do ataque e duas vezes depois e seus discursos foram pronunciados em alto e bom som, o suficiente para que árabes e muçulmanos ouvissem que a reação estadunidense seria uma cruzada. Lamentam eles também as agressões que se seguiram ao 11/9, por parte de Estados Unidos e seus aliados em terras árabes ou muçulmanas. Sentem profundamente o apoio que é dado a Israel e os abusos que este comete contra os palestinos que são tanto árabes quanto muçulmanos em sua maioria, mas também cristãos. A reação ao tratamento dado por Israel aos lugares santos do Cristianismo e do Islã não se limitam ao estado hebreu e sim abrangem os Estados Unidos e seus aliados. Ninguém pode negar que foram, em última instância, os inúmeros adiamentos da decisão de ingresso da Turquia na União Europeia, que teve sua origem nas campanhas contra o Islã, a razão para levar o estado turco a desistir de sua candidatura ao ingresso na organização. Isto apesar de o então presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, mentiroso contumaz, dizer que era a favor da entrada do país de maioria muçulmana para o seio da organização europeia. Pode-se também considerar que a deterioração das relações entre Israel e Turquia tem em 11/9 suas origens remotas.A própria criação do Instituto da Cultura Árabe no Brasil (Icarabe) tem indiretamente no episódio suas origens. Os ataques a Edward W. Saïd (1935-2003), palestino-estadunidense, teórico de literatura, professor de inglês e literatura comparada na Columbia University e defensor da causa palestina, recrudesceu com a implementação da “caça às bruxas” nos Estados Unidos após o 11/9. Saïd passou a ser atacado por sua origem e até ameaçada foi a sua cátedra na universidade. Os ataques repercutiram no Brasil e encorajaram a união de intelectuais em sua defesa. O apoio a Saïd foi ampliado para a causa palestina em particular e árabe em geral e à rica cultura árabe, o que consequentemente resultou na criação do Icarabe, que o tem como patrono. Falamos do 11/9 e de algumas poucas de suas repercussões, mas não chegamos a definir o que é terrorismo, o motivo das cruzadas de Bush filho. Em artigo publicado em 02/09/2011, o professor de Ciência Política da Aligarth Muslim University, na Índia, M. Mohibul Haque publicou um artigo no Countercurrents.org intitulado Deconstruction of Discourse on Terrorism [Desconstrução discurso sobre terrorismo] no qual ele sublinha que o sentido do termo ‘terrorismo’, apesar de ser aquele que por mais longo tempo se discute em círculos acadêmicos e governamentais, tem “implicações perigosas [que] não são sentidas” e afirma ademais que “a ausência de uma definição objetiva de terrorismo é mais proposital do que acidental”. Haque acrescenta ainda: “a desonestidade da fraternidade acadêmica e o dúbio comportamento de governos nacionais são responsáveis por tais problemas”. Vindo para o nosso assunto, o professor da AMU chega diretamente ao âmago da questão ao afirmar: “Terrorismo é um ato político ou ideológico motivado por violência contra homens ou mulheres comuns. Ele pode ser cometido por indivíduo, grupo, organização ou estado. No entanto, infelizmente este discurso sobre terrorismo foi sequestrado por nações poderosas do mundo que nunca querem que seus atos de injustificável violência devam ser discutidos no contexto de terrorismo. Isto é muito evidente nos efeitos dos ataques terroristas de 11 de setembro contra os Estados Unidos. A assim chamada guerra global declarada contra o terror e que está sendo travada por Estados Unidos e um punhado de seus aliados tem tentado tapear que na presente circunstância o terrorismo é monopólio de não-estados. Assim, a matança de pessoas inocentes cidadãs de Afeganistão, Iraque, Somália e Kosovo por uma aliança imperialista não é absolutamente terrorismo.” Professor Haque conclui dizendo que “Terrorismo deve ser definido e determinado mais com base em atos cometidos que em atores envolvidos.” Albert ‘Al’ Gore vice-presidente durante os oito anos de governo William ‘Bill’ Clinton, não é árabe e nem tampouco muçulmano, com sua insuspeita pena, escreveu um livro sob o título The Assault on Reason [O assalto à razão] no qual atacou George W. Bush dizendo que ele estava “fora de alcance da realidade” e ignorou “claros avisos” sobre a ameaça terrorista antes do 11/9 e que ele tornou os estadunidenses menos seguros “agitando vespeiros no Iraque” enquanto usava “a linguagem e a política do medo” a fim de “desviar a agenda pública sem atentar para a evidência, os fatos ou o interesse público”. Gore poderia até estar investindo contra Bush por razões eleitoreiras, o que é negado por todas as resenhas do livro às quais tive acesso, mas há um fato inegável a respeito do assunto. Bush não deu ouvidos aos “claros avisos” porque com ou sem o 11/9 seus planos eram outros e o ataque da al-Qaida serviram apenas de desculpa. Em artigo publicado em 15/09/2002, sob o título Planned Iraq 'Regime Change' Before Becoming President [Plano de ‘mudança de regime’ no Iraque antes de se tornar presidente], o jornalista Neil Mackay dá conta em artigo de 15/09/2002, que um resumo secreto de documento sobre a dominação global dos Estados Unidos revela que Bush filho e seu gabinete estavam planejando e premeditando atacar o Iraque a fim de assegurar uma ‘mudança de regime’ bem antes de quando este assumiu a presidência em janeiro de 2001. Quem revelou a existência do documento sobre a criação da ‘Global Pax Americana’ foi o jornal Sunday Herald que informa serem autores do resumo Richard ‘Dick’ Cheney (que se tornaria vice-presidente de Bush filho), Donald Rumsfeld (que seria nomeado secretário de defesa), Paul Wolfowitz (segundo de Rumsfeld), John ‘Jeb’ Bush (irmão de Bush filho e depois governador da Florida e que ajudaria o irmão a ser reeleito) e Lewis Libby (chefe de gabinete de Cheney). O documento original, sob o título de Rebuilding America’s Defense: Strategies, Forces And Resources For a New Century [Reconstruindo a defesa dos Estados Unidos: Estratégias, forças e recursos para um novo século] foi redigido em setembro de 2000 (um ano antes do 11/9) pelo neoconservador grupo chamado Project for the New American Century [Projeto para um novo século estadunidense]. Tanto isto é verdade que na reunião da cúpula governamental estadunidense, no dia dos acontecimentos do 11/9, ao saber do ocorrido Paul Wolfowitz gritou: “Foi Saddam Hussein, vamos atacar o Iraque!” e, em seguida, ao surgir a figura de Bin Ladin, decidiu-se pelo ataque ao Afeganistão em primeiro lugar. Não precisa ser árabe ou muçulmano para começar desconfiando e depois ter certeza que tudo tinha sido planejado com antecedência e os ataques de 11/9 e suas vítimas foram tão somente usados e os países árabes e muçulmanos também. No documento Rebuilding America’s Defense (capítulo II Quatro missões essenciais - página 5) estão traçadas as metas: “A liderança mundial dos Estados Unidos e seu papel de garantidor da atual paz da grande potência, assenta na segurança do território estadunidense; na preservação de uma balança favorável de poder na Europa, no Oriente Médio e na região circunvizinha produtora de energia e Leste Asiático; e na estabilidade do sistema internacional de estados-nações relativo a terroristas, crime organizado e outros ‘não-estados’ atores.” No dia 06/09/2011, por ocasião do décimo aniversário do 11/9 o britânico Oxford Research Group publicou um relatório sob o sugestivo título de A War Gone Badly Wrong – The War on Terror Ten Years On [Uma Guerra que seguiu muito errada – A Guerra contra o terror continua por dez anos] com reflexões sobre os erros catastróficos da ultima década e avaliação da resposta dos Estados Unidos e da coligação de seus parceiros e questiona se a resposta foi apropriada ou sábia ou se os resultados foram, até o momento, contraproducentes e indicam a necessidade de um totalmente novo paradigma de segurança.O autor do relatório, o Professor Paul Rogers, diz: “Por ver os ataques como exigindo uma resposta militar importante - uma ‘guerra ao terror’ – atribuiu aos autores precisamente a atenção que eles buscavam e provou ser profundamente contra produtivo.” O relatório inclusive compara os objetivos originais de guerra das administrações Bush e Blair logo após os ataques e seus resultados atuais em termos de longevidade dos conflitos, os custos humanos, as implicações financeiras e os desenvolvimentos políticos.Rogers resume os maiores resultados da ‘guerra ao terror’ quando diz: “Uma curta guerra no Afeganistão logo mais entra na sua segunda década, sete anos de guerra no Iraque ainda está por resultar numa paz duradoura e o Paquistão continua profundamente instável. Enquanto isto, grupos fracamente ligados ao movimento al-Qaida fazem progresso em Iêmen, Nigéria, Argélia e Corno da África.” É mais uma concordância, e bastante importante, à idéia que defendemos aqui e, mais ainda, o impacto destes acontecimentos certamente serão sentidos por muitas décadas futuras tanto no Mashriq quanto o Maghrib árabes quanto no sul e centro asiático muçulmanos.Só se pode concordar também com Rogers quando aponta para um fato relevante que é o aumento significativo da influência do Irã na região e principalmente nos países palcos das ações estadunidenses: Afeganistão e Iraque e, nestes países, o Irã está livre para atuar. Rogers vai além ao apontar para aquilo que um aniversário não está representando em termos de oportunidade para reflexões honestas já que planejadores políticos e militares estão se arriscando a repetir os erros da última década e diz: “Uma avaliação abrangente das guerras no Iraque e Afeganistão é muito necessária em maior profundidade” do que a atual atitude dos Estados Unidos e Reino Unido para se conseguir “aumentar a cautela em resposta muito rápida em circunstâncias difíceis com o uso de força militar.”Dificilmente podem ser encontrados contestadores, em qualquer parte do mundo, na atualidade, às conclusões de Rogers quando diz: “Tornou-se cada vez mais claro na última década que os Estados Unidos e seus parceiros devem aprender com o evidente fracasso da ‘guerra ao terror’ passando a prestarem mais atenção às causas subjacentes aos conflitos, especialmente os fatores que motivem novos paramilitares a empreenderem ações extremas.”Noam Chomsky, linguista, filósofo, ativista político estadunidense, professor de Linguística no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, comentou sobre o 11/9 em artigo datado de 06/09/2011 intitulado Dangers of American Empire and Why the US Continues to be Bin Laden's Best Ally [Perigos do império estadunidense e porque os E.U.A. continuam sendo o melhor aliado de Bin Ladin], no qual aponta que “Inúmeros analistas observam que apesar de Bin Ladin finalmente ter sido morto, ele ganhou alguns grandes sucessos em sua guerra contra os Estados Unidos.”Continuando, Chomsky cita o jornalista especialista em Oriente Médio e Islã, Eric Margolis que escreveu: “Ele [Bin Ladin] repetidamente afirmou que a única forma de conduzir os Estados Unidos para fora do mundo islâmico e derrotar seu satrapismo é trazê-los para uma série de pequenas, mas dispendiosas guerras que finalmente irão à falência”. Segundo Chomsky, ”Fazendo sangrar os Estados Unidos, primeiro sob George W. Bush e depois sob Barack Obama levou-os direto para a armadilha de Bin Ladin.” Chomsky prosseguiu com sua correta afirmação de que “um ataque maciço contra uma população muçulmana teria sido uma resposta às orações de Bin Ladin e seus associados e levaria os Estados Unidos e seus aliados a uma armadilha diabólica.” Foi por esta razão, aliada aos custos de mais uma frente de guerra, que fez com que os Estados Unidos fingissem não estar atuando na Líbia.Chomsky, após demonstrar que os Estados Unidos, com seus ataques ao mundo islâmico foram os melhores aliados de Bin Ladin, indaga se não havia alternativa e aponta aquela que seria a mais óbvia: o movimento Jihadi Islâmico, crítico ferrenho de Bin Ladin, poderia ter abandonado o movimento e minado todas as ações da al-Qaida e o crime contra a humanidade que foi cometido poderia ter sido tratado como crime com uma ação internacional para prender os responsáveis, mas como dissemos acima, os ataques já constavam dos planos até mesmo antes da posse de Bush filho e antes do 11/9 e sem ou com os ataques criminosos o que se queria mesmo era ocupar o Afeganistão e o Iraque e ousamos dizer: como passo inicial. Bin Ladin ainda viveu para ver um dos resultados das aventuras dos Estados Unidos e seus aliados nas guerras e interferências nos países árabes e muçulmanos que levaram diretamente para a crise econômica que começou em 2008 e só Allah sabe quando e se de fato terá solução.José Farhat é cientista político e diretor de relações nacionais e internacionais do Instituto da Cultura Árabe.Logo após o ataque às Torres Gêmeas, em 9 de setembro de 2001, e até há poucos anos depois, quem ousasse interromper um jogo de gamão ou a baforada de um narguilé, em qualquer café de Beirute ou Clube de árabes em São Paulo e perguntasse quem foi o autor do atentado, é provável que ouvisse uma quase unânime resposta: “C.I.A. e Mossad”! Escrevemos um relato intitulado Onze de Setembro Sete Anos Depois, em 11/09/11, dando conta desta linha de pensamento árabe e também muçulmano, por andarem em paralelo.
Hoje, no entanto, já não se atribui este ato terrorista às duas agências de inteligência e sim a seus reais autores: al-Qaida e seus pupilos. Alguma insistência naquela errônea versão ainda ocorre, tal como existem pessoas que ainda consideram uma farsa televisiva a chegada de Neil Alden Armstrong à lua e seu pronunciamento em nome da humanidade.
A grande maioria de árabes e muçulmanos nunca apoiou a al-Qaida e sobretudo o crime que cometeu em território estadunidense, salvo as desprezíveis exceções de sempre que se manifestaram em 2001. Boa parte destes segue atualmente a mesma linha traçada por Peter L. Bergen, em seu livro The Longest War: The Enduring Conflict Between America and Al-Qaeda [A mais longa guerra: O conflito duradouro entre América e al-Qaida] no qual é analisado o sentido do que ocorreu naquele dia nefasto, mas também as consequências daquela agressão desumana, entender a guerra no Afeganistão, a ocupação do Iraque, as relações perturbadas dos Estados Unidos com o Paquistão, as perspectivas do relacionamento entre árabes e muçulmanos com o chamado Ocidente, liderado pelos Estados Unidos, às vezes ocultados pela couraça da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), as torturas cometidas e os programas de remessa às escondidas de prisioneiros a outros países para que fossem cruelmente interrogados e às vezes até eliminados e a caça e a morte de Bin Laden.
Seguindo Bergen, analista de segurança nacional da Rede CNN e diretor de estudos de segurança da New American Foundation que coletou dados junto a autores e organizações, fizemos o mesmo, salvo por uma única exceção, procuramos trazer para este estudo a opinião de não árabes e não muçulmanos. A bem da verdade, Bergen chegou a ser criticado pelo establishment estadunidense, à falta de outra desculpa, por não ter dado maiores detalhes sobre o Afeganistão.
Aquilo que árabes e muçulmanos, inclusive na Tríplice Fronteira de Brasil, Argentina e Paraguai, em todo o Brasil, em países árabes ou de maioria muçulmana indagam não é diferente daquilo que fazem os próprios cidadãos estadunidenses. Atualmente em sua grande maioria eles se impressionam: uma década depois do 11/9 os Estados Unidos continuam lutando no Afeganistão e ainda não saíram do Iraque (e apesar de acordo firmado com o governo iraquiano estão procurando encontrar um meio, qualquer um, para lá ficar), tudo apesar de não ter ocorrido qualquer ataque terrorista desde então. O espanto maior é que foi gasto mais de US$ 1 trilhão nos combates, milhares de estadunidenses foram mortos e não há dúvida que Tio Sam inspirou o surgimento de oposição odiosa por parte de árabes e muçulmanos, onde quer que se encontrem.
Cada árabe ou muçulmano lamenta a perda de centenas de milhares de vidas dos seus, tão inocentes quanto os cerca de três milhares de vítimas das Torres Gêmeas. É-lhes dolorido constatarem o que pode ser considerado uma discriminação entre vítimas civis inocentes: “as deles e as nossas”. O mundo ouviu as palavras de George W. Bush no dia do ataque e duas vezes depois e seus discursos foram pronunciados em alto e bom som, o suficiente para que árabes e muçulmanos ouvissem que a reação estadunidense seria uma cruzada. Lamentam eles também as agressões que se seguiram ao 11/9, por parte de Estados Unidos e seus aliados em terras árabes ou muçulmanas. Sentem profundamente o apoio que é dado a Israel e os abusos que este comete contra os palestinos que são tanto árabes quanto muçulmanos em sua maioria, mas também cristãos. A reação ao tratamento dado por Israel aos lugares santos do Cristianismo e do Islã não se limitam ao estado hebreu e sim abrangem os Estados Unidos e seus aliados. Ninguém pode negar que foram, em última instância, os inúmeros adiamentos da decisão de ingresso da Turquia na União Europeia, que teve sua origem nas campanhas contra o Islã, a razão para levar o estado turco a desistir de sua candidatura ao ingresso na organização. Isto apesar de o então presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, mentiroso contumaz, dizer que era a favor da entrada do país de maioria muçulmana para o seio da organização europeia. Pode-se também considerar que a deterioração das relações entre Israel e Turquia tem em 11/9 suas origens remotas.
A própria criação do Instituto da Cultura Árabe no Brasil (Icarabe) tem indiretamente no episódio suas origens. Os ataques a Edward W. Saïd (1935-2003), palestino-estadunidense, teórico de literatura, professor de inglês e literatura comparada na Columbia University e defensor da causa palestina, recrudesceu com a implementação da “caça às bruxas” nos Estados Unidos após o 11/9. Saïd passou a ser atacado por sua origem e até ameaçada foi a sua cátedra na universidade. Os ataques repercutiram no Brasil e encorajaram a união de intelectuais em sua defesa. O apoio a Saïd foi ampliado para a causa palestina em particular e árabe em geral e à rica cultura árabe, o que consequentemente resultou na criação do Icarabe, que o tem como patrono.
Falamos do 11/9 e de algumas poucas de suas repercussões, mas não chegamos a definir o que é terrorismo, o motivo das cruzadas de Bush filho. Em artigo publicado em 02/09/2011, o professor de Ciência Política da Aligarth Muslim University, na Índia, M. Mohibul Haque publicou um artigo no Countercurrents.org intitulado Deconstruction of Discourse on Terrorism [Desconstrução discurso sobre terrorismo] no qual ele sublinha que o sentido do termo ‘terrorismo’, apesar de ser aquele que por mais longo tempo se discute em círculos acadêmicos e governamentais, tem “implicações perigosas [que] não são sentidas” e afirma ademais que “a ausência de uma definição objetiva de terrorismo é mais proposital do que acidental”. Haque acrescenta ainda: “a desonestidade da fraternidade acadêmica e o dúbio comportamento de governos nacionais são responsáveis por tais problemas”. Vindo para o nosso assunto, o professor da AMU chega diretamente ao âmago da questão ao afirmar: “Terrorismo é um ato político ou ideológico motivado por violência contra homens ou mulheres comuns. Ele pode ser cometido por indivíduo, grupo, organização ou estado. No entanto, infelizmente este discurso sobre terrorismo foi sequestrado por nações poderosas do mundo que nunca querem que seus atos de injustificável violência devam ser discutidos no contexto de terrorismo. Isto é muito evidente nos efeitos dos ataques terroristas de 11 de setembro contra os Estados Unidos. A assim chamada guerra global declarada contra o terror e que está sendo travada por Estados Unidos e um punhado de seus aliados tem tentado tapear que na presente circunstância o terrorismo é monopólio de não-estados. Assim, a matança de pessoas inocentes cidadãs de Afeganistão, Iraque, Somália e Kosovo por uma aliança imperialista não é absolutamente terrorismo.” Professor Haque conclui dizendo que “Terrorismo deve ser definido e determinado mais com base em atos cometidos que em atores envolvidos.”
Albert ‘Al’ Gore vice-presidente durante os oito anos de governo William ‘Bill’ Clinton, não é árabe e nem tampouco muçulmano, com sua insuspeita pena, escreveu um livro sob o título The Assault on Reason [O assalto à razão] no qual atacou George W. Bush dizendo que ele estava “fora de alcance da realidade” e ignorou “claros avisos” sobre a ameaça terrorista antes do 11/9 e que ele tornou os estadunidenses menos seguros “agitando vespeiros no Iraque” enquanto usava “a linguagem e a política do medo” a fim de “desviar a agenda pública sem atentar para a evidência, os fatos ou o interesse público”. Gore poderia até estar investindo contra Bush por razões eleitoreiras, o que é negado por todas as resenhas do livro às quais tive acesso, mas há um fato inegável a respeito do assunto. Bush não deu ouvidos aos “claros avisos” porque com ou sem o 11/9 seus planos eram outros e o ataque da al-Qaida serviram apenas de desculpa. Em artigo publicado em 15/09/2002, sob o título Planned Iraq 'Regime Change' Before Becoming President [Plano de ‘mudança de regime’ no Iraque antes de se tornar presidente], o jornalista Neil Mackay dá conta em artigo de 15/09/2002, que um resumo secreto de documento sobre a dominação global dos Estados Unidos revela que Bush filho e seu gabinete estavam planejando e premeditando atacar o Iraque a fim de assegurar uma ‘mudança de regime’ bem antes de quando este assumiu a presidência em janeiro de 2001. Quem revelou a existência do documento sobre a criação da ‘Global Pax Americana’ foi o jornal Sunday Herald que informa serem autores do resumo Richard ‘Dick’ Cheney (que se tornaria vice-presidente de Bush filho), Donald Rumsfeld (que seria nomeado secretário de defesa), Paul Wolfowitz (segundo de Rumsfeld), John ‘Jeb’ Bush (irmão de Bush filho e depois governador da Florida e que ajudaria o irmão a ser reeleito) e Lewis Libby (chefe de gabinete de Cheney). O documento original, sob o título de Rebuilding America’s Defense: Strategies, Forces And Resources For a New Century [Reconstruindo a defesa dos Estados Unidos: Estratégias, forças e recursos para um novo século] foi redigido em setembro de 2000 (um ano antes do 11/9) pelo neoconservador grupo chamado Project for the New American Century [Projeto para um novo século estadunidense]. Tanto isto é verdade que na reunião da cúpula governamental estadunidense, no dia dos acontecimentos do 11/9, ao saber do ocorrido Paul Wolfowitz gritou: “Foi Saddam Hussein, vamos atacar o Iraque!” e, em seguida, ao surgir a figura de Bin Ladin, decidiu-se pelo ataque ao Afeganistão em primeiro lugar.
Não precisa ser árabe ou muçulmano para começar desconfiando e depois ter certeza que tudo tinha sido planejado com antecedência e os ataques de 11/9 e suas vítimas foram tão somente usados e os países árabes e muçulmanos também. No documento Rebuilding America’s Defense (capítulo II Quatro missões essenciais - página 5) estão traçadas as metas: “A liderança mundial dos Estados Unidos e seu papel de garantidor da atual paz da grande potência, assenta na segurança do território estadunidense; na preservação de uma balança favorável de poder na Europa, no Oriente Médio e na região circunvizinha produtora de energia e Leste Asiático; e na estabilidade do sistema internacional de estados-nações relativo a terroristas, crime organizado e outros ‘não-estados’ atores.”
No dia 06/09/2011, por ocasião do décimo aniversário do 11/9 o britânico Oxford Research Group publicou um relatório sob o sugestivo título de A War Gone Badly Wrong – The War on Terror Ten Years On [Uma Guerra que seguiu muito errada – A Guerra contra o terror continua por dez anos] com reflexões sobre os erros catastróficos da ultima década e avaliação da resposta dos Estados Unidos e da coligação de seus parceiros e questiona se a resposta foi apropriada ou sábia ou se os resultados foram, até o momento, contraproducentes e indicam a necessidade de um totalmente novo paradigma de segurança.
O autor do relatório, o Professor Paul Rogers, diz: “Por ver os ataques como exigindo uma resposta militar importante - uma ‘guerra ao terror’ – atribuiu aos autores precisamente a atenção que eles buscavam e provou ser profundamente contra produtivo.” O relatório inclusive compara os objetivos originais de guerra das administrações Bush e Blair logo após os ataques e seus resultados atuais em termos de longevidade dos conflitos, os custos humanos, as implicações financeiras e os desenvolvimentos políticos.
Rogers resume os maiores resultados da ‘guerra ao terror’ quando diz: “Uma curta guerra no Afeganistão logo mais entra na sua segunda década, sete anos de guerra no Iraque ainda está por resultar numa paz duradoura e o Paquistão continua profundamente instável. Enquanto isto, grupos fracamente ligados ao movimento al-Qaida fazem progresso em Iêmen, Nigéria, Argélia e Corno da África.” É mais uma concordância, e bastante importante, à idéia que defendemos aqui e, mais ainda, o impacto destes acontecimentos certamente serão sentidos por muitas décadas futuras tanto no Mashriq quanto o Maghrib árabes quanto no sul e centro asiático muçulmanos.
Só se pode concordar também com Rogers quando aponta para um fato relevante que é o aumento significativo da influência do Irã na região e principalmente nos países palcos das ações estadunidenses: Afeganistão e Iraque e, nestes países, o Irã está livre para atuar.
Rogers vai além ao apontar para aquilo que um aniversário não está representando em termos de oportunidade para reflexões honestas já que planejadores políticos e militares estão se arriscando a repetir os erros da última década e diz: “Uma avaliação abrangente das guerras no Iraque e Afeganistão é muito necessária em maior profundidade” do que a atual atitude dos Estados Unidos e Reino Unido para se conseguir “aumentar a cautela em resposta muito rápida em circunstâncias difíceis com o uso de força militar.”
Dificilmente podem ser encontrados contestadores, em qualquer parte do mundo, na atualidade, às conclusões de Rogers quando diz: “Tornou-se cada vez mais claro na última década que os Estados Unidos e seus parceiros devem aprender com o evidente fracasso da ‘guerra ao terror’ passando a prestarem mais atenção às causas subjacentes aos conflitos, especialmente os fatores que motivem novos paramilitares a empreenderem ações extremas.
”Noam Chomsky, linguista, filósofo, ativista político estadunidense, professor de Linguística no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, comentou sobre o 11/9 em artigo datado de 06/09/2011 intitulado Dangers of American Empire and Why the US Continues to be Bin Laden's Best Ally [Perigos do império estadunidense e porque os E.U.A. continuam sendo o melhor aliado de Bin Ladin], no qual aponta que “Inúmeros analistas observam que apesar de Bin Ladin finalmente ter sido morto, ele ganhou alguns grandes sucessos em sua guerra contra os Estados Unidos.
”Continuando, Chomsky cita o jornalista especialista em Oriente Médio e Islã, Eric Margolis que escreveu: “Ele [Bin Ladin] repetidamente afirmou que a única forma de conduzir os Estados Unidos para fora do mundo islâmico e derrotar seu satrapismo é trazê-los para uma série de pequenas, mas dispendiosas guerras que finalmente irão à falência”.
Segundo Chomsky, ”Fazendo sangrar os Estados Unidos, primeiro sob George W. Bush e depois sob Barack Obama levou-os direto para a armadilha de Bin Ladin.” Chomsky prosseguiu com sua correta afirmação de que “um ataque maciço contra uma população muçulmana teria sido uma resposta às orações de Bin Ladin e seus associados e levaria os Estados Unidos e seus aliados a uma armadilha diabólica.” Foi por esta razão, aliada aos custos de mais uma frente de guerra, que fez com que os Estados Unidos fingissem não estar atuando na Líbia.
Chomsky, após demonstrar que os Estados Unidos, com seus ataques ao mundo islâmico foram os melhores aliados de Bin Ladin, indaga se não havia alternativa e aponta aquela que seria a mais óbvia: o movimento Jihadi Islâmico, crítico ferrenho de Bin Laden, poderia ter abandonado o movimento e minado todas as ações da al-Qaida e o crime contra a humanidade que foi cometido poderia ter sido tratado como crime com uma ação internacional para prender os responsáveis, mas como dissemos acima, os ataques já constavam dos planos até mesmo antes da posse de Bush filho e antes do 11/9 e sem ou com os ataques criminosos o que se queria mesmo era ocupar o Afeganistão e o Iraque e ousamos dizer: como passo inicial.
Bin Laden ainda viveu para ver um dos resultados das aventuras dos Estados Unidos e seus aliados nas guerras e interferências nos países árabes e muçulmanos que levaram diretamente para a crise econômica que começou em 2008 e só Allah sabe quando e se de fato terá solução.José Farhat é cientista político e diretor de relações nacionais e internacionais do Instituto da Cultura Árabe.
José Farhat
Formado em Ciências Políticas (USJ-Beirute) e Propaganda e Marketing (ESPM-São Paulo), tem cursos de extensão ou pós-graduação em: Comércio Exterior (FGV-São Paulo), Introdução à Teoria Política (PUC-São Paulo), Direito Internacional (PUC-SP) e cursou Filosofia no Collège Patriarcal Grec-Catholique (CPGC-Beirute). Domina os idiomas: Árabe, Francês, Inglês e Português e tem artigos publicados sobre Política Internacional, no Brasil e no Líbano. É ex-Diretor Executivo e atual Conselheiro do Conselho Superior de Administração da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira; foi Superintendente de Relações Internacionais da Federação do Comércio do Estado de São Paulo e é seu atual membro do Conselho de Comércio e atual Diretor do Centro do Comércio do Estado de São Paulo. É diretor de Relações Nacionais e Internacionais do Instituto da Cultura Árabe. http://josefarhat.wordpress.com
(Icarabe)
16/09/2011 | José Farhat
Onze de setembro: dez anos depoispor José FarhatLogo após o ataque às Torres Gêmeas, em 9 de setembro de 2001, e até há poucos anos depois, quem ousasse interromper um jogo de gamão ou a baforada de um narguilé, em qualquer café de Beirute ou Clube de árabes em São Paulo e perguntasse quem foi o autor do atentado, é provável que ouvisse uma quase unânime resposta: “C.I.A. e Mossad”! Escrevemos um relato intitulado Onze de Setembro Sete Anos Depois, em 11/09/11, dando conta desta linha de pensamento árabe e também muçulmano, por andarem em paralelo.Hoje, no entanto, já não se atribui este ato terrorista às duas agências de inteligência e sim a seus reais autores: al-Qaida e seus pupilos. Alguma insistência naquela errônea versão ainda ocorre, tal como existem pessoas que ainda consideram uma farsa televisiva a chegada de Neil Alden Armstrong à lua e seu pronunciamento em nome da humanidade.A grande maioria de árabes e muçulmanos nunca apoiou a al-Qaida e sobretudo o crime que cometeu em território estadunidense, salvo as desprezíveis exceções de sempre que se manifestaram em 2001. Boa parte destes segue atualmente a mesma linha traçada por Peter L. Bergen, em seu livro The Longest War: The Enduring Conflict Between America and Al-Qaeda [A mais longa guerra: O conflito duradouro entre América e al-Qaida] no qual é analisado o sentido do que ocorreu naquele dia nefasto, mas também as consequências daquela agressão desumana, entender a guerra no Afeganistão, a ocupação do Iraque, as relações perturbadas dos Estados Unidos com o Paquistão, as perspectivas do relacionamento entre árabes e muçulmanos com o chamado Ocidente, liderado pelos Estados Unidos, às vezes ocultados pela couraça da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), as torturas cometidas e os programas de remessa às escondidas de prisioneiros a outros países para que fossem cruelmente interrogados e às vezes até eliminados e a caça e a morte de Bin Ladin. Seguindo Bergen, analista de segurança nacional da Rede CNN e diretor de estudos de segurança da New American Foundation que coletou dados junto a autores e organizações, fizemos o mesmo, salvo por uma única exceção, procuramos trazer para este estudo a opinião de não árabes e não muçulmanos. A bem da verdade, Bergen chegou a ser criticado pelo establishment estadunidense, à falta de outra desculpa, por não ter dado maiores detalhes sobre o Afeganistão.Aquilo que árabes e muçulmanos, inclusive na Tríplice Fronteira de Brasil, Argentina e Paraguai, em todo o Brasil, em países árabes ou de maioria muçulmana indagam não é diferente daquilo que fazem os próprios cidadãos estadunidenses. Atualmente em sua grande maioria eles se impressionam: uma década depois do 11/9 os Estados Unidos continuam lutando no Afeganistão e ainda não saíram do Iraque (e apesar de acordo firmado com o governo iraquiano estão procurando encontrar um meio, qualquer um, para lá ficar), tudo apesar de não ter ocorrido qualquer ataque terrorista desde então. O espanto maior é que foi gasto mais de US$ 1 trilhão nos combates, milhares de estadunidenses foram mortos e não há dúvida que Tio Sam inspirou o surgimento de oposição odiosa por parte de árabes e muçulmanos, onde quer que se encontrem. Cada árabe ou muçulmano lamenta a perda de centenas de milhares de vidas dos seus, tão inocentes quanto os cerca de três milhares de vítimas das Torres Gêmeas. É-lhes dolorido constatarem o que pode ser considerado uma discriminação entre vítimas civis inocentes: “as deles e as nossas”. O mundo ouviu as palavras de George W. Bush no dia do ataque e duas vezes depois e seus discursos foram pronunciados em alto e bom som, o suficiente para que árabes e muçulmanos ouvissem que a reação estadunidense seria uma cruzada. Lamentam eles também as agressões que se seguiram ao 11/9, por parte de Estados Unidos e seus aliados em terras árabes ou muçulmanas. Sentem profundamente o apoio que é dado a Israel e os abusos que este comete contra os palestinos que são tanto árabes quanto muçulmanos em sua maioria, mas também cristãos. A reação ao tratamento dado por Israel aos lugares santos do Cristianismo e do Islã não se limitam ao estado hebreu e sim abrangem os Estados Unidos e seus aliados. Ninguém pode negar que foram, em última instância, os inúmeros adiamentos da decisão de ingresso da Turquia na União Europeia, que teve sua origem nas campanhas contra o Islã, a razão para levar o estado turco a desistir de sua candidatura ao ingresso na organização. Isto apesar de o então presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, mentiroso contumaz, dizer que era a favor da entrada do país de maioria muçulmana para o seio da organização europeia. Pode-se também considerar que a deterioração das relações entre Israel e Turquia tem em 11/9 suas origens remotas.A própria criação do Instituto da Cultura Árabe no Brasil (Icarabe) tem indiretamente no episódio suas origens. Os ataques a Edward W. Saïd (1935-2003), palestino-estadunidense, teórico de literatura, professor de inglês e literatura comparada na Columbia University e defensor da causa palestina, recrudesceu com a implementação da “caça às bruxas” nos Estados Unidos após o 11/9. Saïd passou a ser atacado por sua origem e até ameaçada foi a sua cátedra na universidade. Os ataques repercutiram no Brasil e encorajaram a união de intelectuais em sua defesa. O apoio a Saïd foi ampliado para a causa palestina em particular e árabe em geral e à rica cultura árabe, o que consequentemente resultou na criação do Icarabe, que o tem como patrono. Falamos do 11/9 e de algumas poucas de suas repercussões, mas não chegamos a definir o que é terrorismo, o motivo das cruzadas de Bush filho. Em artigo publicado em 02/09/2011, o professor de Ciência Política da Aligarth Muslim University, na Índia, M. Mohibul Haque publicou um artigo no Countercurrents.org intitulado Deconstruction of Discourse on Terrorism [Desconstrução discurso sobre terrorismo] no qual ele sublinha que o sentido do termo ‘terrorismo’, apesar de ser aquele que por mais longo tempo se discute em círculos acadêmicos e governamentais, tem “implicações perigosas [que] não são sentidas” e afirma ademais que “a ausência de uma definição objetiva de terrorismo é mais proposital do que acidental”. Haque acrescenta ainda: “a desonestidade da fraternidade acadêmica e o dúbio comportamento de governos nacionais são responsáveis por tais problemas”. Vindo para o nosso assunto, o professor da AMU chega diretamente ao âmago da questão ao afirmar: “Terrorismo é um ato político ou ideológico motivado por violência contra homens ou mulheres comuns. Ele pode ser cometido por indivíduo, grupo, organização ou estado. No entanto, infelizmente este discurso sobre terrorismo foi sequestrado por nações poderosas do mundo que nunca querem que seus atos de injustificável violência devam ser discutidos no contexto de terrorismo. Isto é muito evidente nos efeitos dos ataques terroristas de 11 de setembro contra os Estados Unidos. A assim chamada guerra global declarada contra o terror e que está sendo travada por Estados Unidos e um punhado de seus aliados tem tentado tapear que na presente circunstância o terrorismo é monopólio de não-estados. Assim, a matança de pessoas inocentes cidadãs de Afeganistão, Iraque, Somália e Kosovo por uma aliança imperialista não é absolutamente terrorismo.” Professor Haque conclui dizendo que “Terrorismo deve ser definido e determinado mais com base em atos cometidos que em atores envolvidos.” Albert ‘Al’ Gore vice-presidente durante os oito anos de governo William ‘Bill’ Clinton, não é árabe e nem tampouco muçulmano, com sua insuspeita pena, escreveu um livro sob o título The Assault on Reason [O assalto à razão] no qual atacou George W. Bush dizendo que ele estava “fora de alcance da realidade” e ignorou “claros avisos” sobre a ameaça terrorista antes do 11/9 e que ele tornou os estadunidenses menos seguros “agitando vespeiros no Iraque” enquanto usava “a linguagem e a política do medo” a fim de “desviar a agenda pública sem atentar para a evidência, os fatos ou o interesse público”. Gore poderia até estar investindo contra Bush por razões eleitoreiras, o que é negado por todas as resenhas do livro às quais tive acesso, mas há um fato inegável a respeito do assunto. Bush não deu ouvidos aos “claros avisos” porque com ou sem o 11/9 seus planos eram outros e o ataque da al-Qaida serviram apenas de desculpa. Em artigo publicado em 15/09/2002, sob o título Planned Iraq 'Regime Change' Before Becoming President [Plano de ‘mudança de regime’ no Iraque antes de se tornar presidente], o jornalista Neil Mackay dá conta em artigo de 15/09/2002, que um resumo secreto de documento sobre a dominação global dos Estados Unidos revela que Bush filho e seu gabinete estavam planejando e premeditando atacar o Iraque a fim de assegurar uma ‘mudança de regime’ bem antes de quando este assumiu a presidência em janeiro de 2001. Quem revelou a existência do documento sobre a criação da ‘Global Pax Americana’ foi o jornal Sunday Herald que informa serem autores do resumo Richard ‘Dick’ Cheney (que se tornaria vice-presidente de Bush filho), Donald Rumsfeld (que seria nomeado secretário de defesa), Paul Wolfowitz (segundo de Rumsfeld), John ‘Jeb’ Bush (irmão de Bush filho e depois governador da Florida e que ajudaria o irmão a ser reeleito) e Lewis Libby (chefe de gabinete de Cheney). O documento original, sob o título de Rebuilding America’s Defense: Strategies, Forces And Resources For a New Century [Reconstruindo a defesa dos Estados Unidos: Estratégias, forças e recursos para um novo século] foi redigido em setembro de 2000 (um ano antes do 11/9) pelo neoconservador grupo chamado Project for the New American Century [Projeto para um novo século estadunidense]. Tanto isto é verdade que na reunião da cúpula governamental estadunidense, no dia dos acontecimentos do 11/9, ao saber do ocorrido Paul Wolfowitz gritou: “Foi Saddam Hussein, vamos atacar o Iraque!” e, em seguida, ao surgir a figura de Bin Ladin, decidiu-se pelo ataque ao Afeganistão em primeiro lugar. Não precisa ser árabe ou muçulmano para começar desconfiando e depois ter certeza que tudo tinha sido planejado com antecedência e os ataques de 11/9 e suas vítimas foram tão somente usados e os países árabes e muçulmanos também. No documento Rebuilding America’s Defense (capítulo II Quatro missões essenciais - página 5) estão traçadas as metas: “A liderança mundial dos Estados Unidos e seu papel de garantidor da atual paz da grande potência, assenta na segurança do território estadunidense; na preservação de uma balança favorável de poder na Europa, no Oriente Médio e na região circunvizinha produtora de energia e Leste Asiático; e na estabilidade do sistema internacional de estados-nações relativo a terroristas, crime organizado e outros ‘não-estados’ atores.” No dia 06/09/2011, por ocasião do décimo aniversário do 11/9 o britânico Oxford Research Group publicou um relatório sob o sugestivo título de A War Gone Badly Wrong – The War on Terror Ten Years On [Uma Guerra que seguiu muito errada – A Guerra contra o terror continua por dez anos] com reflexões sobre os erros catastróficos da ultima década e avaliação da resposta dos Estados Unidos e da coligação de seus parceiros e questiona se a resposta foi apropriada ou sábia ou se os resultados foram, até o momento, contraproducentes e indicam a necessidade de um totalmente novo paradigma de segurança.O autor do relatório, o Professor Paul Rogers, diz: “Por ver os ataques como exigindo uma resposta militar importante - uma ‘guerra ao terror’ – atribuiu aos autores precisamente a atenção que eles buscavam e provou ser profundamente contra produtivo.” O relatório inclusive compara os objetivos originais de guerra das administrações Bush e Blair logo após os ataques e seus resultados atuais em termos de longevidade dos conflitos, os custos humanos, as implicações financeiras e os desenvolvimentos políticos.Rogers resume os maiores resultados da ‘guerra ao terror’ quando diz: “Uma curta guerra no Afeganistão logo mais entra na sua segunda década, sete anos de guerra no Iraque ainda está por resultar numa paz duradoura e o Paquistão continua profundamente instável. Enquanto isto, grupos fracamente ligados ao movimento al-Qaida fazem progresso em Iêmen, Nigéria, Argélia e Corno da África.” É mais uma concordância, e bastante importante, à idéia que defendemos aqui e, mais ainda, o impacto destes acontecimentos certamente serão sentidos por muitas décadas futuras tanto no Mashriq quanto o Maghrib árabes quanto no sul e centro asiático muçulmanos.Só se pode concordar também com Rogers quando aponta para um fato relevante que é o aumento significativo da influência do Irã na região e principalmente nos países palcos das ações estadunidenses: Afeganistão e Iraque e, nestes países, o Irã está livre para atuar. Rogers vai além ao apontar para aquilo que um aniversário não está representando em termos de oportunidade para reflexões honestas já que planejadores políticos e militares estão se arriscando a repetir os erros da última década e diz: “Uma avaliação abrangente das guerras no Iraque e Afeganistão é muito necessária em maior profundidade” do que a atual atitude dos Estados Unidos e Reino Unido para se conseguir “aumentar a cautela em resposta muito rápida em circunstâncias difíceis com o uso de força militar.”Dificilmente podem ser encontrados contestadores, em qualquer parte do mundo, na atualidade, às conclusões de Rogers quando diz: “Tornou-se cada vez mais claro na última década que os Estados Unidos e seus parceiros devem aprender com o evidente fracasso da ‘guerra ao terror’ passando a prestarem mais atenção às causas subjacentes aos conflitos, especialmente os fatores que motivem novos paramilitares a empreenderem ações extremas.”Noam Chomsky, linguista, filósofo, ativista político estadunidense, professor de Linguística no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, comentou sobre o 11/9 em artigo datado de 06/09/2011 intitulado Dangers of American Empire and Why the US Continues to be Bin Laden's Best Ally [Perigos do império estadunidense e porque os E.U.A. continuam sendo o melhor aliado de Bin Ladin], no qual aponta que “Inúmeros analistas observam que apesar de Bin Ladin finalmente ter sido morto, ele ganhou alguns grandes sucessos em sua guerra contra os Estados Unidos.”Continuando, Chomsky cita o jornalista especialista em Oriente Médio e Islã, Eric Margolis que escreveu: “Ele [Bin Ladin] repetidamente afirmou que a única forma de conduzir os Estados Unidos para fora do mundo islâmico e derrotar seu satrapismo é trazê-los para uma série de pequenas, mas dispendiosas guerras que finalmente irão à falência”. Segundo Chomsky, ”Fazendo sangrar os Estados Unidos, primeiro sob George W. Bush e depois sob Barack Obama levou-os direto para a armadilha de Bin Ladin.” Chomsky prosseguiu com sua correta afirmação de que “um ataque maciço contra uma população muçulmana teria sido uma resposta às orações de Bin Ladin e seus associados e levaria os Estados Unidos e seus aliados a uma armadilha diabólica.” Foi por esta razão, aliada aos custos de mais uma frente de guerra, que fez com que os Estados Unidos fingissem não estar atuando na Líbia.Chomsky, após demonstrar que os Estados Unidos, com seus ataques ao mundo islâmico foram os melhores aliados de Bin Ladin, indaga se não havia alternativa e aponta aquela que seria a mais óbvia: o movimento Jihadi Islâmico, crítico ferrenho de Bin Ladin, poderia ter abandonado o movimento e minado todas as ações da al-Qaida e o crime contra a humanidade que foi cometido poderia ter sido tratado como crime com uma ação internacional para prender os responsáveis, mas como dissemos acima, os ataques já constavam dos planos até mesmo antes da posse de Bush filho e antes do 11/9 e sem ou com os ataques criminosos o que se queria mesmo era ocupar o Afeganistão e o Iraque e ousamos dizer: como passo inicial. Bin Ladin ainda viveu para ver um dos resultados das aventuras dos Estados Unidos e seus aliados nas guerras e interferências nos países árabes e muçulmanos que levaram diretamente para a crise econômica que começou em 2008 e só Allah sabe quando e se de fato terá solução.José Farhat é cientista político e diretor de relações nacionais e internacionais do Instituto da Cultura Árabe.Logo após o ataque às Torres Gêmeas, em 9 de setembro de 2001, e até há poucos anos depois, quem ousasse interromper um jogo de gamão ou a baforada de um narguilé, em qualquer café de Beirute ou Clube de árabes em São Paulo e perguntasse quem foi o autor do atentado, é provável que ouvisse uma quase unânime resposta: “C.I.A. e Mossad”! Escrevemos um relato intitulado Onze de Setembro Sete Anos Depois, em 11/09/11, dando conta desta linha de pensamento árabe e também muçulmano, por andarem em paralelo.
Hoje, no entanto, já não se atribui este ato terrorista às duas agências de inteligência e sim a seus reais autores: al-Qaida e seus pupilos. Alguma insistência naquela errônea versão ainda ocorre, tal como existem pessoas que ainda consideram uma farsa televisiva a chegada de Neil Alden Armstrong à lua e seu pronunciamento em nome da humanidade.
A grande maioria de árabes e muçulmanos nunca apoiou a al-Qaida e sobretudo o crime que cometeu em território estadunidense, salvo as desprezíveis exceções de sempre que se manifestaram em 2001. Boa parte destes segue atualmente a mesma linha traçada por Peter L. Bergen, em seu livro The Longest War: The Enduring Conflict Between America and Al-Qaeda [A mais longa guerra: O conflito duradouro entre América e al-Qaida] no qual é analisado o sentido do que ocorreu naquele dia nefasto, mas também as consequências daquela agressão desumana, entender a guerra no Afeganistão, a ocupação do Iraque, as relações perturbadas dos Estados Unidos com o Paquistão, as perspectivas do relacionamento entre árabes e muçulmanos com o chamado Ocidente, liderado pelos Estados Unidos, às vezes ocultados pela couraça da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), as torturas cometidas e os programas de remessa às escondidas de prisioneiros a outros países para que fossem cruelmente interrogados e às vezes até eliminados e a caça e a morte de Bin Laden.
Seguindo Bergen, analista de segurança nacional da Rede CNN e diretor de estudos de segurança da New American Foundation que coletou dados junto a autores e organizações, fizemos o mesmo, salvo por uma única exceção, procuramos trazer para este estudo a opinião de não árabes e não muçulmanos. A bem da verdade, Bergen chegou a ser criticado pelo establishment estadunidense, à falta de outra desculpa, por não ter dado maiores detalhes sobre o Afeganistão.
Aquilo que árabes e muçulmanos, inclusive na Tríplice Fronteira de Brasil, Argentina e Paraguai, em todo o Brasil, em países árabes ou de maioria muçulmana indagam não é diferente daquilo que fazem os próprios cidadãos estadunidenses. Atualmente em sua grande maioria eles se impressionam: uma década depois do 11/9 os Estados Unidos continuam lutando no Afeganistão e ainda não saíram do Iraque (e apesar de acordo firmado com o governo iraquiano estão procurando encontrar um meio, qualquer um, para lá ficar), tudo apesar de não ter ocorrido qualquer ataque terrorista desde então. O espanto maior é que foi gasto mais de US$ 1 trilhão nos combates, milhares de estadunidenses foram mortos e não há dúvida que Tio Sam inspirou o surgimento de oposição odiosa por parte de árabes e muçulmanos, onde quer que se encontrem.
Cada árabe ou muçulmano lamenta a perda de centenas de milhares de vidas dos seus, tão inocentes quanto os cerca de três milhares de vítimas das Torres Gêmeas. É-lhes dolorido constatarem o que pode ser considerado uma discriminação entre vítimas civis inocentes: “as deles e as nossas”. O mundo ouviu as palavras de George W. Bush no dia do ataque e duas vezes depois e seus discursos foram pronunciados em alto e bom som, o suficiente para que árabes e muçulmanos ouvissem que a reação estadunidense seria uma cruzada. Lamentam eles também as agressões que se seguiram ao 11/9, por parte de Estados Unidos e seus aliados em terras árabes ou muçulmanas. Sentem profundamente o apoio que é dado a Israel e os abusos que este comete contra os palestinos que são tanto árabes quanto muçulmanos em sua maioria, mas também cristãos. A reação ao tratamento dado por Israel aos lugares santos do Cristianismo e do Islã não se limitam ao estado hebreu e sim abrangem os Estados Unidos e seus aliados. Ninguém pode negar que foram, em última instância, os inúmeros adiamentos da decisão de ingresso da Turquia na União Europeia, que teve sua origem nas campanhas contra o Islã, a razão para levar o estado turco a desistir de sua candidatura ao ingresso na organização. Isto apesar de o então presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, mentiroso contumaz, dizer que era a favor da entrada do país de maioria muçulmana para o seio da organização europeia. Pode-se também considerar que a deterioração das relações entre Israel e Turquia tem em 11/9 suas origens remotas.
A própria criação do Instituto da Cultura Árabe no Brasil (Icarabe) tem indiretamente no episódio suas origens. Os ataques a Edward W. Saïd (1935-2003), palestino-estadunidense, teórico de literatura, professor de inglês e literatura comparada na Columbia University e defensor da causa palestina, recrudesceu com a implementação da “caça às bruxas” nos Estados Unidos após o 11/9. Saïd passou a ser atacado por sua origem e até ameaçada foi a sua cátedra na universidade. Os ataques repercutiram no Brasil e encorajaram a união de intelectuais em sua defesa. O apoio a Saïd foi ampliado para a causa palestina em particular e árabe em geral e à rica cultura árabe, o que consequentemente resultou na criação do Icarabe, que o tem como patrono.
Falamos do 11/9 e de algumas poucas de suas repercussões, mas não chegamos a definir o que é terrorismo, o motivo das cruzadas de Bush filho. Em artigo publicado em 02/09/2011, o professor de Ciência Política da Aligarth Muslim University, na Índia, M. Mohibul Haque publicou um artigo no Countercurrents.org intitulado Deconstruction of Discourse on Terrorism [Desconstrução discurso sobre terrorismo] no qual ele sublinha que o sentido do termo ‘terrorismo’, apesar de ser aquele que por mais longo tempo se discute em círculos acadêmicos e governamentais, tem “implicações perigosas [que] não são sentidas” e afirma ademais que “a ausência de uma definição objetiva de terrorismo é mais proposital do que acidental”. Haque acrescenta ainda: “a desonestidade da fraternidade acadêmica e o dúbio comportamento de governos nacionais são responsáveis por tais problemas”. Vindo para o nosso assunto, o professor da AMU chega diretamente ao âmago da questão ao afirmar: “Terrorismo é um ato político ou ideológico motivado por violência contra homens ou mulheres comuns. Ele pode ser cometido por indivíduo, grupo, organização ou estado. No entanto, infelizmente este discurso sobre terrorismo foi sequestrado por nações poderosas do mundo que nunca querem que seus atos de injustificável violência devam ser discutidos no contexto de terrorismo. Isto é muito evidente nos efeitos dos ataques terroristas de 11 de setembro contra os Estados Unidos. A assim chamada guerra global declarada contra o terror e que está sendo travada por Estados Unidos e um punhado de seus aliados tem tentado tapear que na presente circunstância o terrorismo é monopólio de não-estados. Assim, a matança de pessoas inocentes cidadãs de Afeganistão, Iraque, Somália e Kosovo por uma aliança imperialista não é absolutamente terrorismo.” Professor Haque conclui dizendo que “Terrorismo deve ser definido e determinado mais com base em atos cometidos que em atores envolvidos.”
Albert ‘Al’ Gore vice-presidente durante os oito anos de governo William ‘Bill’ Clinton, não é árabe e nem tampouco muçulmano, com sua insuspeita pena, escreveu um livro sob o título The Assault on Reason [O assalto à razão] no qual atacou George W. Bush dizendo que ele estava “fora de alcance da realidade” e ignorou “claros avisos” sobre a ameaça terrorista antes do 11/9 e que ele tornou os estadunidenses menos seguros “agitando vespeiros no Iraque” enquanto usava “a linguagem e a política do medo” a fim de “desviar a agenda pública sem atentar para a evidência, os fatos ou o interesse público”. Gore poderia até estar investindo contra Bush por razões eleitoreiras, o que é negado por todas as resenhas do livro às quais tive acesso, mas há um fato inegável a respeito do assunto. Bush não deu ouvidos aos “claros avisos” porque com ou sem o 11/9 seus planos eram outros e o ataque da al-Qaida serviram apenas de desculpa. Em artigo publicado em 15/09/2002, sob o título Planned Iraq 'Regime Change' Before Becoming President [Plano de ‘mudança de regime’ no Iraque antes de se tornar presidente], o jornalista Neil Mackay dá conta em artigo de 15/09/2002, que um resumo secreto de documento sobre a dominação global dos Estados Unidos revela que Bush filho e seu gabinete estavam planejando e premeditando atacar o Iraque a fim de assegurar uma ‘mudança de regime’ bem antes de quando este assumiu a presidência em janeiro de 2001. Quem revelou a existência do documento sobre a criação da ‘Global Pax Americana’ foi o jornal Sunday Herald que informa serem autores do resumo Richard ‘Dick’ Cheney (que se tornaria vice-presidente de Bush filho), Donald Rumsfeld (que seria nomeado secretário de defesa), Paul Wolfowitz (segundo de Rumsfeld), John ‘Jeb’ Bush (irmão de Bush filho e depois governador da Florida e que ajudaria o irmão a ser reeleito) e Lewis Libby (chefe de gabinete de Cheney). O documento original, sob o título de Rebuilding America’s Defense: Strategies, Forces And Resources For a New Century [Reconstruindo a defesa dos Estados Unidos: Estratégias, forças e recursos para um novo século] foi redigido em setembro de 2000 (um ano antes do 11/9) pelo neoconservador grupo chamado Project for the New American Century [Projeto para um novo século estadunidense]. Tanto isto é verdade que na reunião da cúpula governamental estadunidense, no dia dos acontecimentos do 11/9, ao saber do ocorrido Paul Wolfowitz gritou: “Foi Saddam Hussein, vamos atacar o Iraque!” e, em seguida, ao surgir a figura de Bin Ladin, decidiu-se pelo ataque ao Afeganistão em primeiro lugar.
Não precisa ser árabe ou muçulmano para começar desconfiando e depois ter certeza que tudo tinha sido planejado com antecedência e os ataques de 11/9 e suas vítimas foram tão somente usados e os países árabes e muçulmanos também. No documento Rebuilding America’s Defense (capítulo II Quatro missões essenciais - página 5) estão traçadas as metas: “A liderança mundial dos Estados Unidos e seu papel de garantidor da atual paz da grande potência, assenta na segurança do território estadunidense; na preservação de uma balança favorável de poder na Europa, no Oriente Médio e na região circunvizinha produtora de energia e Leste Asiático; e na estabilidade do sistema internacional de estados-nações relativo a terroristas, crime organizado e outros ‘não-estados’ atores.”
No dia 06/09/2011, por ocasião do décimo aniversário do 11/9 o britânico Oxford Research Group publicou um relatório sob o sugestivo título de A War Gone Badly Wrong – The War on Terror Ten Years On [Uma Guerra que seguiu muito errada – A Guerra contra o terror continua por dez anos] com reflexões sobre os erros catastróficos da ultima década e avaliação da resposta dos Estados Unidos e da coligação de seus parceiros e questiona se a resposta foi apropriada ou sábia ou se os resultados foram, até o momento, contraproducentes e indicam a necessidade de um totalmente novo paradigma de segurança.
O autor do relatório, o Professor Paul Rogers, diz: “Por ver os ataques como exigindo uma resposta militar importante - uma ‘guerra ao terror’ – atribuiu aos autores precisamente a atenção que eles buscavam e provou ser profundamente contra produtivo.” O relatório inclusive compara os objetivos originais de guerra das administrações Bush e Blair logo após os ataques e seus resultados atuais em termos de longevidade dos conflitos, os custos humanos, as implicações financeiras e os desenvolvimentos políticos.
Rogers resume os maiores resultados da ‘guerra ao terror’ quando diz: “Uma curta guerra no Afeganistão logo mais entra na sua segunda década, sete anos de guerra no Iraque ainda está por resultar numa paz duradoura e o Paquistão continua profundamente instável. Enquanto isto, grupos fracamente ligados ao movimento al-Qaida fazem progresso em Iêmen, Nigéria, Argélia e Corno da África.” É mais uma concordância, e bastante importante, à idéia que defendemos aqui e, mais ainda, o impacto destes acontecimentos certamente serão sentidos por muitas décadas futuras tanto no Mashriq quanto o Maghrib árabes quanto no sul e centro asiático muçulmanos.
Só se pode concordar também com Rogers quando aponta para um fato relevante que é o aumento significativo da influência do Irã na região e principalmente nos países palcos das ações estadunidenses: Afeganistão e Iraque e, nestes países, o Irã está livre para atuar.
Rogers vai além ao apontar para aquilo que um aniversário não está representando em termos de oportunidade para reflexões honestas já que planejadores políticos e militares estão se arriscando a repetir os erros da última década e diz: “Uma avaliação abrangente das guerras no Iraque e Afeganistão é muito necessária em maior profundidade” do que a atual atitude dos Estados Unidos e Reino Unido para se conseguir “aumentar a cautela em resposta muito rápida em circunstâncias difíceis com o uso de força militar.”
Dificilmente podem ser encontrados contestadores, em qualquer parte do mundo, na atualidade, às conclusões de Rogers quando diz: “Tornou-se cada vez mais claro na última década que os Estados Unidos e seus parceiros devem aprender com o evidente fracasso da ‘guerra ao terror’ passando a prestarem mais atenção às causas subjacentes aos conflitos, especialmente os fatores que motivem novos paramilitares a empreenderem ações extremas.
”Noam Chomsky, linguista, filósofo, ativista político estadunidense, professor de Linguística no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, comentou sobre o 11/9 em artigo datado de 06/09/2011 intitulado Dangers of American Empire and Why the US Continues to be Bin Laden's Best Ally [Perigos do império estadunidense e porque os E.U.A. continuam sendo o melhor aliado de Bin Ladin], no qual aponta que “Inúmeros analistas observam que apesar de Bin Ladin finalmente ter sido morto, ele ganhou alguns grandes sucessos em sua guerra contra os Estados Unidos.
”Continuando, Chomsky cita o jornalista especialista em Oriente Médio e Islã, Eric Margolis que escreveu: “Ele [Bin Ladin] repetidamente afirmou que a única forma de conduzir os Estados Unidos para fora do mundo islâmico e derrotar seu satrapismo é trazê-los para uma série de pequenas, mas dispendiosas guerras que finalmente irão à falência”.
Segundo Chomsky, ”Fazendo sangrar os Estados Unidos, primeiro sob George W. Bush e depois sob Barack Obama levou-os direto para a armadilha de Bin Ladin.” Chomsky prosseguiu com sua correta afirmação de que “um ataque maciço contra uma população muçulmana teria sido uma resposta às orações de Bin Ladin e seus associados e levaria os Estados Unidos e seus aliados a uma armadilha diabólica.” Foi por esta razão, aliada aos custos de mais uma frente de guerra, que fez com que os Estados Unidos fingissem não estar atuando na Líbia.
Chomsky, após demonstrar que os Estados Unidos, com seus ataques ao mundo islâmico foram os melhores aliados de Bin Ladin, indaga se não havia alternativa e aponta aquela que seria a mais óbvia: o movimento Jihadi Islâmico, crítico ferrenho de Bin Laden, poderia ter abandonado o movimento e minado todas as ações da al-Qaida e o crime contra a humanidade que foi cometido poderia ter sido tratado como crime com uma ação internacional para prender os responsáveis, mas como dissemos acima, os ataques já constavam dos planos até mesmo antes da posse de Bush filho e antes do 11/9 e sem ou com os ataques criminosos o que se queria mesmo era ocupar o Afeganistão e o Iraque e ousamos dizer: como passo inicial.
Bin Laden ainda viveu para ver um dos resultados das aventuras dos Estados Unidos e seus aliados nas guerras e interferências nos países árabes e muçulmanos que levaram diretamente para a crise econômica que começou em 2008 e só Allah sabe quando e se de fato terá solução.José Farhat é cientista político e diretor de relações nacionais e internacionais do Instituto da Cultura Árabe.
José Farhat
Formado em Ciências Políticas (USJ-Beirute) e Propaganda e Marketing (ESPM-São Paulo), tem cursos de extensão ou pós-graduação em: Comércio Exterior (FGV-São Paulo), Introdução à Teoria Política (PUC-São Paulo), Direito Internacional (PUC-SP) e cursou Filosofia no Collège Patriarcal Grec-Catholique (CPGC-Beirute). Domina os idiomas: Árabe, Francês, Inglês e Português e tem artigos publicados sobre Política Internacional, no Brasil e no Líbano. É ex-Diretor Executivo e atual Conselheiro do Conselho Superior de Administração da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira; foi Superintendente de Relações Internacionais da Federação do Comércio do Estado de São Paulo e é seu atual membro do Conselho de Comércio e atual Diretor do Centro do Comércio do Estado de São Paulo. É diretor de Relações Nacionais e Internacionais do Instituto da Cultura Árabe. http://josefarhat.wordpress.com
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